A humanidade que resplandece em meio à dor

O terrível acidente aéreo que nessa madrugada vitimou a delegação da Chapecoense não cessou de nos desconcertar ao longo de todo o dia. É difícil fugir à impressão de que existe uma grande injustiça cósmica por trás do trágico acontecimento: são muitos os níveis de inconformação que existem aqui. Primeiro que toda morte é uma tragédia. Depois, a morte na juventude, quando se tem toda a vida pela frente, é ainda mais trágica e mais incômoda. Dentre todas as mortes trágicas, parece que as envolvendo acidentes aéreos nos perturbam sobremaneira: talvez porque elas muitas vezes se devam ao mais brutal acaso, ou talvez porque revelem a nossa impotência diante do inevitável. Mais ainda: nem todo acidente destrói uma instituição inteira! A morte de um ou dois jogadores seria, lógico, sempre uma tragédia; mas a morte de praticamente o time inteiro é uma catástrofe de dimensões tão grandes que nos deixa pasmos e perdidos. E há, por fim, o momento em que sobreveio o acidente: a Chapecoense vinha de uma campanha belíssima de esforço e determinação, havia heroicamente conquistado uma vaga na final da Copa Sul-Americana e se preparava para disputar o seu primeiro troféu internacional. Tudo isso junto nos comove e atinge de uma maneira particular: este acidente não é igual aos outros acidentes. Sim, pessoas morrem todos os dias e todas as vidas são infinitamente valiosas, é óbvio; mas é forçoso reconhecer que a comoção que a queda do vôo 2933 da LaMia nos provoca não é artificial ou fabricada, ao contrário: tem uma justa razão de ser.

As grandes tragédias não deixam nunca de proporcionar terreno fértil para toda sorte de irresignação: hoje não é diferente e hoje não há nada de diferente a se dizer. As mesmas reflexões que foram feitas aqui quando da queda do vôo 447 da Air France continuam valendo: a dor é parte indissociável da existência humana e o que Cristo prometeu à humanidade foi o consolo nos tormentos, não imunidade contra os males da terra. A Fé não implica em uma insensibilidade diante dos sofrimentos, mas ao contrário: aqueles que têm Fé os sentem em toda a sua intensidade, mas são capazes de os colocar na perspectiva da Cruz de Nosso Senhor. É isto o que ensina a Salvifici Doloris, é desse ponto central do Cristianismo que o mundo moderno padece tanta falta.

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Os pequenos heroísmos aparecem de maneira tão mais admirável quanto mais impiedosamente a dor se expande por pessoas que em princípio nem teriam muita proximidade com os envolvidos na tragédia. É edificante, por exemplo, ver Alan Ruschel — um dos poucos sobreviventes do acidente — dar entrada no hospital pedindo à equipe médica que tome cuidado com a sua aliança de casamento. Pode parecer uma preocupação extemporânea com um bem material, mas é exatamente o contrário: uma aliança não é nunca um bem material e sim uma realidade espiritual, e ela não vale senão na medida em que simboliza um compromisso de uma vida. O valor da aliança (como o de qualquer outro símbolo) não está no símbolo em si, senão naquilo que é simbolizado.

E é diante da morte que as coisas são colocadas em perspectiva e as mais importantes ressaltam com um fulgor todo próprio, não raro escondido sob a monotonia do quotidiano: olhar no fundo dos olhos da Morte e ser capaz de pensar na família é um exemplo que nos inspira, e bem faríamos em trazê-lo sempre diante dos olhos e em praticá-lo todos os dias — sem que nos seja necessário passar por tudo aquilo que passou o lateral da Chape. Se tem algo que aprendemos com as tragédias é que a vida é frágil e preciosa. Não sabemos até quando nos será concedido vivê-la; temos, portanto, o dever de fazer dela o melhor possível.

O futebol não tem a fama de ser a ocupação mais virtuosa do mundo: mas a imensa corrente de solidariedade à qual acorreram hoje os mais diversos times do mundo mostra que o ser humano é sempre o ser humano e, portanto, onde quer que ele esteja, ele consegue fazer refulgir aquela imagem de Deus que nem o Pecado Original foi capaz de apagar. Nada surpreendentemente, parece ser sempre possível encontrar virtude — mesmo que em lampejos — em tudo o que é propriamente humano: mesmo em meio às maiores contradições, o homem está condenado a arrastá-la sempre atrás de si. É a vitória da Criação sobre a Queda, ilustrada de maneira admirável de onde menos se esperaria.

Uma coisa em particular me chamou a atenção nessa história, e foi a declaração do técnico da Chapecoense após o último jogo, poucos dias atrás: “Se eu morresse amanhã, morreria feliz”. Caio Júnior estava provavelmente no ápice da sua carreira e demonstrava uma serenidade, uma placidez, uma tranquilidade no trabalho bem realizado que — mais uma vez — muito nos tem a ensinar. Se existe a santificação no exercício do próprio trabalho, penso que ela se reveste desse ânimo com o qual o treinador da Chape levou o seu time a Medellín. Oxalá cada um de nós pudéssemos cumprir assim as nossas obrigações.

Enfim, a morte é sempre uma tragédia, principalmente quando vem de surpresa — e rezar pelos que sofrem é obra de misericórdia cristã a que estamos sempre obrigados. Que a Virgem Santíssima possa interceder pelas vítimas do vôo 2933! Que Ela alcance a misericórdia de Deus para os que partiram; aos que ficaram, o consolo necessário para continuarem as suas vidas em meio a este Vale de Lágrimas. Com o melhor que tiverem. Até a Pátria Definitiva.

Zelo zelatus sum

Impressionou-me positivamente o artigo do pe. Zezinho publicado no mês passado, mas que só agora eu li. Leva por título “Por uma Igreja que pensa” (é o terceiro texto do link acima indicado – não tem link direto). Aliás, eu nunca diria que o texto saiu da pena do pe. Zezinho, se não estivesse disponível em um blog que, até onde pude perceber, não é fake. Não é do próprio pe. Zezinho, mas é “em [sua] homenagem”. Tomara que seja verdadeiro.

São verdadeiríssimas palavras! Vejam só: “Parecemos um hospital que, na falta de médicos na sala de cirurgia, permite aos secretários, porteiros e aos voluntários bem intencionados que operem o coração dos seus pacientes. Há católicos aconselhando, sem ter estudado psicologia. Há pregadores receitando, sem conhecer a teologia moral. E há indivíduos ensinando o que lhes vem na cabeça, porque, entusiasmados com sua fama e sua repercussão, acham que podem ensinar o que o Espírito Santo lhes disse naquela hora”. E tanto a analogia quanto os exemplos concretos apontam para uma mesma coisa: a falta de cuidado com os assuntos religiosos, tratando com desleixo e negligência coisas que são da mais alta importância. Estamos falando da Fé Católica, que – mutatis mutandis, óbvio, porque a chance de um porteiro “acertar” uma cirurgia cardíaca é muito menor do que a de um leigo bem intencionado acertar uma palestra – é mais importante e mais séria do que problemas cardíacos que exigem uma intervenção cirúrgica.

Trata-se de um fenômeno moderno que outras pessoas já tiveram a oportunidade de apontar: vivemos em um século onde a qualidade do conhecimento é continuamente questionada, onde existem (e exigem-se) especialistas sobre assuntos os mais diversos mas, no entanto, se o assunto for a Igreja Católica, todo mundo pode e deve emitir as opiniões mais disparatadas possíveis, sem que seja necessário para isso ter lido uma única linha de um único catecismo de crianças sequer. Trata-se a religião com uma displicência tão grande como não se usa para política, culinária ou futebol; para este último, exige-se que se conheçam ao menos as regras básicas do jogo e a escalação do time. Com relação à Igreja, a maior parte das pessoas que adora falar sobre catolicismo não é capaz de dar o nome de três dicastérios vaticanos ou de citar, em ordem, os últimos cinco papas. É impressionante: para discutir futebol exige-se mais!

E o problema começa “de dentro”, como apontou o pe. Zezinho no  texto acima citado. São pessoas sem nenhuma preparação que estão em posições-chave da Igreja! Se somos nós próprios, em nossas paróquias e arquidioceses, que tratamos as coisas sagradas como se tivessem pouca ou nenhuma importância, como poderemos exigir que os inimigos da Igreja tratem-nA como Ela merece?

Urge acabar com esta cultura de mediocridade. É fundamental que tratemos seriamente as coisas sérias, e é da mais alta importância que dediquemos o nosso melhor à Igreja, reservando para o Altíssimo a melhor parte daquilo que temos e somos. Zelo zelatus sum pro Domino Deo Exercituum – oxalá o sentido dessas palavras pudesse impregnar-se na alma de cada católico! Cuidai daquilo que é Vosso, Senhor. Olhai pela obra de Vossas mãos. Deus, in adjutorium nostrum intende; Domine, ad adjuvandum nos festina.

Três curtas

– Sobre a nomeação de S. E. R. Dom Fernando Saburido para a Arquidiocese de Olinda e Recife e a palhaçada da mídia sobre o assunto que se encarna, por antonomásia, na manchete do Estado de São Paulo de ontem, o protesto funcionou. Muitos escrevemos cartas indignadas à redação [e ainda, entre outros, o Marcio Antonio protestou no Eles Não Sabem o Que Dizem e, o Marcelo Coelho, no Cooperador da Verdade] e, hoje, a matéria foi alterada, tendo o título mudado e todas as referências mentirosas à excomunhão da menina de nove anos retiradas do texto. Só é de se lamentar que o Estadão não tenha tido a decência de publicar uma errata e um pedido de desculpas pela cretinice.

Fifa repreende comemoração religiosa do Brasil na África, numa das mais surreais manifestações do laicismo militante dos nossos dias. “A religião não tem lugar no futebol”, foram as palavras ditas pelo diretor da Associação Dinamarquesa de Futebol, Jim Stjerne Hansen. O Vitola já comentou no blog do VS. Do jeito que as coisas vão, daqui a pouco as torres das igrejas vão ser consideradas ofensivas à “laicidade das vias públicas”. A sanha persecutória dos inimigos de Cristo não tem limites.

– Da audiência geral do Papa Bento XVI de ontem:

Após o Concílio Vaticano II, produziu-se aqui a impressão de que na missão dos sacerdotes, nesta nossa época, há algo mais urgente: alguns achavam que se deveria construir em primeiro lugar uma sociedade diferente. A página evangélica que escutamos no começo chama a atenção, no entanto, sobre os dois elementos essenciais do ministro sacerdotal. Jesus envia os apóstolos, naquele tempo e agora, a anunciar o Evangelho e lhes dá o poder de expulsar os espíritos malignos. “Anúncio” e “poder”, isto é, “palavra” e “sacramento”, são, portanto, as duas colunas fundamentais do serviço sacerdotal, muito além de suas possíveis múltiplas configurações.

Quando não se leva em consideração o binômio consagração-missão, torna-se verdadeiramente difícil compreender a identidade do presbítero e do seu ministério na Igreja. Quem é, de fato, o presbítero, senão um homem convertido e renovado pelo Espírito, que vive da relação pessoal com Cristo, fazendo constantemente próprios os critérios evangélicos? Quem é o presbítero, senão um homem de unidade e de verdade, consciente dos seus próprios limites e, ao mesmo tempo, da extraordinária grandeza da vocação recebida, a de ajudar a estender o Reino de Deus até os extremos confins da terra? Sim! O sacerdote é um homem inteiro do Senhor, porque é o próprio Deus quem o chama e o constitui em seu serviço apostólico. E precisamente sendo inteiro do Senhor, é inteiro dos homens, para os homens.

[OFF] Luto Rubro-Negro

Foto: JC
Foto: JC

A tristeza é inevitável. Dói porque a alma rubro-negra ficou desacostumada a despedidas. Como aconteceu ontem à noite na Ilha do Retiro. Após vencer no tempo regulamentar por 1 x 0, gol marcado aos 36 minutos do segundo tempo por Wilson, o Sport saiu da Libertadores 2009 ao perder na disputa de pênaltis por 3 x 1. Engana-se quem pensa que o resultado é o fim do sonho leonino de conquistar a América. A trajetória recente do clube encurtou as distâncias do continente. Transformou em objetivo o que antes era utopia. Hoje, o Sport está fora da Libertadores. Hoje.
Diário de Pernambuco, 13 de maio de 2009

Casa cheia. Torcida em festa. Véspera de aniversário do clube. Vitória no tempo regulamentar. Amarga derrota nos pênaltis. Adeus, Libertadores? Até logo, Libertadores.

Valeu Sport!