Osservatore e Harry Potter

Eu tinha visto a chamada no blog do Gustavo ontem, mas não prestei a devida atenção à notícia; saiu também no Ecclesia Una. Parece que, na véspera do lançamento do sexto filme da saga de Harry Potter – Harry Potter e o enigma do Príncipe -, L’Osservatore Romano publicou um comentário sobre o filme.

Achei estranho. Tanto no Exsurge, Domine! quanto no Ecclesia Una eu tive a forte impressão de que o artigo publicado pelo jornal oficioso da Santa Sé era crítico ao novo blockbuster. No entanto, encontrei hoje uma notícia dizendo terem sido “necessários seis filmes para que Harry Potter tivesse a ‘bênção’ do papa”, e que – segundo o Vaticano – Harry Potter 6 é o melhor da série.

Às fontes: La magia non è più un gioco sorprendente é o título da reportagem do Osservatore Romano. Necessário avisar que, daqui em diante, este texto contém spoilers – não quero ser responsável por mais uma tragédia bizarra como a que li ainda há pouco, quando um sujeito se matou após saber antes da hora o que aconteceria com o “bruxinho” no longa metragem.

A impressão que passa é que a TV Canal 13 só leu o que queria do artigo do jornal do Vaticano. O elogio de “melhor da série” não pode ser citado sem, ao mesmo tempo e por uma questão de justiça, citar igualmente que Harry Potter é [i]nsomma una saga diseducativa e persino anticristiana. Pretendo escrever algumas linhas mais detalhadas sobre o bruxo inglês em breve; mas, por enquanto, há umas linhas publicadas em italiano com as quais eu, absolutamente, não posso concordar.

Sem dúvidas que [s]i può dire che, cresciuti i personaggi – adolescenti alle soglie dell’età adulta – è cresciuto anche il tono della narrazione; mas isso não faz, de nenhuma maneira, com que sembra ben chiara la linea di demarcazione tra chi opera il bene e chi compie il male. A menos que haja uma total discrepância entre a película e o livro no qual ela se inspira, isso simplesmente não é verdade. Não assisti o filme, mas li o livro (todos, na ordem, à exceção do último); e o crescimento do tom da narrativa é no sentido de Harry Potter e seus amigos fazerem cada vez mais coisas erradas e moralmente inaceitáveis. Fica cada vez mais nebulosa a fronteira de demarcação entre o bem e o mal, porque a “turma do bem” da trama – o protagonista e seus amigos – faz cada vez mais “coisas do mal”.

N’O Príncipe Mestiço, Hermione “azara” o sujeito que fazia teste para ser goleiro da Grifinória, fazendo com que ele perca o lugar para Rony, amigo dela; Harry passa o livro inteiro “colando” nas aulas de poções, usando as anotações de um livro velho que encontrou para – nas palavras de Hermione – conseguir uma reputação de preparador de poções que ele não merecia; aprende Arte das Trevas com o mesmo livro, e usa-a tranqüilamente (na primeira vez, foi acidental; mas, na caverna com os Inferi e tentando impedir Snape de fugir de Hogwarts, é deliberado); induz um professor a se embriagar, para arrancar dele uma informação que ele não queria dar; et cetera. Aliás, ver Harry Potter usando ou tentando usar Maldições Imperdoáveis (já no quinto livro ele usa a Maldição Cruciatus contra uma Comensal da Morte e, neste sexto, ele tenta usá-la contra Snape) é contemplar o tipo de moral pagã que emana das histórias de J. K. Rowling: os fins parecem – eloqüentemente – justificar os meios.

As coisas precisam ser colocadas em seu devido lugar. Se há coisas boas que podem ser retiradas dos livros da série (em particular, a interpretação do Osservatore sobre a imortalidade de Voldemort e una impossibile eterna felicità sulla terra é originalíssima), é necessário avisar aos navegantes das coisas más que deles podem advir. E, claro, também não dá para tapar o sol com a peneira e dizer que os livros têm o contrário daquilo que têm. Se há uma distinção muito clara entre Harry Potter e Voldemort, é a óbvia de que o primeiro é o “mocinho” e, o segundo, o “vilão”. Mas, no pano de fundo deste patente contraste, existe muita coisa que não é nada simples, e não existe nenhuma linea chiara que distinga, dentre as atitudes do jovem protagonista, quais são aceitáveis e quais não o são. Isso precisa ficar bem claro para quem vai ler o livro, assistir os filmes, ou – principalmente – permiti-los como diversão para seus filhos.