Como legalizar o aborto sem mexer na legislação

Dom Benedito Beni, bispo de Lorena, teceu recentemente duras críticas à política (atualmente em curso) de implantação do aborto no Brasil via Poder Executivo. Os protestos do excelentíssimo senhor bispo fazem eco aos anseios dos brasileiros que, desprezados pelos que os governam, muitas vezes não têm sequer conhecimento do avanço da agenda abortista neste país. Alguns se mostram perplexos e outros são mantidos deliberadamente na ignorância: afinal, em tempos de eleições – momentos nos quais os brasileiros estão menos indiferentes à política brasileira – falar de aborto é crime e pode dar cadeia.

Dom Beni recorda que o projeto abortista no Brasil vem de longa data, desde o início dos anos 90, porém constantemente os abortistas se viram derrotados nas votações realizadas pelos legítimos representantes do povo brasileiro, e agora estão criando “atalhos” para lograr o êxito da sua agenda.

A denúncia é verdadeira. Ora, a legislação brasileira a respeito do nascituro (à exceção do infame artigo da Lei de Biossegurança que autoriza a destruição de seres humanos em estágio embrionário para pesquisas científicas) não mudou nos últimos anos; na verdade, os artigos sobre o aborto do Código Penal vigentes nos dias de hoje são os mesmos que foram originalmente sancionados por Getúlio Vargas em 1940. Como é possível, então, que a prática do aborto dito “legal” se tenha expandido tanto uma vez que a legislação sobre o tema permaneceu a mesma?

Infelizmente, existem muitas maneiras de se promover uma prática criminosa ao arrepio da legislação vigente. Basta, p.ex., dar uma de doido e afirmar na cara dura que a Constituição Federal, de fato, não apenas não proíbe como na verdade exige o direito à eliminação de crianças deficientes. Ou exercitar o cinismo em altíssimo grau e dizer que ajudar uma mulher a fazer um aborto é não uma cretina cooperação material com um crime, mas uma maneira perfeitamente legítima – exigível até! – de se melhorar a saúde pública no país. Enquanto isso, o dinheiro dos nossos impostos vai sendo usado para financiar o assassinato de crianças. Também enquanto isso, vai-se anestesiando a consciência dos brasileiros que, de tanto serem expostos à banalização da vida humana, acabam por achar que não vale a pena lutar por ela ou – pior ainda! – que ela é mesmo banal e de fato não merece ser protegida.

Este processo de legalização oblíqua do aborto não é de hoje. Lembro-me de que havia na entrada do site do Pró-Vida de Anápolis um sucinto calendário macabro com datas marcantes do aborto no Brasil; o número delas se multiplicou assustadoramente nos últimos anos e, por isso, o pequeno memorial do pe. Lodi está desatualizado. Mas as que merecem menção até 2005 ainda estão lá:

Quarta-feira, 12 de Setembro de 2012
Hoje faz 5056 dias que o ex-Ministro José Serra assinou a Norma Técnica do Aborto em 9 de novembro de 1998.
Hoje faz 2828 dias que o ex-Ministro Humberto Costa divulgou mais uma Norma Técnica do Aborto em 15 de dezembro de 2004.
Hoje faz 2729 dias dias que o presidente Lula sancionou a Lei de Biossegurança, que permite a destruição de embriões humanos, em 24 de março de 2005.
Hoje faz 2568 dias dias que o Ministro Saraiva Felipe editou a portaria 1508, que oficializou a prática do aborto no SUS, em 1º de setembro de 2005.

Todos esses eventos (com exceção da sanção da Lei de Biossegurança) não foram atos do Poder Legislativo que pudessem modificar a lei brasileira sobre o aborto. Mas foram atos com o objetivo de driblar a legislação vigente e, dando uma de joão-sem-braço, institucionalizar e financiar na prática aquilo que a teoria manda ser combatido.

Ora, quem negasse a enorme contribuição que estes atos de governo deram à causa abortista no Brasil seria ou muito cego ou muito cínico. Donde se demonstra, portanto, quão pertinente é a denúncia de D. Beni à qual fizemos referência no início deste texto. Unamos a nossa voz à dele e, todos juntos, defendamos com vigor a vida daqueles que não têm ainda voz. Urge desmascarar os tiranos sanguinários que têm governado o país nos últimos anos. É fundamental dizer-lhes um sonoro “não” sobre o projeto ideológico assassino que lhes é tão caro. Importa conhecer-lhes as estratégias, para que as possamos mais eficazmente contra-atacar. A própria maneira tortuosa e obscura que eles usam para atingir os seus objetivos revela o quanto eles são vergonhosos e vis. Não tenhamos medo dos que conspiram nas trevas! Este tipo de monstro costuma se desvanecer sozinho tão-logo nós os arrastamos à luz.

Os escombros da ideologia: sobre o abandono das CTEHs

Agradeço ao Alien por me ter mostrado esta auspiciosa notícia: USP vai desenvolver banco de células-tronco [adultas, naturalmente] para pesquisar doenças crônicas e novas drogas. Praticamente quatro anos após o iníquo julgamento do STF que autorizou a destruição de seres humanos em pesquisas científicas (eu já estava aqui), não dá mais para esconder que as tentativas de se encontrar alguma aplicação terapêutica para as células-tronco embrionárias humanas resultaram em um fragoroso fracasso. Como nós dissemos e cansamos de repetir à época, as promessas de revoluções medicinais eram quimeras enganosas (até a dra. Zatz já pulou fora do barco furado que ela se esforçou por vender). Como nós dissemos e nunca deixamos de repetir, o verdadeiro objetivo por detrás da aprovação da lei de Biossegurança era minar a inviolabilidade da vida humana e abrir caminho para a aprovação do aborto.

Desde o surgimento das células-tronco pluripotentes induzidas (iPS) a discussão sobre o uso de embriões para obtenção de células-tronco se tornou anacrônica. A tecnologia já era conhecida quando o STF julgou, em 2008, pela destruição dos embriões humanos criopreservados – o que só vem dar mais um testemunho a respeito do viés político-ideológico (e nada científico) que pautou aquela decisão. Hoje, a debandada dos que apostaram nas CTEHs é geral – mas a que preço? Perdeu-se tempo, energia e dinheiro com pesquisas imorais fadadas ao fracasso. Foi arranhada a proteção jurídica à vida humana, e a rachadura produzida então resultou em consideráveis sangrias futuras – como a recente decisão em favor do aborto de fetos deficientes. Mas, principalmente, incontáveis seres humanos foram destruídos em lamínulas e  placas de Petri, como um holocausto silencioso e invisível oferecido a algum ídolo moderno irracional cuja voracidade é crescente e que, desde então, só faz exigir sacrifícios cada vez maiores. Agora que o monstro está criado não é suficiente criar banco de iPSCs. Os escombros da ideologia falida ainda se fazem presentes, ameaçadores, tornando a caminhada penosa e cheia de perigos. O horror está longe de ter terminado e, a despeito do lampejo de esperança que hoje reluz, é enorme a quantidade de sujeira que ainda precisa ser limpa.