Vilipêndio religioso não é direito de ninguém

Foi com alegria que eu soube desta «Nota de Repúdio contra o grupo Porta dos Fundos» que diversos líderes religiosos assinaram e tornaram pública na última quarta-feira. Pessoas tão distintas entre si quanto uma “Sacerdotisa de Umbanda”, o “Pastor Pedrão” e a “Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro” reuniram-se para apresentar ao Cardeal do Rio de Janeiro «seu descontentamento em relação às investidas feitas pelo Grupo Porta dos Fundos contra as mais diversas religiões, através de atos abusivos que, sob pretexto de estarem albergados pela liberdade de expressão, não contribuem para o progresso do debate democrático e apenas acirram tensões, não concorrendo para a obtenção da paz social e religiosa que tanto se almeja no país».

Eu não vi este último vídeo polêmico do Porta dos Fundos. Como já disse aqui em outra ocasião, parei de me interessar pelos “humoristas” quando eles fizeram um esquete extremamente ofensivo envolvendo dois padres no confessionário e alusões à pederastia. Para mim, são um bando de pessoas sem caráter, que se consideram detentoras de alguma espécie de superioridade moral que lhes confere autorização prévia e incontestável para agredir e vilipendiar quem pensa diferente deles. Em suma, gente da pior cepa de hipocrisia que o pensamento moderno é capaz de parir. Não merecem que se gaste muito latim com eles.

No entanto, é curioso ver como está ficando cada vez mais difícil esconder os próprios crimes sob a cômoda desculpa da “liberdade de expressão”, como se esse direito estivesse acima dos outros direitos arrolados na Constituição Federal. A referida nota de repúdio não é assinada por um único católico. São judeus, muçulmanos, candomblezeiros e protestantes os que se levantaram em solidariedade à Igreja Católica, por conta da agressão gratuita a crença alheia que o conhecido grupo que se pretende “de humor” fez mais uma vez:

A utilização de palavras de baixo calão e xingamentos para se referir à divindade, como feito no vídeo “Anunciação”, é ofensiva e demonstra o emprego indevido da criação e do discurso artísticos com mera finalidade de ridicularizar a fé alheia.

[…]

O objetivo da publicação de tais vídeos não é debater o credo ou os dogmas de uma religião específica, mas simplesmente escarnecer dos mesmos, atingindo diretamente o sentimento religioso de cidadãos brasileiros, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico nacional.

Tudo isso me parece bastante evidente, mas é incrível como tão raramente encontramos essas posições expostas em público, com a clareza que a seriedade do assunto exige. Liberdade de expressão é uma coisa séria, e presta um enorme desserviço a este direito fundamental os que o caricaturizam ao ponto de torná-lo odioso – exatamente como a turma do “Porta dos Fundos” e quetais vem fazendo.

A ofensa gratuita não é um direito de ninguém. Pessoas normais percebem com extrema facilidade que não é certo ofender os outros. Se alguém insiste em fazê-lo alegando estar no mais legítimo exercício de um direito constitucional, a conseqüência mais óbvia dessa situação aberrante é o tal “direito constitucional” deixar de ser percebido como uma coisa positiva e passar a ser visto como uma licença perniciosa, uma corrupção legislativa, uma anti-lei.

Os direitos fundamentais existem e devem ser protegidos, mas o vilipêndio religioso não é direito de ninguém. Os inimigos da “liberdade de expressão” não são os que clamam pelo fim das agressões sistemáticas que grupos de sedizentes humoristas como o “Porta dos Fundos” perpetram constantemente contra o Cristianismo e as demais religiões. Muito ao contrário, os seus verdadeiros inimigos são os que lhe distorcem o sentido, chamando os seus próprios crimes de “liberdade” e arrogando-se um descabido “direito” de debochar gratuitamente do sentimento religioso alheio.

Que ninguém se engane: não são defensores da “liberdade de expressão” os que querem colocá-la a serviço da ignomínia. Estes são na verdade os seus maiores inimigos, porque a destroem no ato mesmo de identificá-la com os atos odiosos que praticam.

Nota da CNBB sobre o aborto de Feto “Anencefálico”

[Fonte: Site da CNBB

Destaques meus.]

Nota da CNBB sobre o aborto de Feto “Anencefálico”

Referente ao julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB lamenta profundamente a decisão do Supremo Tribunal Federal que descriminalizou o aborto de feto com anencefalia ao julgar favorável a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54. Com esta decisão, a Suprema Corte parece não ter levado em conta a prerrogativa do Congresso Nacional cuja responsabilidade última é legislar.

Os princípios da “inviolabilidade do direito à vida”, da “dignidade da pessoa humana” e da promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação (cf. art. 5°, caput; 1°, III e 3°, IV, Constituição Federal), referem-se tanto à mulher quanto aos fetos anencefálicos. Quando a vida não é respeitada, todos os outros direitos são menosprezados, e rompem-se as relações mais profundas.

Legalizar o aborto de fetos com anencefalia, erroneamente diagnosticados como mortos cerebrais, é descartar um ser humano frágil e indefeso. A ética que proíbe a eliminação de um ser humano inocente não aceita exceções. Os fetos anencefálicos, como todos os seres inocentes e frágeis, não podem ser descartados e nem ter seus direitos fundamentais vilipendiados!

A gestação de uma criança com anencefalia é um drama para a família, especialmente para a mãe. Considerar que o aborto é a melhor opção para a mulher, além de negar o direito inviolável do nascituro, ignora as consequências psicológicas negativas para a mãe.   Estado e a sociedade devem oferecer à gestante amparo e proteção

Ao defender o direito à vida dos anencefálicos, a Igreja se fundamenta numa visão antropológica do ser humano, baseando-se em argumentos teológicos, éticos, científicos e jurídicos. Exclui-se, portanto, qualquer argumentação que afirme tratar-se de ingerência da religião no Estado laico. A participação efetiva na defesa e na promoção da dignidade e liberdade humanas deve ser legitimamente assegurada também à Igreja.

A Páscoa de Jesus que comemora a vitória da vida sobre a morte nos inspira a reafirmar com convicção que a vida humana é sagrada e sua dignidade inviolável.

Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, nos ajude em nossa missão de fazer ecoar a Palavra de Deus: “Escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19).

Cardeal Raymundo Damasceno Assis

Arcebispo de Aparecida

Presidente da CNBB

Leonardo Ulrich Steiner

Bispo Auxiliar de Brasília

Secretário Geral da CNBB