“Miserando atque elegendo” – D. Nuno Brás

[Um leitor de além-mar me enviou estas preciosíssimas palavras de D. Nuno Brás, bispo auxiliar de Lisboa; o texto é tão bom que faço questão de reproduzi-lo aqui na íntegra, com quase nada a acrescentar. Não grifo nada; é um texto curto, que recomendo ser lido na íntegra.

A grande diferença entre o Papa Francisco e seu predecessor é simplesmente essa: Bento XVI nunca gozou do beneplácito da mídia. Isto explica tudo. A propósito, foi o próprio Papa Bento XVI quem, no mês passado, falando sobre o Vaticano II, denunciou a existência de um “Concílio dos meios de comunicação” em oposição ao Concílio verdadeiro, o “Concílio dos Padres”. O exato mesmo processo fraudulento está em curso agora, voltado para os dois últimos Pontífices da Igreja de Cristo. Mas dessa vez os mass-media não têm mais o monopólio dos canais de comunicação: desta vez, na ágora virtual da internet, é possível oferecer-lhes resistência.

Não deixemos que a grande mídia falsifique a realidade mais uma vez. Que a Santíssima Virgem, Nossa Senhora Auxiliadora, ajude-nos nesta luta. Que a verdade possa resplandecer diante do mundo. Que a realidade prevaleça sobre a ideologia.]

“Miserando atque elegendo”

D. Nuno Brás
Voz da Verdade

É óbvio que um novo estilo entrou no Vaticano com a eleição do Papa Francisco. É o estilo próprio de um pastor, que vem de longe, escolhido para suceder ao Apóstolo Pedro. Não é um estilo vazio, simplista, para quem tudo é igual a tudo, e tanto faz escolher o bem e o mal ou, até, não escolher nada.

Muitos têm sido os comentadores que sublinham a diferença deste novo estilo, sobretudo a partir de pequenas coisas: o Papa Francisco foi à Casa do Clero, onde se tinha hospedado, retirou os seus haveres e pagou a conta; mas Bento XVI, no dia seguinte à sua eleição, também foi, sem qualquer aviso prévio, ao apartamento que ocupava em Roma para dali recolher os seus pertences; o Papa Francisco deu uma audiência à Comunicação Social, mas do mesmo modo fez Bento XVI; o Papa Francisco usou um veículo descoberto para entrar na Praça de S. Pedro, o mesmo que o Papa Bento XVI usou, e que só abandonou quando um homem, eludindo a segurança, pôs a sua vida em perigo… Enfim, muitos outros paralelos (mesmo no conteúdo das homilias e discursos) poderíamos encontrar entre o ministério dos dois Papas, e que mais afirmam a continuidade que a rutura.

É claro que, entre as muitas diferenças que existem, uma sobressai: o Papa Bento XVI nunca teve a benevolência dos Meios de Comunicação. Mesmo agora, quando o Papa Francisco se lhe refere, como aconteceu no encontro com os Cardeais (“Dirijo uma saudação cheia de afeto e profunda gratidão ao meu venerado Predecessor Bento XVI que, durante estes anos de Pontificado, enriqueceu e revigorou a Igreja com o seu magistério, a sua bondade, a sua orientação, a sua fé, a sua humildade e a sua mansidão. Estas continuarão a ser um património espiritual para todos”), nada disso transparece nas notícias ou nos comentários.

É por isso que creio andarem enganados todos aqueles que traçam um antes e um depois da eleição do Papa Francisco, ou que julgam que, para ele, tudo lhe será indiferente.

Até agora, os comentadores têm sublinhado apenas a primeira parte do lema que o Santo Padre já tinha assumido como Bispo e que desejou manter no exercício do ministério de Pedro: “Miserando atque eligendo” (com misericórdia, escolheu). A misericórdia não significa indiferença; traz antes consigo uma escolha – a escolha de Deus e por Deus.

Estadão inventa “sentença” do Santo Ofício contra o pe. António Vieira

Há algum tempo eu encontrei numa livraria uma bonita edição dos “Autos do processo de Vieira na Inquisição”. Passei um tempo considerável folheando o livro, que me pareceu interessantíssimo; não o trouxe para casa, contudo, porque a curiosidade histórica não me cabia então no orçamento mensal.

O livro não veio comigo, mas o conteúdo dele sim. O processo contra o pe. António Vieira, eu me lembrava perfeitamente, fora instaurado por conta de uma carta enviada a não-sei-que autoridade oriental, na qual o sacerdote dissertava sobre umas (supostas) profecias de um gajo segundo as quais o rei D. João IV haveria de ressuscitar. Estas referências foram-me suficientes para que eu recuperasse, hoje, a história inteira. Encontrei-a na Revista Semear 2, da Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses. O silogismo brandido pelo pe. António Vieira foi o seguinte:

O Bandarra é verdadeiro profeta; o Bandarra profetizou que El-Rei D. João o quarto há de obrar muitas cousas que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitando: logo, El-Rei D. João o quarto há-de ressuscitar.

Era exatamente isto. Lembrava-me de como me pareceu, à época, que o pe. Vieira estava a troçar dos portugueses, sustentando diante das fuças dos inquisidores um silogismo cuja premissa maior era gigantescamente questionável sem parecer se preocupar muito com esta singular lacuna argumentativa. Cheguei a pensar, a sério, que o interesse do reverendíssimo sacerdote era somente quanto aos aspectos formais da construção silogística, mais ou menos como Chesterton diz que os unicórnios eram importantes para os escolásticos medievais: “se um licorne tem um chifre, então dois deles têm tantos quanto uma vaca”. De qualquer maneira, lembro-me de que este processo do Santo Ofício evoluiu para coisas que faziam muito mais sentido, como a natureza das profecias ou a Revelação: assuntos propriamente teológicos, de leitura deliciosa cuja mera lembrança agora me dá ganas de ter o livro à mão e me faz refletir sobre o porquê de comprarmos livros. Se me é permitida a metáfora, trata-se de um testemunho – dir-se-ia profético! – do valor das estantes repletas…

Mas qual não foi a minha surpresa quando encontrei hoje, na primeira frase desta matéria do Estadão, esta incrível pérola: o pe. António Vieira foi «[c]ondenado pela Inquisição de Coimbra por fazer duras críticas à exploração dos escravos» (!). Como assim?! Não foi este o motivo do seu processo mais conhecido. Semelhante episódio da vida do sacerdote não consta na sua biografia da Wikipedia e nem em nenhuma outra. O próprio conteúdo da acusação é totalmente nonsense e descabido: como se a Igreja condenasse não os que exploravam escravos, mas os que eram contra a escravidão (!). De onde esta informação absurda foi retirada?

Confesso, desconcertado, não fazer idéia. Ou talvez até faça: trata-se aparentemente de mais um exemplar do velho e esclerosado preconceito anti-clerical, desta deficiência intelectual grave que parece ter uma doentia compulsão por dar crédito – ligeiro e leviano – a qualquer bobagem desabonadora que alguém atribua à Igreja Católica. O fenômeno não é novo. Mas encontrá-lo de novo e de novo, em pleno século XXI, é profundamente desanimador. Melhor me seria ler os autos do Santo Ofício! E melhor fariam certos repórteres em ler, senão processos antigos sobre os quais se metem a falar, ao menos os resultados mais relevantes do Google. Assim passariam menos vergonha.

A 13 de Maio, na Cova da Iria…

“A 13 de maio, / na Cova da Iria / no Céu aparece / a Virgem Maria”. Lembro-me desta canção que aprendi quando era pequeno. E me lembro, hoje, qual não foi a surpresa quando, em Fátima pela primeira vez, descobri que os sinos da Basílica dobram com esta música. Música da minha infância. Mesmo estando separado de Recife por um oceano inteiro, eu me sentia em casa. Eu estava em casa.

Hoje é treze de maio, hoje é dia de Nossa Senhora de Fátima. Bem queria estar acompanhando a visita do Vigário de Cristo à terra onde apareceu a Virgem Mãe de Deus! Quereria estar em Fátima, hoje, mas o Atlântico se interpõe entre mim e o objeto da minha vontade. Daqui, rezo uma ave-maria; cantando a música que aprendi quando criança e que ouvi quando estava longe da terra natal, aos pés da Virgem.

Que a Virgem de Fátima possa proteger Portugal – esta terra onde, como Ela própria disse, “sempre se conservará o dogma da Fé”. Portugal ameaçado pelo secularismo; ontem mesmo, comentei aqui sobre a campanha da Associação Ateísta Portuguesa, segundo a qual somente 18% dos portugueses eram católicos praticantes e, por isso, nada justificava as “benesses” estatais concedidas por ocasião da visita do Vigário de Cristo a Portugal. Pois bem, eis a resposta: meio milhão de pessoas na missa do Papa em Fátima, quase a população de Lisboa inteira.

Que a Virgem de Fátima possa proteger o Papa! No segredo confiado aos três pastorinhos, esta Boa Senhora mostrou-lhes o Santo Padre, que “atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho”. Não consigo deixar de ver esta cidade em ruínas como sendo uma figura da sociedade atual; e o “martírio” que, na minha opinião, mais se aproxima da linguagem empregada em Fátima é o martírio atual de Bento XVI.

E que a Virgem de Fátima possa proteger a Igreja; Aquela que prometeu que, no final, Seu Imaculado Coração triunfaria, possa sustentar a esperança de tantos quanto hoje sofrem, vendo a triste situação do mundo e da Igreja. Eu queria estar em Fátima hoje; mas, cantando a música que aprendi quando criança, percebo de repente – como percebi no além-mar – que o Atlântico é pequeno e não me pode impôr limites. Posso entrar em uma igreja, em qualquer lugar, e rezar à Virgem de Fátima pelas intenções do Sumo Pontífice – e, então, graças ao mistério da comunhão dos santos e aos liames que unem sobrenaturalmente todos os membros da Igreja, estou aos pés de Cristo, estou aos pés da Virgem, estou aos pés do Papa.

Rezemos pelo Papa, pela Igreja, pelo mundo. Que os méritos da Virgem de Fátima possam vir em nosso socorro. Que Aquela que venceu sozinha as heresias do mundo inteiro possa nos proteger. Que triunfe – depressa – o Imaculado Coração da Virgem.

Comunicado do Cardeal Patriarca de Lisboa

Fonte: belezaalma.blogspot.com

Comunicado do Cardeal Patriarca de Lisboa

Nos últimos dias fui surpreendido com a avalanche de notícias sobre as implicações dos cuidados de prevenção contra o vírus H1N1 (Gripe A), nas assembleias litúrgicas e nos actos de culto católico. Compreende-se que a Comissão Nacional da Pastoral da Saúde queira colaborar, dando conselhos e orientações úteis para a colaboração dos cristãos no esforço nacional de prevenção. Mas não lhe compete alterar ritos nem dar normas de alterações das regras da Liturgia. Neste contexto, como Bispo Diocesano, dou as seguintes orientações pastorais:

1. Devemos colaborar, no âmbito da nossa missão, com o esforço nacional de prevenção, sobretudo ajudando a criar uma mentalidade de cuidados específicos e de respeito pelos outros.

2. As orientações da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde que, como foi anunciado, vão ser enviadas às Paróquias, devem ser consideradas simples sugestões e não normas decididas pela autoridade eclesiástica.

3. No momento actual do processo, considero não haver ainda necessidade de alterar regras litúrgicas e modos de celebrar. A Liturgia se for celebrada com qualidade e rigor, garante, ela própria, os cuidados necessários. É o caso, por exemplo, da saudação da paz que se for feita com a qualidade litúrgica, não constitui, normalmente, um risco acrescido.

4. Na actual disciplina litúrgica, os fiéis podem optar por receber a sagrada comunhão na mão. Mas não podem ser forçados a fazê-lo. Se houver cuidado do ministro que distribui a comunhão e de quem a recebe, mais uma vez fazendo as coisas com dignidade, a comunhão pode ser distribuída na boca sem haver contacto físico.

5. Se as condições da “pandemia” se agravarem, poderemos estudar novas atitudes concretas, na instância canónica própria a quem compete decisões dessa natureza: o Bispo Diocesano, na sua Diocese, a Conferência Episcopal Portuguesa para todo o País, sempre em diálogo com o Santo Padre e os respectivos serviços da Santa Sé.

Lisboa, 17 de Julho de 2009

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Santo António de Pádua

[Excerto de sermão de Santo António de Pádua, “O Bom Cristão segue o exemplo das abelhas”]

Lê-se na história natural que as abelhas pequeninas trabalham sem descanso. Têm asas fininhas e são de cores mais escuras, como se fossem queimadas.

Abelhas pequenas são os bons cristãos sem pretensões que só se ocupam de boas e úteis obras, de forma que o diabo não os encontra nunca de mãos vazias ou desocupadas.

Têm asas finas, isto é, desprezam as vaidades e os prazeres do mundo e se inflamam de amor pelo Reino Celestial. Com essas asas sobem alto, voando livres no ar puro, com o coração fixo na Glória de Deus.

As abelhas trabalhadeiras são de cor escura, como se fossem queimadas. A respeito disto, a alma cristã exclama no Cântico dos Cânticos (1.5-6): “Sou morena, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, sou como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão. Não repareis na minha tez morena, pois foi o sol que me queimou!” Oh! anjos do céu, oh! almas santas, sou morena porque as abstinências, os jejuns, as vigílias e outras penitências me tomaram assim. Porém, sou bela na alma pela pureza da mente e pela integridade da fé. Sou morena como as tendas de Cedar, que quer dizer nômade; habito de fato em tendas móveis que se transportam de um lugar para o outro, das quais os soldados atacam ou nas quais são atacados, “porque não temos aqui embaixo nenhuma cidade permanente, andamos em busca da que há de vir” (Hb 13,14).

Não deis importância ao fato de eu ser morena, pois sou morena porque o sol me queimou. O sol em eclipse descora todas as coisas. Assim Jesus Cristo, o verdadeiro sol, “que conheceu seu ocaso” (SI 103,19) quando na cruz padeceu o eclipse da morte, deixou a atração das vaidades, as falsas glórias, todas as honras mundanas.

Por isso, a alma cristã pode afirmar com razão: “Sim, sou morena, minha pele é escura, o sol me queimou”. Enquanto, com efeito, com os olhos da fé eu contemplo a meu Deus, meu esposo, meu Jesus, pregado na cruz, atravessado por cravos, alimentado com fel e vinagre, e coroado de espinhos, toda a beleza, toda a glória, toda a honra, toda a pompa mundana empalidece a meus olhos e perde todo o valor… Eis aqui, estas são as abelhas pequenas e escuras, como se fossem queimadas. Assim pensam e atuam os verdadeiros cristãos.

Abelhas de bela aparência são ao contrário todos os cristãos inautênticos e todos os que não sabem fazer outra coisa senão agitar aos quatro ventos as falsas credenciais de sua falsa honestidade e bondade, enquanto na realidade são somente sepulcros, de aparência bela e solene, porém cheios por dentro de podridão e ossos ressequidos…

* * *

[Trecho de Biografia de Santo António de Pádua]

Na solidão do claustro, Santo Antônio entregou-se com empenho à oração e ao estudo. Aprofundou-se na doutrina do grande doutor da igreja, santo Agostinho, e começou a saborear a doçura e a suavidade do Senhor. Dedicou sua aguda inteligência a conhecer mais profundamente as Sagradas Escrituras, que, sendo livros inspirados por Deus, contêm, “a plenitude da sabedoria”- expressão muito usual entre os mestres de teologia da Idade Média. Vale destacar que, na leitura dos Santos Padres da Igreja, guardava na memória tudo o que lia, levantando a admiração dos monges que o cercavam. Os anos que permaneceu em Coimbra foram determinantes para o conhecimento das ciências sagradas. Entretanto, esses progressos eram mais frutos da graça de Deus e de seu esforço pessoal do que do ambiente monacal e do trabalho dos mestres competentes, pois naqueles anos os monges do mosteiros estavam envolvidos nas intrigas políticas de seu país, muito nefastas e cruéis. Foi chamado “arca do Testamento” pelo Papa Gregório IX e Tomás de Vercelli, por causa de seu método de exegese e também “Martelo dos hereges”. Foi considerado exímio teólogo, peritíssimo exegeta e perfeito frade menor, porque num tempo de grave crise da Ordem, fez da pregação como que uma cátedra itinerante, considerando-a como uma lição de teologia.

Passava muitos dias em meditação e oração e enquanto rezava em um desses eremitérios, recebeu a visita do Menino Jesus. Em razão dessa aparição, Santo Antônio é representado carregando o Menino Jesus nos braços. O lírio que aparece nos braços ou nos pés, é o símbolo da pureza. A sua mensagem de fé e de amor para com Deus e a sua caridade para com os pobres continuam atuais. Sal da terra e luz do mundo, Santo Antônio é tão procurado pelas pessoas que se tornou um dos santos mais populares do mundo.

* * *

[Trecho de mais um texto sobre Santo António]

Segundo alguns de seus biógrafos, na adolescência Fernando foi acometido por violenta tentação contra a pureza. Para aplacá-la, estando na catedral, o jovem traçou uma cruz com os dedos, numa coluna de mármore, ficando nela impressa como em cera. Avaliando nessa ocasião os perigos que corria, o adolescente quis entrar para o mosteiro de São Vicente de Fora, dos Clérigos Regulares de Santo Agostinho, nos arredores da capital portuguesa, quando contava 19 anos de idade.

[…]

Um dos milagres mais conhecidos de Santo Antonio foi sua pregação aos peixes. Em Rimini, durante seu sermão, o povo se mantinha indiferente. Abandonando seus ouvintes, foi pregar à beira-mar. Milhares de peixes de vários tipos e tamanhos puseram a cabeça fora da água para ouvir o santo, que tinha sido seguido pela população da cidade, testemunha do milagre.

Santo Antonio foi cognominado “Martelo dos Hereges”, porque a heresia não teve inimigo mais formidável. Sua mais antiga biografia, conhecida pelo nome de Assídua, relata: “Dia e noite tinha discussões com os hereges; expunha-lhes com grande clareza o dogma católico; refutava vitoriosamente os preceitos deles, revelando em tudo ciência admirável e força suave de persuasão que penetrava a alma dos seus contrários”.

* * *

Santo António de Pádua,
rogai por nós!

“Lisboa amanhece”

[Publico um texto do João Pereira Coutinho, que um amigo fez a gentileza de me enviar por email – acredito que só esteja disponível na internet para assinantes – e que é muito valioso. A despeito do tom debochado do articulista em alguns trechos, ele evoca um misto de nostalgia e de tristeza, de admiração e de frustração: salta aos olhos na leitura do texto a enorme quantidade de coisas que foram perdidas no intervalo de uma geração, a ponto do Coutinho precisar dizer que a sua infância – o tempo onde a Semana Santa era vivida realmente em Portugal – é um “território distante”.

O quanto distante? Quinze anos, vinte, trinta anos? Como o meu amigo que enviou-me o texto, não sei a idade do Coutinho. Mas não pode ser muito mais do que isso, e é de se espantar que, em tão pouco tempo, tanto de costumes e de tradições tenha sido perdido! A narrativa que faz o autor da Semana Santa da sua infância contrasta fortemente com a última frase do artigo: “uma cadência de festa que anuncia a ressurreição de Cristo a homens que dormem”. Cristo ressuscita, e ninguém parece se importar: os homens dormem. É triste, muito triste. Que Nossa Senhora de Fátima Se compadeça de Portugal, e que Deus tenha misericórdia de nós todos.]

Lisboa amanhece

A minha infância é um território distante. E os rostos desse passado são apenas memórias

ESCREVO NO domingo de Páscoa, minutos depois de perder o compasso. Adormeci. Quando acordei, o compasso já tinha passado.

Não sei se os brasileiros conhecem o termo. “Compasso”. A simples palavra evoca uma infância inteira sob educação católica no Portugal do pós-25 de Abril. O compasso era o momento em que um padre e quatro ou cinco ajudantes entravam nas casas da cidade, anunciando que Jesus ressuscitara.

Lembro-me: acordava cedo, vestia-me, esperava. E quando se ouvia um sino nas proximidades, a casa vestia-se com flores à porta. O compasso chegava. A família, então alargada a primos, avós e tios, recebia o grupo e beijava o corpo de Cristo na cruz. Eu, hipocondríaco desde tenra idade, sempre alimentei reservas sanitárias sobre o ato. E se aquilo transmitisse doenças? E quantas bocas já tinham beijado Jesus? E se a nossa vizinha, uma repugnante dona Mafalda (com bigode), beijara o crucifixo antes de mim?

Cheguei a partilhar estas inquietações heréticas com o meu avô, e ele, um liberal com humor intocável, dizia que a ideia era inconcebível porque o corpo de Cristo fazia milagres e exterminava qualquer doença.

A tese nunca me convenceu. Procurei, como sempre procuro, uma segunda opinião. Falei com a minha tia Estefânia, mulher devota, e disse que só beijaria Jesus se o padre usasse crucifixos descartáveis e rigorosamente esterilizados. Pobre tia. Foi a primeira vez que vi alguém desmaiar à minha frente.

Mas a Páscoa não era apenas o compasso. A Páscoa começava na Quarta-Feira de Cinzas, depois do Carnaval. Todas as sextas eram dias de jejum. Não de jejum em sentido rigoroso. Apenas em sentido lato: nenhuma carne. Só peixe. E ovos?

Iniciava-se novo debate teológico na família. A tia Estefânia dizia que os ovos estavam rigorosamente excluídos. “A galinha nasce do ovo”, dizia ela, benzendo-se. “Galinha é carne, menino.” O meu avô, sempre ele, entrava em cena e disc ordava. “É precisamente o contrário: o ovo é que nasce da galinha”. O concílio durava algumas horas: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Chegava-se a um consenso: eu poderia comer a clara, mas não a gema. Ou vice-versa, não sei bem.

E eu comia. Clara, gema. E, às vezes, por esquecimento, uma fatia de presunto ao lanche. Mastigava tudo. E quando me lembrava da transgressão, fazia-se um nó no estômago e eu corria em busca de absolvição. Na pessoa do meu avô, claro. Ele ouvia tudo e, quase sem disfarçar o riso, perguntava: “Mas esse presunto tinha sabor a peixe, certo?” Eu, de tão confuso, dizia que sim. Ele declarava-me absolvido e eu regressava, de cabeça limpa, às brincadeiras do pátio.

Que terminavam na Sexta-Feira Santa. Dia sério. Na rádio, música fúnebre de manhã à noite: a marcha de Chopin, o “Réquiem” de Mozart, as sete últimas palavras de Cristo, por Haydn. A televisão acompanhava o espírito e aparecia inundada com filmes bíblicos que eu via e revia com reverência cinéfila. Um “biopic” de Franco Zefirelli, “Jesus de Nazaré”, iniciava as hostilidades todos os anos. Seguiam-se “Os Dez Mandamentos” e o monumental “Ben-Hur”, com sua corrida de bigas. Charlton Heston, para mim, não era ator. Era santo.

E, às três da tarde, um minuto de silêncio. Na rádio. Na televisão. Em casa. No mundo. Tudo parava. Jesus morria na Cruz, dizia-se. O tempo do verbo era tudo: “morria”, não “morreu”. Era presente, não passado. Era notícia, não história. Naquele momento, no Gólgota revisitado, Jesus entregava-se, uma vez mais, nas mãos do Pai para remissão de todos os pecados. E quando eu levantava nova questão teológica (“Mas Jesus está sempre a morrer e a viver como os vampiros?”), nem o meu avô me salvava de um tapa.

A minha infância é um território distante. E os rostos desse passado são apenas memórias felizes. Memórias que serão rapidamente esquecidas na sucessão dos meus dias. Mas não já, não agora. Agora, domingo de Páscoa, há apenas saudade, essa palavra sem tradução exata que os portugueses inventaram para dar nome a uma tristeza sem nome.

Levanto-me da cama, abro a janela e saio para o balcão. Lisboa amanhece. Um dia cinzento e frio, com chuva pequena, quase de choro. Ao fundo da rua, vislumbro o compasso: quatro figuras indiferentemente vestidas, que passam por portas indiferentemente fechadas. Não há crentes no bairro. Só o sino é o mesmo: uma cadência de festa que anuncia a ressurreição de Cristo a homens que dormem.

“Célula embrionária é para fazer bebê”

Milagres acontecem: o Jornal do Commercio publicou uma excelente reportagem sobre um neurocirurgião português, falando sobre células-tronco. Excerto:

Para ele [o neurocirurgião português Carlos Lima, do Hospital de Egas Moniz, em Lisboa], não se investe mais em células-tronco adultas porque não se pode patenteá-las. “Grupos econômicos fazem toda essa publicidade em torno de células embrionárias, que na minha opinião nunca vão funcionar. A natureza não faz células embrionárias para reparar o corpo, mas para fazer bebês.

O especialista explica que existem células com a potencialidade das embrionárias, como as do nariz, que não só fazem neurônio, mas fazem fígado, sangue ou pâncreas. “Querem continuar a gastar tempo, dinheiro e energia, causando sofrimento ao paciente, por uma única razão: célula da mucosa olfativa não tem patente. Do ponto de vista financeiro, não traz benefício”, disse o neurocirurgião.

Enquanto isso, o Brasil continua na contramão do progresso científico! Às custas de vidas humanas; e sob os rótulos odiosos atribuídos à Igreja…

Curtas de fim de sexta

– Os militantes ateístas norte-americanos queriam retirar, do juramento de posse que as autoridades fazem ao assumir cargos de Governo, a referência a Deus. Se tivessem sucesso, “quando Barack Obama assumi[sse] o cargo, no próximo dia 20, talvez ele não [pudesse] repetir a expressão “So help me God” (algo como “E que Deus me ajude!”) que sempre conclui o juramento formal da posse dos presidentes dos EUA”. Mas não tiveram. Deo Gratias! O juiz Reggie Walton não acatou o pedido dos que queriam impôr o seu ateísmo particular ao país inteiro. Obama deve pedir que Deus o ajude; rezemos para que Deus o escute mesmo, pois o país vai precisar como nunca.

– O Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom José Policarpo, deu um conselho às jovens portuguesas para que pensassem duas vezes antes de casar com um muçulmano. “Questionado por Fátima Campos Ferreira se não estava a ser intolerante perante a questão do casamento das jovens com muçulmanos, D. José Policarpo disse que não” – excelente! Respeito, sim; conluio promíscuo, jamais. Dialogar, sim; capitular, não. Conversar para converter, não para perder a Fé sem a qual é impossível agradar a Deus. A propósito do tema, vale muitíssimo a pena ler a história dos Mártires de Marrocos: Aí [em Sevilha] ficaram uma semana, finda a qual foram à mesquita, precisamente no dia em que os mouros festejavam Maomé e começaram a pregar a doutrina de Jesus e denunciando que o profeta Maomé não passava de uma idolatria. Corridos à pancada para fora da mesquita, passaram a Marrocos, onde começam a percorrer as ruas pregando o nome de Jesus e, quando vêem aproximar-se o Miramolim Aboidil, com mais ânimo continuaram a proclamar a mensagem cristã. O Miramolim mandou-os prender e ficaram numas masmorras vinte dias sem comer nem beber. (…) Com a sua ira no limite, o miramolim pegou na sua cimitarra a acabou com a vida daqueles cinco frades, rachando-lhes o crânio ao meio e depois decepando-lhes as cabeças. Era o ano de 1220. Cedo acabou a tarefa missionária daqueles cinco frades, mas a sua voz continua a ecoar por toda a terra e a sua mensagem até aos confins do mundo.

– Notícia de ZENIT: é a família que deve educar a sexualidade dos filhos. Não tem, portanto, nenhum direito o Estado de impôr a sua visão distorcida e depravada da sexualidade em pseudo-aulas de (des)educação sexual. Ao contrário, “[o]s pais têm «a obrigação moral de educar a pessoa em sua masculinidade e feminilidade, em sua dimensão afetiva e de relação: educar a sexualidade como dom de si mesmos no amor, esse amor verdadeiro que sabe custodiar a vida»”.

– Para vergonha nacional, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio político a Cesare Battisti, um assassino italiano condenado por quatro homicídios – comentou o Reinaldo Azevedo. “Eis aí: o ministro que pretende rever a Lei da Anistia no Brasil transformou o estado italiano numa ditadura que persegue pessoas. E o faz para defender um assassino condenado, em duas sentenças, à prisão perpétua. Mas Tarso, claro, além de poeta, é também um humanista de mão cheia”. O professor Orlando Fedeli fez um comentário muitíssimo oportuno sobre o tema:

Tarso Genro, muito originalmente negou a extradição e colocou o assassino, que estava preso em Brasília, em liberdade, pretextando dúvida sobre a Justiça italiana, e alegando que é tradição brasileira sempre dar asilo político a quem o pede.

Essa decisão do ex-porta voz do partido Revolucionário Comunista a favor do Proletário Comunista Armado Cesare Bettisti, causou escândalo.

Pois não foi esse o critério aplicado pelo governo petista quando dois pugilistas cubanos—que não haviam matado ninguém–, fugiram de uma delegação esportiva e pediram asilo ao Brasil. Nesse caso, a ju[s]tiça petista foi célere: despachou imediatamente os dois pugilistas cubanos diretamente para as masmorras do comunista Fidel Castro.

Dois pesos e duas medidas.

Touchè.