Os milagres e o Deus das lacunas

Está muito bom este recente artigo de D. Fernando Rifan sobre milagres, que foi reproduzido pelo Tubo de Ensaio. Falando mais especificamente sobre o Santuário de Lourdes, o bispo da Administração Apostólica São João Maria Vianney nos dá esta informação:

Notícia deste mês: uma religiosa italiana, irmã Luigina Traverso, que sofria de paralisia ciática meningocele lombar, foi curada “miraculosamente” em Lourdes, na França, “por intervenção extraordinária de Deus obtida pela intercessão de Nossa Senhora”, conforme reconheceu, no dia 11 de outubro passado, dom Alceste Catella, bispo de Casale Monferrato, diocese italiana onde reside a religiosa. Esta foi a 68.ª cura “sem explicação” de Lourdes oficialmente reconhecida. O bispo da diocese de Tarbes e Lourdes, dom Nicolas Brouwet, assim como o dr. Alessandro de Franciscis, presidente do Bureau des Constatations Médicales de Lourdes, apresentaram os fatos em uma conferência de imprensa no último dia 12 de outubro.

Este Bureau des Constatations Médicales de Lourdes é o órgão do santuário responsável pela investigação dos (em princípio, alegados) milagres que ocorrem no lugar onde Nossa Senhora apareceu a Santa Bernadette. Fazem parte dele «médicos de todos os credos religiosos, inclusive ateus, e os documentos ficam à disposição dos especialistas de qualquer parte do mundo», e os seus procedimentos são explicados sucintamente por D. Rifan em seu artigo.

“Milagres”, na definição tradicional, são os fatos supra, praeter vel contra naturam: “acima, diferentes ou contrários à natureza”. Na Summa (Summa Ia, q.105, a7, Resp.), Santo Tomás ensina mais simplesmente que milagres são «aquelas coisas que são feitas por Deus fora da ordem das causas conhecidas por nós». O Aquinate nos lembra também na mesma Summa que as coisas realizadas por causas naturais, por prodigiosas que sejam, não podem – por definição – ser consideradas milagres.

A questão que obviamente se coloca aqui é: como distinguir entre uma causa superior à natureza e uma simples causa natural desconhecida? Como eu sei se aquela paralisia foi curada por ação direta de Deus sem o intermédio de causas segundas ou se, ao contrário, houve alguma singular confluência de causas naturais desconhecidas que culminaram na reversão da paralisia? É sem dúvidas possível à inteligência humana conhecer em certa medida a natureza das coisas criadas, mas é impossível esgotá-la. Não importa o quanto se acumule o conhecimento humano, sempre haverá a possibilidade de nos depararmos com algum fenômeno desconhecido. E um fato raro, que nos provoque admiração, não necessariamente é um fato cujas causas se encontrem para além das virtudes próprias da natureza. Como evitar, assim, que a investigação acerca da ação de Deus no mundo termine num simples argumentum ad ignorantiam, que degenere num apelo ao “Deus das lacunas”?

Não me parece que haja uma resposta definitiva para este problema, senão “apenas” provável. Esta investigação é, portanto, de ordem metafísica e não empírica – esta última presta tão-somente um suporte à razão humana no sentido de fornecer certeza moral para a exclusão de causas naturais na explicação do fenômeno; por isso a necessidade de contar com homens de saber de todos os credos, por isso a necessidade do longo transcurso de tempo antes de que seja dada uma resposta a cada questão concreta apresentada.

Do ponto de vista dos fins concretos para os quais se presta a verificação dos milagres – a beatificação e canonização dos servos de Deus -, esta resposta é suficiente. Afinal de contas, as causas segundas estão sob o império da soberana Providência de Deus e, se Ele permitiu a ocorrência de um fato natural extraordinário precisamente nas circunstâncias em que os Seus filhos estavam rezando e pedindo por um sinal dos Céus, pode-se sem sombra de dúvidas considerar o sinal como concedido, ainda que não se trate de um milagre strictu sensu. Num processo de canonização, esgotadas as diligências humanas para fornecer uma explicação natural para o fenômeno, pode-se certamente considerar ser vontade de Deus que aquele fenômeno seja considerado miraculoso para os fins almejados.

E do ponto de vista dos céticos? Bom, como eu já escrevi aqui há alguns anos, os que partem do pressuposto a priori de que Deus não existe sempre poderão «sacar a capacidade regenerativa do rabo da lagartixa para explicar uma cura de amputação, e uma catalepsia prolongada associada a uma raríssima mutação hibernativa para explicar um morto de quinze anos que retornasse à vida», coisa que certamente não pode ser considerada a posição mais racional do mundo. Mesmo diante do fracasso absoluto da caça aos falsos milagres, os céticos sempre poderão se aferrar a uma “Ciência das lacunas” e fazer o seu ato de fé na capacidade explicativa universal da Ciência. Mas entre este fideísmo pueril e a sensatez da Igreja Católica, eu fico com esta última, obrigado. E, em defesa da nossa posição, basta dizer – como diz D. Rifan no encerramento do seu artigo – que a Igreja leva tão a sério as Suas investigações sobre milagres que «Se mostra, nesses casos, mais rigorosa do que a própria medicina».

Que soy era Immaculada Councepciou

Hoje é 11 de fevereiro, festa de Nossa Senhora de Lourdes. Uma das mais importantes aparições da Virgem Santíssima. Em Lourdes, Maria Santíssima apresentou-se a Santa Bernadette como sendo “a Imaculada Conceição” – e este, a propósito, foi um dos critérios importantes para o reconhecimento da autenticidade das aparições, uma vez que o dogma era recém-proclamado.

Falou-lhe no dialeto local – que soy era Immaculada Councepciou -, e isso é interessante. Lembro-me de ter lido, infelizmente não lembro onde, algum texto sobre os interrogatórios aos quais foi submetida a jovem Bernadette. Quando questionada sobre se a Virgem Santíssima havia lhe falado em francês, a garota retrucou com uma simplicidade celeste: “claro que não! Por acaso eu entendo francês?”.

A Virgem Santíssima falou em dialeto! Falou mistérios teológicos da mais alta importância a uma garota simples e sem cultura, mas falou-lhe na língua dela. Como não se admirar diante desta Mulher para a qual as barreiras culturais e sociais não significam absolutamente nada? É nossa Mãe, e fala-nos na língua materna. N’Ela, podemos confiar.

Mas falou em dialeto sobre o dogma recém-proclamado. Falando em Lourdes, apontava para Roma. Não Se preocupou com o fato de que Santa Bernadette não entenderia nada; falou-lhe, mesmo assim. Ao contrário do que apregoam muitos dos nossos dias, Ela não Se limitou aos estreitos horizontes da vila no sul da França na qual vivia uma pobre garota. Foi até Bernadette, mas não para mantê-la no mundo; ao contrário, para afastá-la do mundo. Revelou-lhe mistérios profundos. Ordenou penitências rigorosas. Transformou a jovem em uma santa.

Descer até o mundo para elevá-lo – como não pensar no Mistério da Encarnação diante disso? Tornar-Se humano para tornar-nos partícipes da natureza divina, é o que fez Nosso Senhor. E gosto de ver uma paráfrase disso, em Lourdes, como se a própria aparição fosse uma figura do mistério da Redenção, onde o dialeto vulgar usado como “receptáculo” para a expressão do dogma faz as vezes do mundo decaído que recebe a graça do Onipotente.

E é isso o que Ele faz todos os dias com nossas fraquezas: vem até elas, vem-nos apesar delas, mas não para manter-nos nelas. O mundo que foi visitado pelo Onipotente não continuou o mesmo; a jovem de Lourdes que foi visitada pela Virgem não continuou a mesma. Que Ela nos visite também a nós. Falando-nos em dialeto, falando-nos com nossas limitações e apesar delas, mas conduzindo-nos para além delas. Para o alto, para o dogma, para a Fé, sem a qual é impossível agradar a Deus. Que a Virgem Imaculada, particularmente na Sua festa hoje comemorada em toda a Igreja, possa interceder por nós.

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Ver também:

Lourdes Medical Bureau, a equipe médica oficial do Santuário de Lourdes responsável por averiguar as curas miraculosas que lá acontecem.

El mensaje de Lourdes, um texto em espanhol com um resumo das aparições.

– A história de todas as aparições no site da Associação Devotos de Fátima.

As aparições de Lourdes e a mediação universal de Nossa Senhora, por Plínio Corrêa de Oliveira.

Possível milagre em Lourdes

Nós não precisamos de milagres. A Fé Católica já está selada com eles. Segundo a clássica argumentação de Santo Tomás de Aquino, no início do Cristianismo, os povos pagãos abraçaram com entusiasmo a Fé Católica, abandonando rapidamente as falsas religiões seguidas pelos seus antepassados. Ora, ou estes se converteram por terem visto milagres, ou se converteram sem os ter visto, e tertium non datur. No primeiro caso, eis aí os milagres que legitimam a Fé; no segundo caso, seria um verdadeiro milagre que os homens tivessem abandonado as suas tradições familiares sem motivos. Deves te dar por vencido.

No entanto, Deus ainda realiza milagres. Mesmo neste século sem Fé. E talvez tenha realizado um em Lourdes. Em uma dona de casa chamada Antonia Raco. “A doença [esclerose lateral amiotrófica – neurodegenerativa progressiva e fatal] foi diagnosticada em 2004 e desde 2006 já não caminhava mais. Porém, no dia 5 de agosto, voltando de Lourdes, retomou todas atividades normais que a doença lhe impedia realizar”. Segundo o neurologista que cuidava da senhora, “[é] uma doença que pode diminuir de velocidade e, no máximo parar, mas não acreditamos possível que melhore, porque atinge os neurônios irreversivelmente”.

Acessem o link, vejam as fotos e o vídeo. Não precisamos de milagres, mas Deus às vezes digna-Se conceder-nos um. Talvez em Lourdes, por intercessão da Virgem lá aparecida. Ad Majorem Dei Gloriam.

Viagem do Papa à França

Começou hoje a primeira viagem apostólica do Papa Bento XVI à França. O Sumo Pontífice visitará a terra banhada pelo Reno (e pelo sangue dos católicos durante a Revolução de 1789…) de 12 a 15 de setembro, por causa do sesquicentenário das aparições de Nossa Senhora de Lourdes.

O Missal disponibilizado no site do Vaticano para esta viagem tem quase duzentas páginas. Cânticos em francês e em gregoriano, leituras da Bíblia em alemão, preces em português, árabe, em uma língua africana, polonês, chinês. Nas missas em Lourdes, cânon em latim. A de 15 de setembro, cânon romano. E um apêndice com algumas orações em latim e em francês. Très bien.

Não li nenhuma das mensagens do Santo Padre, pois até agora só as encontrei em Francês. Entretanto, li n’O GLOBO que o Papa pediu para que a França “cultive Deus na sociedade”:

– É importante nos tornarmos mais atentos quanto ao papel insubstituível da religião para a formação da consciência e a criação de um consenso étnico básico com a sociedade – disse o papa em francês fluente.

Os franceses gostam do Papa, segundo a Agência Ecclesia:

Mais de metade dos franceses têm opinião positiva do Papa Bento XVI, segundo uma sondagem de opinião levada a cabo pelo jornal “Le Parisien”.

A sondagem revela que 53% dos franceses em geral partilham desta opinião, um número que sobe para 65% entre aqueles que se declaram católicos. 53% dos católicos e 47% do geral definem o Papa como carismático.

A Rádio Vaticano noticiou o que aconteceu durante o vôo:

Respondendo a outro jornalista, que lhe perguntou sobre o motu proprio, que permite celebrar a Missa em latim, como um passo atrás ao Concílio, o Santo Padre respondeu: “É claro que a Liturgia conciliar renovada é aquela ordinária para a Igreja. O motu proprio é simplesmente um ato de tolerância pastoral para com as pessoas que receberam formação no período pré-conciliar. Portanto, é absolutamente infundado – concluiu – o fato de a liturgia em latim ser um retrocesso na Igreja”.

Rezemos pelo Sucessor de Pedro, Doce Cristo na Terra, para que a viagem possa ser proveitosa, e para que o Sando Padre, aos pés da Virgem de Lourdes, obtenha muitas graças para a Igreja.