Que assim seja o entardecer das nossas vidas

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Foi o professor Fedeli quem me disse, certa vez, que o entardecer era mais bonito que o alvorecer. Porque a agitação do dia levanta partículas que, em suspensão no ar, encarregam-se das mil-cores de que se costumam revestir os nossos ocasos: mas a explicação física não é tão importante quanto o simbolismo espiritual. O pôr do sol é mais bonito que o seu nascer para nos ensinar que uma boa morte é preferível a um berço de ouro: que, na verdade, não importam tanto as condições nas quais nós nascemos, mas sim o nosso estado quando deixamos este mundo.

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Sim, é belo o poente…! Que assim seja o anoitecer das nossas vidas. Que nos preocupemos mais com o fim do dia do que com início que há muito já ficou para trás – e com relação ao qual nada mais podemos fazer. Que a SSma. Virgem nos conceda almas mais inflamadas do amor de Deus do que este céu soteropolitano de fim de tarde. Que o bom Deus nos conceda um crepúsculo do qual nos possamos – no bom sentido – orgulhecer. Um que apraza a Nosso Senhor contemplar.

[Fotos em Salvador, no ligeiro mas agradável passeio em companhia do caríssimo Dionísio, a quem muito agradeço pela cordialidade.]

Subir ainda um pouco mais…!

Foi com espanto que eu vi, hoje pela manhã, estas fotos de adolescentes russos nas alturas. Não sei se é algum tipo de competição, se alguma maneira de experimentar sensações intensas (uma espécie de substituto psicológico para o efeito que, em outros tempos e lugares, seria buscado por meio de drogas ou álcool), se simplesmente um desgosto por uma vida que se percebe vazia… não sei. Também não sei quem inventou esta moda ou se alguém já se machucou fazendo isso; mas o que salta aos olhos é a imponência das imagens, que em alguns casos chega a dar vertigens.

As fotos me parecem, na verdade, extremamente adequadas à juventude, a esta fase da vida em que a possibilidade de se mudar o mundo parece tão concreta que, certas vezes, a gente acaba mudando-o mesmo. Expressão desordenada da juventude, por certo, uma vez que ninguém pode colocar a própria vida em risco sem razão proporcionada; mas deixemos estes pormenores técnicos de lado por ora. Ninguém imagine que eu esteja defendendo a irresponsabilidade; o meu ponto é precisamente que é possível explorar as características próprias da juventude sem necessariamente se tornar irresponsável.

A grandeza! A altura, o vento no rosto, o mundo pequeno sob os pés, o céu próximo a ponto de dar a impressão de que seria possível tocá-lo com as mãos caso se subisse só um pouquinho a mais! A imagem se presta a uma bonita metáfora sobre o itinerário espiritual, com os arroubos próprios da juventude que se reproduzem tão bem, no plano religioso, nos dos neo-conversos. Costuma-se dizer que a maturidade (natural) vem quando a gente troca o desejo de mudar o mundo pelo de pagar as contas no final do mês; no plano espiritual, no entanto, tal não pode acontecer. É preciso sempre voltar ao altar do Todo-Poderoso que é a verdadeira Fonte da Juventude – ad Deum qui laetificat juventutem meam, como rezamos nas orações ao pé do altar – para ali encontrar este entusiasmo com a a vida e com a vocação cristã, esta indizível sensação de que o mundo está na iminência de ser mudado e que, portanto, vale a pena esforçar-se ainda um pouco mais. Em suma, esta capacidade (tão tipicamente jovem) de não se deixar desanimar, de não esmorecer diante das dificuldades que, talvez, insistam em se levantar.

O céu! O corpo solto, o mundo lá embaixo, distante. Desimportante. O tênue equilíbrio – na vida da graça? – que precisa ser mantido com diligência, senão cairemos – no pecado? – e morreremos. Mais sentido que o Skywalking russo tem a vida espiritual cristã. Mais importante que aproximar-se do céu físico é se esforçar por chegar (ainda!) mais perto de Deus. Mais perigoso que o espaço vazio sob os jovens é o Inferno aberto a nossos pés. E mais bela – infinitamente mais bela! – do que a vista das alturas é a visão de Deus.

Concurso promove o valor da maternidade

[É digno de menção este concurso para grávidas. O slogan é muito bom: “um amor que começa antes do nascimento”. No meio da nossa sociedade hedonista em que a gravidez é praticamente vista como uma doença (que se “previne” e se “evita”), é reconfortante encontrar uma iniciativa cultural que promova e valorize a maternidade. O concurso já está na sua terceira ou quarta edição. Vi a notícia aqui no site do Jornal do Commercio.]

Concurso Cultural “A minha gravidez”

Já está no ar a quarta edição do concurso cultural A Minha Gravidez, uma parceria do Portal NE10 com as fraldas Baby&Baby, do grupo Asa, e com as Tintas Iquine. Depois de três anos de muito sucesso, o concurso já entrou na agenda das grávidas de plantão que, este ano, concorrem a um ano de fraldas Baby&Baby e tintas para a pintura do quarto do bebê. Para participar as mamães devem se inscrever pelo site www.aminhagravidez.com.br e enviar uma foto da sua gestação. As duas fotos mais votadas ganham a premiação.

O hotsite do concurso é totalmente integrado com as redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter e MySpace), o que ajuda as concorrentes na hora de buscar votos. O regulamento do concurso e informações das premiações podem ser conferidos no próprio site. Repetindo o sucesso do ano passado, a equipe de jornalistas da editoria de Projetos Especiais do JC vai produzir matérias e vídeos com dicas, informações e curiosidades para as futuras mamães. Para Patrícia Melo, coordenadora de marketing do Portal NE10, a seção de notícias do site é o grande diferencial: “O interessante é deixar de ser apenas um concurso cultural e se transformar num canal de informação para as gestantes, onde elas possam tirar dúvidas e aprender novas coisas”.

Um dos canais de informação é o Twitter (@mgravidez) que será sempre atualizado com notícias de interesse das gestantes. Com mais de 400 seguidores, o perfil no twitter também é uma forma de interação entre as participantes e os organizadores do concurso. Para as mamães conectadas é possível ainda acessar a página A Minha Gravidez, no Facebook (www.facebook.com/minhagravidez).

As duas vencedoras vão ganhar um prêmio que, para maioria das mães, é um sonho de consumo e tanto: um ano de fraldas Baby&Baby grátis. “Estamos juntos com o projeto desde 2009 e tem sido uma boa experiência para a marca”, explica Wagner Mendes, gerente de marketing corporativo do grupo Asa. Ano passado mais de 120 fotos foram enviadas e a expectativa é de que os números só cresçam. “Acreditamos que ao longo dos anos o público tem crescido no que diz respeito ao envolvimento e participação no concurso e torna-se uma ótima oportunidade para divulgar a marca e o produto fraldas Baby & Baby”, enfatiza Wagner.

Além das fraldas, as vencedoras terão uma preocupação a menos na hora de receber o bebê em casa. A duas vão poder escolher tintas da Iquine para pintar o quarto do novo integrante da família. O diretor de marketing e vendas da Iquine, Alan Souza, acredita que a parceria com o Portal NE10 vai fazer com que os cliente vejam a marca de uma forma diferente: “O objetivo é que as mulheres percebam a Iquine como uma geradora de tendências de cores. Não queremos que a marca seja enxergada apenas como uma fabricante de tintas”. A Iquine lançou neste mês de abril a nova linha Delanil limpa fácil, uma ajuda e tanto para as mamães na hora de limpar riscos e sujeiras nas paredes do quarto das crianças.

Paras as mamães interessadas muita atenção nas datas: 23 de abril até 20 de maio é o prazo para o envio das fotos. A partir do dia 21 de maio até 3 de junho, apenas as 10 mais votadas continuam na disputa. E no dia 4 de junho será a divulgação das duas vencedoras.

Fotos da Manifestação contra o aborto em São Paulo

Publico as fotos da manifestação ocorrida ontem em São Paulo. Recebi-as de S. E. R. Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, junto com este texto publicado no seu blog. Faço coro ao pedido do senhor bispo: não tenhamos medo! O Brasil é de Jesus Cristo. Esta é a Terra de Santa Cruz.

Deus, o verdadeiro excluído

Ontem (07/09) fez um ano que a Arquidiocese de Olinda e Recife foi envergonhada mundialmente, por conta da ultrajante presença do senhor Arcebispo e de vários membros do clero no famigerado “Grito dos Excluídos” – caminhando e cantando e seguindo a canção ao lado dos mais ferrenhos inimigos da Igreja Católica: comunistas, abortistas, gayzistas et caterva. Ontem foi, portanto, dia de cobrir-se de pó e de cinza, em memória da infâmia da qual esta Sé foi palco. Ontem foi dia de luto e de penitência para suplicar ao Altíssimo que tivesse piedade de nós, pelo opróbrio lançado em 2010 sobre a Igreja Santa de Deus.

E, graças à misericórdia divina (e, penso, à terrível repercussão negativa do evento do ano passado), este ano a promiscuidade sacrílega entre os filhos de Deus e os inimigos da Igreja foi bem menor do que no ano passado. Voltei ontem ao centro da cidade para acompanhar o Grito dos Excluídos. Este ano não houve (como houvera no ano passado) comunicados oficiais da Mitra convidando as paróquias e movimentos a tomarem parte do evento blasfemo; mesmo assim, voltei um pouco temeroso porque o site da Arquidiocese de Olinda e Recife noticiou a “mobilização nacional pelos direitos do povo brasileiro”, informando a data e a hora do manifesto. Mas as coisas não foram tão ruins quanto eu temia que fossem. Este ano, graças ao bom Deus, as coisas foram infinitamente melhores do que no ano passado.

O senhor arcebispo não estava presente. Também não vi nenhum dos vigários gerais ou episcopais. Não havia religiosos de hábito (à exceção de algumas poucas freiras) nem a presença da Arquidiocese foi registrada em nenhum momento em que eu estivesse presente. Não houve invasões de prédios, os homossexuais estavam em número menor e mais contidos e eu não vi o aborto ser defendido publicamente. Insista-se: em comparação com o ano passado, isto é uma mudança da água para o vinho. Agradeçamos à Virgem Santíssima – Nossa Senhora do Carmo, padroeira da Cidade do Recife e da Província Eclesiástica de Pernambuco – por este milagre da natureza e da graça.

Não obstante, ainda havia a incômoda presença de muitas pessoas e grupos ligados à Igreja Católica. Destaco as pastorais: Pastoral Carcerária, da Criança, Vocacional. Houve inclusive um momento em que o sr. Arnaldo Martins, da Pastoral Carcerária, subiu no trio elétrico para falar “em nome de todas as pastorais sociais da Arquidiocese”. Duvido que a maior parte das pastorais sérias desta Arquidiocese tenha delegado um representante para o Grito dos Excluídos, ou mesmo que aceitasse a presença de um representante em tal evento.

Havia também algumas religiosas de hábito e, para nosso horror, vários membros da “Conferência dos Religiosos do Brasil” (vestidos à paisana; imagino que sejam religiosos, mas não dá para ter certeza). As meninas (freiras? Sabe-o Deus!) da Pastoral Vocacional dançavam, acompanhando a marcha com animação. Bem pouco atrás tremeluzia a grande bandeira do Grupo Gay Leões do Norte. E assim seguia o cortejo.

Quis a Divina Providência que houvesse um evento de flores no Pátio do Carmo, destino final da Marcha, de modo que não foi possível aos homossexuais repetirem o deboche do ano passado. Algumas cirandas, depois os brados de “pela vida grita a terra / por direitos, todos nós” (tema do evento deste ano) e c’est fini: as pessoas voltavam para casa, eu com elas, dando graças a Deus pelo escândalo deste ano ter sido infinitamente menor do que em 2010.

O Grito trata-se, na verdade, de um verdadeiro saco de gatos, cachorros e papagaios onde tem espaço para todos os temas: homossexuais, agrotóxicos, primavera árabe, etc. – havia até um descontente torcedor do Santa Cruz (sério!) pedindo a imediata expulsão de Ricardo Teixeira. Mas o que verdadeiramente marca neste evento é a visão horizontal que ele possui.

A faixa da foto acima é bem representativa do manifesto: eles não aceitam Deus, não querem o Messias. Querem construir tudo sozinhos, por suas próprias mãos. Na verdade, Deus é o verdadeiro excluído a priori deste evento materialista – a faixa acima o diz com todas as letras! E, em um evento onde Deus não é bem-vindo, o que faziam os religiosos de Recife? Qual o sentido da participação das pastorais da Arquidiocese? O que fazem católicos em uma marcha para a qual o Todo-Poderoso não foi convidado e onde, aliás, é expressamente proibida a Sua entrada? E não me consta que as coisas sejam diferentes Brasil afora! Até quando os católicos caminharão de braços dados com os que zombam do Deus Altíssimo?

Permita o bom Deus que os católicos brasileiros, guiados por santos pastores, aprendam que não nos é permitido sentar à roda dos escarnecedores. E que a Fé exige uma coerência de vida que, infelizmente, ainda não enxergamos em manifestações como as que ocorreram ontem. Que elas sejam condenadas com zelo e determinação, e que a presença de católicos em eventos assim seja expurgada definitivamente – ad majorem Dei gloriam. Que a Virgem Santíssima nos livre dos escandalosos conluios entre os Seus filhos e os inimigos da Igreja do Seu Filho. Abaixo, algumas fotos de ontem.

A Catedral da Sé Primacial do Brasil

[Agradeço ao Dionísio por me ter mostrado esta preciosidade; cliquem no banner abaixo para acessarem o incrível trabalho do Iuri Peixoto sobre a Catedral da Sé Primacial do Brasil. Além de algumas pinturas do edifício (demolido em 1933), é possível encontrar um texto com a história da Sé e uma belíssima reconstrução tridimensional da Catedral Primaz da Terra de Santa Cruz! Reproduzo, abaixo, o texto na íntegra e algumas fotos. Para as demais, cliquem no banner.

Salvador, a propósito, ganhou ontem um novo bispo auxiliar, o mons. Gilson Andrade da Silva. Que ele possa ajudar na dura tarefa de reconstrução da Sé Primacial. Que São Salvador da Bahia de todos os Santos possa salvar Salvador, salvar a Bahia, salvar o Brasil.]

A antiga igreja da Sé, primeira Catedral do Brasil, demolida em 1933, teve a sua construção iniciada já em 1551, no topo mais alto da cidade antiga, a beira da encosta, com fachada voltada para o mar. Alguns anos depois, no mesmo local, uma nova e maior construção, em pedra e cal, substituiu a primitiva, em taipa. A invasão holandesa, de 1624, a encontrou com uma só torre, uma única porta, retangular, frontão triangular e sem janelas, apenas um óculos, no alto, no típico estilo maneirista, “chão”, português. Esta, assim como todas as demais igrejas da cidade, foi saqueada pelos invasores, que a transformaram num local de culto protestante, sem imagens nem ornamentos. Pela sua posição estratégica, também a utilizaram como local de defesa. Os espanhóis e portugueses, ao retomarem a cidade, em 1625, bombardearam fortemente o local, para desalojar os holandeses, destruindo-a parcialmente. A falta de recursos, após a custosa guerra de reconquista, e a preocupação principal em reforçar as defesas da cidade adiaram a sua reconstrução.

Somente ao final do século XVII a reconstrução, em dimensões bem maiores, em estilo barroco, muito mais imponente que a anterior, foi concluída. Um padre português que aqui esteve em 1709, para participar de um encontro de bispos (sínodo) do Brasil, descreve o templo, talvez com um certo exagero, como “o mais grandioso das Américas”. Tinha então dois andares, duas torres sineiras, frontispício em pedra trabalhada, e frontão, também em pedra, com as típicas volutas barrocas. O seu interior abrigava doze capelas laterais e altar mor, em talhas douradas, barrocas, e forro da nave em abóbada de madeira, pintada em perspectiva ilusionista, de autoria de um dos maiores mestres nesta arte, no mundo, o italiano Baciccio, autor de várias outras obras, do tipo, em Roma. Em ~ 1750 esta Sé, com relógio externo e órgão, doados pelo rei de Portugal, estava em sua plenitude.

A partir dessa época começam uma série de eventos que vão resultar na sua progressiva descaracterização, culminando com a sua demolição, já no século XX. No inverno de 1755, após chuvas torrenciais, parte da encosta a sua frente desmorona, provocando rachaduras na fachada e torres. Dois anos após, a torre direita, do relógio, muito danificada, é demolida até a cimalha (cornija do telhado). Inicia-se assim a sua degradação. Em 1765 estando a, também magnífica, igreja dos jesuítas desocupada, pela expulsão da ordem no Brasil, a sede do arcebispado é transferida para lá, perdendo a Sé a função de Catedral. Desde então a sua manutenção fica a cargo de uma irmandade de poucos recursos. Novos e sucessivos deslizamentos de terra, a sua frente, causam ainda mais danos à igreja. Em 1785 acreditando-se, erroneamente, que o peso da fachada era o que causava os corrimentos de terra, mesmo após ter sido construída uma muralha de contenção na sua base, até hoje existente, decide-se demolir toda a parte superior da fachada, incluindo o frontispício e frontão em pedra e mais a torre esquerda, até então intacta, e o resto que sobrara da torre direita. Por falta de dinheiro e de interesse nunca mais a fachada original seria reconstruída.

Uma nova fachada, muito pobre, foi construída em substituição àquela demolida, e as bases, remanescentes da demolição das torres, foram cobertas por telhadinhos, dando a igreja um aspecto externo bizarro, tosco e deselegante, que persistiu até a demolição final da igreja. Só sobraram da fachada original a parte inferior do frontispício, no entorno das portas frontais. As laterais, o fundo e o interior da igreja mantiveram-se, entretanto, intactos, inclusive as molduras em pedra trabalhada das portas laterais, consideradas por vários especialistas como um dos mais importantes trabalhos em pedra lavrada do Brasil colonial, alem do passadiço coberto que ligava a igreja diretamente ao interior do Palácio Arquiepiscopal, vizinho a ela. Ao final do século XIX a irmandade do Santíssimo Sacramento, então proprietária da igreja, resolve fazer desastrosas remodelações no seu interior, substituindo as talhas barrocas, originais, da maioria dos altares, por outras mais “modernas”, neoclássicas, eliminando duas das capelas laterais e revestindo ainda as arcadas internas, em pedra, com argamassa pintada. O forro, uma das maiores obras artísticas do Brasil colonial, foi também totalmente repintado em azul, se acrescentando a ele um pequeno medalhão decorativo, de mau gosto, no centro.

Ao final do século XIX e início do século XX se inicia no Brasil a reurbanização demolidora, que destruiu todo o centro colonial de São Paulo e de parte do Rio de Janeiro e da maioria das cidades antigas do país. Em Salvador o processo se inicia em 1912, com a abertura da Avenida 7 de Setembro, resultando na demolição de varias igrejas e quarteirões inteiros de antigos casarões. A igreja da Sé, então praticamente abandonada, quase arruinada, resistiu a essa primeira leva de demolição.

Em 1933, um arcebispo e um governador, recém-empossados, pressionados e, dizem, comprados por uma companhia de bondes (a Circular), de capital inglês, em meio a grande polêmica, autorizam a sua total demolição, se declarando progressistas, alegando que a igreja não tinha valor artístico e histórico algum e que os bondes e o “progresso” precisavam de espaço para ali passar. Do vazio resultante da demolição da igreja e de alguns quarteirões de sobrados, próximos à ela, surge a atual Praça da Sé. O arcebispo ganhou de “presente” da companhia de bondes “Circular” uma confortável e espaçosa casa, cercada de amplo terreno, na Praça do Campo Grande, casa essa que ainda hoje existe (área social do edifício “Morada dos Cardeais”).

A demolição da igreja se deu de forma rápida e selvagem, sem a mínima preocupação em preservar quase nada, feita a base de picaretas e marretadas. Toda a cantaria em pedra, lisa e trabalhada, externa e interna, incluindo mármores raros do piso, e lápides centenárias de sepultamentos, foi destruída. Estes materiais, além de todo o madeirame, portas em madeira nobre, trabalhada, janelas, e demais restos da demolição foram jogados numa chácara (Quinta das Beatas), então pertencente à igreja. A área foi, anos depois, invadida por sem tetos, que usaram estes materiais nas construções de suas casas, dando origem ao atual bairro/favela de Cosme de Farias.

Da Igreja da Sé só restam hoje os alicerces, escavados há poucos anos atrás, algumas imagens de santos e objetos sacros que foram distribuídos por outras igrejas e, em parte, reunidos no Museu de Arte Sacra da Bahia, junto com a mesa do altar, toda em prata, e fragmentos de alguns altares.

É essa igreja, desaparecida, que é aqui apresentada na sua feição dos meados do século XVIII, época de seu máximo esplendor, antes das mutilações que sofreu nos períodos posteriores. Esta reconstituição, inédita, só foi possível após exaustivas pesquisas bibliográficas, medições no local e o uso das técnicas mais avançadas de computação gráfica. Esperemos que esta reconstituição contribua para a conscientização da preservação de nosso patrimônio histórico, tão rico e tão dilapidado.

Virgem do Carmo, rogai por nós!

Sábado chuvoso. Dia nublado, oscilando entre garoa leve e toró forte; mas era dia de Nossa Senhora do Carmo, Padroeira da cidade do Recife. Era imperativo ir à Basílica no centro da cidade, oferecer à Flor do Carmelo o nosso preito de gratidão e manifestar-lhe publicamente a nossa vassalagem. A despeito da chuva – e, quiçá, até mesmo por causa da chuva.

E eu fui. Bastante gente! E, este ano, não era um feriado ensolarado no meio da semana com festas de rua convidativas. Este ano, era um sábado chuvoso que induzia as pessoas a ficarem em casa. Mas é festa da Virgem do Carmo! E, portanto, os filhos d’Ela foram às ruas. Apesar da chuva.

Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós!

“E deu-nos ordem pra não termos medo”…

Ontem, domingo da Divina Misericórdia, diante de um milhão de pessoas, foi beatificado o Papa João Paulo II. O Wagner Moura esteve lá. Eu infelizmente não acompanhei a transmissão ao vivo da cerimônia (era às cinco da manhã no horário do Brasil). Vi, no entanto, outras coisas – que valem a pena ser conhecidas e divulgadas.

Homilia do Papa Bento XVI. “E qual é esta causa? É a mesma que João Paulo II enunciou na sua primeira Missa solene, na Praça de São Pedro, com estas palavras memoráveis: «Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo!». Aquilo que o Papa recém-eleito pedia a todos, começou, ele mesmo, a fazê-lo: abriu a Cristo a sociedade, a cultura, os sistemas políticos e económicos, invertendo, com a força de um gigante – força que lhe vinha de Deus –, uma tendência que parecia irreversível. Com o seu testemunho de fé, de amor e de coragem apostólica, acompanhado por uma grande sensibilidade humana, este filho exemplar da Nação Polaca ajudou os cristãos de todo o mundo a não ter medo de se dizerem cristãos, de pertencerem à Igreja, de falarem do Evangelho. Numa palavra, ajudou-nos a não ter medo da verdade, porque a verdade é garantia de liberdade”.

John Allen: qual a pressa em beatificar João Paulo II? “No passado, a fama de um candidato muitas vezes se espalhava só gradualmente, mas hoje o mesmo lapso de tempo nem sempre se aplica. O papado de João Paulo II explorou habilmente duas das marcas da aldeia global de hoje: a ubiquidade das comunicações e a relativa facilidade das viagens. Como resultado, pode-se argumentar que o ritmo de sua beatificação nada mais é do que um reflexo da maior velocidade com que tudo se move no século XXI”.

– Esta “homenagem a João Paulo II” está muito bem-feita. Uma vida em imagens: dezenas, quiçá centenas de fotos do novo beato, nas mais variadas ocasiões. Uma seleção feita com esmero, e ao alcance de quaisquer poucos cliques. Recomendo.

Esta cronologia é leitura fundamental. Está em espanhol, mas traz “algunas cosas que, año por año, se hicieron durante el pontificado de Juan Pablo II para defender la fe y disciplina dentro de la Iglesia”: este é o chamado “lado obscuro” do pontificado de João Paulo II, não por ser tenebroso ou de alguma maneira censurável, mas sim por não ter tido praticamente divulgação nenhuma pelos meios de comunicação.

E o Papa está mais perto dos altares! A interceder por nós. A convidar-nos ao Céu. A ordenar-nos ainda, do alto, que não tenhamos medo. Queremos a graça de obedecer-lhe! Beato João Paulo II, rogai por nós!

Em tempo, recordar é viver: “Um dia de abril”.

P.S.: Ver também “João Paulo foi o Papa da minha vida” (Dom José Cardoso Sobrinho).

Novo primaz da Terra de Santa Cruz

Fui ontem à posse do novo Arcebispo de Salvador. Talvez alguém pudesse perguntar o que é que um recifense estava fazendo tão longe de sua terra natal. Qual o interesse que um fiel da Arquidiocese de Olinda e Recife pode ter pela Arquidiocese de Salvador? O quê um bispo que inclusive faz parte de outra regional da CNBB (Nordeste III, quando Olinda e Recife pertence à Regional Nordeste II) tem a ver com um católico de outro estado?

Oras, isto é simples de responder. Eu vim de Recife para oferecer o meu preito ao novo primaz desta Terra de Santa Cruz – expressão que, graças a Deus, foi relembrada diversas vezes ao longo da cerimônia. Vim de Recife porque, sendo católico, faço parte da totalidade da Igreja de Cristo que, embora espalhada ao longo de toda a terra, é Una. Vim de Recife para suplicar ao Altíssimo que tenha misericórdia de Salvador, e digne-Se conceder a esta Sé um santo bispo, um santo cardeal, um santo primaz.

São Salvador da Bahia de todos os santos, salvai Salvador! Por diversas vezes repeti a prece. Que, pela intercessão de Nossa Senhora da Conceição da Praia, ela possa ser ouvida. Que o Altíssimo Se compadeça desta Sé primacial.

A cerimônia, embora longa, foi em sua maior parte digna. A posse deu-se dentro da celebração da Santa Missa. Após a (longa) procissão de entrada – seminaristas, diáconos permanentes, padres e bispos -, dom Murilo imediatamente iniciou a celebração: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. E eu gostei. Comentei com um amigo que estava ao lado: “ele não deu nem ‘boa noite'”. Faço notar que isto não é antipatia, nem falta de educaçao, nem nada: é simples respeito às normas litúrgicas, segundo as quais a saudação do sacerdote é “a graça e paz de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”, feita após a invocação da Trindade Santa – e não “olá”, nem “boa noite”, nem “desejo-vos uma boa celebração”, nem nada do tipo. E Dom Murilo cumprimentou o povo exatamente como um sacerdote, dentro da Santa Missa, o deve cumprimentar.

A Catedral estava repleta! Os bancos iniciais, reservados às autoridades (eclesiásticas, civis e militares); os bancos da metade pro fim da basílica, reservados aos fiéis que chegaram cedo (coisa que eu não fiz). Foi em pé, ao fundo da igreja, que eu acompanhei toda a celebração. Que, como eu disse antes, foi em linhas gerais uma digna celebração.

Começando pela procissão de entrada, quando alguns militares (alunos de CPOR, quiçá; não sei ao certo) formaram duas fileiras na entrada da basílica, para dar passagem ao cortejo eclesiástico. Prestando continência – belíssima imagem, dos poderes seculares homenageando o poder sagrado! A espada temporal a serviço da espada espiritual. Permita Deus que o gesto amistoso possa se traduzir em gestos concretos ao longo do tempo.

Falou o cardeal Magella. Foi feita a leitura da bula de nomeação de Dom Murilo Krieger. Falou o senhor Núncio Apostólico – que fez o gratíssimo favor de lembrar aos presentes o tríplice múnus episcopal, de ensinar, santificar e reger. O báculo foi entregue, pelo núncio e pelo cardeal, ao novo Arcebispo de São Salvador da Bahia. Entoou-se então o Gloria in excelsis Deo (falo metaforicamente; não foi exatamente este o hino de louvor). Dom Murilo só veio falar após a leitura do Evangelho, durante a sua homilia.

Na Festa da Anunciação, coisa que o novo primaz fez questão de lembrar. Lembrou também que aquela era a primeira (e, por muito tempo, foi a única) diocese desta Terra de Santa Cruz. E disse que era uma grande honra ser chamado a uma cidade que, no seu próprio nome – Salvador! – prestava uma homenagem a Nosso Senhor Jesus Cristo. Acrescento eu: para desespero dos laicínicos de plantão. A sua homilia esteve dentro do esperado e, para mim, por um ou outro detalhe, foi bastante positiva. Falou em colaboração com o Estado no mútuo respeito aos limites de cada um. Falou na importância dos colaboradores do bispo – em particular, do clero – para viabilizar a governabilidade de qualquer diocese; e aproveitou para dizer ao clero que lhe seria como “um pai” ou um “irmão mais velho”. Falou que ia trabalhar em sintonia com o papa Bento XVI, o qual poderia confiar nele. E falou ainda outras coisas que, agora, me fogem à memória.

Deus Caritas Est é o seu lema episcopal. É este também o nome da primeira carta encíclica de Sua Santidade, o Papa Bento XVI gloriosamente reinante. Que esta pequena coincidência possa ser um indicativo de proximidade entre a Bahia e o Vaticano; que a Sé de São Salvador do Brasil possa ter um digno e santo primaz.

O altar-mor da igreja, infelizmente, estava (aparentemente) em reformas e, por isso, estava coberto. Mas o crucifixo que foi colocado no alto, por trás do altar, é – segundo me disse um amigo baiano – aquele que foi trazido na nau de Tomé de Souza quando da fundação da Bahia. São pequenos detalhes aos quais gosto de me apegar, e que vislumbro como excelentes sinais de que uma mudança de ventos está em curso. Aliás, mais um: havia um belo coral cantando ao longo de toda a liturgia. E, durante a comunhão, a antiga igreja dos jesuítas ouviu o Panis Angelicus.

Nem tudo são flores, é claro. É bem verdade que a representante dos leigos falou que estes preferem o calor humano à frieza das normas e das leis, e o representante do colégio dos consultores falou em respeito às diversas maneiras de expressão religiosa do povo baiano (cito de memória e não ipsis litteris, mas o sentido era exatamente esse). Y otras cositas más sobre as quais não vale a pena falar… Isto, no entanto, só mostra uma coisa que nós todos já sabemos: Salvador é uma Arquidiocese complicada. No entanto, é a Sé Primaz. Que não pode continuar entregue àqueles que trabalham pela destruição da Igreja. Dom Murilo terá muito trabalho por aqui, disto eu não tenho dúvidas. Mas estou certo de que terá graças de estado para fazer um bom governo. Que ele as saiba reconhecer e aceitar.

Enfim, está empossado o novo primaz do Brasil. Que Deus o ajude! Que a Virgem Santíssima interceda pela primeira Sé desta Terra de Santa Cruz. E que São Salvador da Bahia de todos os santos possa salvar a arquidiocese de Salvador. Abaixo, algumas fotos que tirei durante a cerimônia. Não estão as melhores possíveis (estive em posição pouco privilegiada), mas dá para ter alguma idéia da cerimônia.

Parabéns, pe. Nildo!

40 anos de vida, 10 anos de sacerdócio. Ontem foi o aniversário do reverendíssimo padre Nildo Leal de Sá, pároco da Paróquia de São Sebastião e São Cristóvão, na Imbiribeira. Apesar da chuva, lá estive; para agradecer ao Bom Deus pelo bom padre que Ele nos enviou. Para pedir-Lhe que ele seja sempre fiel, independente das tribulações que porventura tenha que atravessar. Que digo? Independente das tribulações que certamente terá que atravessar. E talvez eu devesse ousar ainda mais: que seja fiel devido às tribulações que precisará atravessar. Porque os sofrimentos são o distintivo dos cristãos; o mundo não entende essas coisas, nem as entende quem é do mundo.

O cristão – e de modo particularíssimo o sacerdote – não é do mundo, a despeito de estar por aqui. Aponta-nos o Céu, conduz-nos para Deus, leva-nos para o Alto! Ainda no dia anterior, no domingo, o pe. Nildo recordava, na homilia, a clássica passagem de São João Maria Vianney a caminho de Ars. O santo, viajando para a sua nova paróquia, sem saber exatamente onde ficava o vilarejo, encontrou-se com um garoto na estrada. “- Como faço para chegar a Ars?”, “-Vá por ali, seu cura” – apontara o pequeno. E o sacerdote sentenciou: “tu me mostraste o caminho de Ars; eu te mostrarei o caminho do Céu”.

O sacerdote não é deste mundo! Não se lhe exige que saiba das coisas do mundo. Espera-se dele, sim, que saiba o caminho do Céu, e que esteja disposto a ensiná-lo às almas que a Divina Providência lhe confiar. Não é necessário saber chegar a Ars para se ser santo. E, em um mundo onde tantas vezes encontramos excessivos cuidados com as coisas desta terra, reconforta-nos ver um sacerdote como o padre Nildo, dedicado às coisas do Céu.

Que seja fiel, que seja santo; é o que mais sinceramente desejo. Como eu dizia acima, por causa mesmo das tribulações que atravessará, porque Deus não é Deus de poucas coisas e, já que é para pedir, peçamos coisas grandes, as quais por nossos próprios méritos nem mesmo ousaríamos esperar – como foi rezado em uma das orações de ontem. Que se santifique não meramente vencendo os empecilhos provocados pelos sofrimentos, mas utilizando-se dos próprios sofrimentos como meio privilegiado de santificação; como matéria de sacrifício, a ser oferecida ao Pai Santo em união às dores de Nosso Senhor no Calvário. Vêm-me à mente os versos da Irmã Dutra que já pus aqui outra vez, mas que são extraordinariamente adequados à vida sacerdotal e, por isso, trago-os de novo na íntegra:

* * *

De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…

De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!

Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…

E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.

* * *

E é esta santidade que desejo, ó Deus, ao reverendíssimo sacerdote e caríssimo amigo: a do “sândalo (…) cortado e retalhado” para exalar um perfume agradável a Vós; a do “homem do fracasso” que não obtém nesta vida os frutos do seu trabalho; a do filho que se sente devorado pelo Vosso amor, “sem nunca Vos sentirdes satisfeito”; a do “homem consagrado lentamente… consumindo a Vossa morte”.

Parabéns, padre Nildo. Ad multos annos! Abaixo, algumas fotos da celebração.

De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…

De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!

Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…

E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.