“Xingar muito no Twitter” com os dias contados

Hoje pela manhã eu lia este longo texto do Geneton Moraes, e aquilo que era motivo de júbilo para o articulista era, para mim, um sinal de profunda desesperança com a sociedade moderna. Resumindo: o sujeito ganhou uma ação (na esfera civil, pelo que entendi) contra um outro repórter que, no Twitter, acusou-o de ter copiado de um trabalho de jornalismo as perguntas que fizera ao Geraldo Vandré em uma entrevista que foi ao ar em 2010.

Eu não sei quem é o Geneton Moraes e nem quem é o outro repórter anônimo cujo tweet ele cita. Não assisti a tal entrevista com o Geraldo Vandré nem muito menos li os comentários no site não-citado onde se acusava o sr. Moraes de copiar as perguntas de trabalhos de alunos de jornalismo. O que me chocou nesta história foi, por um lado, a profunda irrelevância da agressão sofrida e, pelo outro, a enormidade do peso do Estado lançada sobre um comentário de 140 caracteres. Em uma palavra, a absurda desproporcionalidade entre a ação e a reação.

Eu já expliquei outras vezes que, segundo penso, agressões irrelevantes devem ser tratadas no máximo com outras agressões irrelevantes. O cara quer xingar muito no Twitter? Deixa ele xingar muito no Twitter e ser feliz – no máximo, xinguemo-lo também! Bons tempos os da nossa infância, quando a gente aprendia a resolver os problemas da gente em total respeito ao princípio da subsidiariedade: primeiro a gente trocava tapas com os colegas, e só depois – quando a coisa ficava feia – chamávamos os amigos para nos ajudar; se ainda não resolvesse, íamos à professora, à diretora e aos pais. O respeito a esta cadeia hierárquica era sagrado: nunca íamos à diretora (muito menos aos pais!) antes de tentarmos resolver as coisas por nós próprios. Quanta sabedoria nos antigos colégios…

O princípio da subsidiariedade prega que os problemas devem ser resolvidos pelas instâncias mais próximas a ele e que são capazes de tratá-lo. Se alguém nos xinga, a gente xinga também e pronto – em 99% dos casos não há necessidade de envolver instâncias superiores desnecessárias para tratar deste problema (as mais das vezes) fútil, a menos que sejamos dotados de uma tal crise de megalomania que achemos ser o nosso próprio umbigo um assunto tão importante que é absolutamente imprescindível que toda a sociedade com ele se envolva. Somente quando os efeitos deletérios extrapolarem os limites dos envolvidos é que se deve chama o arbítrio de uma instância superior; e, francamente, quem é que dá a mínima para xingamentos do Twitter?

O próprio articulista sabe disso! «Preferi não prolongar o trabalho que estava dando à Justiça – que, como se sabe, já vive sobrecarregada. Dei-me por satisfeito». Tudo isto em nome de um precedente que ele queria estabelecer, que não apenas é inútil como também pode ser prejudicial: já pensou se a moda pega e ninguém pode escrever ou falar mais nada sob pena de ser processado por fulanos e sicranos que se sintam ofendido com o que leram ou ouviram?

Às vezes é sim fundamental que haja uma intervenção superior. Penso, por exemplo, em um caso que li há alguns anos quando a imprensa noticiou (falsamente) que uma escola primária abrigava casos de pedofilia e aí, naturalmente, todos os pais tiraram os seus alunos do colégio – provocando um prejuízo enorme ao dono do estabelecimento de ensino. Aqui, cabe reparação. No caso do sr. Moraes… o que aconteceu com ele? Ele perdeu o emprego, a sua mulher o deixou, ele foi espancado na rua por grupos de skinheads por ser um mau jornalista…? Danos morais não deveriam ser para apaziguar os brios ofendidos de ninguém, e sim para tratar de assuntos sérios e prejuízos verdadeiros. A “honra” de cada um, enquanto não há prejuízo objetivo certo, deveria ser lavada como fazíamos quando éramos crianças. E não com esta síndrome de “conta tudo pra tua mãe, Kiko”.

Ofensas à honra

Gostaria de opiniões sobre uns assuntos que vinha discutindo com uns amigos à hora do almoço.

Os crimes contra a honra estão tipificados no Capítulo V do Título I da Parte Especial do Código Penal, e consistem basicamente nos crimes de injúria, calúnia e difamação. Eu creio entender mais ou menos a diferença entre os três tipos (mas, óbvio, aceito correções): a calúnia ocorre quando o fato injustamente imputado é crime; a difamação, quando ele não é crime, mas é ofensivo; e, a injúria, quando se atribui uma qualidade ofensiva e não um fato. Assim, coisas como “humilhação”, “constrangimento público” e congêneres não estão tipificadas; é isto mesmo?

O teor da nossa conversa, basicamente, pode ser resumido no seguinte: se é razoável postular que a Justiça pode ser invocada e intervir para restabelecer a desordem introduzida por ofensa, digamos, “moral” que provoque constrangimento público injusto a alguém. Acho que não consigo me expressar com a precisão exigida, e por isso prefiro dar exemplos: alguém debochar de fulano porque fulano tem algum defeito físico [é careca, narigudo, manco, etc], alguém zombar de uma menina porque ela é feia [“Oi, tem telefone? Tenho… Então vende e faz uma plástica!”], alguém fazer piada sobre a roupa, o penteado, a barba ou quaisquer adereços de sicrano… enfim, qualquer coisa que possa provocar constrangimento, humilhação, vexame para um indivíduo.

Do ponto de vista Moral, parece-me claro que ninguém pode agredir uma outra pessoa, salvo no caso de se ter um bem proporcionado em vista. Do ponto de vista do Direito Natural, eu tenho dúvidas sobre se é razoável postular que a Justiça deva intervir em xingamentos e discussões, salvo o caso de prejuízo objetivo e certo à pessoa (p.ex., se fulano é acusado injustamente de um crime). Do ponto de vista da Justiça Brasileira, eu não faço idéia de como as coisas funcionem.

Eu, particularmente, acho (sem pensar muito no assunto) que melindres subjetivos não deveriam ser passíveis de processos judiciais – mas confesso ser difícil estabelecer o limite entre a ofensa objetiva e o “sentimento” do ofendido -, e que da própria honra deve, via de regra, cuidar cada um – embora reconheça também que às vezes isso é difícil e quiçá impossível. Não me parece fácil achar uma solução genérica para o problema. O que vocês pensam sobre o assunto?