São João Batista, um santo que já nasce santo

De São João Batista comemora-se não o dia da morte (*), mas o do seu nascimento; porque ele, ao contrário dos outros santos e santas de Deus, já nasceu santo. Quando a Santíssima Virgem saudou santa Isabel e o menino pulou de alegria no ventre dela (cf. Lc I, 40ss), naquele momento aconteceu o primeiro milagre do Novo Testamento, depois do Milagre supremo da Encarnação do Verbo: naquele instante, uma mulher ficou cheia do Espírito Santo e uma criança – ainda no ventre da sua mãe – foi santificada.

[(*): Na verdade, a festa da Decapitação de São João Batista existe, e é celebrada (tanto no calendário novo quanto no antigo)  no dia 29 de agosto. Mas a festa do nascimento do Batista é maior e mais conhecida do que a de sua morte, e é ele o único santo (à exceção, claro, do próprio Cristo e da Virgem Santíssima) de quem se celebra o nascimento.]

São João Batista nasceu santo, assim com a Santíssima Virgem e assim como Nosso Senhor. Mas a razão desses três nascimentos luminosos é bastante distinta. Cristo nasceu santo porque é Deus e, por Sua própria natureza, não poderia jamais nascer de nenhuma outra maneira. A Santíssima Virgem nasceu santa porque foi preservada, no instante em que foi concebida, da mácula do pecado original: é o dogma católico da Imaculada Conceição. Já São João Batista nasceu santo porque, embora tenha sido concebido no pecado, foi santificado ainda no ventre de sua mãe. Cristo não teve e não poderia ter jamais a mancha do Pecado Original; a Virgem Santíssima poderia tê-la, e a teria, se dela não tivesse sido salva por Deus no instante da Sua concepção; São João Batista teve-a de fato, mas dela foi purificado ainda no ventre materno.

É um santo que já nasce santo quem hoje se celebra: tal acontecimento privilegiadíssimo não se tem notícia de que tenha voltado a ocorrer depois daquela noite bendita nas montanhas de Judá! O “precursor” que hoje nos nasce mereceu do próprio Cristo aquele elogio rasgado: dos nascidos de mulher, não surgira jamais outro que fosse maior do que João Batista (cf. Mt XI 11). Não é de se espantar que a Igreja lhe reserve esse lugar privilegiado. Não é de estranhar, portanto, que ele seja celebrado com tanta pompa no mundo inteiro e principalmente no Brasil.

Porque as fogueiras, os fogos, as danças, as bebidas e tutti quanti são, também, em honra a esse grande santo: não é só com primeiras vésperas, liturgias de primeira classe e procissões solenes que são honrados os santos de Deus! A piedade popular tem a sua maneira própria de impregnar o seu quotidiano com as luzes do calendário litúrgico da Igreja. Infelizmente, muitas de nossas festividades juninas estão completamente secularizadas, paganizadas até; mas convém não esquecer que elas, em sua gênese e, portanto, por direito, foram instituídas para honrar São João Batista. Por conseguinte, pode-se (e se poderia até dizer: deve-se!) usar tudo o que é propriamente junino para homenagear São João. Mesmo os fogos. Mesmo a quadrilha. Mesmo a canjica. Mesmo o quentão.

E que São João Batista seja honrado não só no dia de hoje, mas em toda a nossa vida, que esta é a maneira pela qual se honram mais perfeitamente os santos de Deus: imitando-lhes as virtudes no sacrifício quotidiano de uma vida agradável ao Altíssimo. O santo, aliás, não é propriamente conhecido por seus arroubos festivos: dele se disse que «nem comia pão nem bebia vinho» (Lc 7, 33), e a frase que lhe ficou mais característica foi aquela terrível «O machado já está posto à raiz das árvores. E toda árvore que não der fruto bom será cortada e lançada ao fogo» (Lc 3, 9).

Hoje, claro, celebra-se o pequeno filho recém-nascido de Isabel, o São João do Carneirinho, e não o corajoso mártir cuja cabeça foi servida numa bandeja de prata por desafiar os poderosos; mas não convém esquecer que ambos são o mesmo homem e, portanto, os gritos de «Penitência!» que esta criança um dia há-de fazer ecoar no deserto aplicam-se, sim, sem dúvidas, também ao dia de hoje, quando ainda festejamos o seu nascimento. Que essas considerações iluminem as nossas noites juninas e todas as noites que nos forem concedidas nessa vida. Que São João Batista, hoje honrado no mundo inteiro, rogue e interceda sempre por todos nós.

São João, Luiz Gonzaga, Catolicismo

fogueira-sao-joao

A fogueira tá queimando
em homenagem a São João…
O forró já começou,
vamo gente, arrasta-pé neste salão.

Que se danem os ecologistas chatos: eu defendo as fogueiras de São João. Aliás, eu gosto da festa de São João como um todo, que possui raízes muito fortes aqui no Nordeste. Gosto das tradições juninas, que são tradições católicas em grande parte. As três maiores festas que ocorrem no mês de junho, são todas em homenagem a santos católicos: Santo Antônio, São João e São Pedro.

Já escrevi aqui no ano passado sobre as tradições juninas, e os motivos pelos quais eu acho que elas devem ser defendidas e propagadas. Sobre as fogueiras, por exemplo, toda criança aprende (ou, pelo menos, aprendia…), com ligeiras variantes, que a fogueira foi acesa por Santa Isabel para avisar à Virgem Maria (ou para avisar aos vizinhos) que nascera São João Batista, num tempo em que não havia telefone. Não sei o quanto de verdade tem nesta história, mas o fato inconteste é que as fogueiras – ainda hoje! – queimam em homenagem a São João, como canta a música. Às vezes, eu penso nas velas acesas aos santos, e penso que algumas festas são tão grandes que exigem mais do que velas: então, são acesas fogueiras, grandes velas que lembram a luz da Fé Católica a iluminar a escuridão da noite do mundo sem Deus. As ruas se transformam em grandes velários, onde cada casa faz questão de depositar a sua homenagem a São João Batista, onde cada família acende a sua fogueira.

Claro, existe a parte deplorável da festa, e hoje em dia mais do que antigamente, porque o forró moderno está infinitamente além, em matéria de imoralidade, das tradicionais canções de Luiz Gonzaga que ainda tocam e das quais eu gosto. Não que o forró pé-de-serra seja a coisa mais casta e pura do mundo, mas não há comparação entre ele e as músicas que tocam hoje em dia, manchando as festas juninas.

Não sei se é verdade que Luiz Gonzaga era maçom, mas sei que há a sua composição católica. É óbvio que não são tratados teológicos nem catecismos musicados, mas é uma espécie de música secular que… não existe nos dias de hoje! Como na música Rainha do Mundo, onde o pernambucano canta Senhora Rainha do Mundo / Rogai por nós desta terra varonil / Agora e na hora de lutar pelo Brasil. Ou na Ave Maria Sertaneja, onde se diz Quando batem as seis horas / de joelhos sobre o chão / O sertanejo reza / a sua oração / Ave Maria / Mãe de Deus Jesus / Nos dê força e coragem / Pra carregar a nossa cruz. Ou na simpática Padre Sertanejo, onde o sanfoneiro canta Quando o jipe lá em cima aportou / no arraiá do meu sertão / a moçada lá em baixo gritou / Chegou o padre, vai ter procissão. / Seu vigário chegou muito alegre, / veio de Brejo da Madre’ Deus. / Deus lhe pague, seu vigário, / estão alegres os filhos seus. Ouvi-lo cantar ao Papa João XXIII e à Eucaristia é chorar de tristeza, porque a composição é infinitamente mais católica do que a média das homilias que ouvimos hoje em dia:

Cantador desse Nordeste
Afinei o meu bordão
Eu agora vou fazer
Uma bonita louvação
Ao velhinho lá de Roma
Ao bondoso Papa João

[…]

Que ama Nosso Senhor
E se alimenta do pão
Que mata a fome de todos
Até dos sem precisão
E não se assa no forno
E nem conhece balcão

Água, luz e alimento
De todos sem exceção
Mata a sede da pobreza
Atravessa a escuridão
Alenta toda a tristeza
Acaba com a escravidão

Este tipo de música simplesmente não encontra lugar nas festas juninas dos dias de hoje. No entanto, ainda ardem fogueiras. E elas ainda queimam – por mais que isso esteja esquecido – em homenagem a São João. Que São João Batista, santificado ainda no ventre materno e, por isso, único santo cuja festa se celebra no dia do seu nascimento ao invés de no da morte, possa olhar para a homenagem que lhe faz o povo brasileiro e interceder por nós.