“Técnica” eugenista para impedir transmissão de doenças genéticas

Divulgou-se na mídia uma técnica para «evita[r] que doenças genéticas sejam transmitidas para filhos». A notícia é alvissareira e muito nos anima! O repórter começa falando em “tratamento”. Após alguns minutos mostrando mulheres grávidas fazendo Yoga, o repórter anuncia a nova “técnica toda especial” que evita que doenças graves sejam transmitidas para bebês. Aqui começa o nosso horror.

Um casal quer ter filhos, mas o marido sofre de uma grave doença e tem medo de transmiti-la aos seus filhos. A doença: paramiloidose, transmitida geneticamente. O tratamento: DGPI. Diagnóstico Genético Pré-Implantacional. A médica descreve a técnica (aos 4m20s): «[a] gente escolhe, entre os vários embriões que são feitos (sic) por fertilização in vitro, quais aqueles que não são portadores daquela doença para serem implantados». E o resultado desta aplicação concreta: «[d]as 11 células [i.e., dos nove embriões], em nove a doença apareceu. Apenas dois embriões eram livres da paramiloidose». Estes últimos foram implantados, e um deles nasceu. A reportagem se exime de chamar a atenção para este “detalhe”, mas os outros nove embriões, naturalmente, eram produtos defeituosos e foram descartados.

Grande técnica! Faz-se um embrião, se ele não for saudável, descarta-se-lhe e faz-se outro! E o repórter, aos 5m20s, ainda vem falar sobre as questões éticas que esta técnica pode levantar… incrivelmente, não percebe ele que os limites éticos já foram jogados no lixo há muito tempo, junto com os outro nove filhos “defeituosos” que este casal descartou até conseguir uma criança perfeita.

A diferença entre isto e os bebês espartanos que, após o nascimento, eram lançados montanha abaixo caso fossem defeituosos é nenhuma: apenas o progresso da técnica elevou a níveis ultra-eficientes a velha eugenia. Ao invés da montanha onde um ancião avaliava minuciosamente o recém-nascido, uma placa de Petri onde o cientista analisa com avançado aparato tecnológico o recém-fecundado. Nada muda: um e outro serão descartados se não forem perfeitos. E ainda chamam isto de “avanço da ciência”! Barbárie e decadência, isto sim. Voltamos aos tempos pagãos, e – graças ao progresso científico – conseguimos realizar as suas barbaridades de modo muito mais eficaz. Isto não é motivo para se comemorar.

Confundindo técnica e ética: fecundação “tri-parental” aprovada na Grã-Bretanha

Eu li no Meio Bit o Cardoso explicando uma nova técnica (dita “terapêutica”) para “corrigir” defeitos mitocondriais e possibilitar que mães portadoras de certas doenças genéticas possam ter filhos saudáveis. À parte a retórica anti-clerical do articulista (que, neste texto, encontra-se particularmente furibunda), o que interessa é o seguinte: existem algumas doenças causadas por defeitos nas mitocôndrias. Como as mitocôndrias vêm somente da mãe (já estão presentes no óvulo), uma mulher com mitocôndrias doentes irá necessariamente passá-las para seus filhos. Dependendo de alguns fatores que não são mencionados no texto, a doença pode não se manifestar, mas mesmo assim a pessoa terá um DNA mitocondrial defeituoso (e, se for uma mulher, vai repassá-lo para os seus filhos, etc.). E estas doenças mitocondriais podem ser bem graves, de modo que é natural que se queira encontrar uma forma de evitá-las.

A nova técnica é simples: como as mitocôndrias não ficam no núcleo do óvulo (e sim no citoplasma), basta pegar dois óvulos (de mulheres distintas), tirar os dois núcleos e enxertar o do óvulo da mulher que tem mitocôndrias defeituosas no outro (da mulher que tem mitocôndrias sãs). O resultado é um óvulo “híbrido”, com o núcleo de uma mulher (que é a parte que contém a carga genética) e o resto (citoplasma e membrana) da outra mulher. A partir daqui, segue-se um procedimento normal de fertilização in vitro, e a criança nascida assim irá herdar a carga genética de sua mãe, mas não o seu DNA mitocondrial. O procedimento foi recentemente aprovado por um comitê ético britânico.

Bom… o que dizer? Foi feita, no texto, uma crítica à (inevitável…) comparação da técnica com a história do monstro do Dr. Frankenstein. E a comparação é bastante pertinente, porque no fundo a idéia de “montar” um corpo a partir de partes dos corpos de outras pessoas está presente em um caso e em outro: a diferença é somente a escala. É claro que o procedimento é imoral. Mas, ao contrário do que possa parecer, a imoralidade está na fertilização in vitro, já incontáveis vezes condenada e cujos (incontáveis) problemas já deram abundantes provas de sua existência. O problema evidentemente não está em querer mitocôndrias saudáveis; o problema está na idéia de se produzir seres humanos em laboratórios. Não me espanta nada que esta “fecundação com três pais” tenha sido aprovada, uma vez que – como disse o Cardoso e, infelizmente, é verdade – «[h]oje qualquer clínica de subúrbio faz bebês de proveta, e ninguém em sã consciência consideraria essas crianças algo fora do normal».

O problema, repetimos, não está no fim almejado. O fim é sem dúvidas bom. Se fosse possível dar à mãe uma pílula que agisse nos seus ovários e alterasse as mitocôndrias lá presentes (tornando-as sadias), isto certamente não seria imoral. Não vale a pena entrar neste casuísmo de curar (ou melhor, de prevenir) doenças genéticas levantado pela matéria, porque a resposta é bastante óbvia: se se está empregando um meio intrinsecamente mau (como a fecundação in vitro), elencar os benefícios trazidos pela técnica não faz nenhuma diferença. É errado criar bebês (ditos) de proveta independentemente do quão “bom” seja o bebê resultante do procedimento, e isto porque errada é a fertilização in vitro considerada em si mesma, e não dependendo da proficiência técnica que se adquira em executá-la.

No fundo, trata-se da velha e evidente diferença (totalmente imperceptível para os “cientólatras” deslumbrados com o progresso científico) entre a capacidade técnica e a permissão ética: poder fazer algo [= conseguir] não significa que se possa fazê-lo [= ser lícito]. Os que foram ofuscados pelo recente progresso técnico perdem-se completamente na semelhança entre as palavras e simplesmente não enxergam a polissemia aqui presente. A questão não é somente se existe tecnologia para tanto ou se os resultados obtidos são “seguros”: a questão envolve os meios que são empregados. Era bastante óbvio que as coisas chegariam a este ponto. A Igreja já o dissera:

As técnicas de fecundação in vitro podem abrir possibilidade a outras formas de manipulação biológica ou genética dos embriões humanos, tais como as tentativas ou projetos de fecundação entre gametas humanos e animais e de gestação de embriões humanos em úteros de animais bem como a hipótese ou projeto de construção de úteros artificiais para o embrião humano.

Este texto foi escrito vinte e cinco anos atrás. Eu nem vou insistir no seu caráter profético: vou me ater ao fato de que era óbvio. Uma vez que a vida deixa de ser um dom sublime para ser um produto de uma manipulação técnica, como esperar que ela continue detendo o respeito absoluto do qual é digna? Como esperar, aliás, que ela tenha qualquer respeito? É infelizmente próprio do ser humano desrespeitar o que lhe é inferior e não zelar pelo que ele pode substituir. Quando os seres humanos passaram a ser produtos de laboratório, estavam abertas as portas para os maiores abusos e arbitrariedades. Só não viu quem não quis. E é triste constatar que até hoje perdurem os que não querem ver. A vida humana vai sendo cada vez mais coisificada e, no entanto, eles saúdam cada passo desta triste marcha tecendo-lhe rebuscadas loas! A meus ouvidos, soam como trombetas de um Apocalipse auto-produzido, de um fim do mundo principiado por iniciativa humana. Nestes tempos de Rio+20 convém deixar claro: as catástrofes globais antropogênicas realmente sérias não são as ecológicas, e sim as morais. Nestas, sim, é inegável a ação humana deletéria. Com estas, sim, é urgente nos preocuparmos. Estas, sim, são uma evidente ameaça concreta à humanidade e portanto devem ser combatidas com afinco.