A fidelidade é também um martírio

Quanto autem eis praecipiebat, tanto magis plus praedicabant.

O bem é por sua própria natureza difusivo. Nosso Senhor ordenou-nos, no final de Sua vida terrestre, que fôssemos pelo mundo inteiro anunciando o Evangelho a toda criatura; mas a rigor nem precisaria ter-nos ordenado. Os discípulos de Cristo, é certo, sentiriam no seu âmago a necessidade contar a todo mundo a Boa Nova que haviam descoberto — e haveriam de sair pregando o Evangelho da Salvação Cristo tendo-o ordenado ou não.

Aliás, mesmo que o tivesse proibido! As Escrituras não nos dão testemunho? Certa feita, por exemplo, Nosso Senhor curou um surdo-mudo. Os que O acompanhavam ficaram extasiados. Cristo — diz-nos o Evangelista —  «[p]roibiu-lhes que o dissessem a alguém. Mas quanto mais lhes proibia, tanto mais o publicavam» (Mc VII, 36).

O anúncio do Evangelho não pode ser proibido. Todas as experiências históricas o demonstram de forma cabal. Não já foi a Igreja perseguida milhares de vezes em centenas de circunstâncias diferentes? Em cada uma delas o Cristianismo não sucumbiu, mas ao contrário: soube crescer e germinar sob a terra, a fim de florescer na primeira oportunidade. Os séculos se encarregaram de provar verdadeiro o dito de Tertuliano segundo o qual o sangue dos mártires é semente de cristãos. Mas, ora, a ridicularização também não é uma forma de martírio? Foi o que São João Paulo II disse certa vez aos jovens, em uma mensagem que se tornou antológica:

Também hoje, caríssimos amigos, crer em Jesus, seguir Jesus pelas pegadas de Pedro, de Tomé, dos primeiros apóstolos e testemunhas, implica uma tomada de posição a favor d’Ele e, não raro, quase um novo martírio: o martírio de quem, hoje como ontem, é chamado a ir contra a corrente para seguir o divino Mestre, para seguir «o Cordeiro por onde quer que vá» (Ap 14, 4). Não foi por acaso, queridos jovens, que eu quis que, durante o Ano Santo, se recordassem junto do Coliseu as testemunhas da fé do século vinte.

Talvez não vos seja pedido o sangue, mas a fidelidade a Cristo é certo que sim!

19 de agosto de 2000
Vigília de Oração — XV Jornada Mundial da Juventude

Talvez o sangue não nos seja pedido; mas a fidelidade sim! E esta fidelidade contra tudo e contra todos, da qual o mundo debocha e por conta da qual somos chamados de fanáticos e intolerantes, que nos fecha portas e nos afasta de amizades, que merece escárnio, desprezo e piadas, esta fidelidade, em suma, que tanto dói e tanto machuca… não é também uma forma de martírio? E sendo essencialmente martirial, não terá também o condão de difundir a Fé? A fidelidade não será abençoada por Deus, a fim de que se torne, ela também, semente de cristãos?

O bem é difusivo e não pode ser contido. O Evangelho é uma Boa Nova cuja descoberta não pode deixar de ser partilhada — quem O guardasse para si, na verdade, não O teria realmente encontrado. O Apostolado não é uma exigência que nos é feita desde fora, mas um impulso que brota da própria Fé e nos move a partilhar com os nossos próximos aquilo que outros partilharam conosco — aquilo de que todo ser humano precisa, pelo qual todo homem anseia.

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O cristão ou é apóstolo ou é apóstata. O apostolado não é uma opção, não é algo que possamos desempenhar ou retrair a nosso talante. São Paulo uma vez exclamou: «Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!» (ICor IX 16b) — e bem faríamos em ter esta imprecação ressoando, sempre, nos nossos ouvidos indolentes. Não nos podem proibir o anúncio do Evangelho; nenhuma autoridade sobre a terra tem este poder.

O Evangelho precisa ser anunciado por sobre os telhados. Precisa, aliás, ser tanto mais anunciado quanto mais o desejarem silenciar — ai de nós se nos calarmos! É nas perseguições que o Cristianismo floresce; sempre foi assim e não é hoje que haverá de ser diferente. A fidelidade nos é tanto mais exigida quanto mais força fizerem para que sejamos infiéis: que o bom Deus nos conceda sempre a graça de resistir a cada dia. A fidelidade é também um martírio — que a saibamos bem sofrer. Deus não deixará que seja em vão; o Altíssimo, que tudo vê e tudo pode, saberá fazer da fidelidade dos novos mártires a semente da Igreja.

A JMJ e a união dos povos

Há quem pense que o esporte é capaz de unir os povos e as culturas. As grandes competições internacionais (como a Copa do Mundo ou, mais atualmente, as Olimpíadas) são por vezes apresentadas como um modelo de congraçamento pacífico e profícuo entre pessoas de diferentes origens e nacionalidades, como um território comum onde os seres humanos podem interagir independentemente das eventuais divergências — políticas, econômicas, ideológicas, religiosas — que possuam.

Sem dúvidas o estabelecimento de regras internacionalmente válidas para os esportes permite que, neles, compitam pessoas que — por conta de barreiras linguísticas, sociais etc. — teriam muita dificuldade de interagir de qualquer outra maneira. No entanto, a pretensão de uma união fundamental de todos os homens sob — p. ex. — a chama dos jogos olímpicos parece-me estar acima das capacidades do espírito esportivo humano. É possível, sem dúvidas, jogar em paz; não significa que se possa edificar a paz sobre os jogos. A fraternidade universal é um anseio da humanidade; calcá-la sobre os esportes, contudo, é edificar sobre a areia. É uma espécie de pareidolia ideológica, que em tudo imagina enxergar a unidade humana perdida.

Existem eventos que melhor atendem a estes anseios (em tudo legítimos) de interação frutuosa e congraçamento de culturas por sobre as barreiras linguísticas, políticas, nacionais: são as Jornadas Mundiais da Juventude católicas. Estes eventos — de cuja magnitude as copas do mundo ou os jogos olímpicos são apenas um reflexo pálido — conseguem atrair multidões vindas dos quatro cantos do planeta, de todos os idiomas, de todas as raças e nacionalidades. Essas pessoas, durante os dias da Jornada, trocam experiências, fazem amizades, ajudam-se mutuamente — em suma, convivem, em união verdadeira, daquela união que torna a dar esperança no futuro da humanidade. Uma união que revela que, por debaixo da diversidade das línguas e das vestimentas, somos todos humanos, somos todos irmãos.

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Infelizmente não pude estar na JMJ da Cracóvia que se encerrou no último domingo. Estive em Madrid, em 2011, e estive no Rio de Janeiro, em 2013; há textos aqui no blog que contam as gratificantes experiências destas duas viagens. Não acompanhei a passagem da «juventud del Papa» pela Polônia, nem mesmo de longe; mas tenho certeza de que aqueles rapazes e moças cumpriram o seu papel e souberam fazer ecoar a mensagem do Evangelho por entre as ruínas da civilização européia. Eu já os vi e sei do que são capazes.

Toda a programação do evento — com todos os pronunciamentos de Sua Santidade — está disponível no site do Vaticano ad perpetuam rei memoriam. Vale uma passagem pela página. De todos os textos disponíveis eu olhei um: o encontro do Papa com os bispos polacos. São quatro perguntas, respondidas pelo Pontífice argentino com toda a informalidade de uma conversa entre amigos. O que me levou a este texto em específico foi uma manchete que vi na mídia secular: “Papa lamenta que crianças aprendam na escola que podem escolher gênero”. Esta colocação do Vigário de Cristo está já no final do encontro, no contexto de uma pergunta sobre como agir diante dos refugiados que chegam à Europa — problema candente e da mais atual importância.

Separemos as coisas. Primeiro a ideologia de gênero. É significativo que o Papa tenha falado sobre o assunto, principalmente se considerarmos que a intervenção pontifícia parece descontextualizada. Ninguém o perguntou sobre isso; ele, espontaneamente, trouxe o assunto à baila. É este o parágrafo que nos interessa aqui:

E aqui gostaria de concluir com um aspeto concreto, porque por detrás dele estão as ideologias. Na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina, na África, nalguns países da Ásia, existem verdadeiras colonizações ideológicas. E uma delas – digo-a claramente por «nome e apelido» – é o gender! Hoje às crianças – às crianças! –, na escola, ensina-se isto: o sexo, cada um pode escolhê-lo. E porque ensinam isto? Porque os livros são os das pessoas e instituições que te dão dinheiro. São as colonizações ideológicas, apoiadas mesmo por países muito influentes. E isto é terrível. Em conversa com o Papa Bento – que está bem e tem um pensamento claro – dizia-me ele: «Santidade, esta é a época do pecado contra Deus Criador». É inteligente! Deus criou o homem e a mulher; Deus criou o mundo assim, assim e assim; e nós estamos a fazer o contrário. Deus deu-nos um estado «inculto» para que o fizéssemos tornar-se cultura; e depois, com esta cultura, fazemos as coisas que nos levam ao estado «inculto»! Devemos pensar naquilo que disse o Papa Bento: «É a época do pecado contra Deus Criador»! E isto ajudar-nos-á.

Veja-se que interessante: em primeiro lugar, o Papa chama as questões de gênero de «colonização ideológica», ou seja, de uma imposição feita por determinados grupos poderosos sobre populações menos capazes de se defender. Isto coloca a discussão nos seus termos devidos: não se trata de ciência nem de progresso, mas sim de voluntarismo de um determinado grupo de pessoas influentes.

Depois, o Papa Francisco chamou Bento XVI para cerrar fileiras consigo nesta investida. Ao que parece, foi a única fez que o Pontífice reinante citou o emérito nesta viagem. E a referência a Bento XVI nos traz à lembrança aquele discurso de 2012, onde o então Papa, falando sobre este assunto, afirmou claramente que «onde Deus é negado, dissolve-se também a dignidade do homem» — aforismo que deveríamos ter sempre muito claro na memória. O que está em jogo não são os gostos e preferências individuais. É a dignidade humana que é aviltada quando se diz que o sexo pode ser livremente escolhido.

Ainda: o Papa Francisco falou em Estado e em cultura. Ou seja, não se trata de um preceito de católicos voltado somente para católicos. É questão que diz respeito ao Estado, portanto ao direito, às legislações temporais: o fetiche do Estado Laico não nos deve assustar aqui. Identificando o «gender» com o estado «inculto», Sua Santidade afirma ainda que se deixar conduzir por esta colonização ideológica é incultura, é incivilização e selvageria, é, em suma, barbárie.

Finalmente, a referência ao «pecado contra Deus Criador» revela a magnitude deste equívoco. Ora, o Deus «Criador» é o “primeiro Deus” — quero dizer, é a primeira e mais básica compreensão que o homem tem do Ser Supremo. A Santificação (a capacidade de participar da vida de Deus) ou mesmo a Redenção (o perdão dos pecados e o merecimento da vida de glória) são conceitos teológicos razoavelmente refinados. A Criação não. Esta chega às raias de uma evidência: é a própria razão humana natural, sozinha, que é capaz de alcançar o Criador. Revoltar-se «contra Deus Criador», assim, é algo muito mais fundamental e significativo do que rejeitar a Igreja ou Jesus Cristo. Arrisco-me a dizer que se aproxima de um pecado contra o Espírito Santo (na modalidade “negar a verdade conhecida como tal”) — o que expõe a gravidade da situação e a miséria em que se encontra o homem contemporâneo, longe não apenas da Fé Revelada como também dos rudimentos da teologia natural.

Mas volto à questão dos imigrantes — e concluo. Sobre eles basicamente o Papa fala três coisas: primeiro, que o problema está na terra deles; segundo, que cada um precisa acolhê-los na medida da própria capacidade; e, terceiro, que é preciso integrá-los bem. Isso não é um discurso para o Estado ateu; aqui o Papa está falando para bispos católicos. E estes três passos, que para os poderes de César podem significar apenas algumas políticas públicas burocráticas, para a Igreja têm um significado todo diferente.

O problema dos que batem à porta da Igreja está no lugar de onde eles vieram: nas suas falsas religiões, portanto. Embora não seja possível estabelecer formas universais de receber os pecadores, a ninguém é lícito desprezá-los: todo católico está obrigado, na medida de suas capacidades, a acolhê-los. Finalmente, é preciso integrá-los bem; e integrar na Igreja Católica outra coisa não significa que converter.

Porque o problema não é a «cultura», entendido este termo como o conjunto de hábitos, vestimentas, língua, comidas típicas etc.; o problema é a «religião» ou, antes, o problema são as falsas religiões. Há um único multiculturalismo válido e possível: é o da Igreja Católica, que é Universal e, portanto, abraça todos os homens de todos os povos, raças e nações. O Catolicismo não é uma «cultura»; ele transcende a todas elas e a todas integra em si. As bases comuns sobre as quais é possível construir a fraternidade de todos os povos não podem ser outras que as bases da Fé verdadeira. Desta unidade na diversidade — única possível! — dão testemunho, a cada três anos, os católicos que se reúnem nas Jornadas Mundiais da Juventude. Esta concórdia, esta união, esta paz, que os homens em vão buscam nos torneios de futebol ou nas competições olímpicas, somente em torno ao Papa se podem encontrar.

Sobre o “Noé” de Aronofsky que ainda não assisti

Eu não assisti ainda ao Noé de Aronofsky, mas acompanhei ultimamente muitas discussões sobre o filme entre os mais diversos círculos de amizade. De todas elas o que mais me chamou a atenção foi este texto – cuja leitura eu recomendo na íntegra. A tese do autor (Brian Mattson) é a de que o cineasta não tomou “liberdade artística” nenhuma com a história de Noé que nós conhecemos do Antigo Testamento, mas simplesmente a contou sob a ótica bem exata e bem fidedigna da Cabala. A despeito de ser um pouco longa, a originalidade da análise é cativante e perspicaz.

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Mesmo sem ver o filme, eu próprio já havia notado que todo mundo estava falando dele de maneira estranha: fosse pelo fato de Noé ser vegetariano, fosse por se tratar aparentemente de uma espécie de nômade que vivia longe da civilização, fosse por não agir com suficientemente docilidade à voz de Deus. Em poucas palavras: a história que me contavam do filme que eu ainda não vira não tinha nada a ver com a história de Noé cujos traços mais marcantes todo mundo guarda no subconsciente quando menos como reminiscência das aulas de Catequese – e todo mundo percebia isso. Havia algo de não muito católico na película que ainda está em nossas salas de cinema.

Diante dessa primeira universal impressão, chocou-me o fato de eu ter assistido ao trailer de “Noé” em duas ocasiões católicas. A primeira, foi na première de Blood Money aqui em Recife; a segunda, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Como era possível que depois de credenciais de tanto peso o filme me saísse como esta catequese às avessas da qual todo mundo estava falando? Infelizmente, parece que é mesmo verdade. No fim das contas, parece que o Brian Mattson estava certo quando escreveu:

Eu acho que Aronofsky se propôs a experiência de nos fazer de bobos: “Vocês são tão ignorantes que eu sou capaz de colocar Noé (Russell Crowe!) nas telas e retratá-lo literalmente como a ‘semente da serpente’ e, mesmo assim, todos vocês vão assistir e apoiar”.

Aronofsky está dando risada. E todos os que caíram no trote deveriam se envergonhar.

Fiquei, sim, com a sensação de que fomos enganados. E isso deve nos fazer atentar doravante para alguns pequenos detalhes.

O primeiro, que Hollywood não merece carta branca e um livro não deve ser julgado pela sua capa – nem um filme pelo seu trailer. Acho que não cheguei a recomendar “Noé” aqui no Deus lo Vult! simplesmente porque não é do meu feitio resenhar filmes antes de assisti-los, mas podia perfeitamente tê-lo feito dando crédito às boas pessoas que, em situações distintas, me “venderam o peixe” fazendo publicidade da produção em eventos voltados para o público católico. E provavelmente eu falei positivamente do filme em conversas informais, com base no que ouvira sobre ele aqui em Recife e na JMJ.

O segundo, que é humano ser enganado, mas uma vez percebido é mister denunciar o engodo. Vi ultimamente muitas pessoas descascarem o o filme do Aronofsky manifestando o seu desgosto e afirmando a incompatibilidade da película com a história que nos foi legada pelas Escrituras Sagradas. Cumpro aqui um pouco esse papel, trazendo à baila – enquanto o assunto ainda está “quente” – as repercussões do blockbuster dentro do orbe católico, mesmo sem fazer muitas contribuições de minha própria lavra. Acho que o momento é propício para registrar aqui este “estado da arte”.

O terceiro, que é preciso ter profundidade na crítica que se faz, e é justamente nesse aspecto que o texto linkado no início desse post pareceu-me tão particularmente meritório. Indo além do lugar-comum “ah, não é a história que tá na Bíblia”, o autor foi procurar a tradição religiosa que dá sentido e coerência a toda a narrativa, o que é muito útil tanto para entrever as motivações por trás da produção do filme quanto para aumentar o nosso conhecimento geral a respeito dos inimigos clássicos do Cristianismo – informações essas que, nos tempos que correm, não nos é prudente dispensar.

Faço, por último, uma última colocação de caráter estritamente pessoal, não necessariamente aplicável a este “Noé” ao qual, repito, não assisti. Eu gosto de ficção e não penso que toda obra precise ser biblicamente fidedigna para que seja apreciável. Acho que há muito espaço, sim, para se produzir uma obra de arte digna sem que se precise fazer paráfrase de histórias já contadas e bem estabelecidas. Não é este o cerne da crítica ao filme de Aronofsky.

Mas quando um diretor de cinema divulga um filme com um pano de fundo premeditadamente anti-católico através de meios católicos… aí já é caso de perguntar se não houve intenção de enganar, de conseguir para a obra a boa-vontade da publicidade católica, por meio de se lhe deixar ser aplicado um rótulo – o de filme católico – que de saída o produtor já sabia não ser cabível, mas não achou relevante avisar isso aos divulgadores do filme. Aqui, sim, já se pode falar em comportamento censurável. Liberdade artística não é um problema. Induzir as pessoas ao erro é que é.

Os cristãos sofrem

É digna de menção esta notícia que saiu inclusive na mídia secular: «Peregrinos que vieram para a JMJ pedem refúgio ao Brasil». A matéria é relativamente longa e vale uma leitura: nestes dias em que parece démodé falar sobre as perseguições que milhares de cristãos sofrem mundo afora por conta da sua Fé, ver o véu do silêncio hipócrita da mídia ser (ao menos um pouco!) rasgado revigora a nossa esperança em dias melhores. Frutos da JMJ!

Não se trata de vitimismo. Aprendemos que, sob a ótica cristã, as nossas cruzes são a nossa glória e, os nossos sofrimentos, a nossa alegria. Trata-se de uma questão de justiça. Beati pauperes!, sim, como aprendemos nas páginas sagradas do Evangelho, mas isso não nos autoriza a fecharmos os nossos olhos às misérias do mundo, e nem muito menos a fomentá-las com a nossa indiferença.

À perseguição por causa de Cristo – por odium Fidei – em grau supremo dá-se o nome de martírio, que significa testemunho. E o testemunho cristão não pode ser calado à força do silêncio lançado sobre ele pelos meios de comunicação. Isso é injurioso para com os mártires e ultrajante para com os que sofrem. Que, exatamente por sofrerem, merecem pelo menos o nosso respeito e a nossa consideração.

Os cristãos sofrem. Na Coréia do Norte, para ficar em um só exemplo, eles fingem contar feijões para rezarem o Rosário. Bem-aventurados, sem dúvidas! Mas seríamos os mais insensatos dos homens se não nos aproveitássemos do testemunho deles para fortalecer a nossa própria Fé. E de que censuras não serão dignos os que trabalham para que histórias assim não sejam conhecidas e, portanto, não dêem o fruto que poderiam dar! Os cristãos sofrem, e neles é o próprio Cristo que sofre. Pelas dores d’Ele nós fomos salvos. Pelas deles, perseveramos.

As palavras do Papa Francisco no Brasil

O Papa falou um bocado quando esteve no Brasil; muito mais do que nós, ocupados que estávamos com a Jornada, podíamos acompanhar no turbilhão daqueles dias intensos. Nestes tempos de internet, contudo, é sempre possível recuperar depois as palavras que foram proferidas na Viagem Apostólica à Terra de Santa Cruz; é útil conhecermos o que o Papa Francisco julgou por bem falar enquanto esteve no Brasil.

aqui um .pdf que compila todos os discursos do Sumo Pontífice durante a JMJ. Abaixo, trago alguns excertos do que o Papa Francisco falou no Brasil. Não são os trechos mais importantes e nem talvez os mais representativos da Jornada, mas somente alguns recortes selecionados por mim que podem ser úteis à nossa meditação. E que, como em outras coisas que pus aqui no blog, faço votos de que possam servir para aguçar o interesse por conhecer mais profundamente o que o Vigário de Cristo disse quando visitou a nossa Pátria.

Ouçamos o Papa, ouçamos o Cristo-na-Terra, para que aqueles dias não sejam somente agradáveis lembranças das multidões reunidas. Para que possamos haurir deles o máximo que eles têm para nos dar. Para que, a partir deles, possamos verdadeiramente mudar a nossa vida. Para que eles possam dar os frutos que tantas pessoas se esforçaram por fazê-los dar.

* * *

– E atenção! A juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo. É a janela e, por isso, nos impõe grandes desafios. A nossa geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço. (Papa FranciscoCerimônia de boas-vindas no Jardim do Palácio Guanabara)

– Deus sempre surpreende, como o vinho novo, no Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele. (Papa Francisco, Santa Missa na Basílica do Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida)

– Eu penso que, neste momento, a civilização mundial ultrapassou os limites, ultrapassou os limites porque criou um tal culto do deus dinheiro, que estamos na presença de uma filosofia e uma prática de exclusão dos dois pólos da vida que constituem as promessas dos povos. A exclusão dos idosos, obviamente: alguém poderia ser levado a pensar que nisso exista, oculta, uma espécie de eutanásia, isto é, não se cuida dos idosos; mas há também uma eutanásia cultural, porque não se lhes deixa falar, não se lhes deixa agir. (Papa FranciscoEncontro com os jovens argentinos na Catedral Metropolitana)

– A fé em Jesus Cristo não é uma brincadeira; é uma coisa muito séria. É um escândalo que Deus tenha vindo fazer-se um de nós. É um escândalo que Ele tenha morrido numa cruz. É um escândalo: o escândalo da Cruz. A Cruz continua a escandalizar; mas é o único caminho seguro: o da Cruz, o de Jesus, o da Encarnação de Jesus. Por favor, não “espremam” a fé em Jesus Cristo. Há a espremedura de laranja, há a espremedura de maçã, há a espremedura de banana, mas, por favor, não bebam “espremedura” de fé. A fé é integral, não se espreme. (Papa FranciscoEncontro com os jovens argentinos na Catedral Metropolitana)

– Queridos amigos, certamente é necessário dar o pão a quem tem fome; é um ato de justiça. Mas existe também uma fome mais profunda, a fome de uma felicidade que só Deus pode saciar. Fome de dignidade. Não existe verdadeira promoção do bem-comum, nem verdadeiro desenvolvimento do homem, quando se ignoram os pilares fundamentais que sustentam uma nação, os seus bens imateriais: a vida, que é dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido; a família, fundamento da convivência e remédio contra a desagregação social; a educação integral, que não se reduz a uma simples transmissão de informações com o fim de gerar lucro; a saúde, que deve buscar o bem-estar integral da pessoa, incluindo a dimensão espiritual, que é essencial para o equilíbrio humano e uma convivência saudável; a segurança, na convicção de que a violência só pode ser vencida a partir da mudança do coração humano. (Papa Francisco, Visita à Comunidade da Varginha em Manguinhos)

– Vejam, queridos amigos, a fé realiza na nossa vida uma revolução que podíamos chamar copernicana, porque nos tira do centro e o restitui a Deus; a fé nos imerge no seu amor que nos dá segurança, força, esperança. Aparentemente não muda nada, mas, no mais íntimo de nós mesmos, tudo muda. (Papa Francisco, Festa de Acolhida dos jovens na Praia de Copacabana)

– Deus é pura misericórdia! «Bote Cristo»: Ele lhe espera no encontro com a sua Carne na Eucaristia, Sacramento da sua presença, do seu sacrifício de amor, e na humanidade de tantos jovens que vão lhe enriquecer com a sua amizade, lhe encorajar com o seu testemunho de fé, lhe ensinar a linguagem da caridade, da bondade, do serviço. Você também, querido jovem, pode ser uma testemunha jubilosa do seu amor, uma testemunha corajosa do seu Evangelho para levar a este nosso mundo um pouco de luz. (Papa FranciscoFesta de Acolhida dos jovens na Praia de Copacabana)

– Queridos jovens, confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente a Ele! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e redenção. Com Ele, o mal, o sofrimento e a morte não têm a última palavra, porque Ele nos dá a esperança e a vida. (Papa FranciscoVia-Sacra com os jovens na Praia de Copacabana)

–  Com a mesma parresia –coragem, ousadia– de Paulo e Barnabé, anunciemos o Evangelho aos nossos jovens para que encontrem Cristo, luz para o caminho, e se tornem construtores de um mundo mais fraterno. (Papa Francisco, Santa Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião).

– Não é a criatividade pastoral, não são as reuniões ou planejamentos que garantem os frutos, mas ser fiel a Jesus, que nos diz com insistência: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós” (Jo 15, 4). (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Jesus fez assim com os seus discípulos: não os manteve colados a si, como uma galinha com os seus pintinhos; Ele os enviou! Não podemos ficar encerrados na paróquia, nas nossas comunidades, quando há tanta gente esperando o Evangelho! (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Não queremos ser presunçosos, impondo as “nossas verdades”. O que nos guia é a certeza humilde e feliz de quem foi encontrado, alcançado e transformado pela Verdade que é Cristo, e não pode deixar de anunciá-la (cf. Lc 24, 13-35). (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Quem atua responsavelmente, submete a própria ação aos direitos dos outros e ao juízo de Deus. Este sentido ético aparece, nos nossos dias, como um desafio histórico sem precedentes. Além da racionalidade científica e técnica, na atual situação, impõe-se o vínculo moral com uma responsabilidade social e profundamente solidária. (Papa FranciscoEncontro com os Representantes da Sociedade brasileira no Teatro Municipal)

– Jesus nos oferece algo muito superior que a Copa do Mundo! Algo maior que a Copa do Mundo! Oferece-nos a possibilidade de uma vida fecunda e feliz. E nos oferece também um futuro com Ele que não terá fim: a vida eterna. É o que Jesus oferece. Mas ele pede que paguemos a ingresso. Jesus pede que treinemos para estar ‘em forma’, para enfrentar, sem medo, todas as situações da vida, dando testemunhos de fé. Como? Através do diálogo com Ele: a oração, que é um diálogo diário com Deus que sempre nos escuta. (Papa Francisco, Vigília de oração com os jovens em Copacabana)

– Vocês têm o futuro nas mãos. Por vocês, é que o futuro chegará. Peço que vocês também sejam protagonistas, superando a apatia e oferecendo uma resposta cristã às inquietações sociais políticas que se colocam em diversas questões do mundo. Peço que sejam construtores do mundo. Envolvam-se num mundo melhor. Por favor, jovens, não sejam covardes, metam-se, saiam para a vida. (Papa FranciscoVigília de oração com os jovens em Copacabana)

– Mas, atenção! Jesus não disse: se vocês quiserem, se tiverem tempo, mas: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Partilhar a experiência da fé, testemunhar a fé, anunciar o Evangelho é o mandato que o Senhor confia a toda a Igreja, também a você. É uma ordem sim; mas não nasce da vontade de domínio ou de poder, nasce da força do amor. (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– O Brasil, a América Latina, o mundo precisa de Cristo! Paulo exclama: «Ai de mim se eu não pregar o evangelho!» (1Co 9,16). Este Continente recebeu o anúncio do Evangelho, que marcou o seu caminho e produziu muito fruto. Agora este anúncio é confiado também a vocês, para que ressoe com uma força renovada. A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da alegria que lhes caracterizam! Um grande apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado José de Anchieta, partiu em missão quando tinha apenas dezenove anos! Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o caminho a ser percorrido! (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– Além disso, Jesus não disse: «Vai», mas «Ide»: somos enviados em grupo. Queridos jovens, sintam a companhia de toda a Igreja e também a comunhão dos Santos nesta missão.  (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– Eis aqui, queridos amigos o nosso modelo. Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus, como primeiro gesto de resposta, põe-se a caminho para servir e levar Jesus. Peçamos a Nossa Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo aos nossos familiares, aos nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as pessoas. Nunca tenham medo de ser generosos com Cristo! Vale a pena! (Papa FranciscoOração do Angelus Domini em Copacabana)

– A resposta às questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, atendendo à sua linguagem, entranha uma mudança fecunda que devemos realizar com a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– É uma tentação que se verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– Deus é real e se manifesta no “hoje”. A sua presença, no passado, se nos oferece como “memória” da saga de salvação realizada quer em seu povo quer em cada um de nós; no futuro, se nos oferece como “promessa” e esperança. No passado, Deus esteve lá e deixou sua marca: a memória nos ajuda encontrá-lo; no futuro, é apenas promessa… e não está nos mil e um “futuríveis”. O “hoje” é o que mais se parece com a eternidade; mais ainda: o “hoje” é uma centelha de eternidade. No “hoje”, se joga a vida eterna. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– Alguns são chamados a se santificar constituindo uma família através do sacramento do Matrimônio. Há quem diga que hoje o casamento está “fora de moda”; está fora de moda? na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “curtir” o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas, “para sempre”, uma vez que não se sabe o que reserva o amanhã. (Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ no Pavilhão 5 do Rio Centro)

– Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, que vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, que não são capazes de amar de verdade. (Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ no Pavilhão 5 do Rio Centro)

– Continuarei a nutrir uma esperança imensa nos jovens do Brasil e do mundo inteiro: através deles, Cristo está preparando uma nova primavera em todo o mundo. Eu vi os primeiros resultados desta sementeira; outros rejubilarão com a rica colheita! (Papa FranciscoCerimônia de despedida no Aeroporto Internacional Galeão/Antônio Carlos Jobim)

– Uma última coisa: rezem por mim.

(Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ
no Pavilhão 5 do Rio Centro
)

A Jornada que Deus quis

Nem me lembro de quando começou a chover no Rio de Janeiro; o que eu lembro é que na terça-feira, na Missa de abertura, já estava chovendo um bocado. Eu já estava gripado, e neste dia quase morro: enrolado numa bandeira do Brasil (ou de Pernambuco?) na areia da praia, sentado, com um guarda-chuva, enquanto a chuva fina fustigava e o vento da beira-mar cortava. Eu estava doente e, portanto, não posso avaliar com certeza, mas acho que este foi o dia da sensação térmica mais baixa. Depois da Missa, a sopa quente de abóbora com não-sei-mais-o-quê revigorou-me. Santa sopa! No mesmo dia eu já era um homem novo: tanto que os meus amigos, brincando, disseram-me estar já preparados para a minha missa de corpo presente no dia seguinte, se o jantar não tivesse feito tão portentoso milagre. Voltei bem melhor para casa – ou pro alojamento que nos acostumamos, naqueles dias, a chamar de “casa”.

No dia seguinte continuou chovendo – tanto que a nossa exposição, montada em tendas no Largo da Carioca, teve que ser suspensa. Na quinta-feira estava chovendo ainda. Não era nenhuma tempestade tropical: era uma chuva fina e insistente, um céu permanentemente nublado, um derramar constante de água. Na própria quinta-feira nos vem a notícia: a vigília e a Missa de encerramento poderiam ser transferidas, por conta da chuva, de Guaratiba para Copacabana.

Uma amiga revela a sua preocupação com o fato do metrô não ter vendido bilhetes para este dia. Eu prontamente respondo que a venda de bilhetes por horário só atrapalhara: aquela multidão se auto-organizava. Eu já o vira antes. Em Madrid, voltando de Cuatro Vientos, vi dois milhões de jovens entrarem em uma única estação de metrô após uma Missa celebrada no extenuante verão europeu, organizados por um único “guardinha” que, postado à entrada da estação, gritava “stop!” quando lhe parecia que a plataforma já estava suficientemente cheia. E funcionou. Não via razão para que o prodígio não se repetisse do lado de baixo do Equador; como em muito do que ocorreu no Rio de Janeiro, o excesso de preocupação com o controle detalhado das multidões atrapalhava a Jornada, e melhor fariam os organizadores se se preocupassem com o que estava a seu alcance fazer.

Eu tinha certeza de que as pessoas conseguiriam chegar a Copacabana. A minha preocupação era outra: ora, a peregrinação para o local da Vigília é parte constituinte da JMJ. Colocando os dois últimos atos centrais dentro da cidade, o ineditismo da decisão acabava por sepultar um aspecto (a meu ver muito importante) da Jornada: a peregrinação propriamente dita. Graças a Deus, os organizadores do evento tiveram esta mesma preocupação. E decretaram: a peregrinação (de 10 km) não deixará de existir, mas será dentro da cidade, da estação Central à Praia de Copacabana, via aterro do Flamengo e Botafogo.

E eu gostei sobremaneira daquela peregrinação dentro da cidade do Rio de Janeiro. Ora, embora fosse um sábado, muitas das coisas da cidade estavam abertas: passamos por estabelecimentos comerciais, pelos pontos de ônibus, pelas vias repletas de carros, pelos viadutos cheios de pedestres. Em todos os lugares éramos recebidos com um sorriso no rosto; muitas pessoas – que não estavam na peregrinação, habitantes normais da cidade que estavam somente passando – acenavam e cantavam conosco, tiravam fotos e filmavam, e depois seguiam o seu caminho. Nós íamos felizes, enfrentando cada quilômetro com a tranqüilidade de quem está anunciando a Deus da maneira mais fácil possível: com o simples fato de estarmos lá, engrossando aquela multidão. Nem mesmo as (já relatadas) dificuldades com o recebimento do kit-vigília ou a escassez de sanitários no caminho arrefecia o nosso ânimo. Íamos andando e cantando, e era emocionante ver como aqueles túneis reverberavam ao som de “eu / sou brasileiro / com muito orgulho / com muito amor” ou “esta es / la juventud del Papa” quando por dentro deles passávamos.

Estimo que mais de um milhão de pessoas tenha passado por aquele caminho (reservado para nós) entre a Central do Brasil e a Praia de Copacabana. Não houve um único instante ao longo de todo o dia em que ele estivesse vazio: ao contrário, estava sempre repleto de grupos e mais grupos de peregrinos, caminhando animados em direção ao local da Vigília com o Santo Padre. Uma multidão contínua, espalhando-se ao longo de 10 km, das primeiras horas da manhã até depois de cair à noite: eis o que éramos na Cidade Maravilhosa! De longe, a maior manifestação pública que aquela cidade já recebeu. De longe, a maior passeata da qual o Rio de Janeiro já foi palco. E nós, católicos de todos os cantos do mundo, testemunhávamos a vitalidade da nossa Fé pelo simples fato de seguirmos aquele caminho, com as nossas orações e cânticos alegres, com as nossas bandeiras e camisas e mochilas da Jornada. Nunca era tão fácil ser publicamente católico, e nunca um testemunho público era tão eloqüente como naquele sábado.

Num sábado, aliás, em que já não chovia! Já estiara desde a véspera. A chuva durou só o suficiente para que a organização do evento transferisse os atos centrais de Guaratiba para Copacabana: depois disso, dir-se-ia que Aquele que «faz chover sobre os justos e sobre os injustos» (Mt V, 45) já Se dera por satisfeito, já atingira o Seu intento. E que intento sagrado era esse?

Tenho a íntima convicção de que era vontade positiva do Deus Altíssimo que a Vigília e a Missa de Encerramento da JMJ acontecessem em Copacabana. Ora, todos os cariocas com os quais eu conversei foram unânimes em dizer que aquela chuva era completamente atípica para aquela época do ano. E ela só durou o suficiente para que o local dos últimos eventos fosse alterado: a mesma chuva que forçou uma mudança de planos de última hora e que inviabilizou um lugar que estava sendo preparado há meses para receber a Vigília e a Missa da JMJ deu delicada licença para que estes atos acontecessem tranqüilamente em Copacabana, sem a menor contrariedade provocada por eventuais intempéries da Natureza. Somando-se a isso o extraordinário público em Copacabana e o belo testemunho dado por aqueles milhões de peregrinos atravessando o Rio de Janeiro, o que se pode dizer senão que Deus, dos insondáveis arcanos da Sua Providência, dispôs positiva e harmoniosamente as coisas para que elas acontecessem exatamente desta maneira?

Esta foi a Jornada que Deus quis, contra o que desejavam os seus organizadores. Após a JMJ, conversando no metrô com uma carioca, ela me disse que achava um absurdo que tivessem planejado “esconder Deus lá em Guaratiba”: a vitrine do Rio de Janeiro era o centro e a Zona Sul e, portanto, para o evento ser mostrado para o mundo inteiro, era lá que ele precisava ocorrer. Concordo com a análise dela: os últimos eventos da Jornada não teriam um público tão grande e nem seriam tão visíveis se não tivessem acontecido no coração da Cidade Maravilhosa. E eu tenho ainda uma outra hipótese para a teoria: Deus Se ofendeu com o par de chifres em cujo meio os organizadores da JMJ queriam que o Papa celebrasse a Santa Missa, e humilhou os que queriam zombar d’Ele fazendo com que uma chuva fina, quase uma garoa, levasse todos os seus planos por água abaixo. Que a lição tenha servido aos ímpios: que eles tenham aprendido que de Deus não se zomba. E todos nós, que participamos da Jornada ou a acompanhamos, tenhamos a certeza de ter presenciado, no Rio de Janeiro, a ação poderosa do Onipotente. O brado de «queremos Deus!» no meio de um mundo secularizado foi proferido com estrondo: que o ouçam. Que a semente lançada germine. Que o espetáculo daqueles dias desperte-nos do estado letárgico em que estivemos até agora. Esta é a Terra de Santa Cruz! Que não nos esqueçamos disso. Que a força da Igreja reunida aos milhões em torno do Vigário de Cristo nas areias de Copacabana nos lembre dessa importante verdade.

Aos voluntários de Magalhães Bastos

Após ter passado quinze dias no Rio de Janeiro como voluntário da Jornada Mundial da Juventude, há muito o que comentar. Pretendo escrever uma série de posts sobre os «Bastidores da JMJ 2013» nos próximos dias, mas gostaria de começar pelo começo: pela segunda-feira 15 de julho, o primeiro dia em que cheguei ao Rio. Pelas pessoas que nos acolheram e nos apoiaram, e que estiveram conosco antes, durante e depois da Jornada. Pela grande família em que se transformou a Paróquia de São José em Magalhães Bastos.

Muito já foi dito nos grupos privados de Facebook e WhatsApp, mas é um dever de justiça registrar aqui algumas linhas de agradecimento àquelas pessoas com as quais dividimos os nossos dias enquanto estávamos na Cidade Maravilhosa, e sem as quais tudo teria sido um bocado diferente. Mesmo sem ser capaz de prever o futuro, arrisco-me a dizer que tudo teria sido muito pior. Se enfrentamos muitas dificuldades durante a Jornada, a boa vontade das pessoas que estavam ao nosso redor ajudou-nos – e muito! – a suportá-las de um modo mais suave e agradável.

Era segunda-feira, perto das 18h00, e estávamos na Catedral com as nossas malas, após passar literalmente o dia inteiro esperando os nossos kits de voluntários que nunca chegavam. E de fato não chegaram: após a desgastante espera de um dia inteiro, mandaram-nos de mãos abanando para os alojamentos, que sequer sabíamos onde ficavam. Não nos conhecíamos. Alguém instruiu que o grupo que ficaria alojado em Magalhães Bastos se reunisse em não sei que entrada da Catedral para irem juntos ao alojamento; fui meio a contragosto, pois a minha idéia original era acampar ali mesmo até o dia seguinte. Mas, se fosse para ir, era mesmo melhor que fôssemos juntos. E lá nos encontramos.

Pessoas dos mais variados rincões do Brasil, reunidas sob uma bandeira genérica da JMJ que rapidamente elegemos o estandarte do nosso grupo, para facilitar que ficássemos juntos. Conduzíamos ao mesmo tempo em que éramos conduzidos, sempre gritando “Magalhãããães!” no instante em que partíamos de um lugar para o outro, a fim de que nenhum de nós se desgarrasse. Da entrada da catedral para a estação de metrô, para a bilheteria, para a Central do Brasil, para o trem (“Campo Grande”, “Bangu” ou “Santa Cruz”, como nos instruíram): seguíamos em bando, em plena hora do rush carioca, quais mulas de carga soterradas sob bagagens necessárias a quinze dias longe de casa, chamando-nos uns aos outros pelo nome do nosso alojamento.

Chegamos enfim à estação e à paróquia onde ficaríamos hospedados. Os coordenadores de hospedagem, em um comovente rasgo de sinceridade, disseram-nos imediatamente que não estavam lá muito preparados para nos receber, posto que o local teoricamente só receberia peregrinos que chegariam uma semana depois: mas abriram com muita boa vontade as portas da paróquia e dos seus corações para nós, de tal modo que nos perguntamos se seria possível terem feito melhor caso houvessem sido avisados com antecedência. Este, aliás, foi um ponto distintivo de toda essa Jornada, permito-me dizer: a generosidade com a qual as pessoas dispunham-se a fazer o que não estavam preparadas para fazer, desdobrando-se para ajudar da melhor forma possível a todos que a Divina Providência lhes colocava no caminho. Se um ponto positivo pode ser retirado do clamoroso desleixo com o qual a JMJ foi tratada, é este: os sacrifícios de bom grado que tantos realizaram para proporcionar aos que chegavam ao Rio um encontro com Nosso Senhor, a despeito de todas as circunstâncias adversas.

Devo muito àquelas pessoas, certamente mais do que elas sabem e mais do que sou capaz de dizer. Dos cafés improvisados na cantina paroquial às salas lotadas onde dormíamos mal, do chuveiro gelado às animadas músicas no pátio, das rodas de conversa noite adentro aos plantões feitos na paróquia para garantir que nenhum voluntário se deparasse com a igreja fechada ao voltar quase de madrugada: tudo isso contribuiu maravilhosamente para que nos sentíssemos amados e, amparando-nos mutuamente nas dificuldades, pudéssemos depois realizar da melhor forma possível o nosso serviço aos peregrinos do mundo inteiro que fomos ao Rio para ajudar.

Compartilhamos muito mais do que duas semanas longe de casa. Trocamos idéias e experiências, expectativas e frustrações, angústias e alegrias, suor e lágrimas. Compartilhamos as nossas almas, ouso dizer. Almas de pessoas diferentes unidas em torno a um objetivo comum. Almas sedentas por Deus, ainda que tenham ido à Cidade Maravilhosa para transmiti-Lo a outros. Almas que voltaram lavadas para casa, apesar de tudo. E, não poucas vezes, por causa de tudo.

Tenho certeza de que os que depois da JMJ tomaram banhos confortáveis e se deitaram em camas macias lembram-se com carinho da penúria que por duas semanas sofreram. E lembram-se dela assim porque o calor daquela família reunida era mais forte do que o frio carioca, e o encontro aconchegante de irmãos na mesma Fé descansava mais do que era exasperante dormir mal. Falo por mim, mas penso falar por todos: aqueles dias foram maravilhosos. Com todo o frio e o cansaço, as caras amassadas de sono, a coriza e as tosses, as olheiras e os cabelos desgrenhados, a água gelada dos boxes improvisados, as roupas quase fedidas, o descanso noturno entrecortado pelos irmãos que insistiam em não respeitar os horários de silêncio, os trens lotados e as incontáveis horas gastas entre idas e vindas todos os dias: falo por mim, mas penso falar por todos quando digo que não troco isso pelo conforto asséptico e impessoal de um hotel padrão FIFA. Porque conforto é para os fracos, e nós éramos uma infantaria «a serviço do Papa!», como tantas vezes gritamos ao longo desses dias. Muito vivemos e fizemos juntos, e penso que sem a doação generosa de cada um pouco poderia ter sido feito.

A todos e cada um dos meus “magalhães” queridos, mesmo àqueles que eu não tive a oportunidade de conhecer mais profundamente, quero registrar aqui os meus mais sinceros agradecimentos. Obrigado pelo que fizeram para o êxito desta JMJ, e obrigado também pelo que fizeram por mim e por minha família. Que Deus os recompense a todos. Que nós, mesmo que não voltemos a nos reunir como naqueles dias, saibamos nos encontrar em cada Eucaristia; e que o Bom Deus nos permita, um Dia, voltarmos a fazer ecoar em uníssono o nosso brado de amor ao Vigário de Cristo em torno ao qual nos unimos na Cidade Maravilhosa naqueles dias inesquecíveis.

Blog em recesso

Blog temporariamente em recesso, enquanto o seu autor vai à Cidade Maravilhosa encontrar-se com o Papa e com católicos do mundo inteiro que lá estarão por ocasião da Jornada Mundial da Juventude.

Ja no aeroporto. Como de costume, conectividade em viagem é incerta. Previsão de retorno: 31 de julho. Comportem-se sem mim.

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Indulgências para a Jornada Mundial da Juventude

[Foi publicado o decreto com o qual o Papa Francisco concede indulgências para os que participarão – mesmo espiritualmente – da Jornada Mundial da Juventude que acontecerá nas próximas semanas no Rio de Janeiro. O texto latino encontra-se no site da Santa Sé; a tradução para o português abaixo eu encontrei no site da JMJ. Rezemos e aproveitemos estes dons que a Igreja de Cristo nos concede; unamo-nos ao Sucessor de Pedro e ofereçamos a nossa contribuição para o bom êxito deste evento da nossa juventude que tem tanta necessidade de Cristo.]

PAENITENTIARIA APOSTOLICA

D E C R E T U M

quo, occasione “XXVIII Mundialis Iuvenum Diei”
Indulgentiarum conceditur donum

Concede-se o dom das Indulgências por ocasião da “XXVIII” Jornada Mundial das Juventude”, que será celebrada no Rio de Janeiro durante o corrente Ano da Fé.

O Santo Padre Francisco, desejando que os jovens, em união com os fins espirituais do Ano da Fé, convocado pelo Papa Bento XVI, possam obter os frutos esperados de santificação da “XXVIII Jornada Mundial da Juventude, que se celebrará de 22 a 29 do próximo mês de Julho, no Rio de Janeiro, e que terá por tema: “Ide e fazei discípulos por todas as nações (cfr Mt 28, 19)”, na Audiência concedida no passado 3 de Junho ao subscrito Cardeal Penitenciário-mor, manifestando o coração materno da Igreja, do Tesouro das satisfações de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Beatíssima Virgem Maria e de todos os Santos, estabeleceu que todos os jovens e todos os fiéis devidamente preparados pudessem usufruir do dom das Indulgências como determinado:

a.- concede-se a Indulgência plenária, obtenível uma vez por dia mediante as seguintes condições (confissão sacramental, comunhão eucarística e oração segundo as intenções do Sumo Pontífice) e ainda aplicável a modo de sufrágio pela almas dos fiéis defuntos, pelos fiéis verdadeiramente arrependidos e contritos, que devotamente participem nos ritos sagrados e exercícios de piedade que terão lugar no Rio de Janeiro.

Os fiéis legitimamente impedidos, poderão obter a Indulgência plenária desde que, cumprindo as comuns condições espirituais, sacramentais e de oração, com o propósito de filial submissão ao Romano Pontífice, participem espiritualmente nas sagradas funções nos dias determinados, desde que sigam estes ritos e exercícios piedosos enquanto se desenrolam, através da televisão e da rádio ou, sempre que com a devida devoção, através dos novos meios de comunicação social;

b.- concede-se a Indulgência parcial aos fiéis, onde quer que se encontrem durante o mencionado encontro, sempre que, pelo menos com alma contrita, elevem fervorosamente orações a Deus, concluindo com a oração oficial da Jornada Mundial da Juventude, e devotas invocações à Santa Virgem Maria, Rainha do Brasil, sob o título de “Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, bem como aos outros Patronos e Intercessores do mesmo encontro, de modo a que estimulem os jovens a se fortalecerem na fé e a caminharem na santidade.

Para que os fiéis possam mais facilmente participarem destes dons celestes, os sacerdotes, legitimamente aprovados para ouvir confissões sacramentais, com ânimo pronto e generoso se prestem a acolhê-las e proponham aos fiéis orações públicas, pelo bom êxito desta “Jornada Mundial da Juventude”.

O presente Decreto tem validade para este encontro. Não obstante qualquer disposição contrária.

Datum Romae, ex aedibus Paenitentiariae Apostolicae, die XXIV mensis Iunii, anno Incarnationis Dominicae MMXIII, in sollemnitate Sancti Ioannis Baptistae.

Emmanuel S. R. E. Card. Monteiro de Castro
Paenitentiarius Maior

Christophorus Nykiel
Regens

 

Indicações ligeiras: protestos, ATEA e JMJ

– A popularidade de Dilma e o Nordeste. «O Nordeste foi o grande laboratório do populismo do PT. Por meio de programas, como, por exemplo, Bolsa Família, que transfere muito pouco dinheiro para famílias pobres da região. Não houve na região nenhum programa de maciço incentivo à industrialização, a formação de mão de obra qualificada e fatores semelhantes. Com isso, o Nordeste se transformou na grande fonte de votos do PT e dos seus candidatos. Não é de se admirar que na pesquisa apresentada pelo Instituto Datafolha, Dilma tenha 45% das preferências dos votos nessa região».

– Quem paga? «Novo e oportuno exemplo dessa inversão vem agora do sr. Tarso Genro, que atribui a “grupos pagos de extrema direita” as depredações ocorridas em várias cidades do Brasil. Esse grotesco arremedo de intelectual e escritor sabe perfeitamente bem que os atos de violência ocorreram sobretudo nos primeiros dias, quando havia praticamente só radicais de esquerda nas ruas – estes sim, pagos pelo sr. George Soros e pelo Foro de São Paulo –, muito antes de que qualquer cristão, conservador ou patriota fosse “melar”, como disseram os esquerdistas, o tão bem planejadinho tumulto destinado a forçar um “upgrade” do processo revolucionário comunista».

– Vereadores do PT e PSOL pagam fiança em delegacia de Fortaleza para libertar agitadores presos em protesto. «Segundo informa o jornalista Roberto Moreira em seu blog, o vereador petista Ronivaldo Maia disse que o pagamento da fiança que libertou os agitadores, foi em solidariedade aos manifestantes. O parlamentar afirmou que foi acertado que haveria uma cota entre alguns vereadores para reembolsar o que fora pago por ele».

– A ATEA e a apologia ao assassinato de religiosos cristãos. E, por enquanto, ninguém denunciando isso para a Polícia Federal. Será um cristianismo masoquista? «Eles citam a imagem de um personagem que “irá caçar os que produzem a miséria e o atraso, ninguém escapará”. Os dizeres ainda incluem: “Uma nova era começou, e ela veio para ficar.” Tecnicamente, tudo normal, não fosse o fato da ATEA selecionar uma página em específico (e somente essa) onde o tal personagem mata um pastor que também é deputado federal, fazendo clara alusão a Marco Feliciano. No contexto de uma página de disseminação de ódio contra religiosos, fica evidente a mensagem da ATEA: “cristão bom, é cristão morto”».

Sobre as atrações na Jornada Mundial da Juventude. «Como já disse antes não contra que os artistas seculares participem do evento religioso, até acho muito bom para mostrar a todos que é possível viver a fé católica sem estar em um ambiente religioso. Sim, é possível ser ator e ser católico (Jim Caviezel é um exemplo disso), ser cantor e ser católico (Harry Connick Jr. e Elba Ramalho hoje mostram isso), ser advogado e ser católico (eu me incluo nessa), e tantos outros casos. A questão não está na sua atividade profissional ou ambiente, mas em seu testemunho de vida».