A intolerância que não se vê

A redação do ENEM no último final de semana versou sobre intolerância religiosa e, diante do tema, eu tenho impressões contraditórias. Por um lado parece claro que a escolha gravita em torno de um enorme lugar-comum: as perseguições sofridas pelas religiões de matiz africana, e fazer tal opção argumentativa favorece — quase exige — a crítica à dita intolerância evangélica. Seguir por esse caminho é fazer a coisa mais fácil (e mais contraditória) do mundo: jogar pedra no Cristianismo para defender a tolerância.

Por outro lado, no entanto, o tema torna possível falar — e com bastante propriedade — sobre a intolerância que vitima os religiosos no debate público brasileiro, intolerância esta que (até por uma questão demográfica) tem claramente os cristãos por alvo principal. O problema aqui é um só: esta linha argumentativa destoa bastante do senso comum e, por ser assim tão destoante, eu tenho sérias dúvidas sobre a capacidade de a compreenderem os responsáveis pelas correções destas provas…

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Iniciemos a nossa argumentação com a seguinte assertiva: nem toda intolerância se manifesta em atos de agressão física. Poderíamos, sem dúvidas, citar os diversos casos de vandalismo contra igrejas que cotidianamente aparecem em nossos noticiários (p. ex. em João Pessoa, em Belo Horizonte, no Ceará e em Passo Fundo — só na primeira página do Google, todos os casos deste ano); mas isto é somente o ponto mais superficial, epidérmico do problema. A intolerância física é mais brutal, mais primitiva e, por isso mesmo, mais facilmente visível e condenável de forma mais incontroversa. A pior intolerância, aqui, é a que se reveste de ares de intelectualidade, é a que se apresenta como pensamento evoluído e padrão de comportamento socialmente exigível. A pior intolerância é a que enxerga com desconfiança e desprezo a manifestação de opiniões públicas feita por religiosos pelo fato de eles serem religiosos.

Esta “intolerância cívica” fecha aos religiosos o acesso aos espaços públicos de decisão. Transforma os que têm Fé em uma espécie de cidadãos de segunda categoria, cujas opiniões não podem ser levadas em consideração no debate público — e isso é o mais absurdo, é o mais injusto, é o mais intolerante que se pode conceber. Você é contra o aborto? O Estado é Laico, nem todo mundo é católico e as suas crenças não podem ser impostas para toda a população. É contra o “casamento” gay — ou a ideologia de gênero? Você é um fanático religioso, o Estado é Laico e as suas convicções não podem ser usadas para definir regras de conduta aplicáveis a todos os cidadãos. É a favor da isenção tributária das igrejas? O Estado é Laico e o conjunto total da população não pode sustentar a prática da crença de uma parcela dos cidadãos. É favorável à presença de símbolos religiosos em repartições públicas? Você é um intolerante, o Estado é Laico e o espaço público não se pode revestir de símbolo de religião alguma.

A cantilena, monótona, estende-se para alcançar quaisquer aspectos da vida cívica onde haja o mais mínimo desacordo entre a vontade dos anticlericais (que detêm o discurso vencedor da opinião pública) e os valores do Cristianismo. O fato de estes valores perfazerem — ainda — a sensibilidade moral da maioria da população brasileira é um detalhe que só torna as coisas mais trágicas: a rigor, ainda que fossem valores minoritários, eles não poderiam ser liminarmente excluídos do debate público sob a pecha do “ah, isso é crença religiosa”. Primeiro porque eles no geral não são mera “crença religiosa” — a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem ou as Processões Divinas são crenças religiosas! Já a definição dos comportamentos que devem ser socialmente aceitos ou juridicamente coibidos são juízos prudenciais sobre temas cívicos, com ampla fundamentação na razão natural que está ao alcance de todos os homens independente do credo sob o qual militem. Segundo porque o eventual fundamento dos valores morais não pode ser usado para desqualificar a priori as posições alheias — o nome disso é preconceito e intolerância. O que deve fazer uma determinada posição política ser socialmente aceitável ou inaceitável é a sua adequabilidade para o fim a que ela se propõe — a razoável ordenação da vida em comum –, e não a sua origem metafísica. Todas essas coisas são por demais evidentes; mas a intolerância religiosa que grassa nos nossos meios intelectualizados lança um véu de ignorância mesmo sobre essas platitudes — e ninguém se preocupa com isso, e todos continuam torcendo o nariz para a “bancada da Bíblia” ou a “ideologia tefepista” sem que quase nunca precisem se dar ao incômodo trabalho de entrar no mérito das posições que elas defendem.

A intolerância que deixa rastros de dor e de sangue é no geral fácil de ser combatida, porque no geral não aparece ninguém para a defender. Ninguém defende que judeus sejam enviados para campos de concentração ou muçulmanos para Guantánamo; ninguém defende que igrejas sejam pichadas ou mães de santo sejam expulsas de suas casas por traficantes evangélicos (por inacreditável que seja essa notícia). No entanto, a maior parte das pessoas medianamente esclarecidas defende que os evangélicos não possam defender os seus valores no espaço público ou que as leis civis não atendam aos anseios dos católicos — e isso é preocupante, uma vez que tanto evangélicos quanto católicos são cidadãos iguais a quaisquer outros, cujos direitos políticos não podem ser cerceados em função de sua opção religiosa. Esta intolerância invisível pode ser menos chocante, mas não é menos injusta nem menos daninha — e decerto não é menos digna de ser combatida. O preconceito contra o Cristianismo, festejado nos meios de comunicação em massa e virtualmente onipresente entre os formadores de opinião, é talvez o último preconceito que se aceita na moderna sociedade dita esclarecida. Não deixa contudo de ser uma forma insidiosa e inaceitável de intolerância religiosa, que todos os homens de boa vontade devem se esforçar por abolir.

Imposição gayzista nas escolas

Recebi por email do Julio Severo “o artigo ‘Diversidade sexual na sala de aula’, publicada na revista Presença Pedagógica” (v. 15, n. 85, jan./fev. 2009). Ele pode ser baixado aqui.

Trata o artigo, em resumo, sobre a sexualidade de crianças e adolescentes nas escolas públicas e, em particular, sobre o Projeto Educação sem Homofobia, um curso “com carga horária de 80 horas – 60 horas presenciais e 20 vivenciais” (dado o tema do curso, tenho até medo de imaginar o que isso signifique…), do qual participaram “240 professores e professoras” de abril a dezembro do ano passado. O curso serve para ensinar aos professores a “analisarem a própria escola e detectarem tanto a diversidade sexual ali presente (mas que não aparece e deve ser reconhecida) quanto situações de homofobia e sexismo, que devem ser combatidas”. Detalhe importante: “o projeto é financiado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educadação (Secad/MEC)”. Como “homofobia” é uma palavra inexistente e inventada pelo Movimento Gay para designar qualquer coisa que ele queira combater e destruir (e, de modo particularíssimo, é bem sabido que isto inclui o Cristianismo e a Igreja Católica), o que nós estamos vendo é o Governo financiar, com o dinheiro dos impostos dos cidadãos em sua maioria cristãos, o combate ao próprio cristianismo.

Acham que exagero? São palavras do coordenador-executivo do Educação sem Homofobia, Marco Antonio Torres: “[a] comunidade escolar ainda não consegue ser totalmente laica, trabalhar suas questões internas isenta dos valores pessoais de alguns grupos religiosos. Enquanto a escola não conseguir trabalhar os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, sua missão em relação à diversidade sexual estará seriamente comprometida”. Considerando que os pais são obrigados a colocar os filhos nas escolas e, nelas, ensinam-se essas porcarias, estamos diante de uma verdadeira imposição estatal de valores anti-cristãos.

E o assunto não é novidade, pois “[a] discussão sobre sexualidade aparece nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs, desde 1997, nos Temas Transversais. O documento sugere que a ‘Orientação Sexual na escola deve ser entendida como um processo de intervenção pedagógica que tem como objetivo transmitir informações e problematizar questões relacionadas à sexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela associados'”. Leiam o que está escrito: escola precisa intervir pedagogicamente nas crenças dos alunos que não sejam compatíveis com o gay-way-of-life! Se isso não for uma declaração de guerra à educação católica e uma tentativa de se destruir os valores morais cristãos, é o quê?

Ainda acham que eu exagero? Vejam este livreto disponível em um site da UFRJ, indicado pelo mesmo artigo da revista! A página 18 carrega justamente o título de “Religião e Escola Pública”. Lá, é dito que “os valores religiosos (…) falam sobre valores que muitas vezes se pretendem universais” (a recursividade é por conta do autor do livreto). E também que “cada povo, cada grupo, cada ser humano, tem uma percepção e um entendimento diferente sobre a religião”. Como não poderia faltar, a calúnia histórica: “[n]ações indígenas tiveram sua cultura destruída em nome de uma salvação religiosa, cientistas foram perseguidos e mortos, mulheres queimadas em fogueiras, se fizeram e ainda se fazem centenas de guerras em nome da fé”. Após a primeira dose de relativismo e a segunda de calúnia, a sentença absoluta e intransigente: “a escola pública é laica e (…), portanto, não pode impor nenhuma religião, nem como crença, nem como prática, aos seus alunos”. Entenderam? Nem como prática. Ou seja, a moralidade vai para as cucuias. E o Estado, mais uma vez, impõe o estilo gay de se viver aos alunos.

Na verdade, a lógica do Governo Brasileiro é a seguinte: religião não pode ser “imposta”, mas o gayzismo não só pode como deve. E a religião não tem direito de falar, pois “o estado é laico” e, caso ela falasse, seria “homofobia”. A perseguição aos valores cristãos é manifesta. As coisas estão cada vez piores. Que Deus tenha misericórdia de nós todos.