Esclarecimentos de Curitiba – vinho e suco de uva na Missa

[Publico abaixo a nota emitida pela Arquidiocese de Curitiba, que consta no site da Mitra (não disponível via link direto), sobre a polêmica envolvendo a autorização para que fossem celebradas Missas com suco de uva (!) no lugar do vinho. A informação constante na nota já fora divulgada anteriormente pela Folha de São Paulo.

Alegro-me pelo fato da Arquidiocese ter voltado atrás na orientação absurda que fora antes publicada, mas é preciso ainda esclarecer dois pontos:

1. Não houve aqui nenhum “mal-entendido”. Foi divulgada uma nota oficial dizendo, literalmente, que os sacerdotes «que preferirem substituir o vinho com o álcool pelo sem, ou pelo suco de uva, poderão fazê-lo, pois já estão autorizados pelo arcebispo». Ora, se houve aqui algum problema de interpretação, foi da parte da assessoria de comunicação da Arquidiocese, que divulgou tão esdrúxula nota. Jamais da parte dos fiéis, que apenas lemos o que fora divulgado e ficamos perplexos com o conteúdo do documento.

2. A nota insiste no erro, uma vez que – como mostramos – ninguém, nem o Papa, tem autoridade para autorizar o uso de “suco de uva” na celebração da Santa Missa, uma vez que suco de uva não é matéria válida para o Sacramento da Eucaristia. O que o Papa pode autorizar (aliás, cumpridas certas exigências, o bispo também) é a substituição do vinho canônico por mosto, que é vinho ainda não fermentado (ou baixissimamente fermentado), mas nunca por suco de uva simpliciter.

No resto, alegramo-nos pela correção da nota anterior e ficamos aliviados por saber que, em Curitiba, não haverá nenhuma Missa celebrada invalidamente por deficiência de matéria.]

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NOTA DE ESCLARECIMENTO – INGESTÃO DE VINHO A PARTIR DA NOVA LEI SECA

Da: Chancelaria

 

Diante das normas sobre a nova Lei Seca, Dom Moacyr José Vitti, arcebispo da Arquidiocese de Curitiba, concedeu entrevista para alertar o clero sobre a ingestão da quantidade de vinho (Corpo de Cristo) durante as celebrações. Na entrevista, afirmou que todos os padres deveriam portar a sua identidade clerical (carteirinha) para apresentar às autoridades competentes, no caso de uma blitz, porém, ciente de que a carteirinha não isenta qualquer motorista de uma possível multa.

A respeito do sacramento, todo sacramento é composto de “matéria” e “forma” (teologia tomista). No caso da Eucaristia (missa) a “forma” são as palavras “… isto é o meu corpo…Este é o cálice do meu sangue…” e a “matéria” pão e vinho (elementos visíveis, palpáveis). Dom Moacyr não quis modificar nem a matéria e nem a forma. Houve um mal entendido, porque no decorrer da entrevista ele comentou que “em casos extremos, especiais, a Santa Sé pode permitir o uso do suco de uva, como por exemplo, os padres que têm a doença do álcool ou outras doenças” (Nota do Cân. 924 do CDC). Foi entendido que o arcebispo estava autorizando os padres a usarem o suco de uva, causando polêmica. Foi um mal entendido.

O presidente da CNBB, Cardeal Dom Raymundo Damasceno orientou a Arquidiocese de que “não podem ser usados nas missas o vinho sem o álcool e nem o suco de uva, pois esta ordem compete unicamente a Santa Sé”.

Dom Moacyr solicita que os sacerdotes que celebram várias missas no final de semana e que devem se deslocar, respeitem um prazo de tempo para passar o efeito alcoólico. Solicita também que diminuam a quantidade da matéria (vinho) a ser ingerida.

Esperamos ter explicado o mal entendido e continuemos celebrando nossas missas para a maior glória de Deus!

Vigário Geral e Chanceler da Arquidiocese
Côn. Élio José Dall’ Agnol

Suco de uva na Santa Missa?

Saiu na mídia secular uma notícia dizendo que o Arcebispo de Curitiba, Dom Moacyr José Vitti, autorizou os padres da Arquidiocese a, se quiserem, substituírem o vinho da Santa Missa por suco de uva (!) por conta da Lei Seca (!!). Tive acesso à nota emitida pela “Assessoria de Comunicação da Mitra da Arquidiocese de Curitiba” e, de fato, lá consta a seguinte perturbadora frase:

Os [sacerdotes] que preferirem substituir o vinho com o álcool pelo sem, ou pelo suco de uva, poderão fazê-lo, pois já estão autorizados pelo arcebispo.

Alguns esclarecimentos se fazem necessários. Antes de qualquer outra coisa, eu não acredito que o Arcebispo de Curitiba tenha autorizado a substituição do vinho da Santa Missa por suco de uva, pela simples razão de que suco de uva é matéria inválida para a celebração da Eucaristia. Suco de uva não se transubstancia no Sangue de Cristo mais do Fanta Uva ou Ki-Suco de Uva. Um padre que porventura tentasse celebrar a Santa Missa com suco de uva não conseguiria celebrá-la validamente (= o suco de uva continuaria suco de uva, e não se tornaria jamais o Sangue de Cristo), ainda sendo verdade que o Arcebispo tivesse autorizado semelhante despautério. Igualmente, um padre que trocasse o pão da Santa Hóstia por, digamos, broa de milho, poderia celebrar uma Liturgia impecável que não iria conseguir transformar a broa de milho no Santíssimo Corpo de Cristo. O mesmo vale para o suco de uva. As únicas matérias válidas para a celebração da Eucaristia são aquelas que o próprio Cristo utilizou: pão de trigo e vinho de uva.

Isto se encontra em uma miríade de documentos. P.ex., na Redemptionis Sacramentum (grifos meus):

[50.] O vinho que se utiliza na celebração do santo Sacrifício eucarístico deve ser natural, do fruto da videira, puro e dentro da validade, sem mistura de substâncias estranhas. Na mesma celebração da Missa se lhe deve misturar um pouco d’água. Tenha-se diligente cuidado de que o vinho destinado à Eucaristia se conserve em perfeito estado de validade e não se avinagre. Está totalmente proibido utilizar um vinho de quem se tem dúvida quanto ao seu caráter genuíno ou à sua procedência, pois a Igreja exige certeza sobre as condições necessárias para a validade dos sacramentos. Não se deve admitir sob nenhum pretexto outras bebidas de qualquer gênero, que não constituem uma matéria válida.

Há quatro anos, eu escrevi aqui um texto sobre uma situação idêntica que acontecera em São José dos Pinhais. Para deixar claro: o que se pode autorizar (em situações especialíssimas) é a substituição do vinho pelo mosto. Mosto não é suco de uva; mosto é vinho não-fermentado. Suco de uva não fermenta. Mosto, se você deixar fermentar, vira vinho. São duas coisas bem distintas. Não sei, p.ex., se você pode encontrar mosto no supermercado; mas sei que aqueles sucos de uva de caixinha não são mosto e, portanto, não são matéria válida para a celebração da Eucaristia. O mesmo se pode dizer do suco de polpa de uva que se pode pedir em qualquer lanchonete. Aliás, acho que mosto é uma coisa muito específica (que inclusive exige condições especiais de armazenamento e conservação, posto que senão ele fermenta e vira vinho) que não se encontra tão facilmente assim por aí – o que, por si só, provavelmente já faz com que esta idéia de deixar todo mundo celebrar com mosto esbarre em uma enorme dificuldade de ordem prática.

Mais ainda: não existe autorização da Santa Sé para uso irrestrito de mosto. Pelo contrário, as orientações são específicas em determinar que a licença só seja concedida individualmente:

1. Os Ordinários são competentes para conceder a licença de usar pão com baixo teor de glúten ou mosto como matéria da eucaristia em favor de um fiel ou de um sacerdote. A licença pode ser outorgada habitualmente, até que dure a situação que motivou a concessão. (Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Circular aos presidentes das Conferências Episcopais sobre o uso do pão com pouca quantidade de glúten e do mosto como matéria eucarística, 23 de julho de 2003 – grifos meus).

E, por último mas não menos importante, uma lei iníqua e injusta como a Lei Seca não tem potestade de obrigar ninguém a nada. O simples cidadão tem total direito de dirigir após ingerir uma quantidade tal de álcool que não comprometa a sua habilidade de conduzir um veículo, a despeito do que berrem os burocratas. Ora, quanto mais um sacerdote no legítimo exercício de suas funções religiosas! A Lei Seca é inválida no caso geral, mas no caso específico de um padre celebrando a Missa a sua ilegitimidade fica ainda mais patente e clamorosa, porque viola diretamente o direito à liberdade de culto. Com uma tal afronta à lei de Deus não se pode condescender, muito pelo contrário: é mister lutar contra ela.

Em resumo, portanto:

  1. suco de uva é matéria inválida para a celebração do Sacramento da Eucaristia;
  2. considero altamente improvável que Dom Moacyr tenha autorizado o uso de uma matéria inválida para a celebração das Missas em sua diocese;
  3. se, por absurdo, tal autorização houvesse sido dada, ela seria completamente nula, porque ninguém na Igreja (nem mesmo o Papa) tem potestade para alterar a matéria escolhida por Cristo para a celebração dos Sacramentos que Ele instituiu;
  4. provavelmente, portanto, a Mitra quis autorizar o uso de mosto, e não de suco de uva;
  5. conquanto esta hipótese ao menos salvaguarde a validade da Eucaristia, há de se investigar a sua licitude canônica, uma vez que, como foi mostrado, o uso de mosto, segundo determinações específicas da Santa Sé, é para ser autorizado individualmente, e não de modo indistinto em todo o território de uma Diocese; e
  6. por fim, é de se lamentar que uma lei humana flagrantemente injusta tenha movido a Mitra de Curitiba a promulgar tão controversas disposições sobre a Liturgia na Arquidiocese, provocando perplexidade entre os fiéis católicos de todo o Brasil.