A misericórdia transforma e muda a vida

Apenas três ligeiros comentários sobre a Misericordia et Misera, carta apostólica hoje publicada e com a qual o Papa Francisco encerra o Ano Santo da Misericórdia.

1. A provisão para que qualquer sacerdote possa suspender a excomunhão do aborto foi estendida por tempo indeterminado. O aborto é um pecado gravíssimo que é punido, no Direito Canônico, com a excomunhão latae sententiae (CIC Cân. 1398). Ocorre que essa excomunhão só podia ser remitida pelo Bispo Diocesano ou por aqueles sacerdotes a quem o Bispo conferisse explicitamente esta permissão; na abertura do Jubileu da Misericórdia, no ano passado, o Papa Francisco concedeu a todos os sacerdotes esta faculdade. Aquilo que valia no decurso do Jubileu passa, desde hoje, a valer indefinidamente, «não obstante qualquer disposição em contrário».

Ou seja, i) continua valendo sobre essa matéria tudo que até ontem valia: por força do Jubileu da Misericórdia todo sacerdote estava autorizado a absolver quem houvesse praticado aborto e, a partir de hoje, encerrado o ano jubilar, todo sacerdote continua autorizado a conferir esta absolvição por força da Misericordia et Misera; não obstante, ii) a pena de excomunhão não foi abolida, i.e., continua plenamente vigente o cânon 1398 do Código de Direito Canônico dizendo que «[q]uem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae»; por fim — e a isso voltaremos mais à frente –, iii) o arrependimento continua sendo pré-requisito para se aproximar da Confissão Sacramental, como é evidente.

2. Do mesmo modo foi alargada no tempo a faculdade que fora conferida aos sacerdotes da FSSPX para que administrem validamente o Sacramento da Penitência. A Confissão, assim como o Matrimônio, é um sacramento cuja validade — e não apenas a licitude — depende de jurisdição; ora, como os prelados da FSSPX — inobstante a suspensão da excomunhão em 2009 — permanecem bispos de lugar-nenhum, não possuem jurisdição alguma e, portanto, não podem praticar os atos que dela dependam (e.g. ouvir confissões e assistir Matrimônios).

A situação canônica dos padres da FSSPX continua irregular; as suas Missas continuam ilícitas e a validade dos seus Matrimônios permanece precária, condicionada à incidência do §2º do Cân. 144 do CIC. No entanto, esta determinação do Papa Francisco é alvissareira e nos autoriza a entrever, em um futuro que cada vez mais desejamos próximo, a tão esperada reconciliação da Fraternidade com a Igreja de Cristo fora da qual não há salvação.

3. A passagem bíblica da qual o Papa Francisco se vale para estruturar a sua Carta Apostólica é a da mulher adúltera (Jo VIII, 1-11). Trata-se de um trecho do Evangelho bastante caro a tantos quanto se preocupam com a tendência moderna de separar o perdão do arrependimento — como se “caridade” fosse condescendência com o erro, ou como se a “misericórdia” pudesse se manifestar na atitude displicente de manter o pecador em sua vida de pecado. Como se o perdão não fosse por si só um convite — ou, antes, uma exigência — à mudança de vida, ou ao menos à sincera disposição de mudar de vida.

E aquele «vade et amplius jam noli peccare» perpassa todo o documento pontifício, graças a Deus. São diversas as passagens (os grifos são meus):

  • «Depois que se revestiu da misericórdia, embora permaneça a condição de fraqueza por causa do pecado, tal condição é dominada pelo amor que consente de olhar mais além e viver de maneira diferente» (MM 1).
  • «Nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão» (MM 2).
  • «No sacramento do Perdão, Deus mostra o caminho da conversão a Ele e convida a experimentar de novo a sua proximidade» (MM 8).
  • «A sua ação pastoral [dos Missionários da Misericórdia] pretendeu tornar evidente que Deus não põe qualquer barreira a quantos O procuram de coração arrependido, mas vai ao encontro de todos como um Pai» (MM 9).
  • «Não há lei nem preceito que possa impedir a Deus de reabraçar o filho que regressa a Ele reconhecendo que errou, mas decidido a começar de novo» (MM 11).
  • «O sacramento da Reconciliação precisa de voltar a ter o seu lugar central na vida cristã; para isso requerem-se sacerdotes que ponham a sua vida ao serviço do «ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18), de tal modo que a ninguém sinceramente arrependido seja impedido de aceder ao amor do Pai» (MM 11).
  • «[P]osso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai» (MM 12).

Em uma palavra, a verdadeira misericórdia é e não pode deixar de ser transformadora: «A misericórdia é esta ação concreta do amor que, perdoando, transforma e muda a vida» (MM 3)! O perdão cura e transforma — e o filho pródigo só retorna à casa paterna porque, antes, «caiu em si» e percebeu haver pecado contra o Céu, e a mulher adúltera só escapa da morte para ouvir de Cristo aquele «vai e não tornes a pecar» que perpassa os séculos e ainda hoje ressoa na Igreja: para continuar comendo a lavagem dos porcos não valia a pena o filho pródigo ter empreendido a jornada de volta pra casa, e se fosse para continuar na prostituição melhor seria à adúltera ter sido apedrejada.

O perdão conduz e não pode não conduzir a uma vida nova. Se não fosse assim seria apenas engano e ilusão; se não fosse assim, de nada valeria ser perdoado.

Riquezas do Catolicismo: consciência das próprias misérias

Acho que é de Chesterton a frase segundo a qual tornar-se católico é o único meio que o ser humano tem de escapar à condição de ser escravo do seu tempo. Ao converter-se à Igreja Católica todo fiel coloca-se, imediatamente, sobre os ombros de vinte séculos de humanidade, e adquire uma visão de mundo de um tal alcance que não seria capaz de obter de outra maneira.

Isso tem incontáveis implicações. Uma delas — fundamental, aliás, para qualquer processo de conversão sério — é notar que não existe nenhum pecado que não seja alcançado pela misericórdia de Deus. Nenhuma ofensa, por grande que nos pareça, é capaz de oferecer obstáculo verdadeiro à Graça alcançada por Cristo na Cruz do Calvário; não existe nenhum pecado que não possa ser verdadeiramente remido (e faço um parêntese: é por isso que rezamos, no Símbolo Apostólico, que cremos “na remissão dos pecados”, remissão verdadeira e própria, i.e., extinção, aniquilamento, destruição, desaparecimento. Isto é muito mais forte do que “ficar quite” após o cumprimento de uma pena: a remissão dos pecados é o fim da própria dívida que implicava na pena); não existe, dizia, nenhum pecado que não possa ser perdoado pelo Deus que é Todo-Poderoso exatamente para cancelar a paga que, por dívida de justiça, incumbe-nos prestar pelo mal que praticamos.

Não há pecado algum que não possa ser perdoado: esta é uma verdade que nos deve reconfortar. Mas a ela corresponde uma outra verdade, infelizmente menos lembrada mas nem por isso menos verdadeira, e que deveria nos fazer vigilantes e cuidadosos: do mesmo modo que não há pecado que não possa ser perdoado, não há também pecado, por grave que seja, que não possa ser cometido. Ninguém está imune a ofender a Deus! Ao contrário até: se não o fazemos, é porque Ele nos sustenta com a Sua Graça. Se não fosse por Ela, se Ela nos faltasse um instante sequer, pereceríamos verdadeira e miseravelmente, sem que nada pudéssemos fazer.

A tradição da Igreja é rica neste tipo de meditação, desde a advertência paulina (qui se existimat stare videat ne cadat — “quem julga estar de pé cuide para que não caia”, 1Cor 10, 12) até, por exemplo, esta eloquente passagem de S. Luís de Montfort que sempre me pareceu comovente:

Ah! Quantos cedros do Líbano, quantas estrelas do firmamento não têm-se visto cair miseravelmente e, em pouco tempo, perder toda a sua elevação e claridade! Donde proveio esta estranha mudança? O que faltou não foi a graça, que não falta a ninguém, foi a humildade. Julgaram-se mais fortes e mais capazes do que eram; julgaram que podiam guardar os seus tesouros. Fiaram-se e apoiaram-se em si mesmos. Acharam a sua casa bastante segura e os seus cofres bastante fortes para guardar o precioso tesouro da graça.

Tratado da Verdadeira Devoção, 89

Somos fracos, ainda que não o experimentemos, ainda que as pessoas que nos são próximas não o sejam capazes de perceber. Temos no nosso interior o desejo do infinito, sim, e uma capacidade extraordinária de abertura à graça de Deus; mas temos também, inafastavelmente, o poder de pecar, a capacidade da mesquinharia, a possibilidade da traição vil e covarde, a aptidão para os mais horrendos pecados. Tal consciência é uma riqueza da experiência cristã multissecular, parte do tesouro atemporal que se recebe ao tornar-se católico.

Eu pensava em tudo isso quando li esta matéria sobre um senhor de 67 anos que matou, decapitou e cortou os dedos da mulher com quem era casado há 37 anos. Esta espécie de crime bárbaro a gente costuma imaginar que é praticado por monstros, por doentes mentais, por pessoas cujos valores são totalmente diversos dos nossos; não parece ser o caso do sr. Jair. Pela história que foi contada não se tratou de nada minimamente premeditado: após uma briga, ele empurrou a mulher que «bateu a cabeça no chão e, por conta do ferimento no crânio, acabou morrendo». Naquele momento, «[d]esesperado», ele «decidiu decapitar a mulher e cortar as pontas dos dedos das mãos da vítima, para dificultar a identificação por parte da polícia»; na delegacia, ao relatar o seu desaparecimento, acabou entrando em contradições e, pressionado, terminou por confessar o crime.

Eu li a história e ela não me pareceu somente uma desculpa fajuta de um criminoso inveterado; talvez pelos cabelos brancos do idoso, pelos seus muitos anos de casamento, pela reação do filho do casal… não sei ao certo, mas acreditei no relato. E me parece, sim, que o sr. Jair está sofrendo, intimamente, as conseqüências das suas atitudes. Isso o torna mais humano. E isso nos torna, a todos nós, humanos miseráveis, mais próximos dele. E também ele, por mais inquietante que isso nos pareça, mais próximo de nós.

Quantos cedros do Líbano não têm caído por terra…! “Bom marido”, quase quatro décadas de casado, cabelos brancos, bons antecedentes. Que ninguém se julgue bom demais, perfeito demais, evoluído demais, auto-suficiente demais. Não o somos, e a realidade nos grita aos ouvidos, o tempo inteiro, que não o somos. Há sempre espaço para o arrependimento — esta é a grande maravilha da misericórdia de Deus! Mas há também sempre espaço para a queda. O demônio anda à nossa espreita, procurando nos devorar…! Tomemos cuidado. Vigiemos, que são muitos os melhores que nós que já caíram em suas garras.

Enquanto houver pecadores

Estamos às vésperas do Natal, e estamos cansados. Não foi fácil este 2015; estamos cansados, esgotados até!, a ponto de se nos faltarem as forças mesmo para seguir em frente. Retrospectiva? Talvez o ano não tenha sido de tantas vitórias a celebrar, de tantas coisas positivas assim. Perspectivas? O próprio suor no rosto embota a visão e não permite enxergar longe, e os músculos tesos sob o fardo do ano que finda parecem incapazes nos conduzir à próxima esquina.

Estamos cansados, e na verdade importa pouco se tal cansaço é legítimo ou não. Tanto as trevas da noite quanto a cegueira nos impedem de ver o caminho que devemos trilhar, e diante do corpo que já não responde ao desejo de continuar andando não cabe perguntar se tal é fruto de desgaste ou de lassidão. A fadiga que a gente sente cansa do mesmo jeito.

Mas estamos às vésperas do Natal e isso importa. Porque não existe ano difícil que não possa ser consolado pelo nascimento de um Deus feito menino, e não existe cansaço que resista às ordens d’Aquele que prometeu aos fatigados que lhes daria descanso. Não existem trevas que não dêem lugar à luz verdadeira que ilumina todo homem! Enquanto houver pecadores Deus virá ao seu encontro. Hoje, como naquele dezembro distante, Ele vem para os Seus. E hoje, ao menos, importa que O recebamos.

Tem sido obviamente má compreendida a ênfase na misericórdia que o Papa Francisco por vezes impinge aos seus discursos. Ter misericórdia não significa o mesmo que condescender com o comportamento alheio, e em nenhum dicionário decente pode significar “chamar o mal de bem”. A misericórdia pressupõe o pecado; não o nega e nem o pode negar. A misericórdia, aliás, pressupõe os miseráveis: a eles — e só a eles! — se dirige. Haverá misericórdia enquanto houver pecadores. Retire-se o pecado, a misericórdia deixa de fazer sentido.

Mas também a misericórdia, para ser misericórdia verdadeira, precisa ser transformadora e não tem como ser diferente: ela transforma o homem pecador em virtuoso e não o pecado em virtude. É somente no coração dos homens que ela age e precisa produzir os seus efeitos. De outro modo é apenas oferta graciosa rejeitada pelos insensatos. De outra maneira é, mais uma vez, lux [quae] in tenebris lucet et tenebræ eam non conprehenderunt. Nada de novo, para vergonha nossa.

É Natal e é tempo — se assim se pode dizer — de atávicas ingratidões. Dois mil anos de Cristianismo não transformaram a Encarnação do Verbo no grande evento de conversões profundas que se poderia imaginar. Hoje, como naquele primeiro Natal, são poucos os que se reúnem em torno ao Deus feito Menino. Mas enquanto houver pecadores Ele nascerá. O nascimento de Jesus Cristo não exime ninguém de lutar pela própria perfeição: a voz de São João Batista clamando no deserto logo o dirá. Enquanto ainda houver pecadores, jamais se falará em misericórdia o suficiente. E enquanto continuar havendo pecadores, não se terá dado à Misericórdia a resposta que ela merece.

Estamos cansados, eu dizia, mas é Natal e temos duas opções. Podemos nos fechar no nosso próprio cansaço e, desanimados, acreditar que nada mais pode ser feito; mas podemos também deixar que o canto de Gloria dos anjos ecoe nos mais profundos recônditos de nossa alma e, abrindo-a de par em par ao Deus-Conosco, enxugar o suor e seguir em frente. Espera-se conversão daqueles a quem é oferecida misericórdia; aos que se oferece descanso, o que se exige — sem dúvidas — é a luta. Ad majorem Dei gloriam. Melhor do que vimos fazendo até então.

Que desta vez o Menino Jesus encontre ao menos mais uma alma disposta a velar-Lhe o sono infantil. Que Nosso Senhor seja recebido por pelo menos mais um daqueles para os quais Ele veio sofrer e morrer. Que desta vez as trevas cedam — um pouco mais! — à Luz que vem do Céu. Que não seja em vão.

Afinal, um Menino nos foi dado! Mostremo-nos agradecidos. Façamos — minimamente! — por onde O merecer.

Feliz Natal!

Soluções concretas para as famílias não-tradicionais

Recebi por WhatsApp de um amigo uma manchete jornalística, em tom eufórico, segundo a qual o Papa Francisco conclamava a uma solução concreta para as famílias não-tradicionais. A frase verdadeira, proferida na homilia em Guayaquil, é a seguinte:

Pouco antes de começar o Ano Jubilar da Misericórdia, a Igreja vai celebrar o Sínodo Ordinário dedicado às famílias para amadurecer um verdadeiro discernimento espiritual e encontrar soluções concretas para as inúmeras dificuldades e importantes desafios que a família deve enfrentar nos nossos dias. Convido vocês a intensificar a oração por essa intenção: para que, mesmo aquilo que nos pareça impuro, nos escandalize ou espante, Deus – fazendo-o passar pela sua “hora” – possa milagrosamente transformá-lo. Hoje a família precisa desse milagre.

Desta vez, contudo, eu nem precisei recorrer ao texto original. Disse-lhe, sem pestanejar: ora, é claro que a dita “família não-tradicional” precisa de uma solução, e uma solução urgente, porque é um escândalo que seres humanos – muitos dos quais católicos! – vivam os mais horrendos pecados como se não fossem nada!

Não existe “família não-tradicional” e nem “família tradicional”. Existe família, ponto. Família é o pai, a mãe e os filhos. Isso não é a família “tradicional”, isso é a família verdadeira e perfeita, a arquetípica, a família por antonomásia em referência à qual todos os outros agrupamentos sociais se definem. Por vezes, decerto, as coisas não acontecem de maneira tão perfeita; por vezes, sem dúvidas, faltam alguns desses elementos. Às vezes os filhos não vêm, às vezes a morte vem colher precocemente um dos cônjuges; dir-se-á, nestes casos, que não existe família?

Melhor se dirá que a família está ainda em projeto, em desenvolvimento, no caso dos filhos que ainda não vieram; ou que ela persiste, ainda, subsistindo, nos seus frutos, nas suas marcas, no caso em que um dos cônjuges já partiu para as moradas celestes. Mas, atenção! Isto, que materialmente pode ser igual a um divorciado ou a um casal que emprega anticoncepcionais para não ter filhos, é no entanto completamente diferente.

Porque uma coisa é a aceitação resignada das vicissitudes da vida, de uma eventualidade alheia às nossas vontades – contrária, até, às nossas vontades! – e que priva a família quer dos seus alicerces originais – no caso da morte -, quer de seu desenvolvimento natural – no caso dos filhos que não vêm. Uma outra coisa, completamente diferente, é, por conta própria, destruir o vínculo indissolúvel que só a morte é capaz de solver, ou ceifar os filhos que Deus quisera mandar ao mundo.

Não há comparação possível. Do fato de os fins da família poderem ser frustrados não segue que nós os possamos deliberada e conscientemente frustrar; assim como do fato de que possamos perder um membro na guerra (e les invalides são merecedores de todo o nosso respeito e consideração!) não segue que possamos, por conta própria, nos mutilar por acharmos que o corpo deficiente “nos cai” melhor que o corpo são – e nem muito menos sancionar socialmente esta loucura.

De volta à (dita) “família não tradicional”. Isso simplesmente não existe; o que existe, e que demanda urgente tratamento – e nisto o Papa está mais uma vez corretíssimo! – são arremedos familiares, frutos de uma loucura generalizada que faz a seres humanos julgarem que a desestabilização voluntária da própria família (quer na sua dissolução, quer no impedimento de seus desenvolvimentos naturais) pode lhes ser algo bom. E é um escândalo que pessoas civilizadas, sem nenhuma coação premente de situações excepcionais (tal seria o exemplo, digamos, de uma mulher espancada diariamente pelo marido), aceitem com naturalidade viver em adultério continuado, traindo as promessas feitas um dia diante de Deus; ou tomando diariamente veneno para impedir que seus órgãos funcionem da maneira que foram feitos para funcionar, rejeitando os filhos que também prometeram um dia receber e educar. Isto choca e escandaliza, é socialmente deletério, individualmente degradante. E tal se vê não entre ímpios e pagãos, mas muitas vezes entre os que se dizem católicos praticantes…! Claro que provoca perplexidade; claro que demanda, sim, enfrentamento corajoso e urgente.

No WhatsApp, eu dizia que o maior sintoma dessa degenerescência era o fato de as pessoas não aceitarem o próprio erro mas, ao contrário, ficarem sempre repetindo para si próprias que estavam certas e errados eram os Papas, os santos, a Igreja, o próprio Cristo! Que os outros que mudassem, pois elas próprias não iriam mudar. Isto é o mais grave pecado que pode haver, porque é o pecado que já não se reconhece como pecado, é – para usar a expressão que Bento XVI consagrou – a própria perda de sentido do pecado.

O Papa sabe que é preciso «soluções concretas» para estes casos. Ora, que soluções? As que o mundo demanda? As que estas pessoas querem? De maneira alguma: a que deseja a Igreja! A solução para estes indivíduos é, nas palavras do próprio Papa!, que Deus «possa milagrosamente transformá-lo[s]». Sim, é um milagre; furar a barreira erguida pela impiedade de quem não é mais capaz de reconhecer o pecado em que vive imerso é um verdadeiro milagre. Mas é um milagre necessário, e pelo qual o Papa nos convida a rezar mais intensamente. Hoje a família precisa dele. Não nos é lícito fingir que não temos nada com isso.

No alto da Cruz ou aos pés d’Ela

É interessante que ao 14 de setembro siga-se o 15 de setembro; ou, dito de outro modo, para parecer menos simplório, é interessante que logo após a festa de Exaltação da Santa Cruz (dia 14) a Igreja celebre a festa de Nossa Senhora das Dores (dia 15).

Certo, o dia 14 é para celebrarmos o «o glorioso fato da reconquista da Santa Cruz das mãos dos Persas»; não obstante, é-nos impossível não pensar também na Crucificação em si, naquelas palavras de Cristo: «quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim» (Jo XII, 32). Ave Crux, Spes Unica: Salve, ó Cruz, única Esperança! Foi pela Paixão de Cristo que nós fomos salvos, assim aprendemos quando ainda éramos crianças. No entanto, esta verdade é sempre nova, e a cada vez que voltamos o nosso olhar para o Calvário nós entendemos um pouco melhor o que significa a nossa salvação. O tempo passa, e acumulamos pecados sobre pecados em nossas almas; o tempo passa, e temos o péssimo hábito de colecionar ofensas a Deus. Será possível que ainda poderemos ser perdoados, e de novo, e ainda mais uma vez, nós que já recebemos tanto a misericórdia do Altíssimo e, não obstante, temos retribuído a Ele com tanta mesquinhez?

Deus nunca Se cansa de nos perdoar, e olhando para a Sua Cruz temos a obrigação de amá-Lo cada vez mais, pois somos cada vez mais perdoados. A Cruz d’Ele é sempre nova e sempre que a olhamos, Ela se nos aparenta um pouco mais pesada, propter peccata nostra; cada vez que nos colocamos diante de um Crucifixo, constatamos envergonhados que há um pouco mais de sofrimento ali, colocado por nós. Pelos pecados de cada dia, com cuja malícia nós muitas vezes sequer nos importamos. Não sei se Oscar Wilde pensava nisso ao escrever o seu Retrato de Dorian Gray, mas o fato é que todos nós temos um retrato que fica cada vez mais disforme à força de nossas decrepitudes morais: a Crucificação é um pouco mais horrenda a cada dia, por culpa de nós. Se não percebemos a evolução deste sagrado sofrimento, é porque temos olhado com bem pouca atenção para Aquele que transpassamos.

E aos sofrimentos d’Ele sempre estiveram unidos os d’Ela, como bem o sabemos; a Virgem das Dores sempre acompanha a Paixão do Seu Divino Filho, e assim as nossas faltas não ofendem somente a Ele: também machucam o coração desta amabilíssima Mãe. Que, à semelhança do Seu Filho, não conhece limites para nos amar e volve o Seu olhar maternal para nós talvez com tanto mais fervor quanto mais veemência aplicamos em ofender-Lhe. Talvez não suportássemos a fealdade da Crucificação se a Santíssima Virgem não estivesse lá; talvez voltássemos o nosso rosto com horror e caíssemos no desespero, se a serena beleza d’Aquela Senhora não estivesse lá a nos insuflar coragem.

Somos pecadores, e volvendo o nosso olhar do Crucificado para a Virgem das Dores esta verdade nos salta aos olhos com uma aterradora clareza. No entanto, no alto da Cruz ou aos pés d’Ela, se olharmos com atenção, nós não encontramos senão misericórdia. É grande a nossa culpa, sim, e as dores do Gólgota não nos permitem esquecê-la; no entanto, maior é o amor d’Aquele que quis sofrer e morrer por nós quando ainda éramos pecadores. Maior é o amor d’Aquela que entregou o Seu Filho inocente a nós. Nas dores que infligimos a Cristo e à Santíssima Virgem, bem que poderíamos encontrar a nossa perdição; no entanto, se meditarmos compungidos e arrependidos nestes mistérios sagrados, descobriremos jubilosos que é do Calvário que se nos abrem as portas da nossa salvação.

Ad Te levavi animam Meam, Domine!

Ad Te levavi animam meam; Deus meus, in Te confido, non erubescam: neque irrideant me inimici mei: etenim universi, qui Te exspectant, non confundentur. Assim começa a Liturgia de hoje, primeiro domigo do Advento. Para a Igreja, um novo ano se inicia; o ano litúrgico começa antes do ano secular.

É comum que algumas pessoas façam propósitos de ano-novo: estabelecer metas para o ano que se inicia, listar marcos a serem alcançados e pontos a serem melhorados. Naturalmente, todos nós, cristãos, temos todos os dias muitas coisas a serem feitas, muitas virtudes a serem exercitadas e muitos vícios a serem expurgados. Não há justificativa para que esperemos o final do ano para revermos a nossa vida e esforçarmo-nos por melhorá-la: este é um trabalho de cada dia. Deus, no entanto, é misericordioso conosco, e a Igreja reconhece a importância que tem o passar do tempo na vida humana. O Advento (junto com a Quaresma) é um tempo de conversão. De mudar velhos hábitos. De preparar-se para o Messias que vem.

Importa aproveitar o tempo favorável: esta prédica encontra-se em todos os pregadores da Igreja. Se temos necessidade diária de conversão (como de fato o temos), nada justifica que não nos esforcemos por alcançá-la hoje, quando a Liturgia insiste particularmente no brado de “convertei-vos”. A Liturgia da Igreja, como sempre, vem em auxílio às nossas necessidades. Se desperdiçamos o nosso tempo, se não nos empenhamos como deveríamos na salvação da nossa própria alma, eis que Deus nos concede um tempo propício para meditarmos nestes assuntos e nos prepararmos para a vinda do Messias. Não é da Liturgia de hoje, mas a passagem é bem significativa deste tempo litúrgico que estamos vivendo: o machado já está posto à raiz das árvores, e toda aquela que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo. Esta metáfora pode ser encarada sob dois pontos de vista.

O primeiro, e mais evidente, é a santa admoestação para que nos esforcemos por dar bons frutos, pois não queremos – Deus nos livre disso! – ser cortados e lançados fora. Mas o segundo é (como dizia o sacerdote na homilia que ouvi hoje pela manhã) a necessidade de lançarmos o ferro às raízes das árvores dos nossos vícios, para cortá-las de uma vez por todas e lançá-las para distante de nós. Se nos jardins da nossa alma, por tantas vezes, cultivamos com esmero e por tanto tempo árvores daninhas, este é o momento de termos a coragem de golpeá-las com o machado. Na raiz: não simplesmente podando os galhos que, inevitavelmente, tornarão a crescer. Cortar o mal pela raiz é, insisto, uma obrigação nossa de cada dia, e não somente do tempo do Advento. Mas somos servos maus e preguiçosos, e eis que nos descuidamos e chegamos às vésperas do Aniversário do Divino Salvador com o jardim de nossa alma cheio de cardos, espinhos e abrolhos. Infelizes de nós! A misericórdia de Deus, no entanto, supera as nossas misérias. Deus vem ao nosso socorro e, neste Advento que estamos já vivendo, somos chamados a cuidar da nossa alma. Não simplesmente podar o jardim, não simplesmente passar um verniz que esconda a madeira carcomida pelos vermes: é tempo de conversão radical. Queira Deus nos dar a coragem necessária para arrancarmos completamente as más árvores que deixamos lançar raízes em nossos corações. É tempo, sim, de fazer propósitos – como até mesmo os que não são cristãos fazem no Ano-Novo! – e nos esforçarmos por cumpri-los. Propósitos ousados, como convém aos filhos de Deus. Propósitos que sabemos não sermos capazes de cumprir: propósitos que são pedidos a serem suplicados ao Altíssimo.

Porque – como diz o introito da Missa de hoje – é para Deus que elevamos a nossa alma. Se confiarmos n’Ele, não seremos envergonhados, e não zombarão de nós os nossos inimigos. Porque – esta é a promessa na qual nos podemos fiar – não serão confundidos os que esperam no Altíssimo. É n’Ele que está a nossa esperança, é com olhos fitos n’Ele que queremos, com a Sua graça, bem prepararmo-nos para a celebração do Natal do Senhor. Que Ele venha em nosso socorro e nos ajude. E que, durante este tempo santo concedido pela Igreja para que melhoremos a nossa vida, nós o saibamos aproveitar. Vinde, Senhor, não tardeis.

Presidente Dilma

Escrevo do celular, longe de casa, onde os meus crismandos estão em retiro desde o sábado último. Escrevo nas escassas horas vagas das quais disponho, e por ambas estas coisas não me vou alongar demais.

Ontem foi um dia triste, um dia de luto para esta Pátria que amamos e cujo bem desejamos. Ontem houve festa no Inferno – e alguns comentários impublicáveis recebidos aqui no Deus lo Vult! são uma prova eloqüente disso. Ontem, riu-se Satanás, escarnecendo da Terra de Santa Cruz que se entregou, mais uma vez, nas mãos de governantes iníquos.

Confesso que eu cheguei a ter esperança… cheguei a acreditar. Não que o PSDB fosse fazer enfim alguma coisa; mas que conseguiríamos empurrar os desgraçados que estavam se empenhando, desde o início, em não ser eleitos. Não deu. Não dá para fazer sempre, pelos outros, as coisas que são obrigações deles. Forçamos um segundo turno. Esperar mais do que isso, talvez fosse realmente utopia demais.

Mas temos o presidente que merecemos. Claro que temos. Claro que o Brasil merece uma ditadura petista, e o motivo pelo qual lutamos contra ela foi porque esperávamos na Misericórdia Divina, que sempre nos castiga com uma intensidade menor do que de fato merecemos. Dilma Rousseff usurpou o poder desta Terra de Santa Cruz propter peccata nostra, não há dúvidas disso. Bendito seja Deus, que dá e que tira.

No fim… o que temos? Uma derrota nas urnas, sim, mas que – embora amarga – não se pode dizer que tenha sido uma surpresa. Aliás, nem foi um revés no sentido próprio da palavra, pois não houve mudança alguma, e sim a continuidade da iniqüidade. Mas, continuemos. Contra quem necessário for, como estamos já acostumados a fazer. A resistência continua, porque é o nosso dever e não temos o direito de desanimar.

Hoje é dia de Todos os Santos. Que a Igreja Triunfante inteira interceda pelo Brasil, posto que vamos precisar. Nossa Senhora Aparecida, salvai-nos. Nossa Senhora Aparecida, livrai o Brasil do flagelo do comunismo.

Louvores à Santa Cruz

Ontem foi a festa da Exaltação da Santa Cruz. Talvez poucas festividades tenham um significado tão antagônico ao espírito do tempo em que vivemos quanto esta, na qual nós celebramos a vitória de Nosso Senhor Jesus Cristo no Sagrado Lenho da Cruz. Precisamente no momento mais doloroso. Precisamente quando Ele parecia ter sido derrotado. No auge do sofrimento. No ápice da dor.

Porque do tronco da Cruz brotou a Vida, assim como a Morte nasceu do tronco da árvore do Éden. Exaltamos a Santa Cruz porque, n’Ela, reconhecemos o instrumento da nossa redenção: reconhecemos que foi n’Ela que Nosso Senhor imolou-Se em favor de nós. No mundo da auto-suficiência no qual vivemos, pode soar humilhante este reconhecimento de que precisamos de Alguém: mas ele precisa ser feito. Nosso Senhor é-nos necessário, e foi necessário o Sacrifício da Cruz para satisfazer a Majestade Infinita de Deus ofendida pelos nossos pecados.

O Lenho da Cruz do Qual pendeu a salvação do mundo, como cantamos na Sexta-Feira da Paixão. Seria pouco dizer que nós “precisamos” de Nosso Senhor; seria mascarar a realidade. Afinal, nós aceitamos favores de outrem com uma relativa facilidade, contanto – este é o ponto – que não sejamos causa de grande estorvo. Pois bem: nós não apenas temos absoluta necessidade de Nosso Senhor, como que esta nossa necessidade causou-Lhe sofrimentos inimagináveis. A Graça, o Favor que recebemos do Onipotente tem o preço do Preciosíssimo Sangue de Deus: e quantas vezes nos esquecemos disso, tratando-A como se fosse coisa de pouca monta! Se, entre humanos, é desrespeitoso recusarmos os presentes que nos dão de boa vontade… que desrespeito terrível não é desfazer-se, diante dos próprios olhos de Deus, de um tão grandioso Presente que custou tão caro! É o que faz o pecado, desprezando a Graça e tornando a alma novamente escrava de Satanás. Que terrível malícia! Que venha em nosso socorro a Misericórdia do Altíssimo. Que Ele nos trate sempre não como merece a imensidão de nossas culpas, mas na amorosa medida de Sua benevolência.

Mas até a Misericórdia de Deus é justa. Afinal, “la justicia y la misericordia están tan unidas que la una sostiene a la otra. La justicia sin misericordia es crueldad y la misericordia sin justicia es disipación” (Catena Aurea). A misericórdia, vista sem a justiça, torna-se dissipação, depravação, dissolução.  Deus é Misericordioso porque toma sobre Si os nossos pecados e nos convida a sermos imitadores d’Ele; não existe misericórdia como um salvo-conduto para levarmos uma vida de ofensas a Deus. Não existe redenção para que possamos viver felizes os nossos pecados: isso é blasfêmia. Deus nos perdoa com um objetivo específico: que sejamos santos. Esta é a Misericórdia Divina. O resto, é lenga-lenga do mundo.

E, neste sentido, a exaltação da Santa Cruz é também um convite para que redescubramos o valor do sofrimento. Porque, por meio dele, tornamo-nos imitadores do Homem das Dores, como Ele expressamente pediu. A salvação vinda da Cruz – que exaltamos – passa pelo estreito caminho de sabermos tomar a nossa própria cruz a cada dia e seguir a Cristo: e isto também deve ser exaltado. Afastemo-nos do hedonismo do mundo moderno. Sejamos gratos a Deus, por Ele ter-nos demonstrado tão grande favor. E, confiantes, suportemos as tribulações desta vida, com os olhos fitos no Alto onde, um dia, esperamos ser recebidos – e rezamos para isso! – por Aquele que derramou o Seu Sangue por nós.

Ave, Crux, Spes Unica!

Kardec e Talião

Está rolando um interessante debate nos comentários de um texto do Deus lo Vult! do mês passado, sobre espiritismo e catolicismo. Trago de novo o assunto à baila só para fazer algumas considerações ligeiras sobre Justiça, Misericórdia y otras cositas más.

Antes de qualquer coisa, salta aos olhos como os espíritas – muito provavelmente sem perceberem – aplicam com uma extrema rigidez a Lex Talionis que criticam no Velho Testamento, elevando-a contudo a patamares inacreditáveis. “Olho por olho, dente por dente” – muitos consideram isso bárbaro e desumano. No entanto, os espíritas aplicam o mesmíssimo princípio a todas as coisas que acontecem no mundo e pensam com isso resolver o problema do mal!

Como responde um espírita à pergunta “por que sofro”? Ele diz “sofro porque, em uma vida passada, eu fiz alguém sofrer”. Olho por olho, dente por dente, dor por dor: esta é a Doutrina Espírita. A tal “lei da causa e efeito” com sua mecanicidade só confere um status metafísico à lei de Talião, que passa a ser absoluta e implacável. “Nenhum mal causado fica impune”. Se Talião é desumano e inaceitável, muito mais inaceitável é este “super-Talião” onipresente que os espíritas acreditam ser Deus.

Não há espaço para o perdão na Doutrina Espírita, por causa da lei acima. Se eu causei um mal, eu vou precisar sofrer um mal “equivalente” para poder lavar a minha alma da mancha da culpa adquirida. Se não for nesta vida, será numa próxima. E, com isso, julgam explicados os problemas do mundo… mas a que preço? Por acaso viver em um mundo nestes moldes é reconfortante? Por acaso isto é “Justiça”?

Além deste “talionismo espiritual”, os espíritas acreditam em um igualitarismo totalmente ilógico. A parábola do administrador que dá “a um, cinco talentos; a outro, dois talentos; e a outro, um talento” simplesmente não cabe na lógica espírita. Provavelmente eles vão explicar a diferença de tratamento entre os empregados do patrão com base em uma “vida pretérita” deles. Eles não aceitam que Deus possa dar a um mais do que a outros – mesmo quando Nosso Senhor, a Quem eles têm por “mestre”, por diversas vezes deu mostras claras e inequívocas de agir com desigualdade. Oras, por que algumas pessoas nascem com saúde, outras com saúde e dinheiro, outras com saúde, dinheiro e beleza, etc? Por que o administrador dá um talento a um, a outro dois, a outro cinco? Acaso é injusto o administrador? Acaso Deus é injusto quando distribui os Seus bens da maneira como Lhe apraz?

E quanto aos trabalhadores da última hora (Mt 20, 1-16)? Que trabalharam somente uma hora e ganharam exatamente a mesma coisa que os que suportaram “o peso do dia e do calor”? Mas é precisamente a este “pai de família”, a quem é permitido fazer dos seus bens o que lhe apraz, que o Reino dos Céus é comparado. Onde fica o igualitarismo espírita? Por que, então, o sujeito que se arrepender na hora da morte vai entrar no mesmo Reino dos Céus onde a outra pessoa que passou a vida toda sendo temente a Deus também estará? Nosso Senhor já respondeu a estas questões! Elas só são difíceis para quem acredita que Talião é o Senhor do Universo, e que as coisas são regidas por um mecanicismo igualitário cego e impessoal. Crêem em Deus os espíritas? Por certo, não no mesmo Deus que eu creio.

O Cristianismo tem o mérito de dar valor ao sofrimento. Mas não como na Doutrina Espírita – o sofrimento não é uma “punição” por pecados de vidas passadas, mas sim uma oportunidade de santificação. Nosso Senhor era Justo, nele não havia pecado e, mesmo assim, Ele sofreu – é por isso que o sofrimento humano tem valor. Ele foi “divinizado” quando Deus tomou as nossas dores. Ele foi o preço da nossa Redenção; é por meio do sofrimento, então, que se alcança o Reino dos Céus, não na lógica talionesca espírita, mas na lógica da gratuidade do Amor Divino. O problema do mal só encontra sentido na Cruz de Nosso Senhor – é para Ela que os espíritas deveriam olhar, ao se questionarem sobre os males do mundo. Infelizmente, eles preferiram olhar para a Lei de Talião. São tão poucos os pontos em comum entre a doutrina de Kardec e a de Nosso Senhor Jesus Cristo, que somente com um olhar totalmente superficial é possível julgá-las parecidas ou mesmo compatíveis.

Oração para obter misericórdia na hora da morte

[Recebi esta oração por email, enviada pela Teresa Moreno, a quem agradeço. A despeito de não conhecer a autoria (e de não ter encontrado nada numa rápida pesquisa que fiz pela internet), ela me pareceu muito piedosa, servindo excelentemente à meditação. Que Nosso Senhor conceda-nos a todos a graça de uma boa morte; que, finda a nossa peregrinação neste vale de Lágrimas, alcancemos, pela intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria e todos os santos, a graça de vivermos eternamente com Ele.]

A Nosso Senhor Jesus Cristo,
para Obter Misericórdia na Hora da Morte.

Meu Jesus crucificado, ouvi, na Vossa grande misericórdia, a súplica que Vos faço agora, para a hora da minha morte, quando todos os meus sentidos desfalecerem:

quando pois, Jesus, a imobilidade dos meus pés indicar que o fim da minha viagem, neste triste vale, chegou, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando as minhas mão trêmulas e enregeladas já não puderem sustentar e apertar sobre o peito o vosso amado crucifixo, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando os meus olhos, escurecidos e prestes a se apagarem, já não puderem mais contemplar-Vos nessa Cruz, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando os meus lábios insensíveis já não puderem mais beijar as vossas chagas e, em balbucio, mal puderem, pela última vez, invocar o Vosso Nome Santíssimo, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando as minhas faces pálidas e os meus cabelos desgrenhados causarem aos circundantes terror e compaixão, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando os meus ouvidos já irem se fechando para os sons e vozes deste mundo, e se abrindo para escutar a sentença da minha sorte para toda a eternidade, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando a minha imaginação, agitada por temerosos fantasmas, perturbar o meu espírito, e a lembrança das minhas iniqüidades, junto com o temor da Vossa santa justiça, encherem minh’alma de remorso e confusão, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando eu, em tristeza de morte, derramar minha última gota de lágrima, aceitai-a como oferenda de sacrifício expiatório, para que eu morra como vítima de penitência, e assim, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando parentes e amigos em torno de mim, se enternecendo e se apiedando face ao meu lastimoso estado, por mim Vos invocarem, escutai-os ó misericordioso Jesus, e tende piedade de mim;

quando, após o meu espírito ter lutado contra o espírito do mal, na tentativa extrema de não ser vencido e lançado no abismo negro do desespero, e, naquela última aflição de alma, tiver o mundo inteiro desaparecido para mim, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando as últimas e fenecidas ânsias de vida forçarem minh’alma a sair, aceitai-a, Jesus, como o desejo ardente de uma santa impaciência de acercar-se de Vós, e Vós, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando meu coração, exausto da agonia da morte, determinar sua derradeira palpitação e render-se ao fim, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

quando a minha alma partir, aceitai a destruição do meu corpo como filial homenagem à Vossa augustíssima majestade e humanidade, e então, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim;

e quando, finalmente, minha alma comparecer diante de Vós e, pela primeira vez, ver e admirar o esplendor da Vossa majestade, não a expulseis, mas recebei-a com misericórdia, para que cante os Vossos louvores; e para toda a eternidade, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Oremos: ó clementíssimo Jesus, tão amante das almas, eu Vos suplico, pela agonia do Vosso SS. Coração e pelas dores da Vossa Mãe Imaculada, que purifiqueis no Vosso sangue todos os pecadores que estão em agonia e neste dia hão de morrer; ó Coração agonizante de Jesus, tende piedade dos moribundos.