Sábado, soledad…

Não existe nenhuma cerimônia litúrgica, dentro do Tríduo Pascal, entre a Celebração da Paixão do Senhor de ontem e a Vigília Pascal de logo mais, à noite; nenhuma celebração se faz durante o dia do Sábado Santo. Julgo eu, para acentuar o caráter de ausência: o Senhor não está conosco, porque – como se grita na Via Sacra de Recife, a de José  Pimentel – “nós silenciamos; nós O condenamos; nós O crucificamos”. O Senhor está morto, e a Sua ausência sente-se tão profundamente no dia de hoje que, na Igreja, nenhuma celebração se faz – e o Sacrário permanece aberto e vazio, e a primeira coisa que se vê quando se entra na igreja é a imagem do Senhor morto aos pés da Virgem Santíssima.

O Senhor está morto, mas Alguém ficou conosco. Alguém Ele deixou no mundo, para que o mundo não caísse no desespero enquanto Ele descia à Mansão dos Mortos. O Senhor está morto, mas Ele quis que restasse, ao mundo, algo de Graça, algo de Luz, enquanto a escuridão do sepulcro envolvia o Seu Corpo Santo. O Senhor está morto, mas a Virgem Santíssima permaneceu conosco.

Ele A deixou conosco! Ontem, aos pés da Cruz, quando disse a Ela: “eis aí o Teu filho”, e ao discípulo amado “eis aí a Tua Mãe”. Daquele momento em diante – conta-nos as Escrituras – o discípulo amado A levou consigo. Nosso Senhor, do alto da Cruz do Calvário, entregou-nos a Sua Mãe Santíssima como nossa mãe. Por qual motivo ser-nos-ia difícil aceitar a vontade d’Aquele que é Rei e Senhor de todas as coisas?

Há uma canção que fala sobre isso: “hoje deixo contigo força e direção: / olha pra Ela e espera por Mim”. E gosto de pensar, como tenho a impressão de já ter dito aqui, que também este cuidado teve Nosso Senhor: o de não deixar os Apóstolos completamente desamparados, nem mesmo durante o curto tempo em que Ele esteve morto. Quis deixá-los a Virgem Santíssima; quis deixar-nos a Sua Mãe como nossa Mãe. Porque sabia que, sem Ela, os Seus discípulos cairiam em desespero.

A leitura da Paixão, de ontem, mostra-nos a Virgem Santíssima “de pé”, junto à Cruz. Não era Ela a única de pé – o Evangelho fala-nos que Maria “de Cléofas” e Maria Madalena também estavam -, mas sempre me pareceu revelador que só as “Marias” tenham permanecido fiéis. Só ficaram aos pés da Cruz aquelas que compartilhavam o nome com a Gloriosa Mãe de Deus. Estariam as outras mulheres junto à Cruz, caso a Virgem Santíssima não lá estivesse? Eu duvido.

Porque o terrível espetáculo de ontem era tremendamente doloroso: é quase possível desculpar a fuga dos demais Apóstolos. Eu arriscaria dizer que permanecer “de pé” junto à Cruz de Nosso Senhor era humanamente impossível: o momento era terrível demais, e a “hora das Trevas” era escura demais para ser suportada por seres humanos pecadores. Acho extremamente eloqüente que os únicos a conseguirem ficar “de pé” junto a Cruz de Nosso Senhor tenham sido, precisamente, aqueles que estavam com Maria Santíssima. Todos os outros fugiram.

E esta passagem bíblica nos ensina que somente se estivermos junto à Virgem Santíssima seremos capazes de permanecer junto a Nosso Senhor. Ao contrário, todos os que não permaneceram com Ela – até mesmo Apóstolos e discípulos próximos – fugiram miseravelmente, por não suportarem o sofrimento do Calvário. Ora, se a Virgem Santíssima foi capaz de sustentar o ânimo dos discípulos durante o momento terrível em que Nosso Senhor era Crucificado… acaso não será também Ela capaz de nos sustentar, de pé, junto ao Seu Divino Filho, em todos os demais momentos de nossas vidas?

O Sábado Santo não possui outras celebrações litúrgicas que não a própria Vigília Pascal; mas no Sábado Santo nós podemos – e devemos! – celebrar os mistérios da Vida de Nosso Senhor por meio da recitação do Rosário. Podemos e devemos aceitar Aquela que Nosso Senhor nos deixou como Mãe. Acheguemo-nos a Ela; se Ela foi capaz de manter a Graça no mundo enquanto o Filho de Deus descia aos Infernos, sem dúvidas será também capaz de manter-nos na Graça e na amizade de Deus, independente das aflições pelas quais estejamos passando. Acheguemo-nos a Ela confiantes. E esperemos, junto a Ela, a Ressurreição do Seu Divino Filho.