O Haloween é uma festa pagã que os cristãos devem evitar?

No dia de Haloween, pergunta-se sobre a licitude moral de tomar parte nos festejos que hoje se celebram mundo afora (aliás, muito mais “mundo afora” do que no Brasil, convenhamos). Quanto a isto, responde-se:

“Haloween” é uma corruptela de «All Hallows’ Eve[ning]», ou seja, Vigília de Todos os Santos. Amanhã, dia Primeiro de Novembro, a Igreja celebra o dia de todos os santos e hoje, 31 de outubro, na véspera, era celebrada a “All Hallows Eve”, i.e., a sua vigília.

– Assim, o Haloween não é (e nem nunca foi) uma festa pagã. A festa celta pagã, como explica o Salvem a Liturgia!, era o Samhain. O Haloween (ou o “All Hallows’ Eve”, ou a Vigília de Todos os Santos) era e sempre foi uma festa cristã, celebrada no mesmo dia do festival pagão exatamente para debochar do paganismo vencido. É este, aliás, o sentido das máscaras e das fantasias.

– Este sentido perdeu-se em grande parte (afinal, quase ninguém lembra da Vigília de Todos os Santos quando se fala em Haloween), mas isso não impede os católicos de o utilizarem. Penso que é até mesmo importante que se faça este resgate histórico, para responder aos neo-pagãos que desejam forjar para si próprios (e, pior, impôr aos outros) uma celebração pagã inexistente há muitos séculos (ao contrário do Haloween que sempre existiu enquanto festa cristã com os mesmos elementos que possui hoje).

– A despeito das tentativas neo-pagãs de se resgatar o “Dia das Bruxas” (31 de outubro) celebrado hoje em dia como se fosse uma celebração – às vezes diz-se “ininterrupta” (!) – do Samhain celta, a própria realidade se encarrega de lhes fornecer um desmentido. Primeiro por causa do próprio nome da festa (derivado do “All Hallows’ Eve” cristão, e não do “Samhain” pagão), e depois devido aos elementos conservados nos festejos modernos: os pagãos não se vestiam de bruxas, por exemplo, e o clássico “Trick-or-Treating” (cuja origem é aliás controversa) popularizou-se por indivíduos e empresas interessados em estimular o consumismo infantil, e não por ocultistas celebrando antigos costumes pagãos. Em suma, praticamente nada no Haloween moderno remete ao Samhain celta. Não há, portanto, razões para se falar em “celebração pagã”.

– Não obstante, como em todas as épocas do ano, há festas e festas, há maneiras e maneiras de se comemorar um evento. Recentemente a Arquidiocese de Varsóvia alertava para o ocultismo praticado sob o pretexto de diversão durante o Haloween. Não nego que haja festas neo-pagãs celebradas no dia de hoje. E, como é evidente, os cristãos não podem tomar parte em festas neo-pagãs. O que nego é que todas as festas de Haloween sejam intrínseca e necessariamente pagãs. A bem da verdade, a maior parte delas é simplesmente neutra, sem nenhuma conotação nem cristã e nem pagã.

– Há quem diga que dessacralizar uma festa originalmente cristã é por si mesmo diabólico. Concordo com os princípios, mas não com a utilização da sentença no caso concreto, pois entendo que não se aplica. Primeiro porque nunca houve festa popular cristã de All Hallows’ Eve no Brasil que pudesse ser “dessacralizada” (a coisa já chegou aqui do jeito que é atualmente), e segundo porque os elementos do Haloween celebrado hoje em dia já faziam todos parte da festa cristã: as fantasias de bruxas e monstros são um deboche ao paganismo, os doces pedidos às portas das casas remete ao costume medieval das crianças pedirem bolinhos em troca de orações pelos mortos, as lanternas de abóboras representam as almas do Purgatório, etc. Não há, portanto, “dessacralização” aqui, pois estes elementos (que obviamente nunca foram “litúrgicos”) sempre foram utilizados dentro de um contexto cristão.

– Por fim, diante de uma festa pagã há muitos séculos cristianizada (e cujos elementos folclóricos existentes hoje em dia remetem todos à celebração cristã e não à pagã) que praticamente perdeu por completo toda conotação religiosa (quer cristã, quer pagã), vale o bom senso e as disposições interiores de quem participa delas (de um modo análogo a tudo o que eu já escrevi aqui sobre o Carnaval). Não há nada de intrinsecamente imoral em pôr uma fantasia para pedir ou distribuir doces. Os que desejam participar dos festejos do dia de hoje (e, óbvio, não o fazem movidos por nenhuma – aliás bem recente – mentalidade neo-pagã) podem perfeitamente fazê-lo com a consciência tranqüila.

Carnaval III

É claro que existem incontestáveis imoralidades no carnaval como hoje ele é celebrado. Negá-lo, é negar a os fatos tais e quais eles se apresentam – e este é um dos outros mitos do carnaval que precisa ser derrubado. Dizer simpliciter que o carnaval é uma festa neutra é falsear a realidade.

Não estou aqui simplesmente para fazer uma apologia do carnaval, é lógico. O carnaval não tem defesa. As escolas de samba do Rio de Janeiro parecem ter como conditio sine quae non a existência de mulheres (quando muito!) seminuas, e os grandes blocos de Salvador são uma festa onde a promiscuidade encontra cidadania. Não dá para defender este tipo de evento, naturalmente. Não é este o objetivo desta série de artigos.

Eu tive a sorte de nascer sob o império do frevo recife-olindense. É uma dança que não tem lá muitos chamativos sensuais: dança-se sozinho, exige uma boa técnica, as vestimentas e os passos da dança não pretendem possuir apelo sexual. Este é o carnaval que eu conheço, o carnaval da minha infância, das marchinhas antigas das quais tanto gosto! Naturalmente, não posso dizer que as ladeiras de Olinda são o último recôndito de moralidade durante os dias em que Momo impera. Mas (parece-me!) é muito mais fácil brincar carnaval de uma maneira lícita quando se escuta frevo do que quando se escuta samba ou axé.

E as pessoas que desejam simplesmente brincar o carnaval de uma maneira saudável encontram-se, durante os dias de folia, sem opções. Por um lado, existem as vergonhosas festas profanas das quais não se pode simplesmente participar (uma vez que evitar as ocasiões de pecado é um mandamento tão forte quanto o de evitar o pecado em si). Por outro lado, existe (as mais das vezes) uma completa vacuidade de opções legítimas para se divertir durante os dias de carnaval. É evidente que não me refiro aos retiros ou acampamentos: estes, existem em considerável número, mas me refiro àquelas opções que respeitam o direito do cristão de se divertir nos dias que antecedem o roxo quaresmal. São poucas estas possibilidades. Feliz de quem pode dispôr delas.

Se é importante resgatar o carnaval, é fundamental que isso seja feito por meio da substituição das festas profanas que conhecemos por outras festas, mais razoáveis, menos pecaminosas, mais adequadas aos filhos de Deus que só querem aproveitar os últimos dias antes da Quaresma. Hoje em dia, o dilema parece ser entre entregar-se à promiscuidade dos dias de Momo ou sacrificar a alegria carnavalesca. Não parece haver meio termo. E, durante estes dias de folia, é exatamente isso uma das coisas que mais faz falta.