Santo António de Pádua

[Excerto de sermão de Santo António de Pádua, “O Bom Cristão segue o exemplo das abelhas”]

Lê-se na história natural que as abelhas pequeninas trabalham sem descanso. Têm asas fininhas e são de cores mais escuras, como se fossem queimadas.

Abelhas pequenas são os bons cristãos sem pretensões que só se ocupam de boas e úteis obras, de forma que o diabo não os encontra nunca de mãos vazias ou desocupadas.

Têm asas finas, isto é, desprezam as vaidades e os prazeres do mundo e se inflamam de amor pelo Reino Celestial. Com essas asas sobem alto, voando livres no ar puro, com o coração fixo na Glória de Deus.

As abelhas trabalhadeiras são de cor escura, como se fossem queimadas. A respeito disto, a alma cristã exclama no Cântico dos Cânticos (1.5-6): “Sou morena, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, sou como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão. Não repareis na minha tez morena, pois foi o sol que me queimou!” Oh! anjos do céu, oh! almas santas, sou morena porque as abstinências, os jejuns, as vigílias e outras penitências me tomaram assim. Porém, sou bela na alma pela pureza da mente e pela integridade da fé. Sou morena como as tendas de Cedar, que quer dizer nômade; habito de fato em tendas móveis que se transportam de um lugar para o outro, das quais os soldados atacam ou nas quais são atacados, “porque não temos aqui embaixo nenhuma cidade permanente, andamos em busca da que há de vir” (Hb 13,14).

Não deis importância ao fato de eu ser morena, pois sou morena porque o sol me queimou. O sol em eclipse descora todas as coisas. Assim Jesus Cristo, o verdadeiro sol, “que conheceu seu ocaso” (SI 103,19) quando na cruz padeceu o eclipse da morte, deixou a atração das vaidades, as falsas glórias, todas as honras mundanas.

Por isso, a alma cristã pode afirmar com razão: “Sim, sou morena, minha pele é escura, o sol me queimou”. Enquanto, com efeito, com os olhos da fé eu contemplo a meu Deus, meu esposo, meu Jesus, pregado na cruz, atravessado por cravos, alimentado com fel e vinagre, e coroado de espinhos, toda a beleza, toda a glória, toda a honra, toda a pompa mundana empalidece a meus olhos e perde todo o valor… Eis aqui, estas são as abelhas pequenas e escuras, como se fossem queimadas. Assim pensam e atuam os verdadeiros cristãos.

Abelhas de bela aparência são ao contrário todos os cristãos inautênticos e todos os que não sabem fazer outra coisa senão agitar aos quatro ventos as falsas credenciais de sua falsa honestidade e bondade, enquanto na realidade são somente sepulcros, de aparência bela e solene, porém cheios por dentro de podridão e ossos ressequidos…

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[Trecho de Biografia de Santo António de Pádua]

Na solidão do claustro, Santo Antônio entregou-se com empenho à oração e ao estudo. Aprofundou-se na doutrina do grande doutor da igreja, santo Agostinho, e começou a saborear a doçura e a suavidade do Senhor. Dedicou sua aguda inteligência a conhecer mais profundamente as Sagradas Escrituras, que, sendo livros inspirados por Deus, contêm, “a plenitude da sabedoria”- expressão muito usual entre os mestres de teologia da Idade Média. Vale destacar que, na leitura dos Santos Padres da Igreja, guardava na memória tudo o que lia, levantando a admiração dos monges que o cercavam. Os anos que permaneceu em Coimbra foram determinantes para o conhecimento das ciências sagradas. Entretanto, esses progressos eram mais frutos da graça de Deus e de seu esforço pessoal do que do ambiente monacal e do trabalho dos mestres competentes, pois naqueles anos os monges do mosteiros estavam envolvidos nas intrigas políticas de seu país, muito nefastas e cruéis. Foi chamado “arca do Testamento” pelo Papa Gregório IX e Tomás de Vercelli, por causa de seu método de exegese e também “Martelo dos hereges”. Foi considerado exímio teólogo, peritíssimo exegeta e perfeito frade menor, porque num tempo de grave crise da Ordem, fez da pregação como que uma cátedra itinerante, considerando-a como uma lição de teologia.

Passava muitos dias em meditação e oração e enquanto rezava em um desses eremitérios, recebeu a visita do Menino Jesus. Em razão dessa aparição, Santo Antônio é representado carregando o Menino Jesus nos braços. O lírio que aparece nos braços ou nos pés, é o símbolo da pureza. A sua mensagem de fé e de amor para com Deus e a sua caridade para com os pobres continuam atuais. Sal da terra e luz do mundo, Santo Antônio é tão procurado pelas pessoas que se tornou um dos santos mais populares do mundo.

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[Trecho de mais um texto sobre Santo António]

Segundo alguns de seus biógrafos, na adolescência Fernando foi acometido por violenta tentação contra a pureza. Para aplacá-la, estando na catedral, o jovem traçou uma cruz com os dedos, numa coluna de mármore, ficando nela impressa como em cera. Avaliando nessa ocasião os perigos que corria, o adolescente quis entrar para o mosteiro de São Vicente de Fora, dos Clérigos Regulares de Santo Agostinho, nos arredores da capital portuguesa, quando contava 19 anos de idade.

[…]

Um dos milagres mais conhecidos de Santo Antonio foi sua pregação aos peixes. Em Rimini, durante seu sermão, o povo se mantinha indiferente. Abandonando seus ouvintes, foi pregar à beira-mar. Milhares de peixes de vários tipos e tamanhos puseram a cabeça fora da água para ouvir o santo, que tinha sido seguido pela população da cidade, testemunha do milagre.

Santo Antonio foi cognominado “Martelo dos Hereges”, porque a heresia não teve inimigo mais formidável. Sua mais antiga biografia, conhecida pelo nome de Assídua, relata: “Dia e noite tinha discussões com os hereges; expunha-lhes com grande clareza o dogma católico; refutava vitoriosamente os preceitos deles, revelando em tudo ciência admirável e força suave de persuasão que penetrava a alma dos seus contrários”.

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Santo António de Pádua,
rogai por nós!

Idolatria na Igreja Católica

Nas minhas andanças pela internet descobri um curioso texto, escrito supostamente por um católico e divulgado por protestantes, chamado Tratado da Verdadeira Devoção – escrito por um católico. Não, não é o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem de São Luís de Montfort (este era o que eu estava procurando). Trata-se de um texto herético protestante (mesmo que se diga “escrito por um católico”, se for verdade, o tal católico que escreveu é de facto um herege protestante) onde o autor se esmera para provar a idolatria da Igreja de Cristo. O assunto é tão velho que já está gagá, mas vou me deter n’alguns comentários sobre esta obra específica por causa das referências ao Tratado verdadeiro, o de São Luís Maria.

Começa o texto com o velho blá-blá-blá sobre se “adoração” e “veneração” são a mesma coisa. Na Doutrina Católica, é óbvio que não são; se “todos dicionários colocam veneração como sinônimo de adoração” (op. cit., p. 3) eu não sei se é verdade mas, ainda que seja, não faz nenhuma diferença, porque é evidente que um dicionário não é o lugar adequado para se buscar o sentido de termos teológicos específicos da Doutrina Católica. Esta tem dois mil anos e não tem nenhuma obrigação de “se adequar” às exigências dos dicionários, pois os católicos sabem que a Doutrina se aprende no catecismo; se os protestantes querem aprender teologia no dicionário é problema deles, e só vai fazer com que eles não entendam nunca o que a Igreja está dizendo.

Acerta o autor do livreto quando diz que “veneração é ato de culto” (op. cit., p. 2) mas erra ao dizer que isso, por si só, já caracteriza a existência de idolatria. Como todo protestante, ele só aceita que exista culto de adoração. O que, dentro da Teologia Católica, é falso, pois existe o culto de latria devido a Deus e o culto de dulia devido aos santos e às imagens dos santos. Portanto, nem todo culto é culto de latria, e “revelar” que a Igreja cultua os santos é descobrir o sol ao meio-dia no céu límpido. As citações de diversas passagens bíblicas onde “venerar” (ou “honrar”, ou “cultuar”, ou qualquer coisa parecida) é usado no sentido de “adorar” são irrelevantes, primeiro porque as traduções portuguesas modernas não necessariamente contemplam a terminologia grega ou hebraica original com esta fidelidade farisaica que exige o autor da obra e, segundo (e muito mais importante), porque o sentido das palavras é evidentemente mais importante do que as palavras em si. Os católicos aceitam que se diga “venerar a Eucaristia” no sentido de latria. Mas, em contrapartida, exigem que seja aceito “venerar a Virgem Santíssima” no sentido de dulia.

O mesmíssimo vale para a citação do II Concílio de Nicéia (sobre adorar/venerar as imagens). A interpretação dada pelo “católico” sobre as passagens do Apocalipse onde São João adora um anjo e dos Atos dos Apóstolos onde Cornélio adora São Pedro é completamente estapafúrdia:

Na verdade, tanto João como Cornélio não tentaram adorar com adoração de latria, pois eles sabiam que o anjo e Pedro eram criaturas, e que, portanto, não poderiam ser adoradas. Eles queriam, na verdade, venerá-las, ou seja, prestar-lhes adoração de honra.

Contudo, vimos a Palavra de Deus advertindo que a adoração, seja de latria ou de dulia (de honra), só são devidas a Deus. Ou seja, que a veneração (como é popularmente conhecida a adoração de honra) só pode ser dada a Deus. Portanto, venerar uma criatura (um anjo ou um santo) é idolatria, sobretudo se a veneração coloca o santo no lugar de Deus. [op. cit., p. 5; grifos no original]

Se a “veneração” coloca o santo no lugar de Deus ela, por definição, é latria e não dulia, de modo que a frase não tem nenhum sentido. Agora, se “venerar uma criatura” for sempre idolatria, então o autor da obra difamatória vai precisar explicar por que a Bíblia manda, p.ex., honrar os velhos (cf. Lv 19, 32), por que o Templo era “venerado no mundo inteiro” (IIMac 3, 12), por que Jacó se prostrou diante de Esaú (cf. Gn 33, 3), por que o carcereiro “lançou-se trêmulo aos pés de Paulo e Silas” (At 16, 29), por que “José celebrou, em honra do seu pai, um pranto de sete dias” (Gn 50, 10), por que Lot prostrou-se diante dos dois anjos que chegaram a Sodoma (cf. Gn 19, 1), ou ainda por que Deus prescreveu: “Honra teu pai e tua mãe” (Ex 20, 12), entre muitas outras coisas. Donde se vê a que absurdas contradições chega o livre-exame das Escrituras, tomando textos isolados, misturando-os com preconceitos e desprezando quer a Tradição da Igreja, quer o próprio conjunto dos demais livros da Bíblia.

Segue o suposto “católico” com uma enorme lista de “[t]extos oficiais da Igreja Católica admitindo (sic) a adoração de imagens” (op. cit., pp. 5-10). De novo a mesma coisa: o pressuposto de que toda veneração é adoração, de que adoração é uma palavra que só pode ser usada no sentido de latria, de que a Igreja é alguma espécie de idiota que não sabe nem mesmo o que Ela própria diz. Não é sequer concedido a Igreja o beneplácito de ter a Sua Doutrina julgada da maneira que Ela mesma a entende; o protestante pega textos católicos, interpreta-os com um sentido expressamente contrário àquele que a Igreja lhes dá, e quer com isso mostrar como Ela é idólatra. Um esforço gigantesco e inútil, pelo simples fato de que a Igreja não entende os Seus textos do mesmo jeito que os entende o “teólogo dos dicionários”.

Adoração é latria, é daí que vem a palavra “idolatria” (que significa “adoração a ídolos”), e se a Igreja deixa claro que existe uma coisa chamada “latria” e uma outra coisa chamada “dulia”, então é porque Ela diferencia as duas coisas, e não é intelectualmente honesto dizer que Ela as considera ambas iguais. O máximo que os protestantes podem fazer é tentar provar que tanto a latria quanto a dulia são proibidas pelas Escrituras Sagradas. Só que isso é impossível, porque até as mais criativas exegeses (como a acima citada, de São João e de Cornélio) são incapazes de explicar o conjunto das Escrituras Sagradas, onde vemos, sim, criaturas sendo honradas o tempo inteiro.

As páginas subseqüentes são fruto de uma leitura seletiva do Tratado da Verdadeira Devoção à SSma. Virgem de São Luís Maria Grignion de Montfort. O autor do livreto dá às palavras do santo um sentido expressamente condenado por ele – coisa, aliás, muitíssimo parecida com o expediente de fazer a Igreja “admitir” que adora imagens. É como se alguém dissesse “o sol ilumina e o fogo queima, mas a lua pode refletir a luz do sol e, por isso, também ilumina, e o ferro pode ficar em brasas se em contato com o fogo e, portanto, também queima”. Daí o gênio sentenciasse: ah! Ele diz que a lua ilumina, mas só o sol ilumina e, por isso, ele diz que a lua é sol! Ele diz que o ferro queima, mas todo mundo sabe que só o fogo queima e, portanto, ele diz que o ferro é o fogo! É em um “raciocínio” estritamente análogo a isto que se baseia o “católico” escritor do livreto. Afinal, São Luís de Montfort deixa claro, por diversas vezes, que as qualidades atribuídas à Santíssima Virgem o são por graça, por causa de Deus, e não por “natureza” ou por poder próprio. Lembra repetidas vezes que Maria é uma criatura e não o Criador. Mas as suas palavras encontram os ouvidos surdos (ou os olhos analfabetos) do suposto católico que não quer saber de outra coisa que não atacar, per fas et per nefas, a Doutrina da Igreja.

No final, a inteligência ilustre responsável pelas páginas deste livro não quis assumir-se, mantendo-se anônimo. É forçoso reconhecer que ele, ao menos, tem senso do ridículo; eu próprio ficaria envergonhado de reclamar a autoria de linhas sofríveis assim. O responsável pela divulgação do livreto – Wellington Leão, do “Notícias do Evangelho” – diz que o autor pediu para ser mantido no anonimato “temendo (…) que pudesse ser excluído do catolicismo”. Quanto a isso, aviso ao ex-católico que ele não tem com o quê se preocupar: a excomunhão por heresia é automática, latae sententiae, segundo prescreve o Código de Direito Canônico, de modo que o anonimato não o protege de se auto-excluir da comunhão com a Igreja de Cristo.