Miscelânea: manuscritos, Beleza, divórcios, senso comum, ateísmo

– A descoberta de uma Bíblia de 1500 anos, dizem, «preocupa [o] Vaticano». Por quê? Por se tratar de um «original» (sic) do «Evangelho de Barnabé» que, entre outras coisas, teria previsto «a vinda do profeta Maomé, mostrando a verdade da religião do Islã» (!).

Como é possível que um manuscrito «do século V ou VI» possa ser o «original» de Barnabé se este viveu no século I da Era Cristã é um mistério que está para muito além da capacidade de entendimento dos meros mortais. Afora esse prodígio verdadeiramente portentoso, contudo, não há nada de novo na descoberta. O Evangelho de Barnabé (inclusive com a suposta profecia sobre o Islã) já é conhecido. A única coisa digna de nota aqui é a data: a dar crédito às notícias, o manuscrito recém-descoberto seria de um século antes do próprio nascimento de Maomé. A julgar pelo que já se sabe do livro, contudo, isto seria claramente impossível. Provavelmente estamos diante de mais uma falsificação, com a qual não é necessário desperdiçarmos o nosso tempo.

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– O culto à feiura no mundo revolucionário – merece (e muito) uma leitura. «Tragicamente, nosso mundo não reconhece sequer o que é o feio. Já dissemos que a beleza é aquilo que quando visto agrada e, portanto, o lógico seria que o feio fosse aquilo que quando visto desagrada. Mas olhem para a nossa sociedade, na qual o que agrada é o macabro, o esquisito, o torto e o deformado; na qual, por muitos anos, a peça mais popular de cinema — número um durante semanas — foi um filme sobre um canibal. São o mal e o feio que agora deleitam. Bem-vindos ao bravo novo mundo: o que em outra época teria sido chamado de mau agora é qualificado como bom, e o que era considerado feio é agora considerado bonito».

Nestes tempos em que mesmo a nossa arquitetura sacra é destituída do mais elementar senso estético, encontrar um padre defendendo o valor da Beleza é um verdadeiro refrigério. Ouçam-no! No meio do turbilhão de valores em que vivemos, é a Beleza que salvará o mundo.

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– Este texto do Ad Hominem conclama à leitura de “Claro Escuro”, de Gustavo Corção. Faço coro ao pedido; a coletânea de artigos do grande jornalista foi uma das leituras mais prazerosas e instrutivas sobre o assunto que eu já fiz na minha vida. O transcurso dos anos não foi capaz de mitigar o impacto que as palavras de Corção ainda hoje provocam em mim; ainda hoje, leio-o com o deslumbramento de quem estivesse lhe pondo os olhos pela primeira vez. Não são todos os autores os que são capazes desse prodígio.

Para exemplificar isto que estou tentando dizer, trago apenas um excerto do excerto trazido pela Day Teixeira, enfaticamente recomendando aos meus leitores que procurem a íntegra da obra:

Assim como se abrem os olhos [da criança] para o jogo das leis naturais, abrem-se também para essa realidade de pedra que a protege, que a envolve, como paredes de uma casa viva. Por isso, a separação dos cônjuges terá para a criança um aspecto de alucinação. Não se trata apenas de um afastamento livremente consentido de duas pessoas que livremente se uniram. Não será apenas a quebra de um juramento ou a rescisão de um contrato. A separação dos pais, para a criança, é um absurdo. Não é um drama moral, é uma tragédia cósmica. Não é conflito de duas pessoas, é conflito dos elementos constitutivos do universo. O mundo enlouqueceu se os pais se separam. Na mente infantil, a repercussão afetiva e intelectual significa um abalo de todas as fundamentais experiências até então colhidas. É como se a água deixasse de molhar, o sol deixasse de brilhar, a pedra deixasse de ser dura. Não é muito difícil extrapolar as consequências de tão brutal experiência: os psiquiatras estão aí para dizer no que dão os filhos do divórcio.

Sensacional.

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– “A filosofia do senso comum”, na Revista Vila Nova. Dentre os quatro «elementos fundamentais do senso comum» que Chesterton coloca como premissas necessárias à compreensão das coisas ao nosso redor, destaco um:

2. Todo homem em sã consciência, acredita não somente que este mundo existe, mas também que ele tem importância. Todo homem acredita que há, em nós, um tipo de obrigação de nos interessarmos por esta visão da vida. Não concordaria com alguém que dissesse, “Eu não escolhi esta farsa e ela me aborrece. Fiquei sabendo que uma senhora idosa está sendo assassinada no andar de baixo, mas eu vou é dormir”. O fato de que há um dever de melhorar coisas não feitas por nós é algo que não foi provado e não se pode provar.

E este «dever de melhorar coisas não feitas por nós» é talvez um dos elementos mais indispensáveis à vida em sociedade. No entanto, que importância se lhe dá hoje em dia…? De tanto serem cerceadas as investigações sobre a sua gênese, talvez um dos maiores desafios atuais seja limitar o efeito social deletério dos que, de tanto se desinteressarem por essas coisas, chegam a negar a sua própria existência.

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«Na primeira condenação no Brasil por discriminação contra religiosos, a justiça condenou este ano a rede de televisão Bandeirantes depois que um de seus apresentadores afirmou que o assassinato de uma criança só podia ter sido cometido por ateus, também acusados por ele “da guerra, da peste, da fome e de tudo o mais”».

Trata-se de uma matéria do Diário de Pernambuco sobre o ateísmo, e a condenação à qual ela se refere é a que o Datena sofreu por conta de denúncia da Atea. Já a conhecia, mas ainda não atentara para o fato de que o ateu foi beneficiado pela lei que proíbe a «discriminação contra religiosos». De fato, no relatório da referida sentença, há o seguinte:

Este atuar, no entendimento do autor, extrapola os limites da liberdade de expressão, estando tipificado penalmente no artigo 20, parágrafo 2°, da lei 7.716-89.

E o que é que diz o Art. 20 da 7716/89? Simplesmente tipifica o crime de «[p]raticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional». Ora, como ateísmo evidentemente não é “raça”, “cor”, “etnia” e nem “procedência nacional”, segue-se que a única discriminação que o apresentador da Bandeirantes pode ter cometido é a de «religião». Quando lhes convém, os ateístas aparentemente não têm nenhum problema em serem contados entre os religiosos.

Não deixa de ser irônico. Quando nós dizemos que o ateísmo é claramente uma posição religiosa com no máximo tanto valor quanto qualquer outra religião da humanidade, começa a chover ateísta protestando. No entanto, quando a religião ateísta se sente ofendida em cadeia nacional, a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos não se faz de rogada e passa a exigir que seja aplicada em seu favor uma lei que proíbe o preconceito de «religião».

Sobre comos e porquês

Hoje, voltando para casa, eu ouvia na CBN os apresentadores comentarem sobre uma mulher que roubou um trem na Suécia que, conduzido em alta velocidade, terminou descarrilhando e se chocando contra uma casa. E, para mim, o mais surpreendente foi o comentário do repórter: segundo ele, não se sabia ainda como a mulher – de vinte anos – conseguira as chaves do trem.

Ora, parece-me um sinal de que alguma coisa está profundamente errada quando a curiosidade humana, diante de um fato insólito, direciona-se para aquilo que é mais banal e corriqueiro, e não para o que é curioso e extraordinário. O grande mistério por detrás de uma jovem sueca que rouba um trem não está nos artifícios por ela empregados para obter a chave da locomotiva: a primeira óbvia pergunta instigante a se fazer aqui é por que raios alguém quereria roubar um trem! Diante da profunda inquietude desta indagação, chega a ser obsceno silenciá-la com uma trivialidade sobre roubos de chaves. Afinal de contas, chaves são roubadas todos os dias: as estranhas razões que levam alguém a roubar um trem é que constituem, aqui, o fato fora do comum que é digno de nossa atenção. Como alguém o fez é somente um detalhe, profundamente insignificante diante da terrível questão sobre o porquê disso ter sido feito. E se as pessoas não têm interesse em questionar o porquê das coisas nem mesmo diante de um fato extraordinário como este, acaso poderão perguntá-lo a respeito dos triviais?

Não creio ser exagerado alertar para os riscos de uma certa atrofia mental provocada por atitudes assim. E temo que isso não tenha sido um simples deslize do repórter, mas muito pelo contrário: infelizmente, penso que seja um tipo de condicionamento intelectual, ao qual as pessoas são (até involuntariamente) levadas por conta da filosofia moderna que, como ar poluído, respiram sem disso se aperceberem.

Durante séculos, os filósofos se perguntaram sobre o porquê das coisas. Com a advento da ciência moderna, estas questões foram degredadas para os obscuros reinos da Metafísica, tanto mais irrelevantes quanto mais deslumbrados os intelectuais ficavam com as respostas que obtinham sobre como as coisas funcionavam. Até que o desinteresse degenerou em ignorância e, hoje, o pensamento filosófico dominante (e, por extensão, o raciocínio ordinário das pessoas comuns) muitas vezes não é sequer capaz de formular uma questão sobre por que algo é de tal ou qual maneira.

Com este texto não se quer, absolutamente, desmerecer o conhecimento sobre os modos como as coisas se operam. É claro que entender as causas materiais que produzem os efeitos que observamos no mundo é da mais alta importância: é isso que nos permite prever, evitar ou provocar uma enorme variedade de coisas, e esses conhecimentos são absolutamente fundamentais para a nossa existência no universo. Isso não está em discussão. O ponto é que direcionar unilateralmente a inteligência humana para a investigação sobre como as coisas funcionam é contrair uma terrível estreiteza intelectual, cuja conseqüência menos dramática é se deparar com uma jovem dirigindo desgovernadamente um trem roubado e não ser capaz de fazer nenhuma pergunta mais interessante do que “e como ela fez isso?”.

Li há muito tempo um certo texto do Gustavo Corção dirigido contra um filósofo de nome engraçado que afirmara ter Dante errado ao dizer, no final do “Paraíso”, que é o «amor que move o sol e as outras estrelas». Lembro-me de que à época julguei isso uma polêmica profundamente vazia; mas hoje eu vejo a importância do encarniçado debate então conduzido com tanto denodo pelo famoso articulista católico. Porque confundir os “porquês” com os “comos”, as razões profundas com as causas materiais, é uma infame agressão à razão humana, é uma terrível confusão intelectual que – quando menos, por amor à verdade – cumpre ser desfeita.

Afinal, sem certos conhecimentos corre-se o risco de ter muitas informações e, simultaneamente, não entender nada de realmente importante. É como se a uma criança que perguntasse por que aquele móvel grande da sala faz “tic-tac” o pai começasse a falar sobre movimentos pendulares e mecânica de engrenagens, quando na verdade o que ela precisava saber era “porque ele marca o tempo, e papai precisa saber as horas”. Depois é possível falar em engrenagens e pêndulos, que é como os relógios funcionam; mas é profundamente estúpido dedicar-se com afinco às minúcias da relojoaria antes de sedimentar o conhecimento de que os relógios existem porque as pessoas querem saber que horas são. E, pela mesma razão, achar que o mecanismo do relógio é mais relevante do que o fato de que ele serve para ver as horas denota uma grave deficiência intelectual, que é dever de justiça apontar e tentar corrigir.

A Jerusalém Celeste para além do Vale de Lágrimas

Decididamente não nos assenta bem a boa saúde, o estado provisório qui n’annonce rien de bon, a caricatura da paz e de bem-estar que durante tantos milênios de planeta ainda não aprendemos a usar. [Gustavo Corção, “Na Casa de Saúde”]

Leiam na íntegra esta bonita crônica do Corção, que me foi mostrada por um amigo e da qual foi retirada a frase em epígrafe. É um excelente material de meditação para a Campanha da Fraternidade deste ano; ou melhor, para nos indicar os caminhos errados pelos quais nos pode conduzir a Campanha da Fraternidade durante este precioso tempo quaresmal que estamos vivendo.

Eu já devo ter repetido diversas vezes o quanto eu gosto da oração da Salve Rainha e, mais especificamente, o quanto me apraz a parte em que suspiramos à Santíssima Virgem entre gemidos e choros “in hac lacrimarum valle”, neste Vale de Lágrimas. Porque uma parte importante do Cristianismo é a consciência do Pecado Original, esta percepção de que existe algo de intrinsecamente errado no mundo que nos rodeia: só assim nós podemos aspirar às coisas mais elevadas. O Paraíso foi perdido e, junto com esta perda, foi-nos estabelecida a radical impossibilidade de construirmos por nós próprios um novo Paraíso Terrestre. A esperança cristã é a de Novos Céus e Novas Terras. É nisto que devemos ter os olhos fitos: na Jerusalém Celeste que (só!) se encontra para além do Vale de Lágrimas!

A terra “maldita” por causa do pecado é um excelente elemento da pedagogia divina. Afinal de contas, se vivêssemos em um mundo perfeito ser-nos-ia muito fácil deixar esmorecer o nosso desejo por um outro mundo melhor. Após o Pecado, foi a Misericórdia de Deus que fez a terra produzir espinhos e abrolhos. Se fosse dado livre curso a Satanás, ele com certeza faria, após a Queda, um mundo que fosse composto exclusivamente por palácios de ouro e do qual não desejássemos jamais sair. Querer um mundo perfeito é uma utopia, é uma quimera que nos desvia daquilo que é realmente importante. O afã de construir um mundo perfeito é pernicioso porque nos distrai da nossa peregrinação rumo à Pátria Celeste – em última instância, a única que interessa.

E esta parece ser precisamente a tônica das Campanhas da Fraternidade. Temos o “que a saúde se difunda sobre a terra” do ano corrente e, olhando o histórico disponível na página da Conferência dos Bispos, temos muitas outras cantigas se utilizando desta mesma nota. Temos um “Levanta-te, vem para o meio!” em 2006, um incrível “Por uma terra sem males” em 2002, um “Novo Milênio sem Exclusões” em 2000. A idéia subjacente (às vez mais explícita, às vezes menos) é sempre a mesma: deseja-se um mundo perfeito. Um mundo onde o homem e a natureza vivam na mais perfeita harmonia romântica (“Fraternidade e Vida no Planeta”, 2011), ou onde não exista mais avareza entre as pessoas e todas socorram generosamente às necessidades de seus semelhantes (“Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”, 2010), ou onde não haja mais violência entre os seres humanos (“Fraternidade e Segurança Pública”, 2009), etc. É sempre a mesma coisa: sempre uma cenoura na frente do burro, sempre uma utopia inalcançável e inútil apresentada como importante meta a ser buscada, sempre uma distração daquilo que é verdadeiramente importante no tempo da Quaresma.

Porque nós, cristãos, somos chamados a coisas muito mais sublimes e infinitamente mais elevadas do que um novo milênio sem exclusões ou uma terra sem males: ainda que estas coisas fossem possíveis (o que é óbvio que não são), seriam infinitamente menores do que as coisas que Deus nos reservou – que, como nos diz São Paulo, são aquilo que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração humano sequer imaginou. Durante a Quaresma nós somos chamados a perseguir o Reino de Deus, e não quimeras; que mal causam aos fiéis brasileiros estas campanhas diabólicas que levam os homens a correrem atrás de utopias!

Contra esta insídia que desgraçadamente já há tanto tempo assola o nosso tempo quaresmal, que primor está o texto do Gustavo Corção! Leiam-no, volto a recomendar. A melhor forma de tratar o tema “saúde” na Quaresma é, precisamente, sob a ótica da falta dela. Não meramente através de um (obviamente legítimo) desejo de cura, mas algo mais: como um indicativo permanente da miséria humana, como um espinho na carne a não nos deixar esquecer o Vale de Lágrimas no qual estamos exilados.

Porque, afinal de contas, o verdadeiro anseio cristão é pela Jerusalém Celeste, o anelo legítimo dos que estamos exilados é o retorno à Pátria Celeste. Nosso Senhor veio ao mundo para nos tornar cidadãos do Céu; o nosso dever é sair do Vale de Lágrimas, e não transformá-lo em um lugar perfeito até nos esquecermos de que Algo maior nos espera para além das montanhas.

Gosto do Salmo 136, que fala do exílio. “À margem dos rios da Babilônia nós sentamos e choramos, com saudades de Sião”. E penso que esta temática é recorrente na história de Israel; p.ex., quando os judeus no deserto passaram a sentir falta “das cebolas do Egito” [cf. Nm 11, 5]. Acho que isto não é sem motivo. Há a tentação permanente de “nos esquecermos” da nossa dignidade e da – imerecida, mas real! – glória a que somos destinados; há a tentação permanente de querermos ficar “por aqui mesmo”. No referido salmo sobre o exílio há fortes maldições contra o esquecimento da Pátria: “Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha mão direita se paralise! Que minha língua se me apegue ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não puser Jerusalém acima de todas as minhas alegrias”. Isto é uma coisa séria que merece toda a nossa preocupação. E, levando os fiéis católicos a se esquecerem da Jerusalém Celeste à qual pertencem, tudo o que a Campanha da Fraternidade consegue é se transformar no alvo destas imprecações bíblicas. Ai daqueles que, promovendo-a, afastam de Deus o Seu povo.

“Amor, casamento, divórcio” – Gustavo Corção

Mas o divorcista — seja dito em sua homenagem — não percebe essa contradição; e não a percebe justamente porque renunciou, de antemão, usar aquilo com que se evidenciam as contradições. Para ele, como já disse, o casamento é casual, essencialmente irrefletido, e não pode deixar de ser assim uma espécie de loteria onde pesa mais a sorte do que a razão. Dizem por exemplo que o amor é cego, e que é impossível, em meses de noivado, conhecer perfeitamente a pessoa com quem se delibera fundar uma família.

Concedo que é impossível, em meses, conhecer perfeitamente o outro. Vou até mais longe. Se é preciso conhecer perfeitamente o outro em todos os seus recantos psicológicos, a vida inteira não basta, e deveríamos adiar todos os casamentos par o dia do juízo final. Ou então, para atender às flamas do mais impaciente amor, deveríamos estipular que os noivos esperassem a provecta idade dos senadores.

O que é evidente, nesse pessimista irracionalismo, é que a incapacidade de conhecer o outro, se destrói o casamento indissolúvel, destrói também o divórcio. Porque o divórcio se baseia justamente nessa idéia insensata de que, num certo ponto da vida conjugal, a gente esgota completamente o conhecimento do outro, a ponto de lhe recusar a mínima possibilidade de recuperação.

Gustavo Corção,
“Amor, casamento, divórcio”

Pena de Morte e Clemência

A Doutrina Católica sempre reconheceu a legitimidade do recurso à pena de morte quando esta é a única maneira de defender a sociedade e punir justamente o agressor. Os argumentos pela sua licitude, creio, são já amplamente conhecidos – e, conforme entendo, os “argumentos” dos que são contra ela em princípio resumem-se a um chororô naturalista e, absolutamente, não respondem às objeções dos que sempre defenderam ser permitido aos poderes públicos punirem certos crimes com a pena capital. Para quem tiver ainda alguma dúvida sobre o assunto, é imprescindível a leitura deste texto do Corção.

Uma coisa, no entanto, são os princípios que a dizem legítima e, outra, são as circunstâncias concretas nas quais ela pode ser legítima ou não. Imagino que não haja ninguém defendendo que seja lícito condenar a morte em quaisquer circunstâncias. A divergência quanto a questões de fato, neste caso, é perfeitamente legítima: de tal modo que um católico, embora não possa defender que a pena de morte é injusta em si mesma, é não obstante livre para julgá-la justa ou injusta diante de cada caso concreto.

Li hoje que o Comitê de Indultos da Geórgia (USA) negou um pedido de clemência para Troy Davis, homem negro condenado à morte pelo assassinato de um policial branco após um processo, ao que parece, bastante questionável – para dizer o mínimo. Segundo o portal de notícias do Terra, «[d]esde que foi condenado em 1991, sete dos nove testemunhas policiais se retrataram dos depoimentos alegando coerção e intimidação por parte da polícia».

um abaixo-assinado da Anistia Internacional para que se pare a execução – que ocorrerá amanhã, dia 21 de setembro. Eu não conheço os detalhes específicos deste caso e, portanto, não sei dizer se a pena é justa. Sei, contudo, que se deve evitar a todo custo condenar um inocente, como sei também que a criação de um “mártir” pode tornar (ainda mais) difícil a discussão racional sobre o assunto…

E sei também que, em todo caso, precisa de orações o sr. Troy Davis; para que encontre clemência se for inocente ou, se executado, para que aceite a expiação. E, inocente ou culpado, perdoado ou executado, que possa encontrar a Clemência do Justo Juiz, a única que – no final das contas – realmente importa. Que seja em favor dele a Virgem Santíssima. Que Deus possa mostrar-lhe misericórdia.

“Uma só carne”

Eu naturalmente não acompanhei os debates – em meados do século passado – travados nesta Terra de Santa Cruz e que culminaram com a recepção do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro. Li, a posteriori, um excelente livro do Gustavo Corção chamado “Claro Escuro”, que era uma coletânea de artigos de jornais publicados ao longo dos meses nos quais aconteceram os tais debates. E, dentre as crônicas saídas da pena do ilustre escritor católico, uma delas se referia de modo mais claro ao título do livro.

Argumentava o Corção que havia sem dúvidas alguns casais que tinham de tudo para dar certo, como também havia alguns outros casais que visivelmente não poderiam dar certo de jeito nenhum. Mas também havia – a esmagadora maioria – uma multidão enorme de casais que poderiam tanto dar certo como falhar miseravelmente na grande aventura de formação de uma família. E era exatamente com esta multidão, vivendo neste claro-escuro, que a legislação positiva deveria se preocupar – no caso, não oferecendo a “via fácil” da dissolução do vínculo conjugal, a qual poderia fazer com que alguns casais (que dariam certo se tentassem mais um pouco) fossem induzidos a desistir diante das primeiras adversidades.

Porque a entidade familiar tem uma grande importância social e, como disse alguém recentemente (acho que o Ramalhete), se na alegria é fácil aos cônjuges ficarem juntos as coisas não são tão simples assim na tristeza – e, aqui, um pouco de senso de responsabilidade favorecido pela legislação positiva é muito bem vindo. Não me recordo se o Corção falava isto no “Claro Escuro”, mas falo eu: a aprovação do divórcio provocou, talvez acima de tudo, o enorme mal de criar uma cultura de que “se-não-der-certo-separa”, com uma conseqüente desvalorização da Família nos moldes em que ela sempre foi entendida (e como a Igreja sempre a defendeu). A partir desta mentalidade, os bravos e corajosos desbravadores de um mundo novo que se aventuravam para além das fronteiras da casa materna com a missão bem determinada de criar raízes sólidas e edificar na História uma árvore frondosa que pudesse contribuir com rebentos saudáveis para a sociedade e para a Igreja transformam-se agora em jovens irresponsáveis (independente da quantidade de anos que porventura carreguem nas costas) preocupados apenas em “sentirem-se bem” e em gozarem uma “felicidade” confundida com prazer momentâneo.

A imagem é forte, mas não vejo como ela possa ser menos verdadeira. Afinal de contas, quando se fala em “célula-mater da sociedade”, quantas são as pessoas que identificam isto com uma família – e, com isso, estamos falando de um homem e uma mulher unidos em ordem à geração e educação dos filhos e integralmente voltados um para o outro até que a morte os separe? Quantas são as pessoas que entendem as graves responsabilidades que disto decorrem?

A lei do divórcio criou uma cultura de pusilânimes. E talvez um dos mais eloqüentes exemplos disto que eu vi nos últimos tempos tenha sido este texto da sra. Regina Navarro, onde ela faz uma apologia da infidelidade conjugal e defende que “a monogamia não funciona muito bem para os ocidentais”. Que é na verdade uma reescrita daquela “A Maçã” de Raul Seixas, sendo – tanto uma quanto a outra – uma utopia sem sentido de que é possível “amar” sem que o amor seja uma doação íntegra da totalidade do ser, ou de que é possível separar “amor” de “fidelidade”, ou de que o amor não ande sempre e necessariamente de braços dados com a responsabilidade.

A cultura pró-divórcio pavimentou a estrada para que barbaridades como esta ganhassem livre trânsito. Contra os devaneios de articulistas e artistas de rock, contudo, permanecem incólumes os exemplos da história, o testemunho da reta razão humana e aquelas palavras das Escrituras Sagradas conforme a qual o homem e a mulher “serão uma só carne”. E, contra esta verdade insofismável, passarão músicas e artigos; os vinis estarão pendurados em decorações de festas estilo “anos setenta” e os jornais estarão embrulhando o peixe do fim da feira, mas haverá ainda aqueles que defendam a capital importância da Família monogâmica e indissolúvel. Porque certas convicções são inegociáveis. Certas palavras não passarão.

Feliz Ano Novo!

Mais um ano passado. Para mim, passou muito depressa. É a idade… quanto mais velho se é, mais o tempo passa rápido. Deveria ser o contrário, pois é com a experiência adquirida que se pode fazer o tempo ser melhor aproveitado… Mas, como diz a sabedoria popular musical recifense contemporânea, “o tempo passa, o mundo gira, o mundo é uma bola”. É verdade: o tempo passa, inexorável.

Passou 2009 e, ao final dele, eu me lembro de uma frase de um santo que ouvi certa feita; não lembro quem é, mas sempre associo a um dos místicos espanhóis. A frase dizia que a vida é como uma noite mal dormida em péssima estalagem. Sofre-se, sim, mas é passageira: quando mal se percebe, chegou o dia. Findou a noite, findou a vida.

Findou o ano! É oportunidade para se meditar sobre a efemeridade da vida, sobre o tempo que passa mais depressa do que gostaríamos. Se, ao invés do ano, fosse a vida que chegasse ao fim? Se, ao invés de encontrarmos 2010, fôssemos nos encontrar com o Justo Juiz que há de pôr os nossos atos a descoberto e determinar a nossa sorte eterna?

O escoar dos anos deve nos fazer pensar que a nossa vida também passa. E passa depressa. Um ano a menos… aproveitemos bem o nosso tempo.

E um feliz ano novo a todos. Que o próximo ano encontre-nos melhores do que este que agora termina nos encontrou – são os meus votos mais sinceros. Continuemos na liça, também em 2010.

Saudades dos pais de outrora

Especial do Diário de Pernambuco: O novo pai. Cinco histórias diferentes: “Pai até debaixo d’água”, “De malas prontas para ser pai”, “Pais com orgulho e sem preconceito”, “Nove meses de espera” e “Os seus, os meus, os nossos filhos”. Só a primeira é que pode ser classificada como um bom exemplo; as demais, são anti-exemplos. Um pai separado na segunda história, duas duplas de homossexuais na terceira e na quarta, um adultério na quinta.

Famílias separadas, famílias misturadas, “famílias” que nem são famílias: é isto que a sociedade atual louva como sendo sinal de progresso e de modernidade! É bonito o sr. João Guilherme mudar-se para São Paulo para ficar perto da filha? Sem dúvidas, é louvável; mas por qual motivo ele abandonou a esposa e a filha? Lembro-me de Gustavo Corção, em seu livro Claro Escuro, falar sobre o divórcio e os filhos nos seguintes termos, duros, mas sinceros (cito de memória e não ipsis litteris): “dizem que um casal que se divorcia está disposto a qualquer coisa para o bem dos filhos. É mentira. Eles estão dispostos a tudo, menos a ficar juntos pelo bem dos filhos”.

O bem dos filhos, jogado às favas nesta avidez de novidades! É bonito ver o amor da jovem Mara pelo sr. Arruda, atual companheiro de sua mãe? Sim, é. Mas vejam o que diz a menina: “Meu pai biológico viaja muito e ele [Arruda] meio que ocupa este espaço e faz a saudade diminuir”. O que passa pela cabeça de um pai, para deixar o seu espaço no seio familiar ser ocupado por um estranho? Com quais valores crescem estas crianças?

No entanto, se tudo isso já é ruim, as histórias dos “pais” homossexuais são péssimas. “Há sete anos, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) concedeu pela primeira vez a um homem solteiro o direito de adotar uma criança”, diz a terceira história. Este homem “solteiro” vivia – e vive até hoje – com outro homem. E o que diz a criança, hoje com sete anos de idade? “Amo meu pai. Ele é a minha paixão. Ele é carinhoso, brinca comigo, joga bola de gude. Ele me ama, e meu outro pai também me ama”.

Não há nomes nos “pais” da quarta história. Só os fatos: “Juntos há cinco anos e casados há dois (?!), eles sempre sonharam em ter um filho”. Conseguiram, numa “adoção à brasileira” (as aspas são da matéria), uma menina. E ela já fala: “A primeira vez que ela falou ‘papai’, há um mês, foi emocionante. Um é pai outro é papai”…

Caricaturas de famílias: é onde muitas crianças estão crescendo e sendo educadas, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Utilizadas como cobaias de experimentos sociais contrários à Lei Natural. E aplaudidos pela cupidez de coisas novas da sociedade que se esqueceu de Deus. Saudades dos homens viris, dos chefes de família, cabeças do lar. Saudades dos pais de antigamente, dos pais que eram – de fato e de direito – pais. Que Deus tenha piedade de nós. E que olhe com particular cuidado por estas crianças, que não têm culpa de serem cobaias das experiências loucas de um mundo sem Deus.