“Tem tão poucas pessoas, né?”

– Aqui está o seu refrigerante, querida.

– Rebeca. Meu nome é Rebeca. Pode me chamar de Rebeca.

E sorriu, deixando-me atônito.

Hoje, o círculo de casais do ECC do qual fazem parte os meus pais ofereceu um almoço de Natal para os moradores de rua que freqüentam a Toca de Assis daqui da cidade. Convidaram-me, e lá estive; ajudando-os um pouco a servir os convidados, conversando um pouco com eles. O diálogo acima foi travado entre eu e uma das garotas que estava almoçando. Indelicadeza a minha não lhe ter perguntado o nome! Ela prontamente percebeu, e fez questão de se apresentar: convenção social tão básica – e tão significativa – mas de que nós, às vezes, nos esquecemos. Ela tem um nome e faz questão de ser tratada pelo nome que possui.

É isso que faz dela uma pessoa, e não simplesmente uma “peça” a mais n’algum amontoado impessoal de seres humanos. Imediatamente, percebi que aquele almoço natalino estava muito mais humano do que os nossos almoços executivos feitos durante o trabalho diário, onde muitas vezes não sabemos o nome das pessoas que nos servem em tal ou qual restaurante, mesmo que estejamos acostumados a ir lá com relativa freqüência. Nós não nos importamos; Rebeca se importava. Como é possível que estejamos tão imersos nas futilidades do mundo moderno, que nos esqueçamos até mesmo das mais elementares formas de tratamento humano? As pessoas têm nomes, ainda que nós não demos muito valor para isso; e muito mais importante do que comer simplesmente para satisfazer uma necessidade fisiológica (como – parece-me! – estamos acostumados a fazer) é almoçar com relacionamentos. O que realmente importa não é um fast-food impessoal, e sim uma refeição entre seres humanos. Entre pessoas. Era isso o que aqueles mendigos procuravam lá, na Toca de Assis. Não se tratava simplesmente de comida. Até animais são capazes de comer; mas só seres humanos podem fazer uma refeição. É incrível que tal compreensão exista com tanta clareza precisamente em alguém que está acostumado a passar fome. Para vergonha minha.

Em outro momento, estava eu a admirar o presépio que fora montado na casa. Outro dos convivas me interpelou, perguntando-me se aquilo eram “as primeiras pessoas do mundo”. Olhei-o, incrédulo; como era possível que o sujeito não fosse capaz de reconhecer um presépio tradicional colocado bem na sua frente?! Reis magos, anjo, manjedoura, pastores, Santíssima Virgem e São José, ovelhas, vacas: a cena era a mais clássica possível. Olhei de novo para o presépio e, dele, para o rapaz. Comecei a explicar-lhe que, não, aquilo era uma representação do nascimento do Menino Jesus. Ao que ele redargüiu, com um olhar triste: “mas tem tão poucas pessoas, né?”.

Sim, há tão poucas pessoas…! Comecei a tentar explicar-lhe o porquê do Menino Jesus ter nascido em uma estrebaria. Nem arrisquei falar em “recenseamento”. Disse que eles estavam longe de casa e não havia lugar para eles na hospedaria; imediatamente percebi que “hospedaria” era uma expressão que não lhe fazia muito sentido. Pensei em “estalagem”, e também desisti antes mesmo de falar. Em um esforço de inculturação – ainda que às custas da precisão histórica -, disse-lhe que não havia vagas nos hotéis, que eles não tinham conseguido lugar para ficar e, portanto, tiveram que passar a noite junto aos animais. Ele fez um sinal afirmativo com a cabeça, como se houvesse entendido.

Será que havia? Arrisquei uma abstração. Disse-lhe que, da mesma forma como havia “tão poucas pessoas” naquela época, naquele presépio, assim também era nos dias de hoje e, no Natal, eram bem poucas as pessoas que se importavam com o nascimento do Menino Jesus. Ele deu um sorriso triste, concordando, e um outro senhor que estava ao lado ouvindo a conversa também aquiesceu: “é mesmo…”. Entenderam. Pedi licença e afastei-me, pensativo.

Como é que eu nunca percebera antes que, nos presépios, há “tão poucas pessoas” quando – é óbvio! – deveria haver multidões encaminhando-se para contemplar o Nascimento do Salvador? Talvez eu esteja muito acostumado a fixar-me na pobreza da estrebaria, na ignomínia do estábulo, no frio da noite; para uma pessoa acostumada a morar nas ruas, no entanto, isso não é o mais chocante no presépio. Isso é o dia a dia. O que torna a cena do nascimento do Menino Jesus triste é o fato de haver “poucas pessoas” lá. E, nisso, é um mendigo quem está coberto de razão, mais uma vez. Porque as pessoas – o calor humano – fazem mais falta do que os confortos materiais, uma vez que as pessoas são mais importantes que os bens materiais.

E o Menino Jesus está para nascer. E passa fome, e passa frio; mas passa também (e principalmente) solidão. Acheguemo-nos a Ele, neste Natal que se avizinha. Preparemo-nos para O receber. Que Ele nasça para nós e na nossa vida. E que nós possamos, com os nossos intentos, comparecer espiritualmente à Manjedoura, aumentando o número de almas a visitar o Menino Jesus; para, assim, tentar – um pouco que seja! – compensar o grande ultraje histórico de se ter permitido serem tão poucos os que visitaram o Filho de Deus quando Ele Se fez carne e nasceu por nós. Que tenhamos todos um Santo Natal.

Maior estátua das Américas: Santa Rita de Cássia

Foto: Portal Uai

Que coisa fantástica! Cidade do RN inaugura estátua maior que o Cristo Redentor (Portal Uai). A cidade, que eu não conhecia, é Santa Cruz e fica a pouco mais de 100 km de Natal.

A imagem é de Santa Rita de Cássia, tem 56 metros de altura e uma cruz de dez metros na mão direita. É maior do que o Cristo Redentor e de que a Estátua da Liberdade. Fora anunciada há mais dois anos (G1), mas só agora no final de junho foi inaugurada. Santa Rita de Cássia, das causas impossíveis.

Segundo G1, a licitação foi promovida “pela prefeitura de Santa Cruz” e a obra teria originalmente “um investimento de mais de R$ 4 milhões”. Segundo o Portal Uai, foi “[c]om recursos do governo do estado e do Ministério do Turismo [que] a santa saiu do papel. Custou R$ 3.774.063,76”. E a obra passou ainda nove meses embargada, com o Ministério Público Estadual questionando “a relevância do projeto para o município”. No entanto, foi recentemente inaugurada. A ênfase é necessária: Santa Rita de Cássia, das causas impossíveis.

A Arquidiocese de Natal publicou uma nota no seu site. “O decreto de criação do Santuário de Santa Rita de Cássia foi assinado em 11 de outubro de 2009, por Dom Matias Patrício de Macêdo, no encerramento da visita pastoral à Paróquia de Santa Cruz”.

E Santa Rita de Cássia dá mostras do porquê de ser conhecida como a santa das causas impossíveis. Uma estátua maior do que a estátua da liberdade, em pleno interior do Nordeste, construída – ao arrepio do “Estado Laico” e para horror dos laicínicos de plantão – com recursos vindos do estado do Rio Grande do Norte e do Ministério do Turismo, a despeito dos protestos e da pressão realizada pelo Ministério Público Estadual! Ad majorem Dei Gloriam. O povo católico fica feliz, e o Deus Altíssimo é glorificado – publicamente – nos Seus santos.

A luz que refulge nas trevas

E a Luz refulgiu nas trevas. A luz da estrela, claro, que guiou os Reis Magos através da escura noite de inverno até o lugar onde Se encontrava o Recém-Nascido, e fez com que eles encontrassem o Deus Menino nos braços de Sua Mãe. Mas também – e mais importante – a Luz da Graça, derramada sobre a humanidade pecadora.

Dois mil anos passados. A Luz ainda brilha. E grande parte do mundo ainda está em Trevas, e – como daquela vez primeira – continua sem compreender a Luz que vem. Afinal, como compreender um Deus feito homem, um Infinito fazendo-Se limitado, um Eterno adentrando no Tempo? O Menino nos braços de Sua Mãe Santíssima é incompreensível para o mundo. Deus fazer-Se homem? E nascer de uma Mulher?

Os pastores ouviram do anjo o anúncio da Boa Nova. Os reis magos viram a Estrela no Céu e puseram-se a caminho do Salvador que havia nascido. Porque Ele nasceu pobre, mas nasceu para todos. Herodes não O encontrou porque era mau, e não porque era rico; os sábios do Oriente também eram ricos. Ofereceram ouro ao Menino, que era Rei, embora recém-nascido. E Sua Mãe Santíssima era Rainha. O Seu trono na terra era uma manjedoura, mas Ele estava também em Seu Trono no alto dos Céus. Em Belém, n’Aquele dia feliz, aquela manjedoura transformou-se no trono do Rei dos Céus e da Terra. E os reis magos puderam prostrar-se diante do Criador de tudo o que existe.

Portentoso mistério de Luz e de Graça! E tão incompreendido, até os dias de hoje. No burburinho do mundo de hoje, as pessoas não ouvem mais os anjos cantando gloria in excelsis Deo: é preciso o silêncio dos campos para escutar este cântico angelical. Encantadas com mil e uma futilidades passageiras, as pessoas não percebem a Estrela que cruza os céus indicando o nascimento do Messias: é preciso perscrutar o Céu com atenção para encontrá-la. Herodes não viu a Estrela nem ouviu os anjos cantando. Estava muito ocupado enquanto Deus descia à terra.

E perdeu o grande espetáculo do nascimento do Salvador, de uma Virgem dando à luz o Sol da Justiça em uma noite fria, do Senhor de todas as coisas guiando a história a partir do Seu trono em uma manjedoura, em Belém. Não compreendeu a Luz refulgindo nas Trevas, porque era Trevas e gostava das Trevas, porque a luz era odiosa aos seus olhos enfermos, e ele não queria ser curado. Quando o Altíssimo fez-Se homem para curar as nossas feridas, nós não quisemos ser curados.

E este é talvez o maior mistério do Natal: Deus vem salvar os homens e os homens não querem ser salvos. As estalagens de Belém não quiseram hospedar a Rainha, Herodes procurou matar o menino, a noite mais importante da história da humanidade passou despercebida por quase todos. Em breve, no Calvário, a história vai se repetir, e os homens vão preferir Barrabás a Nosso Senhor. Agora, no entanto, o Menino passa frio, e já começa a sofrer por nós, e nós sequer o percebemos.

Eu quero ser curado das minhas feridas, e isso eu não posso sem o Deus Menino. Não quero ser contado entre as Trevas que não compreenderam o refulgir da Luz que veio ao mundo para a salvação do mundo. Quero que o nascimento do Salvador seja motivo de grande alegria também para mim; quero ouvir o cântico jubiloso dos anjos e, seguindo a Estrela, quero prostrar-me diante do Deus que descansa nos braços de Sua Mãe Santíssima.

Porque é do ventre desta Mulher que o mundo recebe o Salvador do mundo, e é nos braços d’Ela que repousa o nosso Deus e nossa Salvação. Eu te saúdo, ó Virgem, cheia de graça, e te agradeço por seres o que és: a Virgem Fiel, a Escrava do Senhor, a Mãe de Deus. Não existe Natal sem o Menino Jesus, e não existe Menino Jesus sem a Sua Mãe Santíssima. Que Ela possa interceder por nós e, à semelhança d’Aquela noite feliz, possa fazer mais uma vez a Luz refulgir nas trevas, e possa trazer-nos de novo o Deus Menino.

Feliz Natal!

Foto: http://www.amigosdopresepio.org/napolitano.htm
Foto: http://www.amigosdopresepio.org/napolitano.htm

“Se, estando o sol no céu, não o suportamos durante o verão, que aconteceria se ele descesse à terra? (…) Se, estando outrora lá em cima, o Sol abrasava, o que não será agora que desceu e se colocou numa manjedoura, e passa frio… e, quanto mais frio passa, mais eu me aqueço; e quanto mais incômodos sofre, mais eu descanso; e quanto mais Te vejo padecer por mim, Senhor, mais acredito que me amas!…

Comecemos uma vida nova, porque o Menino a começa. (…) Serei o vosso companheiro, Senhor. Quero ir convosco, pois ides para resolver os meus problemas. Dou-Vos graças por terdes nascido. Dou-Vos graças por terdes preferido uma manjedoura”.

São João de Ávila, “O Mistério do Natal”, pp. 47-48
Ed. Quadrante, 2ª Edição
São Paulo, 1998

Um santo Natal para todos os que enriquecem este espaço com a sua presença, extensivo a todos os familiares e amigos, são os meus votos mais sinceros.

Gloria in Excelsis Deo!

Christus natus est!

A Vigília dos Pastores – Nelson Rodrigues

Escrevo à noite. Vem na aragem noturna um cheiro de estrelas. E, súbito, eu descubro que estou fazendo a vigília dos pastores. Aí está o grande mistério. A vida do homem é essa vigília e nós somos eternamente os pastores. Não importa que o mundo esteja adormecido. O sonho faz quarto ao sono. E esse diáfano velório é toda a nossa vida. O homem vive e sobrevive porque espera o Messias. Neste momento, por toda a parte, onde quer que exista uma noite, lá estarão os pastores – na vigília docemente infinita. Uma noite, Ele virá. Com suas sandálias de silêncio entrará no quarto da nossa agonia. Entenderá nossa última lágrima de vida.

Nelson Rodrigues, em crônica natalina publicada n’O Globo da qual só encontrei, infelizmente, este pequeno excerto

Curtas, no Brasil e no mundo

– Nos Estados Unidos, tentam “descristianizar” o Natal. O Wagner Moura comenta, baseado no boletim emitido pela Catholic League. Acho que já comentei aqui como era o Natal Nazista, quando tentaram a exata mesma coisa. Os ateus modernos e os nazistas da Segunda Guerra escolheram até o mesmo Solstício de inverno para colocar no lugar da natividade de Nosso Senhor. Será mera coincidência?

– Na Espanha, foi aprovada a pior lei possível do aborto. A Universidade de Navarra já está em desobediência civil, por ter dito claramente que não iria ensinar procedimentos abortivos em seus cursos de saúde. Há, na internet, uma carta enviada ao Rei da Espanha pedindo para que ele não sancione esta lei – assinem. Não sei quais os efeitos políticos práticos disso, mas importa ao menos fazer saber que somos contra este novo holocausto. Que São Tiago interceda pela sua Espanha.

– Na Itália, enfim, uma boa notícia: a lei do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre os crucifixos não será reconhecida. O Tribunal Constitucional decidiu que os crucifixos não serão retirados dos prédios públicos. “En su sentenza número 311, el Tribunal Constitucional italiano dispuso que cuando las resoluciones del Tribunal Europeo de Derechos Humanos entran en conflicto con las disposiciones de la Constitución italiana, dichas resoluciones ‘son ilegítimas'”. Cristo venceu. Deo Gratias.

– No Brasil, o desgoverno petista dá mais desgosto: Governo defende liberar aborto. O 3º Programa Nacional de Direitos Humanos pede claramente que seja modificado o Código Penal para garantir a “descriminalização do aborto”. Como se não fosse o bastante, haverá também uma proposta para o “reconhecimento da união civil de pessoas do mesmo sexo”. O Brasil caminha cada vez mais para o fundo do poço. Que a Virgem Aparecida Se compadeça de nós.

Entusiasmo de cruzados!

Agradeço imensamente ao amigo Rodrigo Pedroso por me ter indicado esta Radiomensagem de Natal do Papa Pio XII. Foi transmitida no natal de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial; falando sobre “a ordem e a pacificação da sociedade humana”, este grande Príncipe da Igreja diz em um certo momento:

29. O preceito da hora presente não é lamento, mas ação; não lamento sobre o que foi ou o que é, mas reconstrução do que surgirá e deve surgir para o bem da sociedade. Pertence aos membros melhores e mais escolhidos da cristandade, penetrados por um entusiasmo de cruzados, reunirem-se em espírito de verdade, de justiça e de amor, ao grito de “Deus o quer”, prontos a servir, a sacrificar-se, como os antigos cruzados. Se então se tratava da libertação da terra santificada pela vida do Verbo de Deus encarnado, hoje trata-se, se assim podemos falar, de uma nova travessia, superando o mar dos erros do dia e do tempo, para libertar a terra santa espiritual, destinada a ser a base e o fundamento das normas e leis imutáveis para as construções sociais de interna e sólida consistência.

Aquilo que Pio XII falava à época da Segunda Grande Guerra é também válido para os dias de hoje, pois também hoje o mundo carece da Cruz de Nosso Senhor. Também hoje é necessário que os cristãos se levantem a lutar pelos direitos de Deus e pelos direitos da Santa Igreja, para o bem da humanidade, para a construção de um mundo melhor. Como diz o Papa em outro ponto da radiomensagem, dirigindo-se àqueles que tomam para si esta empresa tão santa e tão necessária, para dar-lhes força e coragem:

57. (…) Vós, cruzados voluntários de uma nova e nobre sociedade, erguei o novo lábaro da redenção moral e cristã, declarai luta às trevas da apostasia de Deus, à frialdade da discórdia fraterna; lutai em nome de uma humanidade gravemente enferma e que é preciso curar em nome da consciência levantada pelo cristianismo.

Sim, é necessário levantar bem alto o estandarte de Cristo e da Virgem, e travar guerra sem tréguas ao mundo que é inimigo de Deus. É necessário declarar luta à carne, ao mundo e a Satanás, a fim de que o pecado seja vencido e o doce odor de Cristo possa se espalhar pelo mundo com as nossas vidas. É necessário ter uma alma de cruzado, corajosa e integralmente colocada de joelhos ao serviço do Rei dos reis e Senhor dos senhores. É necessário marchar sob o comando da Virgem Santíssima, cumprindo com o papel marcado pela Divina Providência no campo de batalha da História, para a salvação das almas e exaltação da Santa Igreja. É necessário, porque Deus o quer! Que este santo grito possa ressoar no mundo mais uma vez, e que a Cruz triunfe, e Cristo impere, para a maior glória de Deus.

Os falsos símbolos natalinos

Para se acabar com o Natal, não é sempre necessário atacá-lo frontalmente. Uma das formas de se descristianizá-lo é esvaziá-lo do seu significado próprio, enchendo-o de futilidades, soterrando sob uma avalanche de elementos estranhos aquilo que lhe é essencial. Isso nós podemos ver com particular clareza, por exemplo, nas “decorações natalinas” das nossas cidades. Árvores, renas, neves, bolas, grinaldas, papais noéis, luzes piscando, etc, etc. O número de presépios – enfeite natalino por excelência – é irrisório diante do volume de coisas estranhas à festa celebrada.

Em uma cidade da Alemanha, vi há alguns dias uma notícia segundo a qual o Papai Noel havia sido proibido. “Zona livre de Papai Noel”. Um amigo gosta de me dizer que a figura natalina é vermelha e branca por causa de um comercial da coca-cola (antes ele era, sei lá, verde); não sei qual o grau de confiabilidade que merece a informação, mas me parece um fato incontestável que o “Bom Velhinho” dos nossos natais está longe o bastante do verdadeiro São Nicolau que (supostamente) o inspirou para que não tenhamos nenhum problema em rejeitá-lo como um símbolo espúrio e usurpador do verdadeiro espírito do Natal.

Num livro [recém-publicado] que estou lendo de um filósofo francês (Étienne Gilson, “O Filósofo e a Teologia”, Paulus, Santo André, 2009), falando em certo momento sobre a educação das crianças, ele diz:

A oração mais simples a Deus implica a certeza da sua existência. A prática dos sacramentos insere a criança numa vida de relações pessoais com Deus, não lhe parecendo evidente que essa vida possa ser desprovida de objeto concreto. As palavras “Deus”, “Jesus”, “Maria” logo significam para ela pessoas reais. É preciso que elas existam, pois ela lhes fala. A Igreja vela cuidadosamente para que nenhum cristão, por mais jovem que seja, pronuncie palavras para si mesmo destituídas de sentido. As controvérsias sobre a transubstanciação não atormentam a cabeça da criança que faz a primeira comunhão, mas sua piedade em relação à Eucaristia não se engana de objeto. (…) Sua religião inteira lhe é dada de uma só vez nesse grande sacramento e se ela ainda não a conhece senão imperfeitamente, ela já pode vivê-la perfeitamente. A criança não pode ser um doutor da Igreja, mas pode ser um santo.
[op. cit., Cap. I – “As infâncias teológicas”; p. 18]

Eu não saberia dizer com certeza se, para a criança, “Deus” e “Papai Noel” são conhecimentos da mesma ordem, capazes de provocar-lhe confusão; no entanto, eu sei que, para muitos adultos, são sim, de modo que a (in)capacidade cognitiva daqueles que (supostamente) já atingiram a idade da razão me faz temer pelos efeitos que possam advir da exposição das crianças, no mesmo natal, simultaneamente ao Menino Jesus e ao Papai Noel. Eu seria capaz de concordar que não há problema intrínseco com a fantasia, mas os dois problemas aqui levantados são (1) a virtual substituição da realidade pela fantasia, na medida em que o Papai Noel é amplamente preferido ao Menino Jesus e (2) a questão – bastante discutível – sobre se as crianças têm capacidade cognitiva para separar devidamente a realidade da fantasia.

É duro dizer isso, mas é necessário recristianizar o Natal – recristianizar o Nascimento de Jesus Cristo. Para citar mais um exemplo: própria substituição do “Feliz Natal” por um genérico “Boas Festas” ilustra bastante essa necessidade – aliás, há poucos dias saiu uma notícia segundo a qual uma mulher alega ter sido demitida por desejar “feliz Natal”, contrariando a orientação da empresa para a qual trabalhava de só dizer “boas festas”. Afinal de contas, qual o problema com as renas e os duendes, o Papai Noel e a neve, os pinheiros e as bolas, as grinaldas e as boas festas, as luzinhas piscando e tudo o mais? Ora, essas coisas – repitamos – são no mínimo supérfluas e soterram o essencial. Puer natus est – eis a verdadeira alegria natalina! Que possamos sempre proclamar esta verdade com destemor. Mesmo que – à semelhança do que aconteceu em Belém, há dois mil anos – este Nascimento não encontre lugar senão às escondidas, longe das hospedarias e estalagens que, abarrotadas de pinheiros e renas, não têm lugar para receber o Menino Deus.

Feliz Natal

Puer natus est nobis, et filius datus est nobis: cujus imperium super humerum ejus: et vocabitur nomen ejus, magni consilii Angejus. Ps. Cantate Domino canticum novum, quia mirabilia fecit. Gloria Patri.
– da Missa do Dia de Natal.

[Nasceu-nos um menino e foi-nos dado um Filho: o império repousa sobre os seus ombros, e será chamado o Anjo do grande conselho. Sl. Cantai um cântico novo ao Senhor, porque operou maravilhas. Glória ao Pai.]

“Novidades” Litúrgicas

ZENIT nos traz uma notícia muito animadora: segundo o Cerimoniário Pontifício, estão previstas algumas novidades nas celebrações litúrgicas presididas pelo Sumo Pontífice. No entanto, e graças a Deus, não estamos falando de rerum novarum, e sim de rerum vetarum… o próprio Monsenhor Marini o afirma taxativamente: “não se trata de fazer coisas novas, mas de fazer as coisas de forma nova”.

Uma delas, é a colocação de uma escultura da Virgem Maria com o Menino Jesus “junto ao altar da confissão desde a noite do dia 24 até o dia da Epifania, e não só na Solenidade da Santíssima Mãe de Deus”. O Natal é um tempo mariano por excelência – julgo excelente que se enfatize, então, na Liturgia o papel singularíssimo da Virgem. Maria é a Porta do CéuJanua Coeli -, por meio de Quem o Céu desce até nós. É por meio d’Ela que recebemos o Deus-Menino que no Natal festejamos – nada mais justo, então, que os fiéis sejam levados a contemplar e adorar o “Deus envolto em faixas” nos braços da Sua Mãe Santíssima, de quem O recebemos.

Será também eliminado “o tradicional rito de oferenda de flores das crianças em representação dos diversos continentes” após o Glória – as flores serão oferecidas somente “quando o [p]ontífice se aproximar do presépio para colocar a imagem do Menino Jesus”, ou seja, após a Missa. O Santo Padre está colocando ordem na casa, dando ênfase naquilo que é digno de ênfase (a escultura da Virgem Maria) e expurgando os elementos estranhos à Liturgia (as oferendas de flores) e que não ajudam os fiéis a penetrarem no Mistério do Sacrifício de Cristo tornado presente no altar da Santa Missa.

Mas a melhor parte da notícia foi saber que o Papa celebrará de novo “de costas para o povo” – de frente para Deus! – na Capela Sistina, por ocasião da festa do Batismo do Senhor:

«Celebrar-se-á. novamente no antigo altar para não alterar a beleza e harmonia desta jóia arquitetônica, preservando sua estrutura desde o ponto de vista celebrativo, e usando uma possibilidade contemplada pela normativa litúrgica.»

«Isso supõe que o Papa em alguns momentos, junto com os fiéis, se voltará para o Crucifixo, sublinhando também assim a orientação correta da celebração eucarística: a orientação ao Senhor.»

A orientação correta da celebração eucarística! Não se trata materialmente do versus Deum (posto que, senão, o versus populum seria “incorreto”, o que é absurdo), mas da orientação ao Senhor que o versus Deum expressa com grande e incontestável eloqüência. Deus abençoe o Santo Padre! E permita que ele continue corajosamente a trabalhar – sem medo dos lobos – pela exaltação da Santa Igreja de Deus.