Todo bem radica no Evangelho

No seu livro de memórias, Joaquim Nabuco, lá pelas tantas, se queixa de que a abolição no Brasil tenha sido antes um arroubo revolucionário que um apostolado religioso. E nisso distingue a caridade cristã do amor à humanidade, dizendo que tanto este amor quanto aquela caridade podem disputar a realização de uma mesma obra — por vezes avantajando-se o último quando a primeira fraqueja. Mas não é indiferente que os avanços sociais sejam conquistados pela caridade ou pela filantropia, porque no primeiro caso é mais provável que eles deitem raízes e frutifiquem, enquanto no último é-lhes mais fácil estagnar ou se degenerar.

Ora, Deus é o autor de todo bem. Assim como toda verdade pertence à Igreja onde quer que ela seja proferida — dizia Santo Tomás para explicar, embora não com esses termos modernos, os elementos de santificação e verdade existentes em meio aos hereges –, do mesmo modo todo e qualquer bem na ordem temporal radica no Evangelho, a ele pertence por direito, por ele pode ser reclamado e a ele deve ser ordenado. Que a mera filantropia possa por vezes chegar (acidental e parcialmente) ao bem humano é irrelevante: é claro que o amor natural pode mover o homem à prática de algum bem, assim como a razão natural pode chegar ao descobrimento de certas verdades. Isto, no entanto, não torna a Fé despicienda, nem aquilo torna prescindível a Caridade.

Ao contrário do que somos condicionados a pensar no nosso mundo polarizado pelas redes sociais, as bandeiras não têm o valor ou o desvalor de quem as empunha. No mundo das ideias, os vexilos valem o que representam independente de quem marche sob eles. Assim, por exemplo, a abolição era e é uma causa evangélica ainda que fosse tomada a peito pelos revolucionários, e do mesmo modo o pagamento do justo salário aos empregados era e é uma causa católica ainda que historicamente a reclamem os comunistas.

Pelas mesmíssimas razões, e mutatis mutandis, as questões ambientais dizem respeito ao Reino de Deus, são de interesse e propriedade do Cristianismo — único capaz de lhes dar a correta dimensão e a justa medida — e podem e devem ser reclamadas atualmente pelos cristãos. Que hoje em dia as monopolizem e distorçam os naturalistas e panteístas é coisa que não nos deve espantar; aliás, tal circunstância deveria ser, antes, um motivo a mais para nos dedicarmos à defesa e difusão de uma concepção correta acerca dos direitos e deveres do homem para com a Criação. Da mesma forma que não se combate o comunismo defendendo a jornada de trabalho da Revolução Industrial, assim também não se combate o (por falta de termo melhor) ambientalismo neopagão jogando garrafa plástica no rio ou tocando fogo em mico-leão dourado.

As paixões humanas tendem a ocupar os espaços onde os cristãos não fazem chegar a força do Evangelho. E o amor natural, como dizíamos, é bom e é capaz de coisas boas; mas é também decaído, propenso ao erro e capaz de equívocos. O moderno discurso ambientalista está repleto desses erros e desses equívocos. Mas disso não segue — ao menos não necessariamente, ao menos não para todos os que o adotam — que nele haja malícia em princípio, ou que ele seja desprovido de razão em todas as questões que levanta. Os cristãos devem, sim, levantar a sua voz no debate ambiental, porque a Criação é obra de Deus, e é muito importante para ficar nas mãos de gente sem Fé.

CNBB e Hidrelétricas

Bispos argentinos lutam contra casamento gay, espanhóis contra o aborto, e brasileiros… contra uma hidrelétrica.

@jonatas_dias

Às vezes eu me pergunto se não sou implicante demais. Mas é que fico realmente frustrado quando vejo uma declaração como a que a CNBB emitiu sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte. “Reunidos, em Brasília, entre os dias 23 a 25 de fevereiro de 2010, nós, Bispos do Conselho Episcopal de Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em sintonia com os Bispos do Regional Norte 2 da CNBB e acompanhando os passos que estão sendo dados para a concretização da projetada Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região do Rio Xingu, Estado do Pará, manifestamos nossa grande preocupação ao saber que a licença prévia já foi concedida pelo IBAMA, permitindo o leilão para a construção e exploração da referida Usina”.

Ninguém nega que o ser humano é responsável pela criação de Deus – isso é óbvio. Ninguém nega que se deva cuidar do meio-ambiente. No entanto, os principais problemas aqui são:

1. Ecologia é uma coisa, e a “ecolatria” panteísta (e não raro catastrofista) que vemos nos nossos dias é outra coisa completamente diferente. Eu já escrevi aqui no Deus lo Vult! há mais de um ano sobre isso. Na mensagem para o Dia Mundial da Paz 2010, o Papa Bento XVI criticou “um novo panteísmo com acentos neopagãos que fazem derivar apenas da natureza, entendida em sentido puramente naturalista, a salvação para o homem”. Esta mensagem parece, infelizmente, encontrar bem pouco eco entre as autoridades eclesiásticas brasileiras.

2. A Igreja é mestra em Doutrina e em Moral. Não em estudos sócio-ambientais. Esta não é a competência da Igreja. Logicamente, podem existir alguns aspectos morais relevantes sobre os quais a Igreja talvez sinta necessidade de se pronunciar; no entanto, uma tomada de posição como esta, na qual praticamente é dito que não se pode apoiar a construção da hidrelétrica de Belo Monte, é extremamente inadequada, para dizer o mínimo. A não-construção de hidrelétricas obviamente não é um dogma de Fé, de modo que não faz sentido a Conferência manifestar-se desta maneira pública e contundente sobre o assunto.

3. Por que a Conferência, ao invés de perder tempo com estas coisas que são no mínimo questionáveis, não faz o que é sua função fazer? Por que os temas católicos são tão ausentes dos seus pronunciamentos? Na coletiva de imprensa de ontem, falou-se sobre “Fichas Limpas, crise no Distrito Federal, Usina Belo Monte e apoio aos aposentados”. Que tal falar de Quaresma, de conversão, de jejum, de esmola, de penitência, de Nosso Senhor Jesus Cristo, da necessidade de se pertencer à Igreja Católica, de Nossa Senhora, da vida da Graça, de Sacramentos? Que tal falar contra o aborto, contra a pornografia, contra o laicismo, contra o “casamento gay”, contra o socialismo e contra tantos outros males – incontestavelmente males – que ameaçam esta Terra de Santa Cruz?

Será possível que tudo isso seja implicância minha? Será que é pedir muito que os temas católicos tenham primazia nos discursos de uma Conferência de bispos católicos? O tweet em epígrafe é pequeno, mas é verdadeiro. E, apesar de pequeno, provoca uma grande dor. Rezemos pela Igreja. Rezemos pelos bispos do Brasil.