Soneto a Cristo Crucificado

Aproveitando que o Papa Bento XVI declarou recentemente São João de Ávila como doutor da Igreja, reproduzo aqui este belo soneto espanhol do século XVI. Embora a sua autoria ainda conste como “anónima”, não poucos têm por certo que ele brotou justamente da pena do grande místico espanhol que o Sumo Pontífice elevou recentemente ao rol dos Doutores da Igreja de Cristo (a este respeito, veja-se também este artigo publicado no final de semana passado em um jornal de Córdoba). Em todo o caso, o poema é uma pérola da mística católica, cujos versos mereceram ser conhecidos e repetidos séculos afora. São belos! Que sejam a nossa oração, e que nos ajudem a elevar a nossa alma a Deus.

Soneto a Cristo crucificado

No me mueve, mi Dios, para quererte
el cielo que me tienes prometido;
ni me mueve el infierno tan temido
para dejar por eso de ofenderte.

Tú me mueves, señor; muéveme el verte
clavado en una cruz y escarnecido;
muéveme ver tu cuerpo tan herido;
muévenme tus afrentas y tu muerte.

Muéveme, en fin, tu amor, y en tal manera
que aunque no hubiera cielo, yo te amara,
y aunque no hubiera infierno, te temiera.

No me tienes que dar porque te quiera,
pues aunque cuanto espero no esperara,
lo mismo que te quiero te quisiera.

Cânticos

Releio o Cântico Espiritual de São João da Cruz. O grande místico foi celebrado anteontem na Igreja. Confesso não conhecer muito sobre ele, mas gosto do pouco que conheço. Em particular, do Cântico Espiritual.

A Esposa procura pelo Amado; pergunta aos pastores, pergunta aos bosques e espesuras que a mão do seu Amado plantou. Procura-O desesperadamente: Decid si por vosotros ha pasado. E ouve falar do seu Amado, mas não O encontra.

Lembro-me imediatamente do Cântico dos Cânticos, e com certeza São João da Cruz tinha o texto bíblico diante de si enquanto escrevia o seu Cântico Espiritual. Mas julgo o livro sagrado mais triste. Porque, nele, fica mais clara a culpa da Esposa na separação:

“Eu dormia, mas meu coração velava. Eis a voz do meu amado. Ele bate. Abre-me, minha irmã, minha amiga, minha pomba, minha perfeita; minha cabeça está coberta de orvalho, e os cachos de meus cabelos cheios das gotas da noite. Tirei minha túnica; como irei revesti-la? Lavei os meus pés; por que sujá-los de novo? (…) Levantei-me para abrir ao meu amigo; a mirra escorria de minhas mãos, de meus dedos a mirra líquida sobre os trincos do ferrolho. Abri ao meu bem-amado, mas ele já se tinha ido, já tinha desaparecido; ouvindo-o falar, eu ficava fora de mim. Procurei-o e não o encontrei; chamei-o, mas ele não respondeu” (Cântico dos Cânticos, 5, 2-3. 5-6).

E gosto particularmente destes versos: Exspoliavi me tunica mea, quomodo induar illa? Lavi pedes meos, quomodo inquinabo illos? Chego quase a imaginá-los. Uma situação cômoda, e alguém que vem incomodar: um descanso merecido, que alguém vem interromper. Mas é Deus quem chama!

A Esposa levanta-se. Antes de levantar, no entanto, reclama; e esta murmuração, ela somente, tão pequena, é suficiente para que o Amado vá-se embora. Não havia de levantar-se? Por que não se levantou de uma vez? Teria encontrado o Amado à porta. No entanto, perdeu tempo. Ele Se foi.

Depois, Ela o procura pela cidade. Sofre, sem O encontrar. “Dizei-lhe”, Filhas de Jerusalém, “que estou enferma de amor” (v. 8). É a mesma coisa que diz São João da Cruz: si por ventura vierdes / aquel que yo más quiero, / decidle que adolezco, peno y muero. A Esposa sofre pelo Amado nos Textos Sagrados, sofre no poema do santo espanhol.

E quem dera a nossa alma sofresse pelo Deus Altíssimo! Porque a imagem da Esposa e do Amado é figura da alma humana que ama e busca a Deus. Tanto o Cântico Espiritual quanto o Cântico dos Cânticos terminam com a união da Esposa e do Amado. A alma, por fim, termina unida a Deus – eis a mística – depois de todo o sofrimento que passa em busca d’Ele – eis a ascese.

Quem dera nossa alma sofresse buscando o Deus Onipotente! Porque, muitas vezes, tenho a impressão de que ela permanece no exspoliavi me tunica mea… Permanece no tempo perdido. Permanece na apatia. Permanece no próprio comodismo, que a afasta de Deus. Precisa levantar-se, abrir a porta, buscar a Deus, sofrer. Só assim vai refazer os passos das Esposas dos dois Cânticos. Só assim poderá terminar na mesma felicidade delas.

É advento. É tempo de endireitar as veredas. É tempo de despertarem os que dormem – pois o Senhor vem. É necessário deixar o aconchego da cama, vestir novamente a túnica, sujar os pés. Ir à cidade, procurar pelo Amado, buscá-Lo nos bosques e nos campos. Mas buscá-Lo, mesmo que se vá sofrer nesta busca. Sabendo, aliás, que se vai sofrer nesta busca: porque a ascese precede a mística, e a união com Deus é para as almas que O procuram. Que a Virgem Santíssima conceda-nos a graça de nos prepararmos bem para o Natal. Que o final feliz do Cântico dos Cânticos e do Cântico Espiritual possa ser também o final do cântico de nossas próprias vidas. Soframos em busca de Deus, para que um dia rejubilemo-nos em Sua companhia.

Divulgação – V Jornada Tomista de Pernambuco

V JORNADA TOMISTA DE PERNAMBUCO

Recife, 04, 05 e 06 de Novembro de 2009

TEMA

“TOMÁS DE AQUINO E A MÍSTICA MEDIEVAL”

ATIVIDADES

Conferência de Abertura: Prof. Dr. Paulo Faitanin (Univ. Federal Fluminense): “A hierarquia celeste: iniciação à doutrina dos anjos de São Tomás de Aquino”.

ATIVIDADES DAS NOITES

Quarta-feira (04/11):  Conferência –  das 19h às 22h – Auditório do CIRCAPE – Rua do Riachuelo, 105, 10o andar

–   Prof. Dr. Paulo Faitanin  – Univ. Federal Fluminense: “A hierarquia celeste: iniciação à doutrina dos anjos de Santo Tomás de Aquino”.

Quinta-feira (05/11): Comunicações – das 19h às 22h – Auditório do CTCH – 1o Andar – Bloco B – UNICAP

–    Prof. Dr. Ivanaldo Santos – UERN: “O tomismo analítico”.

–    MSc. Nalfran Modesto Benvinda – Doutorando em Filosofia – UFPB/UFPE/UFRN: “As qualidades requeridas na oração a partir do Comentário ao Pai Nosso de Santo Tomás”.

–  Ricardo Evangelista Brandão – Mestrando pela UFPB ; Prof. Dr. Marcos Nunes – UNICAP/INSAF: “Há possibilidade das paixões do corpo afetarem a alma, segundo Santo Agostinho?”

Sexta-feira (06/11):  Comunicações – das 19h às 22h – Auditório do Bloco D – 1o andar  – UNICAP

–    Prof. Dr. Witold Skwara – UFPE: “O tempo qualitativo em Santo Agostinho e o tempo quantitativo em Tomás de Aquino”.

–    Jair Lima dos Santos – Curso de Direito – PIBIC/UNICAP ; Prof. Dr. Marcos Nunes – UNICAP/INSAF: “A Lei Natural em Tomás de Aquino e sua Repercussão na Doutrina Política de Marsílio de Pádua”.

–   Carlos Alberto Pinheiro Vieira – Mestrando em Ciências da Religião – UNICAP; Prof. Dr. Marcos Nunes – UNICAP/INSAF: “O amor como fundamento da ordem social em Santo Agostinho”.

ATIVIDADE DAS TARDES

Quarta a sexta feira (04, 05, 06/11):  minicurso – das 14h às 17h – Sala 005 – Térreo – Bloco G4 – UNICAP

– Prof. Dr. Paulo Faitanin  (Univ. Federal Fluminense): “O único necessário: iniciação à ascética e mística de Santo Tomás de Aquino”

INSCRIÇÕES

(na Secretaria do CTCH – 1o Andar – Bloco B – UNICAP)

Inscrições de Comunicações

As inscrições para apresentação de comunicações (30minutos cada, incluindo debate), vão até o dia 25.10.2009. Para tal, enviar título de trabalho e resumo (com, no máximo, 200 palavras acompanhadas de 3 a 5 palavras-chave) para o seguinte endereço eletrônico: marcos@unicap.br

Inscrições de Ouvintes

(A partir de 19.10.2009, na Secretaria do CTCH – 1º andar – Bloco B – UNICAP)

Para as atividades das noites serão fornecidos Certificados gratuitos a quem tiver freqüência de, pelo menos, 75%

Para emissão do Certificado do Minicurso da Tarde será cobrada uma taxa de R$ 20,00.

Coordenação:

Prof. Dr. Marcos Costa – UNICAP/INSAF e Prof. Dr. Elcias da Costa – Presidente do Instituto Tomista

Realização:

Instituto de Pesquisa Filosófica Santo Tomás de Aquino/CIRCAPE – INSAF – UNICAP

Marta, Marta…

Martha Martha sollicita es et turbaris erga plurima porro unum est necessarium Maria optimam partem elegit quæ non auferetur ab ea.
[Evangelium secundum Lucam 10, 41-42]

Duas irmãs receberam o Senhor em sua casa. Marta preocupa-se em servir a Jesus; Maria, empenha-se em ser servida por Ele. Marta é figura da vida ativa; Maria, da vida contemplativa. Gosto de ver também Marta como figura da ascese e, Maria, da mística; e, por fim, também enxergo Marta como figura da vocação leiga e, Maria, da vocação religiosa.

Sobre a vida ativa e a contemplativa, há comentários muito bons na Catena Aurea. Em particular, a seguinte explicação de São Gregório Magno é de uma magnífica clareza:

El cuidado de Marta no se reprende, pero se alaba el de María; son grandes los méritos de la vida activa, pero son mayores los de la contemplativa.

Até porque todos temos, em uma certa medida, necessidade de ação e de contemplação. Enquanto seres humanos, precisamos ter os olhos voltados para o exterior, para as nossas necessidades naturais; enquanto cristãos, precisamos ter os olhos voltados para o interior, para a nossa alma e a sua relação com Deus. Somos seres vivos, e precisamos cuidar do nosso corpo; somos filhos de Deus, e precisamos cuidar de nossa alma. Não há maniqueísmo na Doutrina Católica, nem mesmo na aparente “dicotomia” entre a vida ativa e a vida contemplativa, entre Marta e Maria: Jesus não repreende o cuidado de Marta – tanto que, como comenta Teofilato na Catena Aurea, Jesus nada disse quando chegou e viu que Marta estava trabalhando, somente a corrigindo quando ela foi interferir na contemplação da irmã – apenas elogia o cuidado de Maria.

Acontece que Maria deve ser grata a Marta, porque Jesus provavelmente não viria à sua casa se não houvesse quem O recebesse. Marta “prepara” a casa para que Maria possa ouvir o Senhor – esta verdade torna-se ainda mais evidente se olharmos para a ascese e a mística. Se a ascese pode ser vista como o esforço da alma que busca elevar-se a Deus, a mística seria, então, a contrapartida: o Deus que Se abaixa para chegar até a alma. Uma ascese que não esteja direcionada para Deus é vã; mas a mística de Deus – salvo raríssimas exceções – também não prescinde dos esforços ascéticos da alma. Maria não estaria aos pés do Senhor se Marta não estivesse cuidando da casa. A graça pressupõe a natureza, a mística pressupõe a ascese, a vida contemplativa pressupõe a vida ativa, Maria pressupõe Marta.

Mas os exercícios ascéticos não são um fim em si mesmo, devendo ter em Deus o seu objetivo. Os cuidados do corpo devem ser tomados na medida em que possibilitem os cuidados da alma, não devendo jamais esta ser descuidada por causa daquele. O objetivo de receber Jesus em casa é ouvi-lO falar, e não simplesmente recebê-lO; o papel de Marta é sem dúvida necessário, mas perde completamente a razão de ser sem o de Maria. Por isso o Senhor repreende Marta, não quando ela estava cuidando da casa – pois a vida ativa, a ascese, são necessárias – mas quando ela quis retirar Maria do seu lugar – pois a união mística com Deus, a vida contemplativa, são mais importantes.

Não obstante coexistam em cada um de nós a vida ativa e a vida contemplativa, as vocações específicas de cada um – à vida religiosa ou à vida leiga – direcionam a maneira correta de viver cada uma delas. Um religioso que descuide da sua contemplação para resolver os problemas temporais está sem dúvidas vivendo mal a sua vocação; mas a recíproca é também verdadeira, porque um pai que tanto se dedique à vida contemplativa que descuide de sua família também não está vivendo bem a sua paternidade. Cada um é aquilo que é; Marta é Marta, e Maria é Maria. Não queira Maria fazer aquilo que compete a Marta, nem deixe Marta de fazer o que deve para agir como Maria.

No final, pode-se ficar com a impressão de que Marta é a “gêmea má” da história. Mas tal impressão é falsa; Marta e Maria são necessárias, e dizer que a parte escolhida por Maria é a melhor [optimam partem] não é a mesma coisa de afirmar ser ruim a parte de Marta. Para dissipar os equívocos e acabar com todo dualismo que possa haver, a Igreja enalteceu a vida ativa, corroborou a ascese e glorificou a vocação leiga canonizando Marta. Não apenas Maria é chamada à santidade, pois Marta também tem a honra dos altares.

Hoje é dia de Santa Marta! Que ela possa interceder a Deus por nós, para que saibamos cuidar corretamente do nosso corpo e da nossa alma, esforçando-nos nos cuidados de nossa casa para que possamos estar aos pés de Jesus – e por nenhum outro motivo! – ouvindo as palavras de Vida Eterna que somente Ele tem para nos oferecer.

Sancta Martha,
ora pro nobis!