Considerações sobre a ignorância

A Igreja Católica e Apostólica é o único caminho instituído por Deus para que os homens sejam salvos. A salvação de cada homem, assim, só é possível no grêmio da Igreja de Cristo, «fora da qual não há salvação» (extra ecclesiam nulla salus). O dogma é pouco conhecido e pior compreendido, muitas vezes mesmo por aqueles que têm alguma compreensão do que significa ignorância invencível.

O engraçado é que não tem como ser diferente. Dado que existe uma única natureza humana da qual todos os homens participam, dado que esta natureza humana encontra-se ferida após a Queda dos nossos primeiros pais, dado que nenhum homem finito é capaz de, por conta própria, reparar as ofensas causadas à Majestade infinita de Deus, dado que Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo simultaneamente Homem e Deus, é o único que pode oferecer à divindade a propiciação de que a humanidade necessita, dado que Ele instituiu pessoalmente uma Igreja para continuar na História a Sua obra salvífica, enfim, levadas em consideração todas essas coisas, a conclusão não pode ser outra: para que a pessoa alcance o Céu ela precisa receber a salvação deste canal de graças que é a Igreja. Nenhuma outra teoria é capaz de manter a coerência do sistema. O “fora da Igreja não há salvação” nem precisava ser um dogma, uma vez que é corolário imediato da cosmovisão cristã.

A consequência disso é simples: quem sustenta que possa haver salvação independente da Igreja de Cristo é porque não compreende a própria cosmovisão evangélica. Não se trata de um erro periférico e escusável; é um engano somente possível se a pessoa desconhecer elementos básicos da Doutrina Católica (como o fato de que a natureza humana não é por si só capaz da visão beatífica), ou deles discordar. Que haja uma multidão (mesmo de católicos!) para a qual este dogma cause estranheza, isso só atesta que as pessoas não conhecem a Revelação ou n’Ela não acreditam. Não se trata de engano de pouca monta, mas de erro grave.

Todo erro é erro, toda heresia é heresia, e a negação pertinaz de qualquer verdade que se deva crer com Fé Divina acarreta, ipso facto, a perda de toda a Fé. Assim é. Mas há certas verdades que, por sua sofisticação, por sua especificidade, impõem não poucas dificuldades à pertinácia concreta em sua negação. Por exemplo, a Doutrina Católica crê e professa que em Jesus Cristo existem duas naturezas, a humana e a divina, unidas perfeitamente em uma só pessoa e uma só hipóstase: assim reza o Concílio de Calcedônia. O monofisismo, assim, é uma heresia condenada. Acontece que a profissão do monofisismo com a assertividade necessária à sua caracterização como negação pertinaz das definições de Calcedônia, ao menos aqui no Ocidente pós-cristão, é uma coisa bastante rara e difícil: na prática as pessoas não pensam nessas coisas, e aliás geralmente nem sequer dispõem da bagagem teológica necessária para formular o problema — muito menos para lhe dar resposta contrária à definida pelo Magistério. Em uma palavra, é possível não saber nada sobre um determinado ponto do dogma cristão sem, com isso, quebrar o vínculo da Fé. É possível até mesmo sustentar, por ignorância, posição contrária, de modo leviano e irrefletido, sem que isso consista formalmente em uma heresia capaz de destruir a Fé (digamos, é possível que alguém, por saber que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, pense, equivocadamente, que n’Ele há apenas uma única vontade, sem nunca dar maior importância ao problema: tal pessoa permaneceria assim integralmente católica).

Aquela «hierarquia das verdades da Fé» da qual fala o Catecismo (CCE, §90) e o Vaticano II (Unitatis Redintegratio, 11) obviamente não significa que algumas verdades são “mais verdadeiras” do que outras; diz respeito, tão-somente, ao modo de compreensão de determinadas verdades, à forma como elas podem ser conhecidas: se defluem imediatamente dos rudimentos do anúncio evangélico ou se, diferentemente, exigem maior aprofundamento doutrinário e teológico para serem compreendidas.

Quero dizer, assim, que o simples erro a respeito de alguns pontos do dogma católico não tem, por si só, força suficiente para elidir a chama da Fé na alma de quem assim erra. O erro do herege é um erro qualificado pela pertinácia. Quero dizer, também, que essa qualificação — essa pertinácia — não está facilmente ao alcance das pessoas menos esclarecidas: quanto mais sofisticado o dogma, e quanto menos instruído o católico, mais difícil lhe é negá-lo com a pertinácia exigida para a caracterização da heresia.

Mas essa, digamos assim, exceção da heresia somente se dá na medida do (des)conhecimento do fiel sobre o assunto. Em outras palavras, o fiel escapa de ser herege precisamente porque não compreende que precisa(va) aderir a tal ou qual ponto com Fé Divina e Católica. Disso decorrem duas coisas: primeiro, que a medida é sempre a capacidade de compreensão concreta do fiel acerca do ponto do dogma objeto da discordância; segundo, que não é possível, para o fiel ignorante, racionalizar a própria ignorância: quanto mais ele medita sobre o assunto e nele se aprofunda, mais expande a sua capacidade de compreensão — mais se afastando portanto da ignorância, e mais lhe passando a ser exigido.

O que tudo isso tem a ver com a salvação fora da Igreja daqueles que estão em ignorância invencível? Ora, a mesma lógica se aplica lá e cá. Primeiro, que há uma “hierarquia de ignorâncias”, uma vez que as coisas nas quais uma alma concreta deve acreditar derivam por assim dizer da realidade de maneiras diferentes: umas mais próximas (por exemplo, “há um Deus que recompensa os bons e pune os maus”), outras, mais remotas (como a verdade histórica do Cristianismo). Isso significa que é sempre preciso matizar: não reconhecer a origem divina da Igreja Católica, por exemplo, é sem dúvidas mais culpável para um professor da Sorbonne à época de São Luís do que para o adolescente médio sob as metrópoles brasileiras contemporâneas. Não dá para dizer que alguém é certamente culpável do seu erro.

Segundo, que a medida da escusabilidade não é o que a pessoa conhece, e sim o que a pessoa pode conhecer. O que exime de responsabilidade é a ignorância invencível, é uma ignorância qualificada, e não o simples fato de se ignorar algum aspecto da realidade. Da mesma forma que os aspectos mais imediatos da realidade obrigam a consciência com mais vigor, aqueles mais sofisticados, ou mais ocultos nas circunstâncias concretas, impõem-se com mais ampla margem de dispensabilidade — é certo. Mas mesmo estes, quanto mais meditados, menos “ignoráveis” se tornam. Se é verdade que não há como demarcar a linha para além da qual o fulano está certamente negando a verdade conhecida como tal, do mesmo modo não dá para dizer que está tudo bem em não ser católico na situação X ou Y. Em princípio, o (re)conhecimento da Igreja pode ser exigido a qualquer pessoa que vive onde Ela está presente. As situações extraordinárias (que certamente serão julgadas com Justiça pelo Todo-Poderoso) exigem condições também extraordinárias e não podem, absolutamente, ser pressupostas. Não dá para afirmar que alguém esteja certamente escusado do seu erro.

Terceiro, que não é possível racionalizar a ignorância. Não é possível diagnosticar alguém em ignorância invencível para se furtar ao dever de o evangelizar; não é também possível se auto-diagnosticar ignorante para, assim, estabelecer os deveres naturais mínimos que se estaria obrigado a observar. A ignorância é por sua própria natureza desconhecida, não podendo ser identificada com certeza nem em si mesmo, nem no próximo; depois, a ignorância é inconstante, alargando-se ou se encolhendo conforme a pessoa tenha menores ou maiores condições de se debruçar sobre o problema religioso; por fim, a ignorância é periclitante, tendendo sempre para a sua superação na verdade do Evangelho.

De todo o exposto decorre que se é verdade que muitos se salvam por serem ignorantes, não é no entanto possível erigir a ignorância à categoria de caminho de salvação.

Há um outro aspecto da ignorância que merece ainda duas palavras. É a respeito da ignorância quanto à própria situação de pecado. Sabe-se que o recurso ao Sacramento da Penitência exige o arrependimento de todos os pecados mortais; da mesma forma, o acesso à comunhão eucarística pressupõe o estado de graça. É possível a alguém encontrar-se em situação objetiva de pecado sem o saber — portanto, sem pecar formalmente. Mas a isso se aplica também tudo o que se falou acima.

O sujeito que vive more uxorio com alguém que não é sua esposa legítima é bastante análogo ao fulano que se encontra fora da Igreja Católica. Um e outro estão em uma situação que, considerada em si mesma, priva-os do caminho da salvação. Um e outro podem ter a sua responsabilidade individual mitigada pela ignorância em que se encontram. Mas essa ignorância não pode ser transformada em pastoral eclesiástica nem em um caso, nem no outro. Tudo isso é por demais evidente para quem mantenha intacta a sua visão do todo.

Dizer simpliciter que os divorciados recasados não precisam abandonar os seus cúmplices é o equivalente ao Cimi dizer que os índios não precisam se converter ao Evangelho. Do fato (verdadeiro) de ser possível que um índio específico não seja aos olhos do Senhor culpado por não se ter feito batizar não segue que se possa institucionalizar um órgão da Igreja para prestar assistência ao paganismo enquanto tal. Do mesmo modo, o fato (verdadeiro) de uma concubina específica poder não ser ré de adultério perante o Justo Juiz não autoriza a Igreja a internalizar a extra-conjugalidade como uma expressão legítima de vida cristã. Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra, e a confusão atual que se vem fazendo entre ambas é coisa verdadeiramente de se deplorar.

Só existe uma única Religião Verdadeira

A origem das falsas religiões é uma coisa que se pode investigar em diversos planos.

Do ponto de vista do Cristianismo, munidos da Verdade Revelada, lançando os olhos sobre o fenômeno religioso a partir do terreno elevado da Igreja de Cristo que é «coluna e sustentáculo da Verdade», não podemos senão concluir que, no início das falsas religiões — que mais afastam do que aproximam de Deus –, está o Demônio, o Pai da Mentira, aquele cujo papel na história da humanidade é o de roubar, matar e destruir. É neste sentido que S. Pio de Pietrelcina dizia, de maneira jocosa, que o Protestantismo também tivera uma origem sobrenatural, uma vez que fora fundado por Satanás.

Contudo, à luz da história humana auto-referenciada, do ponto de vista do homem desterrado em cujo interior ainda pulsa o anelo pelo Paraíso Perdido, ou mesmo — por que não? — munidos apenas da teologia natural, não podemos ser tão ligeiros na divisão dicotômica do mundo entre as inspirações divinas e o bafo sulfúreo do Demônio. O homem também pode errar, e erra amiúde, por conta própria, sem que a isso precise ser conduzido tendo Lúcifer ao braço. O erro religioso de boa vontade é certamente mais comum do que o satanismo stricto sensu: há decerto mais pessoas tomando demônios por Deus do que trocando o Deus que se sabe verdadeiro pelos diabos sabidamente exsurgidos do Inferno. E isto sem nenhumas considerações de ordem soteriológica, que as condições subjetivas de cada um identificar o demônio que se lhe antolha Deus haverá de julgar. Aqui se cogita tão-somente do motor da adesão à falsa crença, não do seu valor salvífico.

Da mesma forma que não nos podemos esquecer de que só existe uma única Religião Verdadeira, da qual todas as outras são ou sombras ou caricaturas, não nos é dado também olvidar que o fato mesmo de alguém aderir a uma falsa religião significa, ao menos ordinariamente, que o problema de Deus se coloca para esta pessoa e ela o considera em alguma medida relevante. Em resumo: que Satanás espalha, sim, ídolos pelo mundo, mas só se prostra diante dos ídolos quem ao menos deseja se relacionar com o Além.

Construir «uma torre cujo cimo atinja os céus» (cf. Gn XI, 4) é pecado; mas o pecado está no meio de que se serve, não no fim que se almeja. Porque atingir os céus é um anseio natural do ser humano criado para Deus — do homem cujo coração vive inquieto enquanto n’Ele não repousa, para usar a passagem clássica de Sto. Agostinho. E em tempos onde querem sufocar este ditame da consciência, talvez não seja tão imprudente assim valorizá-lo — ainda que apenas o seu reflexo distorcido na fracassada odisséia religiosa do homem distante da Revelação.

A mídia nunca esteve interessada em transmitir fielmente o pensamento papal

Alguém já disse que a única coisa pior do que uma imprensa hostil ao Papa é uma imprensa que o festeje. Os católicos têm-no percebido ao longo do último pontificado: o Papa Francisco pode dar mostras inequívocas de catolicismo zeloso setenta vezes por dia, que – mesmo assim! – só serão alçadas às manchetes seculares aquelas coisas que forem capazes de incutir, no leitor, uma imagem distorcida da Igreja Católica.

Qualquer mínimo contato com a realidade demonstra isso que estou falando. Hoje mesmo um amigo, não-católico, dizia-me achar que o Papa Francisco estava preparando uma “religião mundial”. Ora, isso não faz nenhum sentido. Não apenas por uma questão de direito (a Igreja Católica, nós o sabemos, é a instituição fundada pelo próprio Cristo para perpetuar a mensagem da Salvação através do tempo, e conta com o auxílio infalível do próprio Deus para desempenhar essa divina missão etc.), mas também por uma questão de fato: o Papa Francisco repete, o tempo todo, que somente Jesus Cristo salva, que somente na Igreja Católica se encontra Jesus Cristo, que é necessário fazer parte da Igreja etc. Provavelmente se pode dizer que ele é o Papa que mais insistentemente tem falado isso nas últimas décadas! À guisa de exemplo, algumas das coisas que anotei aqui no Deus lo Vult! (todas são palavras do próprio Papa Francisco – as referências estão lá):

  1. Março de 2013: «Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens. Este anúncio permanece válido hoje como foi no início do Cristianismo».
  2. Abril de 2013: «[S]implesmente é isto que Jesus disse: ‘Eu sou a Porta’, ‘Eu sou o Caminho’ para nos dar a vida. Simplesmente. É uma porta bela, uma porta de amor, é uma porta que não nos engana, não é falsa. Sempre disse a Verdade. Há talvez caminhos mais fáceis, mas são enganosos, não são verdadeiros: são falsos. Somente Jesus é o Caminho».
  3. Setembro de 2013: «[N]ão existe caminho de vida, não existe perdão nem reconciliação fora da mãe Igreja».
  4. Janeiro de 2015: «Nenhuma manifestação de Cristo, nem sequer a mais mística, pode jamais ser separada da carne e do sangue da Igreja, da realidade histórica concreta do Corpo de Cristo».

É de uma eloquência invejável, de uma clareza cristalina: de Bento XVI ou de S. João Paulo II eu não teria uma antologia dessas para apresentar! No entanto, a dar ouvidos à voz do povo, o Papa que vai inventar uma supra-religião amorfa que congrace promiscuamente os mais diferentes credos é… o Papa Francisco! Como é possível tamanha discrepância entre o que o Papa passa os dias dizendo e a percepção que tem dele o não-católico (ou mesmo o católico médio)?

O problema, como eu disse acima, é a mídia. Pior do que falar mal é enaltecer seletivamente. Quando o Papa Francisco repete extra ecclesiam nulla salus de duzentas maneiras distintas, ninguém dá um pio. Quando o Papa fala alguma coisa da qual se possa construir uma interpretação contrária ao Catolicismo, então é esta interpretação que se alardeia aos quatro ventos como se fosse a última declaração infalível de um Pontífice falando ex cathedra. A pior forma de conhecer um Pontificado é o perceber através da mídia anti-católica! É a pior ignorância, porque ela se manifesta travestida de informação fidedigna.

De ontem para hoje, contudo, este relacionamento amoroso fingido (impossível não lembrar os versos de Augusto dos Anjos: cuidado, que «a mão que afaga é a mesma que apedreja»…) entre a imprensa anti-católica e o Papa Francisco parece ter sofrido um duro golpe. Foi no avião que o levava às Filipinas. Referindo-se à liberdade de expressão, o Sumo Pontífice disse que o seu amigo poderia esperar (no vídeo se ouve bem o verbo aspettare) uma bofetada caso falasse mal de sua mãe. No original: «se il dott. Gasbarri, grande amico, mi dice una parolaccia contro la mia mamma, gli arriva un pugno!». Foi o suficiente.

Papa fala bobagem!, disseram daqui; Papa tropeça e diz besteira!, berraram acolá. O Reinaldo, aliás, gravou até um vídeo sobre o assunto. A mesmíssima hipertrofia seletiva que nos acostumamos a ver a mídia fazer nos últimos meses; o mesmo cherry-picking tantas vezes empregado para apresentar ideias estranhas ao Catolicismo como se viessem do Pastor Supremo da Igreja. Dessa vez, contudo, em desfavor da figura do Papa Francisco. Que sirva de lição. Oxalá o imbroglio possa provocar, doravante, uma certa sadia desconfiança da mídia laica, cuja competência para transmitir o pensamento religioso alheio é (para dizer o mínimo) bastante questionável.

O assunto nem merece muito latim. Para mostrar que o Papa – é óbvio! – não estava “justificando” o atentado islâmico, bastaria citá-lo no parágrafo imediatamente anterior à “declaração polêmica”: «non si può uccidere in nome di Dio. Questa è una aberrazione. Uccidere in nome di Dio è un’aberrazione». “Não se pode matar em nome de Deus. Isto é uma aberração. Matar em nome de Deus é uma aberração” – do jeito enfático que lhe é peculiar. Sinceramente, pode haver alguma dúvida?

No entanto – e à semelhança do que é feito com as pregações pontifícias ostensivamente católicas que eu listei mais acima -, quem liga? A mídia nunca esteve interessada em transmitir fielmente o pensamento papal. O seu modus operandi é o de pinçar algumas frases soltas e lhes dar o primeiro sentido estapafúrdio que lhe vier à cabeça: há anos é assim. Se agora isso é feito de maneira a “azedar” as relações midiáticas com o Papa Francisco, louvado seja Deus!, tanto melhor. Tem feito muito mal à Igreja a imprensa que enaltece o Papa. Parece que estávamos precisando, de novo, de uma mídia que o denegrisse.

Os verdadeiros cristãos são os filhos da Igreja e da Virgem Maria

Há duas frases tradicionais que sintetizam de maneira admirável a necessidade da Fé Católica para agradar a Deus, entre as quais há uma bonita relação de paralelismo que faz com que, uma vez que as tenhamos aprendido (talvez, numa catequese infantil), delas não nos esqueçamos mais. Uma: não pode ter Deus por Pai no Céu quem não tem a Igreja por Mãe na Terra, de São Cipriano de Cartago (De Ecclesiae Catholicae unitate, 6). A outra: quem não tem a Virgem Maria por Mãe, não tem Deus por Pai, de (certamente entre outros) S. Louis de Montfort (Tratado da Verdadeira Devoção, 30).

A Virgem Mãe de Deus e a Igreja, longe das quais não é possível encontrar a Nosso Senhor Jesus Cristo! A Igreja Católica e a Santíssima Virgem, cuja maternidade é essencial àqueles que se pretendam filhos de Deus neste mundo e no vindouro! As frases podem soar um pouco politicamente incorretas nesta época de caricata tolerância religiosa em que vivemos (como se “tolerância” fosse sinônimo de dizer “está tudo muito bem e qualquer coisa é a mesma coisa”); não obstante, são profundamente verdadeiras e atravessam os séculos com o mesmo vigor original – uma vez que obtêm a sua força do sagrado Depositum Fidei, que não muda ao sabor dos ventos de opiniões de cada momento histórico.

Quem quer ser filho de Deus tem que ser filho da Igreja, quem quer ser filho de Deus precisa ser filho da Virgem Maria: é o que dizem os santos de todos os tempos. Trata-se, perceba-se, de uma forma indireta de repetir o dogma – mil-vezes odiado! – de que fora da Igreja não há salvação. É a mesma coisa: dizer que é preciso ser filho da Igreja e filho da Virgem Santíssima é o perfeito equivalente (*) de dizer que é necessário ser Católico Apostólico Romano. Hoje parece ser um pecado imperdoável repetir que fora da Igreja Católica não é possível encontrar salvação. Contudo, parece que o mundo ainda se permite ouvir que é mister ser filho da Igreja e da Virgem Maria.

[(*) A primeira parte – filho da Igreja – exclui, sem sombra de dúvidas, todos os não-cristãos. A Igreja, mesmo em sentido lato, é uma instituição cristã por essência e sequer se concebe usar o mesmo termo para se referir às (eventuais) estruturas institucionais de religiões outras que o Cristianismo. A segunda parte – filho de Maria – exclui, inequivocamente, os protestantes, ao menos a imensíssima maior parte dos protestantes que desconhecem a veneração dos santos – e, em particular, o culto de hiperdulia que é devido à Santíssima Virgem Mãe de Deus. Sobram, talvez, expandindo a interpretação, os cismáticos orientais, que perfazem Igrejas Particulares e guardam a veneração devida à SSma Virgem. Este sentido é, parece-me, o único em que talvez seja possível afirmar imperfeita a equivalência entre as duas sentenças e o nulla salus. Mesmo assim, elas abarcam a esmagadora maior parte daquilo a que se refere o dogma – e, portanto, dizê-las é já dizer muito.]

Onde ressoam, ainda hoje, essas expressões [que se diriam] tão anacrônicas?! De que obscuro gueto saem essas pregações [consideradas] tão intolerantes? Não é [somente] na blogosfera ultra-radical ou nas seitas cripto-cismáticas dos saudosistas dos tempos passados. Essas palavras reverberam na Praça de São Pedro e, de lá, para todo o orbe. Quem as pronuncia é o homem que sempre se encontra nas capas dos veículos de imprensa mundo afora. É o Papa Francisco – o Papa mais amado e bajulado pelos inimigos da Igreja de todos os naipes – quem o afirma com todas as letras: é preciso ser filho de Maria! Não existe Cristo sem a Igreja!

Deixemos falar o Papa Francisco (itálicos no original, negritos meus):

E, para além de contemplar a face de Deus, podemos também louvá-Lo e glorificá-Lo como os pastores, que regressaram de Belém com um cântico de agradecimento depois de ter visto o Menino e a sua jovem mãe (cf. Lc 2, 16). Estavam juntos, como juntos estiveram no Calvário, porque Cristo e a sua Mãe são inseparáveis: há entre ambos uma relação estreitíssima, como aliás entre cada filho e sua mãe. A carne de Cristo – que é charneira da nossa salvação (Tertuliano) – foi tecida no ventre de Maria (cf. Sal 139/138, 13). Tal inseparabilidade é significada também pelo facto de Maria, escolhida para ser Mãe do Redentor, ter compartilhado intimamente toda a sua missão, permanecendo junto do Filho até ao fim no calvário.

Maria está assim tão unida a Jesus, porque recebeu d’Ele o conhecimento do coração, o conhecimento da fé, alimentada pela experiência materna e pela união íntima com o seu Filho. A Virgem Santa é a mulher de fé, que deu lugar a Deus no seu coração, nos seus projectos; é a crente capaz de individuar no dom do Filho a chegada daquela «plenitude do tempo» (Gl 4, 4) na qual Deus, escolhendo o caminho humilde da existência humana, entrou pessoalmente no sulco da história da salvação. Por isso, não se pode compreender Jesus sem a sua Mãe.

Igualmente inseparáveis são Cristo e a Igreja, porque a Igreja e Maria caminham sempre juntas, sendo isto exactamente o mistério da mulher na comunidade eclesial, e não se pode compreender a salvação realizada por Jesus sem considerar a maternidade da Igreja. Separar Jesus da Igreja seria querer introduzir uma «dicotomia absurda», como escreveu o Beato Paulo VI (cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 16). Não é possível «amar a Cristo, mas sem amar a Igreja, ouvir Cristo mas não a Igreja, ser de Cristo mas fora da Igreja» (Ibid., 16). Na verdade, é precisamente a Igreja, a grande família de Deus, que nos traz Cristo. A nossa fé não é uma doutrina abstracta nem uma filosofia, mas a relação vital e plena com uma pessoa: Jesus Cristo, o Filho unigénito de Deus que Se fez homem, morreu e ressuscitou para nos salvar e que está vivo no meio de nós. Onde podemos encontrá-Lo? Encontramo-Lo na Igreja, na nossa Santa Mãe Igreja hierárquica. É a Igreja que diz hoje: «Eis o Cordeiro de Deus»; é a Igreja que O anuncia; é na Igreja que Jesus continua a realizar os seus gestos de graça que são os sacramentos.

Esta acção e missão da Igreja exprimem a sua maternidade. Na verdade, ela é como uma mãe que guarda Jesus com ternura, e O dá a todos com alegria e generosidade. Nenhuma manifestação de Cristo, nem sequer a mais mística, pode jamais ser separada da carne e do sangue da Igreja, da realidade histórica concreta do Corpo de Cristo. Sem a Igreja, Jesus Cristo acaba por ficar reduzido a uma ideia, a uma moral, a um sentimento. Sem a Igreja, a nossa relação com Cristo ficaria à mercê da nossa imaginação, das nossas interpretações, dos nossos humores.

Papa Francisco, HOMILIA.
in Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus
1º de janeiro de 2015.

A Igreja Católica é a fiel depositária de um determinado conjunto de verdades imutáveis, as quais tem o mandato divino de anunciar ao mundo como as recebeu de Cristo – sem as aumentar nem as diminuir. Os dogmas não ficam nunca “ultrapassados”, a Doutrina Cristã não “deixa de valer” jamais. E o Papa – qualquer que seja o Papa! – é o guardião da Fé. Não deveria ser estranho que o Vigário de Cristo agisse como Vigário de Cristo. Nestes tempos que correm, no entanto, e como há um evidente empenho em sequestrar o Papa Francisco, é importante registrar e documentar com bastante cuidado: o Papa Francisco é Papa católico. E, por mais que o desejem os anti-clericais, ele não pode ser outra coisa. Não gostam de ouvir o Pontífice Argentino falar? Que ouçam, portanto, o que fala o Papa Francisco! Que o ouçam e, ouvindo-o, se convertam. Pois – Franciscus dixit! – não é possível separar Cristo de Sua Mãe Santíssima. Porque – Bergoglio garante! – não se encontra a Cristo fora da Igreja Católica e Apostólica.

Que a SSma. Virgem, Aquela «que deu uma face humana ao Verbo eterno, para que todos nós O pudéssemos contemplar» (Papa Francisco, id. ibid.), rogue pela Igreja, pelo Papa Francisco e por todos nós. Que Ela, de novo e mais uma vez, nos traga o Seu Divino Filho, diante do qual as Trevas não podem subsistir. Que Ela nos possa sempre valer, em meio às tentações desta vida conturbada. Que nos livre, sempre, das ciladas que o Maligno nos arma nestes dias difíceis em que vivemos.

«O que foi cortado, não pode ser tratado nem curado».

A Igreja Católica é o «Sacramento da Salvação» (cf. Lumen Gentium 48), e isso significa dizer que Ela é o canal somente através do qual (*) as graças divinas chegam aos seres humanos. A expressão utilizada pelo Concílio Vaticano II equivale, desta maneira, a uma outra expressão mais clássica dentro da doutrina católica que diz que a Igreja é aquela «fora da qual não há salvação e nem santidade». Não se trata de triunfalismo arrogante, mas de humilde reconhecimento daquilo que é uma das verdades mais basilares da nossa Fé: Cristo veio ao mundo para fundar uma determinada comunidade de homens e, se Ele, Deus libérrimo, quis assim dispôr as coisas, nós, meros mortais, não temos autoridade para estabelecer outros “caminhos” diferentes para o Céu. Cristo, o Homem-Deus, fundou a Igreja! Ao invés de torcermos o nariz à insolência papista, melhor faríamos em nos esforçar, zelosamente, para seguirmos com escrupulosa observância a vontade manifesta de Nosso Senhor.

[(*) A comparação da Igreja com um «Sacramento», claro, é metafórica. Os sacramentos são sinais sensíveis e eficazes da graça de Deus e, stricto sensu, como declarou o Concílio Tridentino, são não mais e nem menos do que sete: Batismo e Crisma, Confissão e Unção dos Enfermos, Eucaristia, Ordem e Matrimônio. Se há portanto evidente diferença entre os Sete Sacramentos e o «Sacramento da Salvação», é necessário que tal seja levado em consideração quando formos derivar as conseqüências de se dizer a Igreja «Sacramento da Salvação» em ordem aos canais da Graça e sua exclusividade – a fim de não cairmos em erro.

Porque, embora os Sacramentos – os Sete – sejam sinais eficazes da Graça de Deus (i.e., todo Sacramento, se validamente celebrado, produz a Graça que significa), nem toda a Graça nos vem mediante os Sete Sacramentos: recebemos graças atuais o tempo inteiro, como nos ensinam os manuais de Teologia e a experiência espiritual mais comezinha. Solução distinta, contudo, é a que se dá ao problema da salvação “fora” da Igreja: os que se salvam sem fazerem materialmente parte dos quadros visíveis da Igreja Católica são, no entanto, formalmente católicos ainda que disso não tenham consciência explícita – salvam-se, assim, pela Igreja e na Igreja. Portanto, em se tratando da Salvação, não existe graça extra-eclesial análoga às graças extra-sacramentais. Entender o caráter analógico da formulação do Concílio Vaticano II é fundamental para que as conseqüências soteriológicas da sacramentalidade da Igreja sejam tiradas mutatis mutandis.]

No tradicional discurso à cúria romana que o Santo Padre faz todos os anos por ocasião do Natal, o Papa Francisco proferiu, na semana passada, uma prédica incomumente dura. Dedicou a maior parte da sua fala a enumerar e descrever o que chamou de «doenças curiais», males do espírito que são um obstáculo ao serviço a Deus que todos os católicos – e de modo particularíssimo os membros da cúria – são chamados a desempenhar. O Jornal Nacional não perdeu a oportunidade de dizer que o Papa fez «duras críticas a (sic) cúpula da Igreja»; e, de fato, não há como negar que as suas palavras tenham sido duríssimas! Não me parece possível, no entanto, dizer que a saraivada pontifícia tenha sido disparada «sem piedade».

Primeiro porque “piedade” é aquele dom do Espírito Santo que nos torna leve e agradável o nosso relacionamento com Deus; ou, nos dizeres do Aquinate, aquele «pelo qual, reverenciando a Deus, fazemos o bem para com todos» (Summa I-IIae, q.68, a.4, ad.2). Ora, um exame de consciência – como o que propôs o Papa – é um evidente exercício que se propõe a melhorar a nossa relação com Deus e, portanto, é piedoso no sentido mais católico da palavra.

Segundo porque o Papa em momento algum se exclui dos destinatários de suas duras palavras. É regra de boa pregação aquela história de que o pregador, antes de qualquer outra coisa, deve pregar a si mesmo: e, com Sua Santidade o dizendo explicitamente (v.g. «queria que este nosso encontro e as reflexões que partilharei convosco se tornassem, para todos nós, apoio e estímulo para um verdadeiro exame de consciência»), não me parece possível deduzir que ele se coloque n’alguma posição de alegada superioridade moral para, de lá, apontar um dedo acusador para os outros sem se dar conta de que talvez também a ele caibam [ao menos alguns d]os vícios que ele se esmera em perfilar.

Terceiro, por fim, porque faltam palavras duras na Igreja! Nós o cansamos de dizer e repetir, e quando o Vigário de Cristo abandona as suas características bonacheirices para falar a sério e acerbo vamos, também e ainda, continuar a reclamar? Bem que poderíamos seguir os conselhos do Papa e fazer, para o nosso próprio bem!, um minucioso exame de consciência diante do sacrário. Talvez seja isso o que mais nos falte.

Mas o que me chamou mais profundamente a atenção nas “Felicitações de Natal” foi uma frase de Sto. Agostinho que o Papa Francisco cita lá para o final do discurso: «Enquanto uma parte adere ao corpo, a sua cura não é impossível; pelo contrário, o que foi cortado, não pode ser tratado nem curado».

Isso tem tudo a ver com o que se falava acima, com a Igreja Católica enquanto única Igreja de Cristo, fora da qual não há nem salvação e nem santidade – fora da qual só há os sarmentos secos que não servem senão para ser atirados ao fogo.

Isso tem tudo a ver com aquela concepção da Igreja de Roma como Aquela que sempre esteve disposta a tolerar até onde fosse possível os hereges, a fim de salvaguardar a unidade – em oposição à Igreja do Oriente, que sempre se caracterizou por esfacelar a unidade em defesa da[quilo que cada grupo considera a] Ortodoxia.

Isso tem tudo a ver com aquela visão negativa do então Card. Ratzinger a respeito da excomunhão de Lutero, como se os danos à Cristandade pudessem ter sido muito menores se tivesse sido possível à Igreja manter o monge rebelde sob as Suas asas maternais: e, neste ponto, vejo uma admirável confluência de pensamento entre os dois Papas.

Isso tem tudo a ver, enfim, parece-me, com a maneira com que o Papa Francisco costuma tratar os [que ele julga] equivocados: critica-os, exorta-os, chama-os, transfere-os, até mesmo – vá lá! – humilha-os; mas faz questão de os manter na Igreja, debaixo dos seus olhos: porque sabe que é o Papa e sob o seu cajado é que se forma a Igreja de Cristo, fora da qual as almas não podem ser tratadas e nem curadas. Mais “romanista” impossível.

Os profetas das desgraças podem vir às ruas com as suas chiacchiere: nada poderão dizer contra a concepção bergogliana da necessidade da Igreja, que o Papa Francisco faz tanta questão de alardear ao mundo sempre que tem oportunidade. Podem até acusá-lo de querer fazer a Igreja abarcar promíscua e indiscriminadamente o mundo inteiro: ainda assim, contudo, é a sob o pálio do Sucessor de Pedro que ele quer reconduzir o mundo! E isso já é segurança e tranquilidade suficientes para nós: porque isso – vejam só! – é mais catolicismo do que a maior parte dos inimigos da Igreja está disposta a aceitar.

Papa Francisco: «Extra Ecclesiam Nulla Salus»

Foi na Radio Vaticana (via Fratres in Unum) que eu vi o Papa Francisco comparar a Igreja com uma viúva. A primeira impressão é a de perplexidade. A Igreja de Cristo, que é Mãe e Esposa, Ela, com quem o Seu Divino Esposo prometeu estar todos os dias, até a consumação dos séculos…! Como assim, «viúva»? Sim, sem dúvidas Ela e Mãe e Esposa; mas – diz o Papa – «também a Igreja, num certo sentido, é viúva». E a originalidade da exegese que eu nunca ouvira antes me cativou. Acompanhemos o Romano Pontífice:

O seu Esposo foi embora e Ela caminha na história, esperando encontrá-lo, de encontrar-se com Ele. E Ela será a esposa definitiva. Mas, enquanto isso, Ela – a Igreja – está sozinha! O Senhor não é visível. Há uma certa dimensão de viuvez… Isso me faz pensar na viuvez da Igreja. Esta Igreja corajosa, que defende os filhos, como a viúva que foi ao juiz corrupto para defendê-los, e acabou vencendo. A nossa mãe Igreja é corajosa! Tem a coragem de uma mulher que sabe que seus filhos são seus, e deve defendê-los e levá-los ao encontro com o seu Esposo.

Esta «viuvez da Igreja» manifesta-se no fato do Senhor ter ascendido aos Céus e confiado a Ela o encargo de continuar a Sua obra salvífica. Sim, o Senhor está com a Igreja, Ele está conosco, mas há diferentes modos de se dar a presença de Deus. Ele está presente em todos os lugares – afinal, Ele é Onipresente – enquanto Criador das coisas existentes e enquanto as sustenta no ser. Ele está presente nas palavras da Escritura Sagrada enquanto o autor está presente na sua obra. Está presente, por participação, nas almas dos fiéis que vivem em estado de graça. Está presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, substancialmente presente, no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Mas Ele não está corporalmente presente, com o Seu Corpo humano nascido da Virgem Maria, pois este Corpo subiu aos Céu e está sentado à destra de Deus Pai Onipotente, como rezamos no Credo. E esta específica presença nos faz falta: tanto nos faz falta que a História do Cristianismo pode ser resumida nesta tensão entre a Ascensão de Cristo e a Sua Segunda Vinda gloriosa. Tanto nos faz falta que, neste sentido, pode-se dizer que a Igreja vive uma certa «viuvez».

Mas esta «viuvez» não é luto e miséria, não é vergonha e nem indigência: a Igreja, diz-nos o Papa, é uma viúva corajosa e zelosa pelos seus filhos! É uma Mãe que tem a certeza do reencontro definitivo, e portanto luta para levar os filhos d’Ela a encontrarem um dia o seu Pai. É uma viúva sempre preocupada com aqueles que o Seu Esposo lhe confiou, uma viúva que desafia os poderosos deste mundo em favor daqueles que Ela tem a missão de conduzir ao Esposo que partiu para lhes preparar um lugar. Uma viúva, enfim, que tem a sua riqueza nos filhos que possui neste mundo e no Esposo que a espera no seguinte. E que anseia por reunir a todos – Esposo e filhos – no seu seio materno.

E aqui vem a parte mais interessante da homilia pontifícia, pois o Vigário de Cristo repete – mais uma vez de improviso, mais uma vez sem arrodeios e sem dar muitas explicações, simplesmente como quem afirma uma verdade já por demais evidente – que extra Ecclesiam nulla salus, que fora da Igreja não há salvação. Pois ele sentencia assim, totalmente à vontade, sem medo de ferir susceptibilidades ou de provocar polêmicas, que «não existe caminho de vida, não existe perdão nem reconciliação fora da mãe Igreja».

Assim, com estas exatas palavras: fora da mãe Igreja não há caminho de vida, não há perdão e nem reconciliação. Ou como diríamos em outros tempos com outras palavras: fora da Igreja não há salvação e nem santidade, o que é a exata mesma coisa. O único «caminho de vida» que existe está na Igreja, e fora d’Ela portanto todos os caminhos conduzem à morte. A única dispensadora do «perdão» divino é a Santa Madre Igreja e, portanto, fora d’Ela, os pecados não são perdoados. Só n’Ela há «reconciliação», só Ela é capaz de reconciliar o homem pecador com o Deus três-vezes Santo, só no seio d’Ela é possível religar o homem decaído ao Criador e, portanto, só Ela é a Religião Verdadeira.

Assim falou o Santo Padre Francisco, assim sempre falaram os Papas em dois mil anos de Cristianismo. Porque é justamente esta a missão de Pedro: confirmar os cristãos na Fé. E é parte constituinte da Fé Apostólica que não pode ter Deus por Pai no Céu quem não tem a Igreja por Mãe na terra, que a Igreja é a única Arca da Salvação e, fora d’Ela, as pessoas perecem no Dilúvio do pecado. Esta é a nossa Fé, que da Igreja recebemos, que sinceramente professamos. Esta é uma verdade para sempre válida, e que muito nos alegra encontrar com tanta clareza nas homilias pontifícias destes tempos tão confusos em que vivemos. Ouçamos o Papa Francisco! Voltemos para a Mãe Igreja, fora da qual «não existe caminho de vida», fora da qual não se encontra a Cristo, fora da qual não se pode obter a salvação.

Podcast III – Lei Natural, Ignorância Invencível, Nulla Salus y otras cositas más

Com atraso, trago a terceira edição do podcast inominado. A cada semana percebo como há coisas a melhorar…

Desta vez, ainda sobre Extra Ecclesiam Nulla Salus, mas detendo-me nos comentários surgidos semana passada. Lei Natural, ateísmo, quem exatamente está em Ignorância Invencível, e o que eu preciso fazer depois que tomo consciência deste dogma com todas as suas conseqüências. De novo, aberto a comentários e sugestões.

[podcast]https://www.deuslovult.org//wp-content/uploads/podcast/podcast-003-extra-ecclesiam-reloaded.mp3[/podcast]

Clique aqui para baixar.

P.S.: Tem duas falhas no áudio (culpa minha mais do que do editor). Uma é a citação de Pio IX (é “Alocução Singulari Quadam”) e outra na passagem de S. Mateus (como todo mundo percebeu, é “Eu te declaro que és Pedro”). Mea culpa. Considerem que corrigir isso dá um trabalho incomparavelmente maior do que editar um texto…

Singulari Quadam

Podcast II – Por que ser católico?

Trago a segunda edição do (ainda sem nome – aberto a sugestões!) podcast do Deus lo Vult!, onde falo um pouco sobre o porquê de, hoje em dia, algumas pessoas insistirem em serem católicas apostólicas romanas, seguido de algumas considerações sobre o dogma “Fora da Igreja não há Salvação”.

Ainda está profundamente amador. Desta vez, ponho também um link para baixar o arquivo .mp3, conforme foi pedido da outra vez.

[podcast]https://www.deuslovult.org//wp-content/uploads/podcast/podcast-002-extra-ecclesiam.mp3[/podcast]

Clique aqui para baixar.

A soteriologia e o apostolado

Um dos mais graves sintomas da crise que assola a Igreja nos dias de hoje é, no meu parecer, a relativização com a qual é tratado o dogma Extra Ecclesiam Nulla Salus. Como eu comentei aqui bem en passant, há a possibilidade do Batismo de Desejo e da Ignorância Invencível para a salvação dos não-católicos; mas possibilidade não é presunção nem certeza e – eu diria ainda – não é nem esperança no mesmo sentido em que o termo é aplicado a um falecido católico.

Do jeito que algumas pessoas colocam as coisas, chega a parecer até que é mais fácil salvar-se fora da Igreja do que dentro d’Ela! Despreza-se, por um lado, a necessidade absoluta da Graça para a salvação (isso vale inclusive para os que pertencem in voto à Igreja) e, por outro, a natureza humana decaída e a inclinação para o mal que todos os homens possuem. Como se o homem pudesse obter a Graça sozinho (o que é heresia), ou como se Deus conferisse de ordinário a Graça por meios que não os que Ele instituiu para este fim (o que não sei se é heresia, mas é no mínimo uma proposição muitíssimo estranha ao ensino tradicional da Igreja, à qual não se pode aderir levianamente).

Este tipo de mentalidade encontra-se também no otimismo com o qual as pessoas vêem às vezes os não-católicos. Ora, nem mesmo o católico que vive de ordinário em estado de graça, que freqüenta os Sacramentos, que reza, nem este está imune à fragilidade humana e sempre pode cair – e muitas vezes cai! – em desgraça e em pecado mortal; quanto mais não cairão aqueles que não têm os meios ordinários instituídos por Nosso Senhor para a manutenção da vida espiritual, e vivem sujeitos (por melhores que sejam as suas intenções) às vicissitudes da natureza decaída! Têm os não-católicos uma natureza humana melhor do que a dos católicos? Pecam eles menos do que os católicos? Obtêm eles mais facilmente do que os católicos uma contrição perfeita para serem perdoados pelo Altíssimo quando pecam? Por qual motivo, então, são tratados como se estivessem muito bem do jeito que estão, e como se não precisassem urgentemente de tudo aquilo que a Igreja tem para lhes oferecer?

A Teologia nos ensina que é possível – registro e sublinho, possível – ao homem salvar-se pertencendo “à alma” da Igreja caso não seja culpado de estar fora do Seu grêmio visível. Isso é uma coisa. Mas existem duas outras coisas muito relevantes que não podem ser negligenciadas. Primeiro: será que Fulano, uma alma concreta por quem Nosso Senhor derramou o Seu Divino Sangue na Cruz do Calvário, não é culpado por estar fora da Igreja? Não sabemos; mas quem, em sã consciência, iria arriscar num assunto de tão grande gravidade? Segundo: Fulano tem maiores possibilidades de se salvar pertencendo à Igreja in voto ou sendo bom católico e usufruindo dos meios de santificação que a Igreja tem para oferecer?

O arcabouço intelectual não é suficiente – de modo algum! – para nos tranqüilizar quanto à salvação dos que não militam pela Igreja de Nosso Senhor. Não basta saber que existe a “possibilidade” de que se salvem; é necessário se esforçar para que eles se salvem concretamente. É necessário ter uma correta compreensão da Doutrina da Igreja e um verdadeiro amor pelas almas, a fim de que o apostolado seja profícuo. Não nos esqueçamos de que Nosso Senhor nos disse que o caminho era estreito. Não podemos concebê-lo tão largo a ponto de considerarmos de pouca monta a visibilidade da Igreja de Nosso Senhor.