Bote Fé Recife: Salve, ó Cruz! Vinde, Vigário de Cristo! #JMJ2013EuApoio

E, em plena segunda-feira, o Ícone de Nossa Senhora e a Cruz da Jornada Mundial da Juventude chegaram a Recife. Em plena segunda-feira, após o trabalho, mandei-me para o Marco Zero; não pude ver a chegada da Cruz e nem a Missa (que foram de tarde), nem a procissão dos símbolos da JMJ saindo da igreja do Nóbrega até a Madre de Deus (idem). Cheguei somente a tempo de ver os shows na grande praça. As pessoas estavam lá, pelo que eu entendi, desde as três horas da tarde; no entanto, estavam ainda cheias de energia. Eram onze horas da noite e era uma segunda-feira: a juventude do Papa, não obstante, estava lá, e estava firme, e estava forte.

Sim, eu sei, não é um evento de aprofundamento catequético e nem de exercícios inacianos de espiritualidade. Eu sei, não tem nada a ver com isso, porque o objetivo aqui é outro totalmente diferente: é mostrar número e força, é um evento (não exclusivamente, mas com um indiscutível aspecto) midiático para servir de eloqüente resposta pública aos que advogam pelo fim da religião ou pela sua perda de influência entre as gerações mais jovens. Contra os argumentos falam os fatos: eu fui ontem ao Marco Zero, e os jovens se fizeram – e muito – presentes. Apesar de ser segunda-feira à noite.

Vinham em grupos dos mais diversos lugares: muitos ostentavam as camisas das suas paróquias, grupos de orações ou pastorais. Outros – muitos outros – envergavam a camisa do “Bote Fé Recife”, com o lema da pré-jornada estampado em um estandarte colorido como sói serem os de nosso carnaval. Não eram pessoas que “caíram ali” do nada: eram jovens que, sem a menor sombra de dúvidas, saíram de suas casas para participar de um evento católico no centro da cidade. Não eram santos e não eram perfeitos, mas e daí? Eu tampouco o sou. Foram chamados e lá estiveram, e fizeram bonito; missão dada, missão cumprida.

Palco do Bote Fé Recife, com a Cruz da Jornada e o Ícone de Nossa Senhora

No fim da noite, o show da banda Anjos de Resgate. Muitos poderão questionar acidamente o estilo musical deles e dizer que isto não é catolicismo nem conversão e que blá-blá-blá; ora, poupem-me da ladainha. Não era uma missa, era um show. Era “música de jovem”. E, no meio daquelas músicas, havia e há elementos de piedade verdadeiros. “Te amar por quem não Te ama, Te adorar por quem não Te adora” ou “a Cruz Sagrada seja a minha luz; não seja o Dragão meu guia” são orações, independente da forma como sejam proferidas. “O Céu inteiro está rezando por ti; / anjos e santos intercedem por ti” é uma consoladora verdade teológica. As músicas sobre a amizade – como “amigos, pra sempre, dois amigos que nasceram pela Fé” ou “nós somos mais que amigos, somos anjos que o Senhor enviou” -, a despeito do exagero que a gente credita à licença poética, exaltam de maneira bonita esta importante virtude natural que somos chamados a sobrenaturalizar. E (embora não tenham cantado, é uma das minhas preferidas) narrar o diálogo entre a Virgem Santíssima e o Arcanjo Gabriel com “- Por que teus lábios tremem tanto assim? Por que não tiras teus olhos de mim? / – Há tanta graça em estar diante de Ti; e o Céu inteiro espera por Teu sim!” é uma bonita forma de proclamar as glórias da Bem-Aventurada Mãe de Deus.

Cruz da Jornada, com a inscrição de SS. João Paulo II

Ao final, ainda tive a chance de subir no palco. E tocar na Cruz! Na Cruz que esteve comigo em Madrid – no peito eu carregava a minha pequena cruz que veio da JMJ do ano passado -, ou melhor, na Cruz que esteve acompanhando tantos jovens ao longo de tantas Jornadas Mundiais da Juventude desde 1984. Era o que dizia a inscrição assinada por João Paulo II e assim datada. As palavras do Beato praticamente ressoavam em nossos ouvidos: “não tenhais medo!”. Sim, Santidade, nós não queremos ter medo. Sim, nós queremos fazer a diferença. Sim, nós queremos viver como Cristo espera que vivamos. Estamos aqui! Que o caminho da Cruz pelo Brasil possa derramar graças por onde quer que Ela passe. E que preparemos bem a Jornada do Rio de Janeiro. Pode vir, Santo Padre! Nós o esperamos ansiosamente.

A música litúrgica e a mediocridade

Hoje foi a comemoração dos 100 anos da elevação da Diocese de Olinda a Arquidiocese de Olinda e Recife. Missa no Marco Zero com todo o clero, muitos bispos de toda a província eclesiástica, alguns outros bispos da Regional Nordeste II e o Núncio Apostólico, Dom Lorenzo Baldisseri, que presidiu a celebração.

A celebração foi longa: eram por volta das 17:00 quando lá cheguei (pouco antes da procissão de entrada), e eram 20:30 quando recebi a bênção solene. Merece menção o coral polifônico: um exemplo de como é possível manter a sacralidade da música litúrgica mesmo com o emprego do vernáculo. Antes da celebração, eu estava no retiro do Crisma e, comentando sobre a situação da Igreja nos dias de hoje, falava que uma das notas características dos erros e heresias atuais é a mediocridade. Encontramos coisas erradas em abundância, mas pouco ou nenhum requinte de heterodoxia. Temos muitas heresias, mas elas estão universalmente disseminadas e são impessoais: não temos nenhum grande heresiarca.

A edição da Martins Fontes das “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, de C. S. Lewis, traz ao final o “Fitafuso propõe um brinde”; é um pequeno conto com o diabo autor das cartas anteriormente publicadas. “O cenário é o Inferno; a ocasião, um jantar anual oferecido aos jovens Demônios pela Faculdade de Treinamento de Tentadores. O Diretor, Dr. Catarruspe, acaba de brindar à saúde dose seus convidados. Fitafuso, convidado de honra, ergue-se para responder”. E ele já falava desta mediocridade:

Os “grandes” pecadores, aqueles nos quais as paixões vívidas e geniais foram levadas além do limite, e nos quais sua imensa concentração de vontade foi devotada a assuntos que o Inimigo odeia – enfim, nem todos eles desaparecerão, mas ficarão mais raros. Teremos cada vez mais presas, mas consistirão cada vez mais de puro lixo – lixo que tempos atrás jogaríamos para Cérbero e para os cães do Inferno, pois não seria apropriado para o consumo diabólico.

Lewis, C.S., “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, pp. 183-184. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2005

Cheguei a este assunto por causa de um contra-exemplo. Uma das mais clássicas aplicações deste – chamemo-lo assim – “princípio da mediocridade” são as músicas que tocam nas nossas paróquias. Na esmagadora maioria das vezes, são sofríveis, horrorosas, totalmente inadequadas para o culto; mas não têm impiedade deliberada, não têm um grau significativo de malícia, não têm nada. São “só” medíocres.

E, hoje, na presença do senhor núncio, foi com imensa alegria que eu vi a exceção à regra. O coral estava bem preparado e as músicas estavam dignas: hoje, na comemoração dos cem anos da Arquidiocese, a música litúrgica fugiu à mediocridade. Por que não é possível ser sempre assim? Por que não é possível dar, ordinariamente, o melhor a Deus? Por que é necessário esperar uma visita do Núncio Apostólico para que se cantem, nas celebrações litúrgicas, músicas dignas do Deus Altíssimo que Se entrega diariamente por nós?

Eu, masoquista

Eu “fui ao comício”, ontem, no Marco Zero, onde o presidente Lula estava com sra. Dilma Rousseff e mais uma cambada de “companheiros”. Estava em dúvidas sobre se era moralmente aceitável “sentar-me à roda dos escarnecedores”; disse a mim mesmo que a minha ida seria por questões jornalísticas, e me tranqüilizei. Depois, fiquei pensando se o lugar não era perigosamente propício a ser alvo de uma chuva de fogo e enxofre, enviada pela Justa Ira Divina por tanto tempo já contida; mas pedi à Virgem Santíssima que sustentasse, ainda mais um pouco, o braço do Seu Divino Filho, e me tranqüilizei. Pensei, por fim, se a minha ida não iria aumentar a repercussão do evento, “engrossando” o número de participantes do comício que iria ser noticiado no dia seguinte; mas pensei que, afinal, a praça é pública – a praça é do povo – e eu poderia, perfeitamente, ao invés de “ir ao comício”, ir ao Recife Antigo tomar cerveja. Tecnicamente, seria o presidente quem estaria discursando junto ao meu barzinho. Encontrei, assim, a causa com duplo efeito que eu precisava para dirimir de vez os meus escrúpulos, e me tranqüilizei. Camisa preta – luto -, pus-me a caminho.

Cheguei perto das dez horas da noite. Algumas pessoas estavam já voltando, mas o senhor presidente ainda estava falando e, considerando o tempo que ele falou depois disso, acho que cheguei bem no início do seu discurso. A praça do Marco Zero parecia estar lotada, mas era pura armação: fizeram um “labirinto” com aquelas grades móveis por toda a praça, exigindo que as pessoas dessem voltas e mais voltas para chegar ao centro e induzindo-as, assim, a ficarem no perímetro, fora das grades. Para quem via de longe, passava realmente a impressão de que o Marco Zero estava lotado. Mas eu, que nunca tive medo de multidão, fui até o centro da praça: praticamente vazia. Havia até mesmo pessoas sentadas no chão.

O Jornal do Commercio falou em 25.000 pessoas. Mas, ao menos quando eu cheguei, não tinha nada nem perto disso, pelos motivos acima explicados: a praça estava vazia, as ruas estavam transitáveis, só havia aglomeração de pessoas no perímetro da praça e, neste, não cabem 25.000 pessoas nem que elas estejam, em quatro níveis, uma em cima da outra. Mas, enfim. Engenhosa a tática petralha, é forçoso reconhecer.

A sra. Rousseff não falou; ou, então, eu só cheguei depois que ela já tinha falado. Por uma longa e enfadonha hora, eu só ouvi o senhor presidente. Lula fez questão de dizer era necessário votar nos deputados – nos “companheiros”… – que apoiavam o Partidão, que era preciso eleger Humberto e Armando senadores, Eduardo governador (para que Pernambuco avançasse “30 ou 40 anos em 8”) e Dilma presidente. Foi muitas vezes interrompido por aplausos. Mas houve três situações curiosas no discurso do senhor presidente.

Uma: falando sobre Humberto Costa, que foi ministro da Saúde, disse que ele havia feito muito por Pernambuco – aplausos. Que era uma pessoa séria e honesta, blá-blá-blá – aplausos. Que, no entanto, não havia feito mais (aqui, o presidente elevou a voz; estava quase aos gritos) porque os inimigos dele o haviam traído, votando contra a CPMF e tirando da saúde não-sei-quantos-milhões que já estavam destinados para não-sei-o-quê. E não houve mais aplausos. E os sonoplastas bem que poderiam introduzir, neste momento, o clássico som de grilos cricrilando. Ao que parece, nem os próprios petralhas estão dispostos a defender a CPMF do Governo.

Duas: falando sobre as mulheres. O presidente teve um surto de lucidez, e começou a falar um monte de coisas politicamente incorretas: que são as mulheres que carregam por nove meses no ventre um ser humano, que são as mulheres as responsáveis pelo lar familiar, que são as mães que ensinam os filhos a falarem, que são as mães que acordam de madrugada quando o menino está chorando, e não os pais, que são as mães que dão o peito quando o menino está com fome, e não os pais, et cetera. A clássica separação de papéis dentro do Matrimônio à qual a modernidade tem tanto ódio! E lá estava o Lula, em um ato falho, a defendê-la: afinal, se Deus falou um dia através da boca de uma mula, por que da boca do Lula não poderia sair alguma coisa que prestasse, alguma vez na vida? Mais uma vez, os sonoplastas teriam trabalho neste momento, porque o discurso – inflamado! – não arrancou aplausos da petralhada. E o presidente achou melhor mudar de assunto.

Três: rasgando-se em elogios à Dilma. Disse que ela era uma mãe, e que ele gostava tanto e confiava tanto nela que poderia dizer, com toda a honestidade, que, “se não tivesse a Marisa” [aqui eu já comecei a rir, imaginando o que diabos ele iria falar], e ele “tivesse um filho [pequeno]”, entregaria o filho para a Dilma criar (!). Pasmem, isto foi dito desse jeito! Lula, em menos de um minuto, ofendeu a primeira-dama, demonstrou total descaso pelo seu hipotético filho (como assim, “dava para a Dilma criar”? Fala que casava com ela, Lula!) e agrediu mortalmente a presidenciável feminista (porque criar filho é tudo o que gente dessa laia não quer fazer)! E eu, esforçando-me para segurar as gargalhadas, afastei-me um pouco da praça. O ambiente era hostil a ponto de ser contrário à prudência debochar do senhor presidente. Mas, que deu vontade… ah, isso deu.

Por volta das onze horas da noite, o presidente despediu-se, disse “muito obrigado” e os militantes – que carregavam cartazes e bandeiras – desapareceram em um piscar de olhos. Nem sequer esperaram para tentar bater fotos, ou cumprimentar algum dos candidatos, nem nada: veio-me à mente a maliciosa comparação com empregados de uma fábrica que ouvem o toque da sirene anunciando o final do expediente. Também não seria eu a esperar mais nada: voltei à minha cerveja. Agradecendo a Deus por ter sobrevivido ao comício. Brindando ao Papa. E pedindo ao Altíssimo misericórdia para o Brasil.

Novo Arcebispo de Olinda e Recife

O báculo de Dom Vital
Dom Fernando Saburido ergue o báculo de Dom Vital

Ontem foi a cerimônia de posse de S.E.R. Dom Fernando Saburido, novo Arcebispo de Olinda e Recife, que teve lugar na Igreja da Madre de Deus, no Recife Antigo. Após a cerimônia, Sua Excelência celebrou, na praça do Marco Zero, a sua primeira missa.

Fui a ambas as cerimônias. Na Igreja da Madre de Deus eu teoricamente não poderia entrar, porque estava reservada para o clero, os convidados pessoais do novo Arcebispo e… a imprensa. Mas com a recente decisão do STF de acabar com a exigibilidade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, bom, eu sou imprensa… Entrei com o Gustavo Souza – que já escreveu no seu blog sobre as cerimônias de ontem, leiam – e me pus a observar.

A igreja é bonita, foi restaurada recentemente. Não chega a ser uma basílica, mas tampouco é uma capela: no entanto, ficou lotada ontem. Todo o clero recifense – o que deveria estar lá e o que, teoricamente, também não deveria, mas enfim… -, membros do clero de Sobral (antiga diocese de Dom Fernando), bispos de vários lugares do país. O colégio dos consultores da Arquidiocese esperava à porta. Chegou Dom José Cardoso, chegou Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico e, por fim, chegou Dom Fernando Saburido, e o cortejo entrou na igreja.

A cerimônia seguiu normalmente: os epíscopos ajoelharam-se diante do altar-mor da igreja, Dom José pronunciou as suas palavras de despedida, foi feita a leitura da bula de nomeação (em latim e depois em português), Dom Lorenzo fez o seu pronunciamento; então, o Núncio e o Arcebispo Emérito entregaram o báculo ao novo Arcebispo. O báculo de Dom Vital, honra e glória da igreja de Olinda, Servo de Deus, cujo processo de canonização tramita no Vaticano: que o jovem frei possa interceder pelo seu sucessor na Sé de Olinda. Dom Fernando foi então conduzido à cátedra pelo Núncio, enquanto a igreja inteira entoava o Veni Creator Spiritus: Domine, exaudi nos.

Eu estava quase em cima do presbitério a esta altura, ansioso por não perder nada da cerimônia; foi quando os bispos da Regional Nordeste II formaram um cortejo para saudar o novo Arcebispo. Fui bater uma foto (o lado esquerdo da igreja, onde eu estava, era reservado às autoridades civis e militares; o outro lado, o direito, aos bispos), mas terminei por ficar na frente do excelentíssimo governador do Estado, Eduardo Campos. Um dos responsáveis pela organização veio reclamar que eu estava na frente do governador; tive vontade de retrucar que eu era tão filho de Deus quanto ele (e, ainda, nunca tinha apoiado a destruição de embriões humanos em pesquisas científicas, mas cala-te boca…) e estava obviamente muito mais interessado na cerimônia do que o excelentíssimo. Mas achei melhor ficar calado. “Quem é esse, o que está fazendo aqui?”, ouvi perguntarem; “sei não, manda sair”, ouvi responderem. Saí da frente do governador do Estado, mas não de próximo ao altar onde eu estava. Ainda havia coisas que eu queria acompanhar.

Como o discurso (cliquem para baixar) do reverendíssimo Monsenhor Edvaldo da Silva, até a nomeação de Dom Fernando Saburido Vigário-Geral desta arquidiocese, que falou em nome do clero arquidiocesano. Também falaram o presidente da Regional Nordeste II, o secretário da CNBB, o Arcebispo de Fortaleza, o Governador do Ceará, o Governador de Pernambuco (em cuja frente eu fiquei), etc. Neste momento, sinto um cheiro de enxofre vindo da porta da igreja. Julgando que já tinha acompanhado o que era importante acompanhar, saí da Madre de Deus para ver o que acontecia do lado de fora.

Um enorme “boneco de Olinda” – aqueles bonecos gigantes, típicos do carnaval – de Dom Hélder Câmara, e o povo gritando algumas coisas que não consegui identificar. Lembrei-me imediatamente das igrejas medievais; quando estive na Europa, um sacerdote explicou-nos que as gárgulas que ornam as paredes externas das catedrais são demônios, e o significado é que os demônios ficam fora da igreja – dentro dela, só há imagens de santos. Ontem, os demônios guincharam, mas ficaram fora da igreja da Madre de Deus. No meio da multidão ensandecida, alguns cartazes ofensivos e/ou toscos que eu já havia visto antes: “Dom Fernando, voz dos negros, pobres e oprimidos”. “Dom Fernando, o dom do amor pelos humildes. Dom José, o dom da perseguição, graças a Deus esse dia chegou…”. “Vamos reconstruir a unidade anunciando o Reino – confiamos neste anúncio. Grupo de leigos católicos Igreja Nova”. “A esperança do povo voltou”. Tenho as fotos. Mas havia também os cartazes de apoio a Dom José Cardoso Sobrinho: o povo [verdadeiramente] católico desta Arquidiocese vai ter trabalho. E dom Fernando Saburido vai ter muito trabalho. Que seja em seu favor a Virgem Soberana.

Ao final, houve ainda a missa campal, o Marco Zero repleto de gente, na festa da assunção da Virgem Santíssima e na posse do novo Arcebispo de Olinda e Recife. A primeira homilia de Dom Fernando Saburido; só comentando en passant, eu bem que gostaria de ter ouvido o que ouvi em uma outra primeira homilia de um outro Fernando, mas o mundo não é sempre como a gente gostaria que fosse. Rezemos, rezemos, rezemos sem cessar, por Olinda e Recife, por esta Sé “caríssima” ao Santo Padre – como ele disse na bula de nomeação -, a fim de que, aqui, Nosso Senhor seja sempre glorificado. Que Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Recife, olhe com particular cuidado por nós. Abaixo, algumas fotos das cerimônias.

O Baile do Menino Deus

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Nos últimos cinco anos, todo natal, acontece no Marco Zero a encenação do Baile do Menino Deus, espetáculo natalino que conta a história do nascimento de Jesus por meio de elementos da cultura e do folclore regionais. Já havia assistido à apresentação nos outros anos; este ano, fui por acaso, ontem à noite, porque fui convidado de última hora por uma amiga.

O que falar sobre o espetáculo recém-assistido? Creio que se o pode ver sob dois ângulos. Alguém pode reclamar que o tom lúdico da peça, junto com uma espécie de “sincretismo cultural” com os elementos folclóricos que são estranhos à tradição católica, unidos à irreverência dos protagonistas, formam um todo pouco recomendável. Concedo aos críticos esta visão. No entanto, deixem-me hoje ser um pouco “Poliana”, e falar sobre os pontos positivos da cantata.

Em primeiro lugar, só o fato de se fazer uma apresentação pública do nascimento de Jesus é já uma coisa extraordinária e digna de louvor. No meio do laicismo feroz, sobrevive a cultura “tradicional” – o espetáculo tem vinte e cinco anos – e, no meio das festividades de fim de ano, é aberto um espaço para se falar em Jesus, em Belém, em José, em Maria. Em segundo lugar, o espetáculo é de censura livre (de verdade), de modo que se apresenta como uma das poucas alternativas de lazer público familiar: não há cenas de violência nem de apelo sexual. Em terceiro… bom, há coisas bem aproveitáveis no espetáculo!

Os dois protagonistas estão procurando a casa onde nasceu Jesus. Procuram, cantam, dançam, encontram; a porta está fechada, e eles não conseguem abri-la. Após muitas idas e vindas, finalmente a porta se abre e aparecem José, Maria e o Menino. O espetáculo praticamente inteiro gira em torno desta busca: é necessário encontrar o Menino Jesus que nasceu e, para tanto, é fundamental que se O busque com diligência e com esforços. Algumas vezes um dos protagonistas fala em desistir e ir pra casa; o outro, prontamente, fala que eles não podem voltar sem antes ver o Menino. Como se quisesse dizer – aqui cogito eu – que não podemos voltar para casa, no meio das festividades natalinas, sem encontrar o Menino Jesus.

Os personagens não são propriamente religiosos; em um certo momento, um deles diz que nunca aprendeu a rezar a ave-maria, e que passou a vida a “virar bunda-canastra pelo mundo”. Nem sei se os que são de fora do nordeste sabem o que é “bunda-canastra”: é “cambalhota”. No entanto, é este o personagem que está procurando a casa onde nasceu Jesus; como se dissesse – de novo, cogito eu – que não importa quantas idas-e-vindas se deu pelo mundo, não importa o quão desordenada foi a vida pregressa: quaisquer que sejam os antecedentes que se tenha, o Natal é a época de “endireitar as veredas”, e aquele que virou bunda-canastra mundo afora, hoje, procura o Deus recém-nascido.

Uma das peças é um caboclinho – José com Maria e o Menino já estão na porta da casa. Entram três figuras pomposamente adornadas – a indumentária é pagã, sem sombra de dúvidas, de matriz africana. Sincretismo? Não me pareceu. Enquanto se cantava alguma coisa como “somos reis da terra e do mar” (não lembro com exatidão a música), as três figuras (para mim, são os três reis magos) entram no palco e, voltando-se para a Sagrada Família – dando as costas ao público – fazem uma profunda vênia. O último deles, aliás, faz uma genuflexão teatral maravilhosa: volta-se para o Menino, ajoelha-se apoiado no cajado, puxa o manto para a frente do corpo, inclina profundamente a cabeça, assim permanece alguns segundos antes de se levantar. Aqui, cogito eu: quando Deus vem ao mundo, todos os grandes dos povos prostram-se diante d’Ele. O Menino nascido põe os pagãos de joelhos aos Seus pés.

Senhores donos da casa,
Jesus, José e Maria;
queremos fazer um baile
que emende a noite no dia.
(…)
Senhores donos da casa,
Jesus, José e Maria!
Sem vosso consentimento,
O baile não principia…

José consente. E começa a festa.

Em um certo momento, entram em cena umas personificações da natureza; o sol dizendo que veio “aquecer o menino”, a lua dizendo uma coisa da qual não me recordo, a estrela dizendo que veio mostrar o caminho até Ele; cogito eu, “narram os céus a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 18, 2). Após a peça, recita-se uma bela quadrinha em honra da Virgem Santíssima (esta, é literal, e não minha cogitação): Passa o sol pela vidraça, / já passou, sem tocar nela; / assim foi a Virgem Pura, / levou Luz, ficou donzela.

E tem o Jaraguá! Não faço idéia do que seja este personagem – é o que aparece no vídeo acima – e, mesmo perguntando aos meus pais hoje de manhã (eles de ordinário sabem das coisas), não mo souberam dizer. Surge ele após a casa ser perdida: os personagens pegaram no sono e, ao despertar, a casa “havia sumido” (lembro-me eu: “Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora!” – Mc 14, 37). Então, no meio das buscas, aparece o Jaraguá “com a boca aberta”, “pra pegar Mateus”. Para mim, é figura de Satanás, que aparece quando se perde o Menino Jesus, quando se dorme – “sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar” (1Pd 5, 8). Ao final, no entanto, sai ele de cena, e a casa reaparece, e termina o espetáculo com o baile recomeçando: a alegria natalina que, embora tenha no Nascimento do Salvador as suas raízes, espalha-se a partir do Natal e cresce estendendo-se por toda a vida (e, cogito eu, também para além dela):

Senhores donos da casa,
Jesus, José e Maria!
O baile aqui não termina,
O baile aqui principia.
Do mesmo jeito que o sol
Se refaz a cada dia,
Da mesma forma que a lua
Por quatro vezes se cria
(…)
continuemos o baile,
agora e em cada dia!

Feliz Natal a todos!