Quando os mensageiros traem a mensagem

Eu gosto de um texto do Chesterton onde ele compara os cristãos – tanto os dos séculos passados quanto os dos tempos atuais – a mensageiros que se julgam portadores de uma mensagem importante que precisa ser entregue, não importa o quanto isto possa custar. Para analisar-lhes o comportamento, é possível abstrair da autenticidade da dita mensagem; para que eles se comportem como de fato se comportam, basta saber que eles acreditam que a mensagem é verdadeira – e esta crença é sem dúvidas passível de constatação empírica.

Pensava nisso quando lia esta curta matéria segundo a qual o Boff foi aplaudido enquanto criticava os últimos papas. Porque não há nada mais estranho à essência da mensagem cristã do que este (mau) hábito de criticar aqueles que nos precederam. Nada de mais estranho à Doutrina Católica do que a mentalidade de que é preciso adaptá-la a fim de que ela se apresente mais adequada aos tempos modernos.

Até porque a própria palavra – em latim diz-se fidei – tem a mesma raiz etimológica de uma outra palavra cujo sentido é-nos, em português, bem conhecido: fidelidade. A Fé não é “construída”, não é “descoberta”, não é “inventada”: a Fé é recebida e devemos guardar-Lhe íntegra. Volto a Chesterton: como mensageiros. Os mensageiros não existem para alterar o conteúdo da mensagem que lhes foi confiada, e sim para entregá-la. Houve um tempo, aliás, em que as mensagens eram entregues de viva voz: um bom mensageiro era aquele capaz de memorizar a mensagem que lhe fora entregue e de entregá-la tal e qual recebeu de quem a enviou. Transmiti-la era a sua missão, e não adulterá-la.

Quando vejo os maus católicos dos dias de hoje (e o Boff é citado somente à guisa de exemplo; como ele, há miríades de traidores dos Evangelhos), penso em como estes estão distantes da missão que lhes foi confiada por Nosso Senhor (quando menos, do encargo que lhes fora confiado no Santo Batismo). A Fé Católica vem de Deus e deve ser transmitida de um homem a outro ao longo dos séculos, sendo absolutamente necessário fazer de tudo para manter a integridade da mensagem que foi confiada aos homens e, portanto, não perder este fluxo de graça que remete aos Apóstolos e, em última instância, a Nosso Senhor – a Deus. Quando vejo falsificadores da mensagem evangélica (portando-se antes como falsários que como mensageiros), lembro-me daquela passagem bíblica onde Nosso Senhor diz que de nada serve o sal que perde o sabor. Porque não é somente o sal que tem um fim próprio (neste caso, o de salgar): também os mensageiros têm o fim precípuo de transmitirem íntegra a mensagem que lhes foi confiada. E, quando as coisas desviam-se do seu fim, para nada mais servem a não ser para serem lançadas fora. Isto serve para o sal e serve também para aqueles que deviam ser portadores da Boa Nova da Igreja de Nosso Senhor.

Aulas em vídeo – Prof. Carlos Ramalhete

Alvíssaras! O professor Carlos Ramalhete começou a gravar – e a disponibilizar – uma série de aulas sobre Catecismo. Até o presente momento, já foram colocadas na internet três aulas, que podem ser vistas abaixo.

As aulas também estão disponíveis em partes menores, no youtube. Os links seguem abaixo:

Aula 1

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4

Aula 2

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4

Aula 3

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4

As aulas estão sendo gravadas semanalmente. O processo de disponibilização delas ainda está em análise. Novidades serão avisadas – esperemos que em breve. Peço orações pelo bom êxito desta empreitada!

Versus Deum

Passei por algumas igrejas aqui em Salvador hoje. São igrejas antigas, que mantêm – entre outras coisas – os altares laterais onde antigamente eram celebradas missas. De frente para Deus.

É impressionante, e triste, constatar como o sentido desta posição litúrgica se perdeu por completo. Hoje, por pelo menos duas vezes eu ouvi dois guias turísticos distintos “explicarem” que, antigamente, os padres celebravam “de costas para o povo”. E sem disfarçar o tom de desprezo a esta atitude ultrapassada dos padres de outrora.

Na verdade, a idéia moderna é bastante estúpida. Nunca antes na Igreja passou seriamente pela cabeça de ninguém que os padres estivessem celebrando de costas para o povo. Porque sempre se soube que ambos, padre e povo, estavam voltados juntos para a mesma direção. Ambos voltados para Deus.

E isso, que qualquer pessoa – por mais humilde que fosse – sempre aprendeu “na prática”, foge completamente à compreensão dos homens modernos. Estes simplesmente são incapazes de conceber que o padre e o povo devessem estar ambos voltados para a mesma direção para significar, exteriormente, uma convergência interior. Ambos olham para a mesma direção porque ambos olham em direção a Deus. Isto, que é tão simples, parece ser incompreensível para os homens que se desacostumaram a volver os olhos para o Criador do mundo.

Em uma das igrejas em que estive – acho que na nova Sé – eu vi um pequeno altar de parede. Neste, havia um grande, um enorme e belíssimo crucifixo. E, por um instante, eu imaginei um sacerdote diante deste altar, diante desta cruz, celebrando a Santa Missa. Durante o cânon romano, “elevando os olhos” e mirando, bem perto de si, enorme e alto, Cristo Crucificado. Mostrando, de forma visível e bem visível, o milagre que ele tem invisível em suas mãos. E nada será capaz de me convencer que não seria (muito) mais fácil manter a Fé este sacerdote que, todos os dias, celebrasse o Santo Sacrifício tendo, literalmente, o Crucificado diante dos olhos.

Impressões no EJF

Impressiona-me, sinceramente, a vitalidade do Regnum Christi e dos Legionários de Cristo. A despeito dos escândalos com o padre fundador que recentemente vieram à tona, no Encontro de Juventude e Família deste ano tenho [re]encontrado muitas pessoas que dão sinceros exemplos de amor a Cristo e à Igreja.

E, digam o que disserem, esta vitalidade é própria do Cristianismo. Quando é perseguido, é que ele cresce; nas tribulações, glorifica a Deus. No meio das adversidades, não esmorece: prodigioso fenômeno que, aqui, é tão fácil de constatar! Não se trata de defender o pe. Maciel que, aqui, trago somente à guisa de exemplo. A imagem da Legião foi grandemente prejudicada pelos fatos recentes que vieram a público – isto é um fato. Alguns abandonaram o Movimento – é outro fato. Mas que outros tantos – muitos! – permaneceram fiéis e, ainda, outros vieram engrossar as fileiras do Regnum Christi mesmo após os escândalos, isto também é fato. E não pode ser ignorado.

Falava aqui no Deus lo Vult! há pouco tempo sobre o sândalo ferido pelo golpe de Deus, a perfumar o mundo de uma maneira agradável ao Onipotente. Nos sofrimentos, glorificar a Deus; esta é uma realidade que não tem nada de trivial, nada de fácil, nada de prazeroso. Muito pelo contrário. Espera-se (e, em certo sentido, até se exige) que as pessoas agradeçam a Deus quando todas as coisas correm bem. Mas, quando alguém dedica a sua vida ao serviço do Altíssimo e, mesmo assim, tudo desmorona… perseverar é heroísmo. Manter-se fiel é santidade.

De novo: o Movimento está aqui como exemplo, e a atitude destas pessoas – muitas das quais conheço há anos – prescinde completamente de considerações sobre os erros do padre Maciel. O fato inconteste é que há muitos inocentes (não somente no Regnum Christi, mas sem dúvidas também aqui), que sofrem sem culpa: e ver precisamente estes se manterem firmes é contemplar uma característica genuinamente cristã; é testemunhar a ação da graça de Deus. Porque não é em homens nem em instituições humanas que estas pessoas – estas, as que permaneceram – pōem a sua confiança. Sem dúvidas não. E ver com clareza para além das aparências – e até mesmo contrariamente às aparências – não é uma atitude de imaturos, ou de bobos úteis enganados, ou de irresponsáveis que ignoram as coisas de Deus; muito pelo contrário. É atitude de quem tem Fé, e de quem entendeu o que significam aquelas palavras de Nosso Senhor: “se alguém quiser vir após Mim, renuncie a Si mesmo, tome a Sua cruz a cada dia e siga-Me”.

Que Deus abençoe o Movimento Regnum Christi, e os Legionários de Cristo. Que a Virgem Santíssima interceda por todos estes, a fim de que o Altíssimo saiba transformar o mal em abundância de bem. Para a Sua maior glória.

Virgem Maria, desejos de Céu

[Está tão bonita que reproduzo do mesmo jeito que recebi por email. Não tenho muito mais o que acrescentar – que a Virgem Santíssima inspire em todos o desejo do Céu! Sim, que esta Boa Senhora possa nos curar da tibieza, e inflamar as nossas almas de um verdadeiro desejo pela Vida Eterna junto ao Seu Filho.

A frase do título não está na reportagem. Está no discurso de Bento XVI em visita al Centro Don Orione di Monte Mario, anteontem. Que, como disse o Sumo Pontífice “[l]a Madonnina (…) protegga le famiglie, susciti propositi di bene, suggerisca a tutti desideri di cielo”; é também o que eu desejo. “Guardare al cielo, pregare, e poi avanti con coraggio e lavorare. Ave Maria e avanti!” – como dizia San Luigi Orione. Que nos guarde a Virgem Santíssima, Salus Populi Romani, que também nós somos romanos. Da Igreja de Roma. Da Igreja de Cristo.]

Bento XVI: “Que Maria inspire em todos desejos de céu”.

25/06/2010 (1:29)

Papa: “Que Maria, Mãe de Deus e nossa, esteja sempre no alto de seus pensamentos e afetos, amável conforto de suas almas, guia certa de suas vontades e amparo de seus passos, inspiradora persuasiva da imitação de Jesus Cristo”.

Bento XVI visitou na manhã de quinta-feira o Centro Don Orione de Monte Mario e abençoou a imagem de Nossa Senhora, abatida alguns meses atrás pela fúria do vento. Restituída aos olhos e à devoção dos romanos, graças à restauração atenciosa, a efígie – recordou o Pontífice – é “memória de eventos dramáticos e providenciais, escritos na história e na consciência da Cidade”. A imagem, de fato, “foi colocada na colina de Monte Mario em 1953, como realização de um voto popular pronunciado durante a II Guerra Mundial, quando as hostilidades e as armas faziam temer pelo futuro de Roma”. Uma iniciativa que partiu dos orionitas, que justamente no alto da colina realizaram um centro de “acolhimento de mutilados e de órfãos”. “Don Orione – precisou o Papa – viveu de maneira lúcida e apaixonada a tarefa da Igreja de viver o amor para fazer entrar no mundo a luz de Deus”, “convencido de que a caridade abre os olhos à fé”. “As obras de caridade – concluiu Bento XVI – jamais podem reduzir-se a gesto filantrópico, mas devem permanecer sempre tangíveis expressão do amor providencial de Deus”.

Fonte: H20News

“Eles deram o testemunho mais forte de sua fé: seu sangue”

É da semana passada, mas vale muito a pena para quem ainda não leu: “Do comunismo ao catolicismo e ao sacerdócio”. “Educado na União Soviética comunista, Yurko Kolasa não sabia nada da fé católica até o início de sua adolescência”. No entanto, a Igreja estava viva, mesmo sob a terrível perseguição que sofria.

E dava o testemunho silencioso – porém eloqüente – do sangue dos Seus mártires. E aquilo que Tertuliano dizia nos primórdios do Cristianismo permanece verdade até os dias de hoje: o sangue dos mártires é semente de cristãos. O martírio – palavra que significa precisamente “testemunho” – é capaz de provocar milagres. Até mesmo de transformar um militante comunista em sacerdote do Deus Altíssimo. Em pastor de almas.

Sanguis martyrum, semen christianorum! Prodigioso florescimento, que atravessa a História e dá sinais de vitalidade até mesmo nos tempos ateus modernos. Porque também nos modernos tempos de hoje – aliás, principalmente nos tempos de hoje – há perseguição religiosa, e há os que dão ao Todo-Poderoso o supremo testemunho do próprio sangue.

No moderno e evoluído século XXI – pois sim! Mas não é em vão. Os cristãos multiplicam-se quando são perseguidos. O sangue dos mártires fortalece a Fé dos que ficam. As suas orações diante do Altíssimo redundam em nosso favor. Semen christianorum! Deus não permitiria o mal se, dele, não pudesse tirar alguma coisa ainda melhor – diz Santo Agostinho. E o martírio é um exemplo bem claro desta verdade postulada pelo Bispo de Hipona. Da perseguição religiosa, do assassinato covarde, Deus tira o testemunho supremo do martírio: e permite que, desta radical fidelidade, nasçam outros cristãos.

Certa vez, alguém me disse que a única vantagem de se morar em Cuba era crescer escutando os gritos de “Viva Cristo Rei!” que os católicos davam no Paredón ao serem fuzilados. De fato, esta vantagem existe: a de forjar a própria Fé com base no testemunho vivo dos que dão o sangue por Cristo Nosso Senhor. Bendita seja a Igreja em Seus mártires! Que o sangue deles derramado possa aumentar em nós a Fé, e congregar na Igreja Imaculada de Cristo cada vez mais homens – criados por Deus para a santidade.

Lei Natural, natureza humana e Graça – Bento XVI

Uma importante aplicação desta relação entre natureza e Graça encontra-se na teologia moral de São Tomás de Aquino, que mostra-se de grande atualidade. No centro de seu ensinamento neste campo, ele coloca a nova lei, que é a lei do Espírito Santo. Com um olhar profundamente evangélico, insiste no fato de que esta lei é a Graça do Espírito Santo, dada a todos aqueles que creem em Cristo. A tal Graça une-se o ensinamento escrito e oral das verdades doutrinais e morais, transmitidas pela Igreja. São Tomás, sublinhando o papel fundamental, na vida moral, da ação do Espírito Santo, da Graça, para cultivar as virtudes teologais e morais, nos faz entender que todo o cristão pode alcançar as altas perspectivas do “Sermão da Montanha” se vive uma relação autêntica de fé em Cristo, se se abre à ação de seu Santo Espírito. Mas – acrescenta o Aquinense – “também se a graça é mais eficaz que a natureza, todavia a natureza é mais essencial para o homem” (Summa Theologiae Ia, q. 29, a. 3), pelo que, na perspectiva moral cristã, há um lugar para a razão, a qual é capaz de discernir a lei moral natural. A razão pode reconhecê-la considerando o que é bom e o que deve-se evitar para alcançar aquela felicidade que é desejada por todos, e que impõe também uma responsabilidade para com os outros, e, portanto, a busca do bem comum. Em outras palavras, as virtudes humanas, teologais e morais, estão enraizadas na natureza humana. A Graça divina acompanha, sustenta e incentiva o compromisso ético, mas, de per si, segundo São Tomás, todos os homens, crentes e não crentes, são chamados a reconhecer as exigências da natureza humana expressas na lei natural e a se inspirar nela para a formulação das leis positivas, isto é, aquelas emanadas pelas autoridades civis e políticas para regular a convivência humana.

Quando a lei natural e as responsabilidades que implica são negadas, abre-se dramaticamente o caminho para o relativismo ético no plano individual e ao totalitarismo do Estado no plano político. A defesa dos direitos universais do homem e a afirmação do valor absoluto da dignidade da pessoa postulam um fundamento. Não é exatamente a lei natural este fundamento, com os valores não negociáveis que indica? O Venerável Papa João Paulo II escreveu na sua Encíclica Evangelium Vitae palavras que permanecem de grande atualidade: “Para bem do futuro da sociedade e do progresso de uma sã democracia, urge, pois, redescobrir a existência de valores humanos e morais essenciais e congênitos, que derivam da própria verdade do ser humano, e exprimem e tutelam a dignidade da pessoa: valores que nenhum indivíduo, nenhuma maioria e nenhum Estado poderão jamais criar, modificar ou destruir, mas apenas os deverão reconhecer, respeitar e promover” (n. 71).

Bento XVI
Audiência-Geral do dia 16 de junho de 2010

Os milagres, a Metafísica, a Providência

As provas da existência de Deus não são de natureza empírica. Isto é óbvio, e está contido nas próprias definições de “Deus” (espiritual) e “empírica” (sensível). O espírito não é sensível, não é perceptível pelos sentidos, não é passível de experimentação em laboratório.

Infelizmente, o grau de incompreensão dos anti-clericais destes princípios tão básicos chega às raias do surreal. É frustrante; tenho às vezes a impressão de estar conversando com retardados. Semana passada, eu pus aqui uma foto – divulgada na Espanha – que mostra uma criança sendo batizada e a água, ao cair, formando uma cruz (ou “um terço”). Eu nem sequer sei se a foto é mesmo verdadeira – parece ser – ou se foi objeto de edição com o Photoshop ou congêneres, simplesmente pelo fato de que isto pouco importa. A foto é uma excelente catequese, que mostra “o que acontece” efetivamente no Batismo, escondido sob os sinais sacramentais (da mesma maneira que outras figuras clássicas, mostrando o que acontece na Santa Missa, por exemplo esta, esta ou esta). Não é um “milagre”, nem uma “prova da existência de Deus”, nem nada do tipo – ao contrário do que insinuaram os comentaristas engraçadinhos que por aqui passaram. No máximo, é Providência Divina, permitindo que a câmera capturasse daquela maneira o momento batismal.

Ninguém precisa de sinais extraordinários para ter Fé, e ninguém que já tenha decidido a priori não ter Fé (como os anti-clericais) vai se deixar convencer por sinais extraordinários. O problema da descrença não é de natureza empírica, mas sim intelectual. Enquanto os irreligiosos insistirem na auto-mutilação da razão, não adianta o Todo-Poderoso descer dos Céus em meio a fogo e toques de trombeta – pois certamente vão dizer que se trata de uma invasão extra-terrestre.

Um dos lados deste curioso fenômeno moderno é o desprezo da metafísica; o outro lado, é a incapacidade de se distinguir entre um fenômeno natural e uma prova da existência divina. Chega a ser impressionante: as provas, eles as ignoram e desprezam e, as coisas naturais, eles querem tratar como se provas fossem! À exceção dos milagres (que, por definição, ultrapassam a natureza e sobre os quais eu não vou tratar aqui), todas as coisas naturais são (a redundância, infelizmente, parece ser necessária) naturais, e não sobrenaturais.

Há uma enorme confusão feita entre a Providência Divina (que a forma ordinária segundo a qual Deus “rege” a história) e os milagres; e, ainda, entre estes e as provas da existência de Deus. E, se é verdade que qualquer um pode receber de Deus a graça da Fé ao contemplar a ação da Providência na História, não é menos verdade que esta, por si só, não é suficiente para se impôr à inteligência (menos ainda no caso de quem, deliberadamente, mutila a própria razão fechando-lhe o acesso àquilo que transcende a matéria). Providência é providência, milagre é milagre, metafísica é metafísica. O surgimento de um gênio do calibre de Santo Tomás de Aquino numa época em que parecia que a filosofia aristotélica era apanágio dos árabes, é Providência; a levitação do Aquinate quando ele, em êxtase, contemplava a Santíssima Eucaristia, é milagre; as Cinco Vias Tomistas, são metafísica. Coisas bem distintas entre si. Naturalmente, qualquer um dos três pode servir para aproximar as almas bem-intencionadas de Deus. Igualmente, todos podem ser rejeitados recorrendo-se ao “Acaso”, ao “Desconhecido” ou ao “Impossível-a-priori”. Nós sabemos muito bem disso, não sendo necessário que os prosélitos da Irreligião venham alardear tais obviedades como se tivessem acabado de descobrir a pólvora. Igualmente, nós sabemos que a Providência não é “sobrenatural” e que a metafísica prescinde da Fé – e tratar estas coisas sob um enfoque distinto deste não é intelectualmente honesto.

No entanto – de novo por definição -, “acaso” não é causa, “ignorância” não é conhecimento positivo e “rejeição a priori” não é determinante de inexistência. Se os ateus querem ter a fé deles, que tenham. Se querem mutilar a própria inteligência, protestaremos, mas que mutilem – afinal, ninguém pode ser forçado a abandonar uma idéia, por mais estúpida que ela seja. Agora, se quiserem impôr a sua fé a todos como a única aceitável, então nós não aceitaremos. Temos bastante amor à nossa inteligência – dom de Deus! – para imolá-la no moderno altar da descrença. Somos bastante céticos para acreditarmos nos contos-de-fada dos anti-clericais. Somos já bem crescidinhos – afinal, temos dois mil anos… – para nos perturbarmos com a histeria de adolescentes mimados.

O bordão e o báculo – Bento XVI

No entanto, falando do vale escuro, podemos pensar também nos vales escuros das tentações, do desalento, da provação, que toda pessoa humana deve atravessar. Também nestes vales tenebrosos da vida Ele está ali. Senhor, nas trevas da tentação, nas horas das trevas, em que todas as luzes parecem apagar-se, mostra-me que tu estás ali. Ajuda-nos a nós, sacerdotes, para que possamos estar junto às pessoas que, nessas noite escuras, nos foram confiadas, para que possamos mostrar-lhes tua luz.

“Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo”: o pastor necessita do bordão contra os animais selvagens que querem atacar o rebanho; contra os salteadores que buscam sua vítima. Junto ao bordão está o báculo, que sustenta e ajuda a atravessar os lugares difíceis. Esses dois elementos entram dentro do mistério da Igreja, do mistério do sacerdote. Também a Igreja deve usar o bordão do pastor, o bordão com o qual protege a fé dos farsantes, contra as orientações que são, na realidade, desorientações. Com efeito, o uso do bordão pode ser um serviço de amor. Hoje vemos que não se trata de amor, quando se toleram comportamento indignos da vida sacerdotal. Como tampouco trata-se de amor se deixa-se proliferar a heresia, a tergiversação e a destruição da fé, como se nós inventássemos a fé autonomamente. Como se já não fosse um dom de Deus, a pérola preciosa que não deixamos que nos arranquem. Ao mesmo tempo, no entanto, o bordão continuamente deve transformar-se em báculo do pastor, báculo que ajude aos homens a poder caminhar por caminhos difíceis e seguir a Cristo.

Bento XVI
Homilia no encerramento do Ano Sacerdotal