Um programa, um objetivo, um fim almejado

Esta foto está também no Fratres in Unum; encontrei-a aqui, onde tem algumas outras fotos do encontro de Assis (em particular esta aqui, que retrata a mesma situação e mostra o altar que está defronte ao Papa).

Trata-se do Vigário de Cristo junto com alguns líderes religiosos (não sei dizer se estavam aqui todos presentes) ao fim do encontro, na cripta de São Francisco, rezando diante do Santíssimo Sacramento.

O senhor de púrpura à esquerda da foto é o Dr. Rowan Williams, chefe da Igreja anglicana, prostrado de joelhos diante de Cristo Eucarístico. Ecumenismo de verdade é isso aí! É claro que, provavelmente, os diversos líderes religiosos aí presentes estão fazendo somente bom-mocismo diante do Rei dos Reis; mas a foto tem a força de um programa, de um objetivo a ser buscado, de um fim almejado pelo qual vale a pena trabalhar. Sim, queremos todos os homens reunidos, mas os queremos assim: reunidos aos pés de Cristo! E, como o estar sob o sol queima a pele ainda que não se atente para isso, oxalá o colocar-se diante do Sol da Justiça possa conceder algumas graças para estes homens que estão diante de Cristo e ao lado do Seu vigário – ainda que não o saibam.

Bento XVI em Assis: “O «não» a Deus produziu crueldade e uma violência sem medida”

[Publico a íntegra do primeiro discurso do Papa Bento XVI no III Encontro de Assis, proferido hoje na Basílica de Santa Maria dos Anjos. Todos os grifos são meus.

Alguns podem estranhar que este discurso não se assemelhe tanto a uma defesa da Fé Católica diante dos que recusam a Religião Verdadeira. Isto é verdade. Mas nem todos os discursos papais precisam ser tratados de apologética, e nem os não-católicos só podem ser abordados sob a alcunha explícita de inimigos de Cristo. O dia é “pela Paz e a Justiça no Mundo”, e não diretamente “ut inimicos Sanctae Ecclesiae humiliare”. Há um tempo para cada coisa debaixo dos Céus.

O que não significa que não seja possível extrair coisas boas de uma abordagem distinta. Entre outras coisas, o Papa consegue, neste discurso, i) criticar o terrorismo islâmico; ii) demonstrar que são improfícuos os esforços naturalistas por paz; iii) defender abertamente a santidade da Igreja a despeito dos erros dos católicos; iv) criticar o Iluminismo; v) chamar os cristãos à conversão e ao aperfeiçoamento moral; vi) acusar o ateísmo assassino; e vii) separar os agnósticos (imensa maioria dos incrédulos) dos ateus fanáticos radicais (Dawkins et caterva), privando estes últimos do “número” que alegam ter.  É bastante coisa. Que as pessoas o possam perceber. E que este dia possa dar bons frutos.

Fonte: Discurso do Papa Bento XVI, Assis, 27 de outubro de 2011.]

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI

Assis, Basílica de Santa Maria dos Anjos
Quinta-feira
, 27 de Outubro de 2011

Queridos irmãos e irmãs,
distintos Chefes e representantes das Igrejas
e Comunidades eclesiais e das religiões do mundo,
queridos amigos,

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Assis e o Príncipe da Paz

Ocorre amanhã o encontro de Assis, quando o Papa Bento XVI vai se reunir com representantes de diversas religiões (e, se não me engano, até mesmo com os sem religião alguma) com vistas à promoção da paz mundial. O evento ocorre, também, em memória dos 25 anos do I Encontro de Assis, realizado pelo Papa João Paulo II em 1986.

A despeito de todos os cuidados do então Pontífice, a impressão que passa é a de que o primeiro encontro foi desastroso (como alguns dizem, Deus mandou até terremoto…). Mas faço questão, sim, de registrar os cuidados então tomados por João Paulo II, porque muito do que se lê sobre o Encontro de Assis é somente a maçã podre do cesto. Se é certo que certas coisas foram lamentáveis e não devem ser escondidas, é igualmente injusto esconder o outro lado da questão. Não se registra tanto, p.ex., que os membros de religiões diversas rezaram separadamente (e não em conjunto), e nem que o Papa João Paulo II disse lá, com todas as letras, que o encontro não tinha nenhuma conotação de indiferentismo religioso, nem de todas as religiões serem boas para construir um mundo melhor, nem nenhuma bobagem naturalista do tipo. Está lá, no discurso “[a]os representantes das várias Igrejas e Comunhões Cristãs e de outras religiões presentes em Assis para o Dia de Oração pela Paz (27 de outubro de 1986)” (ou em inglês):

O fato de termos vindo aqui não implica em alguma intenção de buscarmos um consenso religioso entre nós, ou de negociarmos as nossas convicções de fé. Tampouco significa que as religiões podem se reconciliar no nível de um empenho comum num projeto terreno que as sobrepasse todas. Também não é uma concessão a um relativismo nas crenças religiosas, porque todo ser humano deve seguir sinceramente a sua reta consciência na intenção de procurar e de obedecer à verdade.

O nosso encontro atesta somente – este é o [seu] verdadeiro significado para as pessoas de nosso tempo – que, no grande empenho pela paz, a humanidade (na sua própria diversidade) deve beber de suas mais profundas e vivificantes fontes, nas quais se forma a própria consciência e sobre as quais se fundam as ações de todas as pessoas.

E, na conclusão do encontro, João Paulo II disse ainda que a paz é um imperativo de qualquer consciência moral e que a situação atual do mundo testemunha que a realização da paz está além dos esforços humanos. Uma referência, portanto, à Lei Natural seguida de um apelo à transcendência em um mundo laicizado. Pode-se questionar a conveniência de tal encontro (ou de sua repetição), pode-se (aliás, deve-se!) repudiar com energia os abusos que lá aconteceram; mas não é razoável rasgar as vestes vaticinando por conta disso a apostasia da Igreja, nem tampouco inferir deste encontro coisas que o seu idealizador e organizador disse expressamente não decorrerem dele.

No encontro de amanhã, as coisas serão diferentes. Primeiro que não haverá orações nem em comum e nem separadamente; a programação do encontro não as prevê. Haverá somente, ao final do dia, um Rinnovo Solenne dell’Impegno per la Pace. Depois, a oração preparatória para o encontro de Assis (feita no Vaticano, na véspera da viagem, hoje) está cheia de elementos daquela santa intolerância que é apanágio da Fé Verdadeira: do Tu es Petrus da entrada, passando pelo “convertitevi e credete nel Vangelo” da Aclamação ao Salve Regina final. Sem espaço, portanto, para indiferença religiosa. A experiência passada foi negativa a ponto do Santo Padre julgar por bem tomar algumas precauções.

À luz disso, algumas considerações de Dom Marcelo Barros (publicadas no Site da Arquidiocese de Olinda e Recife) são sem cabimento e só se prestam a confundir o povo de Deus. Em primeiro lugar, o Papa não está (como disse o monge) convidando «os líderes de outras religiões para orar», e sim para se reunirem em Assis. Em segundo lugar, ainda que estivesse (como João Paulo II fez), isto de forma alguma seria «um gesto de reconhecimento do valor espiritual dessas religiões», a menos que estejamos falando do seu valor enquanto apontam para a Verdadeira Igreja de Cristo (o que certamente não é o sentido empregado pelo Marcelo Barros).

Na verdade, a paz é um anseio de todos os homens, assim como a sua sede de Infinito – que só no Deus Verdadeiro pode ser saciada. Apontar para o fato de que o homem anseia por Deus não é, absolutamente, a mesma coisa que legitimar os ídolos (antigos ou modernos) com os quais os homens buscam em vão suprir esta necessidade. Trata-se não de legitimá-la tal como se encontra e nem de fingir que ela não existe, mas de ordená-la para o seu fim verdadeiro. Afinal, é quando o homem reconhece a sua sede de infinito que ele se coloca a caminho da conversão.

Analogamente, reconhecer que os homens anelam a paz não é concordar com os meios por eles empregados para obtê-la: é simplesmente constatar um desejo, o qual só encontra a sua plena realização na paz de Cristo, na Paz que Ele nos deixou e que não é desta terra. Assim, falar em Deus mesmo para pagãos (como São Paulo no Areópago de Atenas) não é fazer uma concessão ao paganismo; é, ao contrário, fazer um apelo ao anseio de Transcendência que se encontra mesmo nos que tomam algum ídolo por Transcendente. E, do mesmo modo, falar em Paz para os que não A possuem (e nem podem possuir) não é capitular diante dos seus erros nem aceitar a pseudo-paz que eles oferecem: ao contrário, acenar com a importância da Paz Verdadeira é conceder aos homens a chance de perceberem que eles ainda não a possuem. É dar-lhes a possibilidade de encontrarem a Cristo, Único Príncipe da Paz.