Notre-Dame caiu e está de pé

O mundo inteiro voltou seus olhos para a França esta semana. Uma catedral pegou fogo! Toda a preocupação humanista que se viu na mídia secular não é capaz de atingir a dimensão deste incidente; é preciso olhá-lo com os olhos da Fé. Porque uma catedral não é um monumento histórico: é um símbolo sagrado, é uma síntese da humanidade, é algo tão caro ao mundo que conhecemos que se pode até mesmo dizer — como ouvimos nos últimos dias — que uma catedral é um arquétipo da própria civilização.

Na segunda-feira santa, à tarde, caíram-me como uma bomba as notícias sobre o incêndio de Notre-Dame. Nas imagens que me chegavam pela internet eu não via apenas um prédio antigo que queimava: era toda a civilização em chamas, abandonada ao descaso, caindo aos pedaços, desmoronando sob os nossos olhares impotentes. O primeiro sentimento, quase imediato, quase instintivo, foi, assim, o de tristeza. Por tudo o que perdemos, pela tragédia que se abateu sobre nós.

À tristeza seguiu-se — confesso-o embaraçado — o desespero. Primeiro porque parecia que tudo iria cair, que o fogo iria destruir tudo, que a incompetência e a impiedade dos homens iriam colocar tudo a perder. O tempo passava e a catedral queimava e parecia que não iria restar pedra sobre pedra; quando a flecha da torre desmoronou — e nós o vimos quase ao vivo pela internet –, parecia que, com ela, todo o edifício viria abaixo.

Foto: Geoffroy Van Der Hasselt / AFP / CP

E, depois, havia o sentido simbólico por trás de tudo, maior, muito maior do que o telhado centenário que ruía: era a própria Fé Católica que se consumia e virava cinzas no coração da Filha Primogênita da Igreja. Era como se os Céus nos estivessem mandando um recado, e a destruição de Notre-Dame fosse uma terrível e providencial metáfora da destruição do Catolicismo no mundo.

Até porque Notre-Dame era, desde há muito, uma sobrevivente. Olhávamos para aquele edifício, ainda que não o soubéssemos verbalizar, com um misto de reverência e admiração: no contraste entre a Paris medieval e a França moderna, qualquer um podia perceber que aquele mundo não mais existia. Notre-Dame estava lá, encrustada no meio da cidade, no coração da Île-de-France, inundada de turistas, como uma testemunha silenciosa de um tempo áureo há muito perdido nas brumas da História. Por aqui passou uma raça de homens superiores, a velha catedral nos dizia, e os seus arcos e ogivas vertiginosos se impunham ao homem moderno como vestígios de um tempo de glória. E quando os católicos já há muito se haviam calado, aquelas pedras medievais permaneciam ecoando ao mundo as glórias do Deus Altíssimo.

Como não enxergar na queda da catedral a mais perfeita e lógica decorrência natural do abandono da Fé nas almas?

E, no entanto, a vigília espiritual em que imediatamente nos pusemos fez aquele desespero arrefecer. O passar das horas nos deu notícia de que nem tudo caiu na Sé de Paris; poder-se-ia até mesmo dizer que caiu muito pouco, somente o telhado, apenas o pináculo. O espetáculo era terrível para quem via de fora; por dentro, no entanto, a Catedral sobrevivia.

Toda a estrutura da Igreja resistiu ao fogo, assim como o altar-mor, com a Pietà ladeada por dois reis de França, Luís XIII e Luís XIV. Foi preservada também a maior parte dos vitrais, estátuas, púlpitos, mesmo os bancos. O órgão não foi destruído. A majestosa rosácea — cujos vidros coloridos, segundo se ouviu dizer, foram fabricados pelos antigos alquimistas — também continua lá. Por fora, a destruição parecia total. Mas apenas por fora. Apenas parecia.

Foto: Fr. Z’s Blog

E tudo isso, apesar de toda a dor, de toda a tragédia, nos encheu de esperança. O incêndio nos revelou algo de mais profundo sobre a nossa história, sobre as nossas raízes: é que nós tendemos a aquilatar as coisas pela estatura do nosso tempo. Aquele fogo que nós vimos segunda-feira teria reduzido a pó qualquer coisa construída nas últimas décadas; mas ele não pôde ombrear-se ao gênio da antiga Cristandade. Pensávamos que Notre-Dame fosse tão frágil quanto um Shopping Center; contudo, a velha catedral se mostrou tão inquebrantável quanto a Fé dos que a construíram. Vimos o fogo, e Notre-Dame havia caído; entramos por seus pórticos, e Notre-Dame estava de pé.

E, assim, aquele simbolismo funesto que entrevíamos à primeira vista se inverte por completo, dando lugar a um alento de esperança: no interior do templo sagrado, no coração da catedral, a Cruz permanece de pé, refulgente, mesmo em meio ao fogo e à destruição. A Fé Católica fincada um dia no coração da França é firme, é forte, como as paredes juncadas de gárgulas que resistem a incêndios: afinal de contas, não vimos os franceses, muitos deles jovens!, cantando e rezando de joelhos diante do incêndio? Essa manifestação espontânea de Fé, em meio à impiedade generalizada das nossas metrópoles, não é um milagre tão portentoso quanto os vitrais de Notre-Dame resistindo ao fogo?

As catedrais legadas por nossos antepassados são mais fortes do que acreditamos. E mais forte, muito mais sólida do que as paredes de pedra, é a Fé Católica pela qual os mártires verteram o seu sangue e de cuja vivacidade os santos deram testemunho com a própria vida. O que recebemos do passado é mais duradouro do que aquilo que encontramos no presente. Notre-Dame resistiu ao fogo no centro da França; como seria possível que a Fé Católica não sobrevivesse aos assaltos do mundo no coração dos franceses? Não é a Fé da Igreja muito mais indestrutível do que as antigas catedrais? Se estas resistem aos séculos, como poderia aquela vir a perecer?

Obrigado, Notre-Dame! A Semana Santa iniciou com a catedral em chamas. Que saibamos discernir os sinais dos céus. Que possamos nos arrepender e fazer penitência por nossos pecados; que possamos seguir os passos de Nosso Senhor. Com os olhos fitos na Ressurreição d’Aquele que venceu o mundo. Com a certeza de que as portas do Inferno não prevalecerão jamais contra a Igreja.

Lixo no lugar das coisas sagradas

Santa Joana d'Arc, Notre-Dame
Santa Joana d'Arc, Notre-Dame (clique para ampliar)

Encontrei um “santinho” sendo vendido na Paulus. Comprei-o ontem – vinte centavos – só por causa da oração que está contida no verso dele. Ei-la:

ORAÇÃO A SANTA JOANA D’ARC

Corajosa menina, empunhando vosso estandarte com o desenho da cruz de Cristo e os nomes de Jesus e Maria, libertastes o rei e salvastes vossa Pátria do domínio estrangeiro. Olhai com piedade o terceiro mundo, dominado não por outros países, mas, por bancos internacionais que inventaram uma dívida injusta e cruel e pela globalização que mata de miséria e fome, em cada dois dias, o equivalente às vítimas da bomba atômica jogada sobre Hiroshima e Nagasaki.

Assim como enchestes de coragem, em vossa pequena aldeia do interior, e vos colocastes à frente de exército poderoso, enchei de coragem nossos governantes para que levantem a cabeça e partam em defesa do povo humilhado pela injustiça do desemprego, da pobreza, da fome e da falta de saúde. Louvado seja o Senhor pelo irmão fogo que separou vosso espírito da carne!

Louvado seja o Senhor pelo amor que foi o mais forte, porque ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos irmãos. Amém.

Sinceramente, eu não consigo entender o que leva esse tipo de coisa ser vendida em uma livraria católica. É impressionante: não basta ignorar a religião, não basta ensinar o que lhe é contrário, não basta atacá-la e refutá-la: é necessário corrompê-la por dentro, apresentando caricaturas dela como se fossem ela própria, esvaziando-a de tudo o que ela tem de importante e colocando futilidades no seu lugar.

Lembro-me de que o monsenhor lá da paróquia gostava de propôr o seguinte problema: “imagine que existem dois homens. O primeiro deles entra sorrateiramente numa igreja à noite, arromba o sacrário, pega os vasos sagrados, espalha as partículas consagradas pelo chão e leva os vasos com ele. O segundo faz a mesma coisa mas, ao invés de espalhar as hóstias pelo chão, consome-as todas e, ao invés de levar os vasos sagrados, enche-os de lama e os coloca de volta no sacrário, fechando-o e deixando a igreja da mesma forma que encontrou. Qual dos dois cometeu pecado maior?”. E ele próprio respondia: “o segundo”. Porque colocou lama no Sacrário, sem contudo deixar claro o mal que fizera invadindo a igreja. Porque retirou Nosso Senhor do Seu lugar e, ao invés dele, colocou sujeira e imundície para ser adorada pelos fiéis. Porque fez com que os louvores e a adoração que competem a Deus fossem feitas à lama escondida nos vasos sagrados.

Às vezes penso que estes falsificadores da religião agem como este segundo homem da história que o monsenhor gostava de contar. Não se contentam com a blasfêmia e o sacrilégio: desejam usurpar o lugar da Religião Verdadeira e, nele, colocar qualquer porcaria inventada por eles. Apresentam o lixo ao povo fiel como se fosse a Religião Verdadeira. Fazem as pessoas seguirem os seus delírios acreditando estarem seguindo a Sã Doutrina legada por Nosso Senhor. Agem como o que coloca lama no sacrário, para induzir o povo fiel a adorar a imundície. E não tenho dúvidas de que o pecado destes é objetivamente maior do que o daqueles que atacam a religião às claras.

Soldados de Cristo na França

Um grupo de comunistas em Paris resolveu protestar contra a Igreja, distribuindo camisinhas na frente de Notre Dame, após a Santa Missa dominical, e com cartazes onde estava escrito “Bento XVI assassino”. A notícia pode ser lida [em francês] no Le Monde. Não pude deixar de lembrar-me da defesa da Catedral

Vejam o vídeo que está no site do jornal francês [e que está disponível também no youtube]. Notem o absurdo: os comunistas e ecologistas desgraçados, que obviamente não são católicos, vão para a frente de uma Igreja, na saída de uma missa, chamar o Papa de assassino; e quando um católico, em bastante razoável e compreensível atitude de legítima defesa, toma os cartazes ofensivos ao Santo Padre, é prontamente derrubado pela polícia que veio em socorro dos pobres manifestantes!

Sinceramente, é muita canalhice. E os jornais ainda lançam sobre os católicos que nada fizeram a não ser defender-se de uma acusação gratuita a pecha de… serem de “extrema-direita”. Militants d’extrême droite! Católicos provavelmente saindo da Missa (já que os seus “cartazes” – ao contrário daqueles ostentados pelos comunistas – são evidentemente improvisados), que não gostaram de ver o Papa ser ofendido, que foram agredidos pela polícia quando tentaram tomar os cartazes ofensivos, são transformados em militantes de extrema-direita!

Touche pas à mon pape, como disseram os católicos “de extrema direita”: não toquem no meu Papa, ou deixem o meu Papa em paz! Aqui no Brasil o Estado de São Paulo disse que os terríveis católicos de extrema-direita – eram cerca de vinte – “partiram para cima” dos pobres manifestantes. Engraçado; no vídeo, eu só vejo os católicos cantando alguma música à Sainte Marie

P.S.: a despeito das lamentáveis manifestações dos bispos franceses contra Dom José Cardoso Sobrinho, parece que – graças a Deus! – há católicos na França dispostos a oferecerem um desagravo a Nosso Senhor. Na saída de Notre Dame, foi bonita a atitude dos jovens; fizeram muito mais pela Igreja do que os excelentíssimos purpurados que destilaram o seu veneno contra um seu irmão no episcopado…