Charlie Gard glorioso

Morreu na última sexta-feira, 28 de agosto, o pequeno Charlie Gard, o bebê britânico que recentemente comoveu o mundo enquanto sofria de uma doença mitocondrial rara para a qual seus pais buscavam desesperadamente um tratamento. Chris Gard e Connie Yates lutaram furiosamente por sua prole, desafiaram os poderosos do mundo e, com isso, angariaram a simpatia e a admiração de milhões. Pode parecer que foram baldados os seus esforços, uma vez que a criança foi morrendo lentamente, pouco a pouco, enquanto burocratas em repartições públicas discutiam pormenorizadamente em quê consistiria o “melhor interesse” de Charlie. A situação do pequeno foi ficando cada vez pior enquanto sucessivas audiências judiciais eram realizadas, até que ele não pôde mais resistir. Ao final rejubilaram-se os próceres da cultura da morte: Charlie Gard morreu, os assassinos venceram! Mas nós cristãos sabemos que nem sempre a morte é o fim da história. Pois houve um dia em que as coisas mudaram. Há dois mil anos que a morte não é uma derrota. Não mais.

Charlie Gard morreu, e agora? Apesar de tudo, penso que há fundadas razões para alegria e esperança. Em primeiro lugar, ele fez mais durante a sua curta vida do que é dado à maior parte dos infantes fazer. Ele permitiu que os seus pais fizessem ecoar pelo mundo inteiro um brado pela vida: um grito pelo direito de não medir esforços pela saúde dos que padecem enfermidades. O fato é que Charlie comoveu multidões. Muitos se interessaram pela história da criança, rezaram por ela, conversaram sobre ela, procuraram os jornais britânicos e pesquisaram sobre o sistema jurídico inglês. Charlie mereceu chamadas televisivas, capas de jornais, artigos de opinião inflamados, análises jurídicas. Conheceram a sua história, neste mundo onde é quase possível nascer, viver e morrer praticamente no anonimato.

Além disso, podem dizer que a batalha judicial foi perdida: eu, ao contrário, digo que ela foi brilhantemente vitoriosa. Não existe nenhuma possibilidade concreta de o indivíduo atual, o cidadão dos dias que correm, fazer frente ao poder burocrático quase ilimitado do Estado Moderno, do Leviathan contemporâneo. A desproporção é gigantesca e provavelmente não foi jamais tão grande: a vontade estatal tem, hoje, meios de se impôr sobre os cidadãos com os quais os maiores déspotas da Antiguidade não puderem sequer sonhar. Para se ter uma idéia do tamanho da iniquidade, os pais de Charlie não puderam falar pelo seu filho nos tribunais, e a advogada que o Estado nomeou para representar judicialmente os interesses da criança é diretora de uma associação pró-eutanásia. Jogo com maior número de cartas marcadas não poderia haver.

Aquele jovem casal britânico, no entanto, fez o impossível. Recusou-se a baixar a cabeça mesmo diante da vastidão dos exércitos de César: reclamou em público, altissonantemente, o seu direito — inalienável e sagrado! — de lutar pela vida do filho, independente do que pudessem dizer todos os juízes togados do mundo. Esta história foi uma Antígona moderna. Ao final foram eles próprios que desistiram da batalha legal, e foi somente então que o assunto ficou, com o perdão do termo, pacificado: antes a Suprema Corte já havia dado a última palavra, e a Corte Europeia de Direitos Humanos também, e ainda assim aquele casal tornou a mover mundos e fundos para conseguir — e conseguiu — levar o assunto mais uma vez aos tribunais britânicos! Ora, o Estado detém o monopólio da jurisdição, de dizer o direito, de encerrar os litígios. Em GOSH v. Gard, no entanto, parece que a disputa — mesmo a jurídica — não cessou enquanto os pais não disseram “basta”.

E mais ainda. Muito se escreveu sobre o bebê Gard; muitos inclusive ousaram defender abertamente que a vontade dos médicos devesse prevalecer sobre a vontade dos pais. Por exemplo, a BBC:

Daniel Sokol, um médico especialista em ética e advogado, disse que o caso lançou uma luz sobre esta questão [a discordância entre profissionais e familiares a respeito de um tratamento médico]. “Isto nos lembra que os direitos dos pais sobre os seus filhos não são absolutos. Eles são limitados por aquilo que é o melhor interesse da criança”.

[Aliás, pelo que andei vendo, a BBC tomou desabridamente o partido do hospital contra os pais da criança, para sua perpétua vergonha. Ao que parece, foi o mais tendencioso e insistente dos veículos de comunicação sobre o assunto.]

Mas o que se viu realmente brilhar — quase por toda a parte, mesmo na mídia secular — foram críticas à atuação das cortes e apoio à luta dos pais de Charlie. Veja-se:

The Telegraph, reproduzindo o pronunciamento de Connie Yates, mãe da Charlie: “Charlie teve uma chance real de melhorar. Agora é infelizmente tarde demais para ele, mas não é tarde demais para outros que possuam a mesma doença ou outras doenças horríveis. Nós vamos continuar a ajudar famílias de crianças doentes e tentar fazer Charlie viver nas vidas dos outros. Nós devemos isso a ele para que a sua vida não tenha sido em vão”.

The Guardian: “Vivemos em um mundo de uns e zeros (…) [e] agora até mesmo a compaixão precisa se encaixar na racionalidade empírica. É por isso que aqueles que jamais sentiram o perfume do pescoço de Charlie, aqueles que jamais o abraçaram, que jamais choraram rezando pelo seu bem-estar, são considerados os mais adequados para decidir como ele deve viver e morrer”.

The New York Times, em um artigo que defende a eutanásia: “O que torna este caso particularmente difícil é que há argumentos válidos de ambos os lados. Algumas questões morais não têm uma resposta certa. Mas, ora, se há razão em ambos os lados, há também motivos para se questionar o julgamento dos tribunais”.

E finalmente, há o próprio Charlie Gard, hoje liberto da corrupção da carne, da fraqueza, da doença. Charlie agora se encontra diante de Deus — é certo. Tendo sido validamente batizado não detinha mais a mácula do Pecado Original; morrendo antes da idade da razão, não teve pecados atuais que lhe embaraçassem a visão de Deus. Morreu portanto filho de Deus, em estado de graça, em heroico sofrimento e após comover o mundo: sua alma encontra-se na presença do Onipotente, unida à multidão de anjos e santos que, de pé, diante do Trono de Deus, intercedem em uníssono por nós que ainda mais um pouco aqui ficamos. E as almas são todas “adultas”, i.e., detêm inteligência e vontade na inteireza da natureza humana. Charlie não é mais o bebê cego e surdo que foi nos seus últimos dias: é agora uma alma humana perfeita, na plenitude de suas potências naturais, vivo e glorioso na presença do Deus Altíssimo, intercedendo por nós.

Chris Gard e Connie Yates perderam um filho; a Igreja ganhou um santo. Charlie Gard, mártir da burocracia e do utilitarismo, da sanha estatal e da cultura da morte! Que ele olhe por nós, agora que pode mais diante de Deus. Que a história dele não seja esquecida. Que a luta por ele iniciada nesta terra possa continuar e dar frutos. Que os dias vindouros sejam melhores.

As vitórias de Charlie Gard

Thanatos é uma divindade menor no panteão grego. Quando queremos invocar o deus da morte nós geralmente pensamos em Hades, senhor do mundo dos mortos; Thanatos, no entanto, personificando a Morte, é digno de algumas passagens clássicas. Por exemplo, na Ilíada é ele, junto com o seu irmão Hypnos (o Sono), quem é encarregado de levar o corpo do herói Sarpedon, morto no campo de batalha de Tróia, para os funerais em sua terra natal.

É curioso que estejamos relativamente familiarizados com o pós-morte (os infernos de Hades, por exemplo, guardados pelo Estige e por Cerberus), mas o próprio ato da morte (Thanatos) nos seja estranho. Da subdivindade temos hoje talvez apenas algumas menções obscuras nas músicas de Renato Russo; ironicamente, no entanto, é ela quem dá nome a três importantes conceitos de bioética hoje particularmente importantes: eutanásia, distanásia e ortotanásia.

Eles se encontram (embora não sob esta nomenclatura) no parágrafo 65 da Evangelium Vitae de São João Paulo II. Eutanásia é «uma acção ou uma omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objectivo de eliminar o sofrimento» (id. ibid.). Do conceito tiramos algumas importantes conclusões. A primeira delas é que eutanásia, ao contrário do que comumente se pensa, não necessariamente é um ato comissivo — i.e., nem sempre ela se caracteriza por um fazer algo. Eutanásia pode ser uma omissão — um deixar de fazer algo que, nas circunstâncias, seria moralmente exigido. Eutanásia não é somente aplicar veneno no doente para que ele venha a morrer; pode-se praticar eutanásia também quando se negam determinados cuidados médicos sem os quais sabe-se que o doente virá a óbito. O exemplo talvez mais conhecido é o da americana Terri Schiavo, que em 2005, após uma longa agonia, morreu de fome e de sede após o marido conseguir na Justiça uma ordem para que o hospital interrompesse a hidratação e a nutrição artificiais. Terri estava em Estado Vegetativo Permanente; a Terri não foi dada, que se saiba, nenhuma substância para lhe produzir a morte; não obstante, Terri sofreu eutanásia.

A segunda importante conclusão é que a eutanásia se caracteriza não apenas pela forma (comissiva ou omissiva) como ela se manifesta, mas também por suas intenções. O que formalmente caracteriza a eutanásia é a intenção de «provoca[r] a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento» (EV 56). Se o sujeito quer provocar a morte para eliminar o sofrimento, estamos falando em eutanásia; se ele quer provocar a morte por outra razão (digamos, para se desvencilhar de um familiar incômodo, ou para antecipar alguma herança), então se trata de assassinato puro e simples; e se o sujeito se preocupa com o sofrimento do doente mas não lhe quer provocar a morte, ou seja, se a morte não é de nenhuma maneira desejada mas simplesmente aceita, então estamos diante daquilo que se convencionou chamar ortotanásia.

A ortotanásia é a recusa à distanásia (esta última também chamada “obstinação terapêutica”, ou “excesso terapêutico”, na terminologia empregada pela Igreja desde pelo menos a década de 90), e um conceito se compreende em face do outro. Querer manter um paciente vivo a qualquer custo, utilizando-se de meios desproporcionados ao resultado que deles se espera, é obstinação terapêutica, é distanásia. Já não o fazer, negar-se à prática de intervenções médicas demasiado onerosas e cujos benefícios esperados não sejam proporcionalmente benéficos ao paciente, em suma, aceitar o estado terminal do paciente e reconhecer que o engenho humano não é capaz de fazer frente à iminência da morte, é ortotanásia.

Dessas definições infere-se que a distanásia é em regra comissiva (i.e., ela se caracteriza sempre por fazer alguma coisa, por tentar uma nova intervenção, um novo medicamento, uma nova cirurgia etc.) e, a ortotanásia, omissiva (o que significa dizer que ela, em essência, é a aceitação da morte natural, sem que se faça nada para a impedir): é muito difícil imaginar exemplos que fujam a esta classificação. Tanto a distanásia (recusar-se a aceitar a morte) como a eutanásia (provocar a morte) são pecados: a atitude moralmente exigível do ser humano é que aceite a morte quando ela se apresenta inevitável, sem a procurar mas também sem lutar desproporcionadamente contra ela.

Por fim, a terceira importante conclusão que se pode tirar do parágrafo 56 da Evangelium Vitae é que a eutanásia (ao contrário, por exemplo, do homicídio) se justifica pelo alegado bem do paciente.

Claro que tudo isso tem a ver com Charlie Gard, o bebê britânico cujos pais perderam recentemente uma batalha judicial para que ele fosse levado aos Estados Unidos tentar um tratamento experimental. Charlie tem uma doença rara, fatal e incurável (uma miopatia mitocondrial) que se agrava rapidamente; os médicos do Great Ormond Street Hospital de Londres — onde a criança está internada — estão convencidos de que não há mais nada a ser feito e querem desligar os aparelhos de respiração, nutrição e hidratação artificiais que mantêm o bebê vivo. Os pais conseguiram arrecadar cerca de um milhão e trezentas mil libras via crowdfunding para custear o tratamento nos EUA, mas o hospital não quer liberar a criança. Os médicos entendem que, no atual estado de Charlie, ulteriores intervenções terapêuticas são desproporcionadas. Já os pais querem tentar o tratamento americano. O impasse foi levado ao judiciário, e um juiz decidiu que o hospital deveria desligar os aparelhos. Os recursos judiciais dos pais ao Tribunal (Court of Appeal), à Suprema Corte britânica e à Corte Européia de Direitos Humanos foram sucessivamente recusados. Até onde vi, os aparelhos podem ser desligados a qualquer momento.

O que dizer? A própria judicialização do caso é já um absurdo. Não se trata de um pai querendo forçar os médicos a realizarem algum procedimento do qual eles discordem, mas sim do hospital querendo impedir os pais de buscarem, por sua própria conta, um tratamento alternativo para uma criança já desenganada. Como bem apontou o Matt Walsh, há uma diferença muito grande entre um médico que não quer, ele próprio, realizar um tratamento que julgue desproporcionado, e um médico que não quer deixar que ninguém mais realize uma terapia com a qual ele não concorda.

Além disso, nos casos em que haja dúvida legítima sobre a moralidade de um procedimento (ou da supressão de um procedimento) é preciso fazer o juízo pender em favor da vida do paciente e da vontade dos pais. Se houvesse algum conflito entre esses dois vetores (digamos, se os médicos quisessem manter os cuidados artificiais mas os pais os quisessem dispensar) então se poderia cogitar levar o assunto aos Tribunais; contudo, no caso, é a própria vontade dos pais que a vida da criança seja sustentada ainda mais um pouco — de modo que não há razão para se falar em “impasse”. Impasse nós temos diante de duas posições igualmente razoáveis. Entre um hospital querendo deixar uma criança morrer e os pais querendo levá-la para ser tratada não há impasse: há violência e crime. Não faz nenhum sentido fazer prevalecer a posição do hospital que quer a morte da criança sobre a dos pais que querem que ela viva.

Também não é possível dizer que a vontade dos pais deva ser posta de lado porque é desproporcionada. Pode até ser que seja, mas o Estado não pode se imiscuir aqui. Afinal de contas, embora tanto a eutanásia quanto a distanásia sejam pecados, a primeira é mais grave porque agir contra a vida é em si mesmo mais grave do que não aceitar a morte; e se seria necessário que o Estado se levantasse contra os familiares que quisessem praticar eutanásia em alguém, não lhe é lícito impedir os familiares de se obstinarem na distanásia. Para impedir a morte dos indivíduos os Poderes Públicos são legítimos; para aceitá-la contra a vontade expressa dos familiares, aí não.

A linha entre a eutanásia omissiva e a ortotanásia é por vezes tênue. Nestas áreas cinzentas, no entanto, a decisão tem que caber às pessoas mais próximas, à família, jamais aos burocratas do Estado. Isso significa que, no caso, não interessa saber se levar a criança aos Estados Unidos é excesso terapêutico ou não: o que importa é que essa decisão seja tomada por quem de direito, pelos pais. O Estado em tese até poderia intervir em uma ortotanásia que considerasse eutanásia omissiva, porque o papel dele é preservar a vida; mas nunca poderia intervir em uma terapia que julgasse ser distanásia, porque não compete a ele aceitar a morte.

Havendo dúvida legítima entre duas atitudes é possível optar por qualquer uma delas, não se podendo impôr nem uma, nem outra. E no caso de Charlie a legitimidade da dúvida parece evidente — afinal de contas, há um tratamento alternativo disponível. Ora, falando exatamente sobre este assunto, a Congregação para a Doutrina da Fé cita, explicitamente, entre os meios terapêuticos proporcionados (legítimos portanto), o recurso às terapias experimentais quando não haja outros meios conhecidos de se obter a cura:

— Se não há outros remédios, é lícito com o acordo do doente, recorrer aos meios de que dispõe a medicina mais avançada, mesmo que eles estejam ainda em fase experimental e não seja isenta de alguns riscos a sua aplicação. Aceitando-os, o doente poderá dar também provas de generosidade ao serviço da humanidade.

(Congregação para a Doutrina da Fé, “Declaração sobre a eutanásia”, Cap. IV — O uso proporcionado dos meios terapêuticos)

A decisão judicial, assim, é duplamente ilegítima: porque não cabe ao Estado impedir os particulares de praticarem a distanásia e porque, no caso concreto, há verdadeira dúvida sobre se a manutenção dos aparelhos de Charlie configura ou não distanásia.

Dos últimos dias para cá a repercussão do caso foi grande: um abaixo-assinado dirigido à Família Real britânica está atualmente com 170.000 assinaturas, o Papa interveio para dizer que a vontade dos pais deveria ser respeitada e o próprio presidente Donald Trump se ofereceu para ajudar o bebê. Independente do que ocorra, Charlie Gard já é um herói, tendo já feito mais em sua curta vida do que muitos de nós que há anos estamos aqui fora tentando fazer do mundo um lugar melhor. Estamos convencidos de que um mundo melhor é aquele onde a vida humana é tida como sagrada — onde os pais têm direito de lutar pela vida de seus filhos mesmo contra as cortes do mundo inteiro e onde hospitais são lugares em que se busca o restabelecimento do corpo e não uma morte alegadamente “digna”. E sob essa bandeira o pequeno Charlie mobilizou exércitos inteiros, pelo que merece — ele e sua família — o nosso agradecimento, o nosso apoio e as nossas orações. Força! Ao redor do mundo multidões de almas estão unidas ao bebê e aos seus pais.

Sempre há flores possíveis

Foi no final do mês passado que correu a internet o vídeo de uma menina, chilena, vítima de uma doença grave e incurável; a adolescente, de nome Valentina, fazia uma súplica emocionada para que a deixassem morrer. À eutanásia há quem confira o eufemismo de “morte piedosa”; para estes, pôr fim ao sofrimento de um doente terminal seria uma atitude piedosa e compassiva, até moralmente exigível àqueles que pretendem possuir algum grau de civilidade e empatia.

Os problemas com esta argumentação – que, aqui, saltam aos olhos – são dois.

Em primeiro lugar, uma decisão é tanto melhor tomada quando mais se a toma de maneira isenta e desapaixonada, longe da turbação mental que a experiência concreta e presente de um estado de espírito extremo (como, por exemplo, as terríveis dores e a ausência de perspectiva de futuro características de doenças graves e incuráveis) costuma provocar. Em uma palavra, ao contrário do que a viralização do vídeo da pequena Valentina induz a crer, estar doente não qualifica especialmente a pessoa para decidir em questões graves de vida e de morte – muito pelo contrário aliás. A dor oferece muitas vezes obstáculo à meditação serena. E morrer é grave. Decisão assim tão grave simplesmente não pode ficar nas mãos de quem sofre. Impôr-lha, isso sim, é uma desumanidade insensível, é acrescentar à já precária condição de vida do doente um fardo como maior não pode haver.

Em segundo lugar, matar – matar diretamente, por meio da administração de um veneno, do sufocamento, da inanição ou de qualquer coisa do tipo – é, em si mesmo e para além de qualquer possibilidade de floreio retórico, um mal. Não se trata aqui principalmente de “aliviar” as dores de ninguém, e sim de empurrar a pessoa para aquele lado da existência do qual não há volta possível, cortar-lhe sem possibilidade de remendo o único fio que a liga à existência terrena, cerrar-lhe definitivamente a porta que dá acesso ao mundo dos vivos. Tal não pode ser pintado com as cores bonitas de um «dormir para sempre» que apaguem a realidade nua e crua da morte, dessa experiência única, irrepetível e irrevogável que, em situações normais, ninguém deseja para si: como é possível que alguém, com a consciência tranquila, ofereça, como uma dádiva, ao que sofre aquilo que o sadio não desejaria para si nem como a mais cruel das penas? Há um quê de doentio na idéia de que pode ser um bom negócio oferecer a morte àquele a quem não se é capaz de consertar a vida. Repugna à razão humana acreditar, assim, sem mais, como se fosse um lugar-comum, que uma coisa pode servir de sucedânea do seu oposto.

No entanto – e embora esta outra notícia tenha merecido muito menor divulgação -, após o seu vídeo ganhar notoriedade mundial e após receber diversas visitas, a garota chilena mudou de idéia: Valentina desistiu da eutanásia! Vejam a pequena reportagem de seis minutos. Por que fizeste aquele vídeo, Valentina? “Estava cansada, já não aguentava mais”. E agora? Ainda queres dormir? “Já não sei”. Ao final, o que tens a dizer? “Sigam-me apoiando. Tenho que seguir adiante”.

Sim, é coisa edificante encontrar uma menina, aos catorze anos de vida, portadora de fibrose cística, e que há menos de um mês queria morrer… dizendo, agora, entre sorrisos, que precisa seguir adiante! Veja-se, foi bem pouco o que mudou. Algumas poucas semanas se passaram. O prognóstico da adolescente ainda é bastante delicado. No entanto, que diferença entre os dois vídeos! E que importante lição: não é verdade que, quando não haja mais nada que se possa clinicamente fazer por uma pessoa, só reste entregá-la à morte. Não, tal não é verdade! Sempre há flores que podem ser oferecidas no lugar do veneno pretensamente libertador. É sempre possível fazer algo – algo em si mesmo bom – por alguém a quem não se pode fazer mais nada. E é sempre possível mudar a maneira como as vicissitudes da vida – mesmo uma doença grave – nos influenciam. Eis que, do Chile, uma adolescente nos está a ensiná-lo. Que o bom Deus a console! E nos abra os ouvidos para que possamos entender.

Notícias de um mundo enlouquecido

Essas duas notícias não são de hoje, mas valem uma meditação.

Primeiro, uma garota belga foi mutilada e posteriormente assassinada, sem que isso provocasse a menor comoção social. Ao contrário, louvaram esta barbaridade como se fosse um avanço dos direitos humanos e um respeito às liberdades individuais.

A garota – R.I.P. – chamava-se Nancy. Entre 2009 e 2012, teve os seus seios arrancados e seus órgãos genitais destruídos. Vivendo infeliz e sentindo «aversão» pelo seu corpo, foi depois friamente assassinada na presença de várias pessoas.

Sádicos psicopatas procurados pela polícia? Que nada! Pessoas que se dizem normais, exercendo o que consideram direitos legais, sob o amparo de uma legislação positiva enlouquecida.

* * *

Segundo, um teólogo ameaça se suicidar. No ápice da sua decadência, Hans Küng deseja o «suicídio assistido».

Ele tem Parkinson avançado. A degeneração moral do velho modernista atingiu o paroxismo. Tanto chafurdou na lama que desaprendeu a olhar para o Céu. Cego dos olhos da alma há muito tempo, ameaça procurar uma «clínica» (sic) onde se matam pessoas caso perca a visão dos olhos do corpo.

Loquaz exemplo do quanto é possível cair quando se afasta da Fé! Rezemos pelos desesperados. E vigiemos. Que nos livre Deus do desespero.

Belos exemplos contra o aborto e contra a eutanásia

A vida é o bem mais precioso que possuímos, o mais importante, o mais fundamental e o que mais merece a nossa defesa intransigente; e, justamente por conta disso, as políticas que o ameaçam são as mais vis e covardes, as mais perniciosas, as mais desumanas e as que mais merecem o nosso mais veemente repúdio. A profusão de advérbios de intensidade aqui, mesmo em sacrifício do estilo, é proposital para enfatizar esta idéia: a vida não é apenas um bem. É o maior bem natural do qual dispomos, o bem do qual dependem todos os outros e o único bem cuja perda não podemos fazer nada para reverter. A vida é o bem que está no ápice da hierarquia de valores humanos.

Esta verdade é tão óbvia que uma miríade de atitudes humanas a testemunha a cada instante. Ninguém quer ser morto, e toda a odisséia humana nesta terra pode ser vista como uma desesperada tentativa de continuar existindo a despeito de um mundo hostil; toda vida humana pode ser narrada aos moldes do sobrevivente que se debate para fugir às garras da fome, da sede, da doença, da velhice, do tempo, da guerra; da morte, em suma. Podem dizer que este quadro é simplista, uma vez que existem incontáveis outro valores – como a Fé, a honra, o amor, etc. – que soem ser defendidos até às custas da própria vida; e eu serei o primeiro a concordar com esta acusação. Mas nem por isso o que digo se torna menos verdadeiro: afinal, o sacrifício da própria vida só se transforma em uma coisa louvável em altíssimo grau justamente porque a própria vida é em si um bem em grau altíssimo. Os próprios contra-exemplos aqui aduzidos atestam a luminosa validade da regra. Sim, um soldado que morre tentando salvar outras pessoas é um herói, mas ele o é justamente porque a sua vida tem um valor inestimável e, por isso, é heróico entregá-la por outrem. Fosse uma coisa de somenos importância – digamos, como uma trufa de chocolate -, não haveria heroísmo algum em abrir mão dela em benefício de outras pessoas. Exigir-se-lhe-ia, até.

A vida é um bem tão precioso que, como se dizia acima, não é exagerado dizer que as pessoas dedicam a sua vida a preservá-la. E, como é comum nos seres humanos, este instinto protetor dirige-se não somente a eles próprios, mas também às pessoas que lhes são caras. Duas notícias que vi hoje confirmam esta verdade. Duas belas notícias.

A primeira, sobre um bebê que nasceu com o coração para fora do peito (há um vídeo aqui). Tão logo a anomalia foi descoberta, ainda durante a gravidez, como infelizmente é comum acontecer, sugeriu-se à mãe que abortasse a sua filha; como jubilosamente é também comum acontecer, a mãe disse que isso estava fora de cogitação. A menina nasceu sob os cuidados de cirurgiões obstetras, cardiotorácicos e plásticos; sobreviveu, e passa bem; teve alta, e já está em casa com a mãe.

A segunda, sobre dois pais que mantiveram o seu filho vivo por anos revezando-se diuturnamente no bombeio de um saco ressuscitador. O rapaz sofreu um acidente, e a família não tinha condições de arcar com os custos do tratamento em um hospital. Tratou-o em casa, do jeito que podia, mesmo isso significando dedicar a vida a bombear manualmente ar para os pulmões do filho que não conseguia respirar sozinho. Depois que a história foi divulgada num jornal local, um médico ofereceu-lhe tratamento hospitalar. O rapaz segue vivo, e diz não saber se será capaz de agradecer aos seus pais um dia.

Histórias assim revigoram a nossa esperança na humanidade; através delas, nós podemos ver que os homens continuam a reconhecer a importância capital da vida humana a despeito do desolador avanço da cultura da morte nos meios ditos “intelectuais”. Ainda há esperança! Contra a glorificação do aborto, há uma mãe que mobiliza multidões de médicos para recolocar o coração de seu bebê dentro do peito; contra a exaltação da eutanásia, há um casal de chineses respirando por seu filho vinte e quatro horas por dia. Que sejam pessoas assim a povoar o nosso futuro! É reconfortante descobrir que, em nosso mundo, apesar de tudo, ainda há pessoas dispostas a consumir a própria vida para testemunhar – com atos! – que é preciso defender a vida humana desde a concepção até a morte natural.

Curtas: Ecologia e Panteísmo, EVP e consciência, aborto e condenação, União Européia e imagens de santos nas moedas, Joaquim Barbosa e a presidência do STF

– Da Teologia da Libertação para o Ecoterrorismo panteísta: Boff clama pela salvação da “Mãe Terra” crucificada. «“Dentro dessa opção pelos pobres é preciso colocar o grande pobre que é a Mãe Terra, que é a Pachamama, a Magna Mater, a Tonantzin, a Gaia, é o grande pobre devastado e oprimido”, afirmou» o notório herege.

Esta outra fonte coloca as coisas em termos ainda mais ridículos quando cita outro “pensamento” do ex-frei (que, verdade seja dita, eu não encontrei de primeira mão):

Ainda segundo este visionário profeta da “religião” verde, a “Mãe Terra” estaria preparando um novo ser capaz de “receber o espírito”.

Esse “novo homem” – alias, assaz diferente dele – não seria outra coisa senão uma lula gigante.

De qualquer forma, eis os devaneios aos quais se é capaz de chegar quando se abandona a Fé em Cristo!

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– Sobre mentes (e almas…) e cérebros: médicos “conversam” com paciente em Estado Vegetativo Permanente:

Funciona assim: os médicos escaneiam o cérebro do paciente Scott Routley usando fMRI (ressonância magnética). Em tempo real, a ressonância indica quais áreas do cérebro estão ativas, medindo o fluxo de sangue rico em oxigênio.

Então os médicos pedem, várias vezes, para o paciente imaginar cenas como jogar tênis, ou andar pela casa. São itens bem específicos que, em voluntários saudáveis, ativam áreas predefinidas do cérebro – nos pacientes, também.

Dessa forma, os médicos conseguem perguntar “se você está sentindo dor, imagine-se jogando tênis” e ver na ressonância se o paciente imagina isso. É dessa forma que ocorre a comunicação.

Também aqui. Ora, isto muda tudo o que se acreditava sobre a consciência em pessoas que sofreram acidentes; em particular, lança por terra os “argumentos” dos que defendiam a morte – por inanição! – de pessoas que se encontravam nestas condições. Terri Schiavo, Eluana Englaro, vítimas todas da sanha assassina do homem moderno: o futuro lhes fez justiça. Lamentavelmente, tarde demais para muitos inocentes.

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– A impunidade não pode durar para sempre: foi condenada em Brasília uma mulher que cometeu aborto:

O homem que teria comprado os comprimidos e que era pai da criança insistiu para que a grávida tomasse o medicamento. Ele foi interrogado pela Justiça e recebeu uma proposta para que seu processo fosse suspenso desde que ele cumprisse obrigações judiciais. Por causa disso, ele não foi punido.

A mulher, segundo o TJDFT, não cumpriu as tarefas prometidas e teve o benefício revogado. De acordo com o processo, ela estaria proibida de “frequentar boates, inferninhos e congêneres e de ausentar-se do DF sem autorização do juízo”. Deveria também “prestar serviços à comunidade pelo período de oito horas semanais, pelo período de dois anos no Hospital Regional de Taguatinga”.

Há felizmente outros exemplos. Lembro-me de ter lido há alguns meses sobre uma mulher que seria levada a júri popular pelo mesmo crime. Não sei como ficou este processo, mas a justificativa do promotor do caso é bastante lúcida e reconfortante:

– No júri vou pedir a condenação de Keila como forma de prevenção geral. É uma punição moral para que as pessoas entendam que o aborto é criminoso, diz Moreira, admitindo que é raro que casos de aborto sejam denunciados e terminem em júri.

Aborto é crime e deve ser combatido. E ainda há pessoas nos tribunais brasileiros que estão trabalhando para defender esta verdade tão importante.

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– Na Europa como no Brasil: nova polêmica da União Européia é contra a representação das auréolas (isso mesmo, só das auréolas!) de São Cirilo e São Metódio nas moedas comemorativas da Eslováquia! O fanatismo ateísta não tem limites geográficos nem culturais: os bárbaros se encontram por toda a parte. E o negócio se reveste de tons ainda mais kafkianos porque estamos falando de outros países da UE protestando contra a figura que o Banco Central eslovaco decidiu cunhar em suas moedas!

E o articulista saiu-se com um excelente comentário sobre o assunto: «Esta petulância laicista tem seu lado cômico: como dizia Chesterton, ninguém blasfema contra Thor. Vêm-me à mente várias moedas comemorativas com deuses gregos – a espanhola de 50€ retratava o rapto da Europa pelo deus Zeus. No fundo, “sabem” que não é o mesmo. Já é alguma coisa [algo es algo]».

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Joaquim Barbosa, presidente do STF: editorial da Gazeta do Povo. «Está agora em suas mãos contribuir para a construção dessa almejada realidade. Mas, data venia, convém que não seja tomado, no exercício do cargo, pela mesma vaidade que por tantas vezes marcou sua atuação em plenário».

Como eu disse aqui há não muito tempo, não há juízes em Brasília. É bom que órgãos da imprensa secular estejam dando a sua contribuição para frear a (compreensível, mas injustificável e perigosa) presente euforia nacional com o STF.

Audiência Pública sobre Reforma do Código Penal: esclarecimentos

Com relação à Audiência Pública sobre a Reforma do Código Penal que deve começar já já, alguns rápidos apontamentos:

– O Twitter do @BrasilSemAborto está fazendo a cobertura da audiência.

– Quem ainda não o fez, vale a pena se cadastrar, no site do Senado, para acompanhamento do PLS 236/2012.

– O Plano de Trabalho da Comissão Temporária destinada à análise do Projeto de Reforma do Código Penal – comissão que “tem o objetivo de analisar, discutir e deliberar sobre o PLS n.o 236, de 2012” – prevê a realização de pelo menos três audiências públicas. A de hoje é a primeira e, portanto, ainda virão pelo menos mais duas.

– A referida comissão é composta por 11 senadores e 11 suplentes, tendo sido instituída no dia 08 de agosto de 2012.

– Esta comissão – composta por Senadores – não deve ser confundida com a outra comissão, a de juristas, que elaboraram o ante-projeto. Esta última é a autora do projeto de lei. Aquela vai analisá-lo e deliberar sobre ele.

– Conforme consta no histórico de tramitação do PLS 236/2012, e como está publicado no Diário do Senado Federal de 18/07, a comissão temporária é composta pelos seguintes senadores:

Titulares: BLOCO DE APOIO AO GOVERNO (PT-PDT-PSB-PCdoB-PRB) – Jorge Viana-PT, Pedro Taques-PDT, Antonio Carlos Valadares-PSB Lídice da Mata-PSB; BLOCO PARLAMENTAR DA MAIORIA (PMDB-PP-PV) – Eunício Oliveira – PMDB, Ricardo Ferraço – PMDB, Benedito Lira – PP; BLOCO PARLAMENTAR DA MINORIA (PSDB-DEM) – Aloysio Nunes Ferreira-PSDB, Clovis Fecury – DEM; BLOCO PARLAMENTAR UNIÃO E FORÇA (PTB/PR/PSC) Magno Malta-PR, Armando Monteiro-PTB.

Suplentes: BLOCO DE APOIO AO GOVERNO (PT-PDT-PSB-PCdoB-PRB) – Marta Suplicy-PT, José Pimentel-PT, Ana Rita-PT; BLOCO PARLAMENTAR DA MAIORIA (PMDB-PP-PV) – Sérgio Souza – PMDB, Vital do Rego – PMDB, Luiz Henrique – PMDB; BLOCO PARLAMENTAR DA MINORIA (PSDB-DEM) – Jayme Campos – DEM; BLOCO PARLAMENTAR UNIÃO E FORÇA (PTB/PR/PSC) – Eduardo Amorim-PSC, Gim Argello-PTB.

– Há uma discrepância entre o número de membros da Comissão informado no Plano de Trabalho (“11 titulares e igual número de suplentes”) e os nomes divulgados no site do Senado, acima (10 titulares e 9 suplentes). Não sei se há ainda três senadores cujos nomes eu não encontrei, ou se a informação disponível no Plano de Trabalho está imprecisa, ou se há vagas que ainda não foram preenchidas.

[P.S.: Conforme a dra. Lenise Garcia informou, o que acontece é que «[a]s vagas são preenchidas pelos partidos ou coligações, de forma proporcional. Ao se dividir por 11, ficam números quebrados. Há 3 partidos não coligados que não chegam a ter uma vaga, ficam com frações menores do que 1».

P.S.2: No dia 14/ago, foi feita a substituição do Senador Antonio Carlos Valadares pela Senadora Lídice da Mata na referida Comissão de Trabalho.]

– Portanto, independente da audiência de hoje, continua sendo importante enviar mensagens aos senadores que fazem parte da comissão, bem como ligar para o “Alô Senado” (0800 612211) e mandar mensagens pelo “Fale com o Senado” disponível na internet.

Audiência Pública sobre Reforma do Código Penal: AMANHÃ (14 de agosto)

Ainda com relação à Comissão de Juristas encarregada de analisar e votar o PLS 236/2012, o famigerado projeto de Reforma do Código Penal (já falamos sobre isso aqui recentemente), o Senado divulgou bem en passant na última sexta-feira que os juristas serão ouvidos no dia 14 (terça-feira) sobre o assunto.

A audiência pública está marcada para amanhã às 09h30. Dela participarão, além do ministro Dipp, “o desembargador José Muiños Piñeiro e (…) Luiz Flávio Gomes, membros da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Penal”. Ao que parece, somente a trupe de revolucionários que, sendo os autores materiais da aberração jurídica, nada farão a não ser defender o monstro que eles criaram e se esforçar por mostrá-lo palatável, em um simulacro grotesco e nojento de democracia.

Afinal de contas, todo mundo vê que o projeto está sendo levado a toque de caixa, tramitando propositalmente a uma velocidade olímpica apenas para não dar tempo aos cidadãos de se manifestarem contra os diversos absurdos que estão tentando transformar em lei no Brasil. Permanece mais do que nunca válida a orientação já divulgada anteriormente: protestar junto ao Senado para chamar à realidade a casa legislativa.


O que falar: >>> “Solicito a Vossa Excelência que, no anteprojeto do novo Código Penal, não descriminalize nem crie novas exceções para o aborto e eutanásia. O direito constitucional à vida deve ser respeitado.” -OU- “Como cidadão, manifesto minha desaprovação à tentativa de descriminalizar o aborto e a eutanásia na reforma do Código Penal. Os nascituros e os doentes devem ser respeitados.” -OU- “Peço que, na reforma do Código Penal, seja mantida a incriminação do aborto em todos os casos e não seja descriminalizada a eutanásia. A vida é um valor fundamental.”

O prof. Paulo Fernando Melo, assessor parlamentar da Câmara dos Deputados e entrevistado pela ACI, afirmou taxativamente: «Urge a necessidade da população participar de maneira veemente quer utilizando o “Alô Senado” (0800 612211), ligando para o gabinete dos senadores e enviando fax/email para os gabinetes. Outro aspecto importante é utilizar as redes sociais para informar, debater e denunciar todas as manobras para aprovarem esse nefasto texto legal». E ele tem razão: a sociedade brasileira merece respeito. E, certamente, fazer uma aprovação relâmpago de um texto alienígena que vai na contramão de parcela enorme dos valores mais caros aos brasileiros não é respeitar o povo do Brasil, não é agir democraticamente, não é governar com legitimidade.

Os bebês e os anciãos: sobre chinesa que resgata recém-nascidos jogados no lixo

Mais uma da série Belas Histórias: Chinesa de 88 anos salva mais de 30 bebês abandonados nas ruas. No meio de tanta porcaria que a gente costuma lê na imprensa, vale a pena conhecer um pouco da vida de Lou Xiaoying.

“Mesmo que eu esteja ficando velha, eu simplesmente não podia ignorar aquele bebê e deixar ele morrer no lixo. Ele olhava tão doce e tão necessitado que tive que leva-lo para casa comigo”, disse ela.

Um pouco de contexto: na China, país famoso pela implantação rígida (e desumana e irresponsável) da assim chamada política de filho único, é comum que os filhos “clandestinos” ou “indesejados”, quando não são abortados “voluntariamente” ou à força, sejam simplesmente mortos ou abandonados para morrer (aos que tiverem estômago, vejam este vídeo). Aliás, en passant, vale lembrar que as maiores vítimas desta política  bárbara são as meninas chinesas, uma vez que as famílias, só podendo ter um único filho, preferem muitas vezes que este seja um filho homem, com maior facilidade para trabalhar e ajudar a família quando crescer. O resultado disso é que há milhões (isso mesmo, milhões) de chineses que, pela aplicação elementar do princípio das casas-de-pombo, simplesmente não encontrarão no seu país uma esposa com quem casar. Maravilhas da China.

Mas voltando à história de Lou Xiaoying, acho-a particularmente profética porque ela nos revela a nobreza de dois estágios da vida humana absurdamente desvalorizados nos dias de hoje: a primeira infância e a velhice, os bebês e os anciãos, ambos desprezados pelo hedonismo generalizado atual, pelo aborto e infanticídio de um lado e pela eutanásia (por vezes compulsória…) do outro. Ver uma velha chinesa catadora de lixo cuidando de crianças cujos pais tiveram a vilania de as abandonar para morrer… é um tapa sem mão no egoísmo moderno, é uma resposta tão dura e tão bem dada aos bárbaros que nos governam (e que adoram encher a boca para falar de “direitos reprodutivos” ou para defender o “direito a uma morte digna”) que, se eles tivessem algum resquício de vergonha na cara, deveriam abaixar a cabeça e se retirar para algum lugar distante e isolado onde pudessem meditar nos seus crimes e fazer penitência pelo mal que provocaram à humanidade.

E, last but not least, também é preciso mencionar a repercussão que esta notícia teve: até o presente momento, tem 149 tweets e 711 recomendações do Facebook, mesmo sem estar na coluna de notícias mais lidas. Isto significa que – como eu falei há não muito tempo analisando um outro caso correlato – as pessoas conseguem distinguir o certo do errado mesmo a despeito da propaganda massiva da mídia que tenta subverter o seu senso moral a todo custo, e elas conseguem identificar o heroísmo quando ele está na frente delas, e elas o admiram e entendem que isto é o que deve ser valorizado e promovido, e não as últimas modas assassinas que, inobstante, insistem em monopolizar maior espaço nos nossos meios de comunicação vendidos aos inimigos da humanidade.

A vida humana merece respeito desde a sua concepção até a sua morte natural. Se há pessoas egoístas o bastante para não perceberem este fato óbvio, isto se trata de um evidente e grave defeito de caráter que deveria receber censuras dos que mantém intacto o seu bom senso, e não as loas dos formadores de opinião ávidos por o elegerem como comportamento-modelo moderno e civilizado. Os doentes que não querem os seus velhos e as suas crianças, ao menos tenham a decência de os deixar viver! A despeito do que digam, os velhos podem servir ao menos para cuidar das crianças abandonadas e, estas, quando crescerem, poderão amparar os anciãos que as salvaram quando ninguém mais apostava nelas. E um futuro onde vivam tais crianças parece-me, sob qualquer aspecto, muito melhor do que um futuro onde a atual mesquinharia egoísta reine absoluta.

“Princípios e Atitudes” – Dom Fernando Rifan

PRINCÍPIOS E ATITUDES

Dom Fernando Arêas Rifan*

Em meio a tantos pareceres equivocados e diante da possibilidade da reforma do Código Penal descriminalizar o aborto, começando pelos fetos portadores de anencefalia, e a eutanásia, recordamos os princípios da doutrina católica e do direito natural sobre o assunto: A vida humana é sagrada, – não porque as leis e decisões judiciais humanas o determinam, – mas porque desde a sua origem ela encerra a ação criadora de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador. Só Deus é o dono da vida, do começo ao fim; ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente (cf. CIC 2258 – Donum vitae, 5).

A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção até o seu fim natural. Desde o primeiro momento da sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida (cf. CIC 2270 – Donum vitae, I,1). Esses direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política, não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se origina (cf. CIC 2272 – Donum vitae, 3).

A criança anencélafa é uma pessoa viva. A sua reduzida expectativa de vida não limita seus direitos e sua dignidade. Por isso, o aborto direto provocado, quer dizer, querido como um fim ou como um meio, em qualquer circunstância, é gravemente contrário à lei moral, pois se trata de tirar diretamente a vida de um ser humano inocente, o que nada pode justificar (cf. CIC 2271). Desde o início, o nascituro é uma pessoa própria, cujo círculo de direitos ninguém deve violentar, nem o Estado, nem o médico, nem mesmo a mãe. Se uma pessoa já não está segura no seio de sua mãe, onde então estará ela ainda segura neste mundo? Proteger a vida inocente pertence às mais nobres tarefas do Estado; se ele se furtar a esta missão, destrói ele próprio os alicerces do Estado de direito (cf. Youcat, 384). Nem ele pode se sujeitar a pressões de quaisquer organismos internacionais. Isso seria contra a sua soberania e o seu dever.

Por isso também, a eutanásia direta, que consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes ou de moribundos, sejam quais forem os motivos e os meios, é moralmente inadmissível (cf. CIC 2277).

Tais princípios e atitudes deles decorrentes provêm não só da doutrina católica, mas do próprio direito natural, da lei natural que obriga a todos os homens, em razão da sua natureza. Assim sendo, exortamos aos católicos, aos nossos políticos e a todas as pessoas de boa vontade e de influência na sociedade que se manifestem aos ministros do Supremo Tribunal Federal em favor da vida e contra qualquer decisão que possa acarretar a liberação do aborto. Se acontecer o mal, não o será com a nossa colaboração ou por causa da nossa omissão.

* Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney