Feliz Páscoa!

É Páscoa! Nosso Senhor ressurgiu Glorioso do túmulo para nos infundir coragem. E se antes estávamos fracos e acabrunhados, se agonizávamos sob o peso das nossas culpas, se vagávamos a esmo, sem destino, agora todas essas coisas passaram, agora o mundo é novo e o futuro nos chama a coisas grandiosas.

Cristo ressuscitado dos mortos não morre mais — é, assim, segura a nossa esperança, certa a nossa vitória. Se o nosso Deus deixou atrás de Si o sepulcro, que haveremos de temer? Que são os nossos pecados, nossas fraquezas, nossos medos, perto da glória da Ressurreição? Se o nosso Deus chegou a morrer por nós, que coisa haverá que Ele não faça em nosso favor?

Que Cemitério é este de onde brota tanta vida? Que Tumba é essa que exala o doce odor do Paraíso? Que Homem é esse que caminha à nossa frente, altivo, garboso, sob o estandarte da Cruz? Sigamo-Lo!

A manhã do domingo de Páscoa, junto com as trevas da noite, dissipa as trevas dos últimos dias, dos últimos séculos, da história da humanidade inteira desde Adão. Cristo ressuscitou! Deixemos as coisas antigas para trás. Vivamos a vida que o Salvador nos mereceu.

Feliz Páscoa!

O luto da Sexta-Feira Santa

O preto de hoje talvez seja uma das maiores mudanças da Liturgia pascal antiga em relação à do Novus Ordo. A Celebração da Paixão do Senhor, desde que me entendo por gente, assisto-a com o sacerdote vestido de vermelho: cor do sangue, cor do martírio. Hoje, na Forma Extraordinária do Rito Romano, vi a Paixão ser celebrada com o sacerdote ostentando paramentos pretos — negros como a morte, escuros como a Noite que se fez durante a Crucificação hoje rememorada.

Paramentos negros! A bem da verdade, a estola somente sobre a alva — na função litúrgica de hoje, não propriamente sacramental, o padre não enverga a grande casula negra das missas de Réquiem — é até bastante discreta. Mas não perde em eloquência. A prostração diante do altar vazio com a qual se inicia o rito de hoje é bem expressiva daquele abandono ao qual fiz referência ontem, no fim da Missa in coena Domini: parece que deu tudo errado, parece que acabamos de perder algo que já nos havíamos acostumados a ter sempre conosco, parece que os nossos pecados desta vez foram demais e, por conta deles, a desolação fez-se presente no lugar santo — e o templo, vazio, censura-nos a impiedade.

Mas é durante as Grandes Orações que o negro dos paramentos se faz mais vívido. O padre voltado para o altar, diante de nós, com o pluvial preto, a grande capa escondendo-lhe praticamente todo o brancor da alva. Agora, sim, o luto da cerimônia se faz mais presente, mais pesado, quase como se lhe pudéssemos tocar. Dirigimos as nossas súplicas Àquele que crucificamos: pedimos pelo Papa, pela Igreja, pelos sacerdotes, por nós próprios. E num arroubo missionário que brota do lado do Crucificado, é como se as graças alcançadas no Calvário não se contentassem com a Igreja apenas. O Sangue vertido na Cruz do Gólgota pede mais — e o sacerdote de negro clama ao Deus Altíssimo sucessivamente pelos hereges e cismáticos, pelos judeus, pelos pagãos. É de Cristo que nasce a Igreja, mas é também da Cruz que Ela se expande para abarcar aqueles que, antes, a Ela não pertenciam: e a cada vez que nós celebramos a Sexta-Feira da Paixão, nós nos lembramos disso e, solenemente, enlutados, pedimos ao Deus elevado no madeiro da Cruz que Se digne atrair a Si o mundo inteiro.

Sem dúvidas o luto é bem apropriado ao dia de hoje. E se trata de uma dupla tristeza: há a falta que nos faz o Cristo, sem dúvidas, que até ontem estava conosco e hoje nos foi retirado; há a dor da Crucificação, evidentemente — ó vós que passais pelo caminho, olhai e vede se há dor como a minha!, como nos interpela a Pietà. Mas há uma dor ainda maior e mais pungente, uma dor que enlouquece e desespera: há a dor da culpa, e é essa que não suportamos, é essa que somos constantemente tentados a afastar de nossa frente — e é exatamente por isso que devemos sempre acompanhar piedosamente o Tríduo Santo, ano após ano, para ver se daqui para o dia da nossa morte, com a graça de Deus, conseguimos nos emendar.

Tudo isso que estes dias estamos vivenciando, tudo, tudo, o Getsêmani e a traição, a prisão e os julgamentos injustos, a flagelação e as bofetadas, a coroa de espinho e as cusparadas, o caminho do Calvário, as quedas, a transfixação dos pés e dos pulsos, a sede, o vinagre, a asfixia da Cruz, tudo é por culpa nossa, tudo é por culpa minha. E não se trata aqui da culpa difusa que estamos acostumados a dividir com os nossos contemporâneos, por exemplo, a culpa de uma equipe pelo fracasso de um projeto. No geral, um determinado conjunto de pessoas é capaz ainda de alcançar o objetivo a que se propõe mesmo que um de seus membros falte com os seus deveres, e a falha de um só não é de ordinário capaz de frustrar os esforços de todos. Quando fracassa uma empresa de muitos, não é geralmente por conta de um apenas: o malogro de um projeto comum ocorre devido aos erros de vários, e isso de certo dilui a culpa de cada um dos corresponsáveis pela empreitada.

Na Paixão de Cristo, no entanto, não é assim. A Redenção é da humanidade inteira, é verdade, mas ela se aplica toda a cada pecador. Dito de outro modo, não foi um grande conjunto de pecados que fez Cristo sofrer e morrer — um grande conjunto para o qual a minha contribuição é bem modesta e, portanto, bem pequena a minha responsabilidade. Não; Cristo sofreu tudo por cada pecado, e isso de tal modo é verdadeiro que, se fosse eu o único ser humano a pecar na face da terra, a Paixão seria a mesma, e os mesmos seriam os gritos de dor, as mesmas as lágrimas que atravessam os séculos, o mesmo o Sangue que tinge de rubro o madeiro da Cruz. Não foi por uma imensidão genérica de pecados que Cristo morreu, mas pelos meus! Vistas as coisas assim, é até bem pouco o luto que hoje nós manifestamos: nem mesmo no silêncio litúrgico é possível ouvir os gemidos que nos deveriam aflorar do fundo do peito, e a pequena dor que sentimos ao acompanhar a procissão do Senhor Morto é somente um pálido reflexo da compunção que nos deveria vergar o corpo por terra.

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Esta Sexta-Feira Santa é também 25 de Março, é também o dia da Anunciação (*): convergem hoje para o mesmo dia a Encarnação e a Paixão, e o “alegra-Te!” do Anjo à Santíssima Virgem divide espaço com as lágrimas que Ela verteu ao pé da Cruz. Hoje uma Virgem trouxe Deus aos homens; hoje uma Virgem entregou o Seu Filho a Deus. Se o nosso arrependimento não está à altura da multidão dos nossos pecados, olhemos corajosamente para a Virgem Maria, confiemos n’Ela, recorramos a Ela — e Lhe supliquemos que todo este horror não seja em vão.

[(*) Liturgicamente, como as celebrações da Semana Santa têm precedência sobre quaisquer outras festas, a Liturgia da Anunciação é transferida para a segunda-feira depois da Oitava de Páscoa. Este ano, portanto, celebrar-se-á a Festa da Anunciação aos quatro de abril, já em pleno tempo pascal.]

Os contrastes da Quinta-Feira Santa

“Será que vai ter Gloria”? Eu me perguntava enquanto o coral entoava o Kyrie da Missa de hoje, Missa da Quinta-Feira Santa celebrada segundo as rubricas de 1962. Era a primeira vez que eu assistia ao Sagrado Tríduo celebrado na Forma Extraordinária do Rito Romano. A Missa do Lava-Pés, a Nova, sei-lo bem, tem Glória sim; o último Glória antes do da Vigília Pascal.

Lembro-me deste Glória em específico por conta da Paróquia da Torre: é apenas após ele que os instrumentos, todos, emudecem, e os cânticos populares serão conduzidos pela voz dos cantores somente — até a Missa de Aleluia. A mudança do barulho para a sobriedade é notória; o contraste chega a ser chocante. Já o disse outras vezes, creio, que a música litúrgica não é lá o ponto forte daquela paróquia querida, onde me crismei e onde fui por anos catequista: mas, de todas as celebrações do ano, as da Semana Santa — mais especificamente as do Tríduo Santo — eram primorosas. Era o Glória que marcava tudo: era a passagem da alegria para a tristeza, dos Ramos para o Tríduo, da Ceia para a Paixão.

Hoje, ao final do Kyrie, o padre imóvel diante do altar, o órgão entoa as notas conhecidas: vai ter Gloria sim. Esboço um sorriso e comento de lado: “faz já uns dois meses…!”. Porque na Missa Tridentina o Hino de Louvor cessa bem antes da Quaresma, já na Septuagesima. Nem me lembro direito de quando fora a última vez que o havia ouvido. E hoje ele foi mais uma vez entoado, como primícias do que há-de vir no Sábado Santo, como o último suspiro de alegria antes do horror da Sexta-Feira Santa. Gloria in Excelsis Deo, enche toda a nave da Igreja, e parece que os anjos estão, de novo, como naquela Noite Feliz de dezembro, anunciando a Redenção que é a mesma coisa que a Encarnação. O que cantaram antes pode ser cantado hoje também e em toda Missa onde o mesmo mistério se celebra: et in terra pax hominibus bonae voluntatis. É o último grito de júbilo! Após, tudo cessa. Após, o silêncio. Após começa a Paixão.

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É uma das Missas de que mais gosto, esta da Quinta-Feira Santa. O Evangelho, com aquele início extraordinário onde Cristo, cum dilexisset suos qui erant in mundo[,] in finem dilexit eos (cf. Jo XIII, 1). Logo após o mandato, com o sacerdote — estola atravessada, à diácono, detalhe que só hoje percebi — lavando os pés aos fiéis. O Santo Sacrifício, pela última vez celebrado antes da gloriosa Vigília Pascal: e quando Cristo é elevado à adoração dos fiéis por sobre a cabeça do sacerdote, em vão se espera o toque da sineta de todas as Missas. Os sinos não mais dobram: Cristo elevado da terra, hoje, não recebe mais que a batida seca e abafada da matraca.

E ao final o Traslado.

O Sacrário aberto, os vasos sobre o altar, o sacerdote devidamente paramentado, de pluvial e umeral, a cruz processional — coberta — e os candelabros, o incenso elevando-se maviosamente pela igreja: passa a procissão pela nave central, e os fiéis vão-lhe atrás. Canta-se o Pange lingua, e é por volta de seis e meia da noite, a Igreja no centro da cidade: as pessoas param à porta para olhar. Os passos lentos da procissão e o canto, ritmado apenas pelo barulho rude da matraca de tempos em tempos, e todos aqueles acólitos de batina e sobrepeliz, e todas aquelas mulheres de véu, e a cena toda adquire contornos fantasiosos — parece vinda de muito longe, saída de muito distante no tempo, e é isso o que atrai tanto o olhar dos transeuntes.

Sim, é uma cena de um outro tempo: de há quase dois milênios atrás, em uma outra noite de lua cheia, quando um Homem ceou com Seus discípulos, e depois se retirou para o monte para rezar, e depois foi entregue por um de Seus amigos, e julgado às pressas, no meio da noite e, preso, passou a noite no cárcere. É este drama que hoje se repete ou, melhor, que na Sagrada Liturgia se faz hoje presente: são os contrastes da Quinta-Feira Santa! A Páscoa ritual celebrada. A Eucaristia instituída. O Horto. A Agonia. O Beijo. As correntes, os bofetões, as escarradas. Os julgamentos. A Prisão. E tudo isso expresso em uma celebração única, que começa com um Gloria e termina com um altar vazio. Um Gloria, explosão de alegria que há dois meses não era ouvido; o sacrário aberto e vazio, tristeza que os nossos templos não comportavam desde o ano passado.

Cristo Sacramentado na sacristia, no pequeno Altar da Reposição onde aguardará a Vigília do Sábado Santo. E o altar principal cerimonialmente desnudado, com as toalhas cuidadosamente dobradas e retiradas, enquanto o coral entoa o divisérunt sibi vestiménta mea. Não há bênção, não há despedida, não há nada; as pessoas levantam-se desordenadamente e apenas pouco a pouco deixam a igreja. Fica no ar um desconforto, uma sensação de que as coisas, por algum motivo, não estão terminadas. E de fato não estão. O Tríduo Santo está apenas iniciado. Diferente de todas as outras, esta Liturgia se prolonga para além do tempo normal da cerimônia e se arrasta por três dias. Somente no Sábado de Aleluia ela estará consumada. Até lá teremos muito o que viver.

Nunca se fez tanto por nós…!

É passada a agonia do Getsêmani, a traição do horto. A prisão imunda, a noite interminável. Os julgamentos injustos, os gritos da turba assassina, o caminho do Calvário, o Gólgota e o Sepulcro. Tudo passado ao longo de três dias intensos. Três dias que têm tudo a ver conosco: porque é no interior do Tríduo Santo que se desenrola o drama de nossas vidas.

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É passado…! O alvorecer do dia de hoje encontra o Sepulcro aberto, o Túmulo vazio, deixado para trás por Aquele que venceu o mundo e a morte. Hoje, como após o pecado de Adão, os homens morrem. Hoje, como naquela época longínqua, recusamo-nos a morrer. Mas hoje, diferente do que acontecia antes da Páscoa de Cristo, pela primeira vez na história, há-nos opção.

Diante de um Deus que irrompe, vivo, do Hades profundo, não dá para ficar impassível. Afinal, nunca se fez tanto por nós. E nunca o merecemos menos.

É Páscoa! É a vitória de Cristo sobre a morte, que é também a nossa vitória. Ele se fez Vítima por nós. Ele, ressurrecto e glorioso, é também por nós. Ressuscitou verdadeiramente: é a razão da nossa esperança.

Ele vive! Feliz e Santa Páscoa a todos!

A Epifania da Igreja

No último Domingo, Epifania do Senhor, o padre, após a proclamação do Evangelho e antes da homilia, fez a leitura do Noveritis. É a solene proclamação, dentro da primeira Missa dominical do ano (*), de todas as festividades móveis que terão lugar neste ano que inicia. A versão latina, abaixo, peguei no blog do pe. Z; também lá encontrei, neste De publicatione Festorum mobilium, as partituras gregorianas do cântico para os últimos anos.

[(*) A Epifania é o dia de Reis, que se celebra, a rigor, no dia 06 de janeiro. Contudo, em alguns países – entre os quais o Brasil -, a festa da Epifania é sempre celebrada no primeiro domingo depois do dia primeiro de janeiro. Será, portanto, o primeiro domingo do ano na maior parte das vezes, salvo quando dia 01/01 for ele próprio um domingo – e, então, a Epifania fica no segundo domingo do ano.]

Epiphania 2015

Todo mundo sabe que todo ano tem alguns feriados móveis; a Quarta-Feira de Cinzas é sempre uma quarta-feira, Corpus Christi é sempre numa quinta e, a Sexta da Paixão, como o próprio nome diz, cai sempre e insistentemente numa sexta-feira. O que nem todo mundo sabe é que todos esses feriados, embora móveis em relação ao calendário civil, são fixos entre si mesmos. Ou seja: determinado um deles, determinam-se todos os outros.

A festividade-mor, da qual decorrem todas as outras, é a Páscoa da Ressurreição. Ela é marcada com base em um calendário lunar: o domingo de Páscoa é o primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio de primavera (do hemisfério norte). Assinalada a data da Páscoa, marcam-se automaticamente todos os outros feriados: quarenta dias para trás, temos a Quarta-Feira de Cinzas (o que determina também o Carnaval); cinqüenta dias à frente, Pentecostes. Na segunda quinta-feira após Pentecostes, Corpus Christi.

Duas coisas são interessantes aqui:

1. Durante muito tempo, quando o acesso a calendários não era massificado como nos nossos dias, a primeira Missa do ano foi o momento no qual a maior parte das pessoas era informada a respeito dos feriados móveis. Para além da função óbvia de rezar, ia-se à Missa para saber quais os dias, no corrente ano, em que ocorreriam festas como a Páscoa e o Carnaval. E o nosso século materialista e ateu é constrangido, ainda, a prestar este tributo à Igreja de Cristo: ainda hoje, o calendário civil, para assinalar os seus feriados, depende do que a Igreja vai cantar no Noveritis do primeiro domingo do ano.

2. Assim como estes feriados civis – v.g. o Carnaval, a Semana Santa, Corpus Christi – decorrem do Calendário Litúrgico (o que é um belo símbolo da justa submissão de César à Esposa de Cristo), também há uma hierarquia no interior do ano eclesiástico: todas as festividades decorrem da Páscoa. É ela o ápice do Ano Litúrgico, é com referência a ela que todas as outras festas são marcadas, é ela que determina todo o resto, é em torno dela que orbitam todas as festas móveis católicas. Mistagogia é aprender a Fé cristã a partir do culto católico; e que bela maneira de fazer «catequese litúrgica» essa, mostrando que todo o culto da Igreja, ao longo de todo o ano, está orientado para a Páscoa do Senhor!

No Domingo, festa da Epifania, a Igreja se assenhoreia do tempo profano e, do alto do púlpito, assinala as datas às quais o calendário civil deve aquiescer. Epifania, palavra que significa manifestação: em primeiríssimo lugar do Menino-Deus aos Reis Magos, é evidente, mas também da Igreja à sociedade civil – da Igreja cuja celebração da Páscoa se estende para além das fronteiras eclesiásticas e dita os rumos do ano de César. Um dia, Magos do Oriente vieram adorar um Recém-Nascido numa manjedoura, oferecendo-Lhe presentes. Cedendo-Lhe alguns dias do ano, ainda hoje, na mesma data, os poderosos do mundo prestam deferência à legítima Herdeira do legado d’Ele.

“Levai adiante o testemunho de que Jesus está vivo” – Papa Francisco

P.S.: A tradução oficial já se encontra disponível no site da Santa Sé.

[…]

Um outro elemento: nas profissões de Fé do Novo Testamento, como testemunhas da Ressurreição, são lembrados apenas os homens, os Apóstolos, mas não as mulheres. Isto porque, de acordo com a Lei Judaica daquele tempo, as mulheres e as crianças não podiam prestar um testemunho digno de fé, crível. Nos Evangelhos, ao contrário, as mulheres têm um papel primário, fundamental. Que possamos colher [aqui] um elemento a favor da historicidade da Ressurreição: se fosse uma invenção, no contexto daquele tempo, [quem a inventou] não a vincularia ao testemunho das mulheres. Ao contrário, os Evangelistas narram simplesmente aquilo que aconteceu: são as mulheres as primeiras testemunhas. Isto [nos] diz que Deus não elege segundo os critérios humanos: as primeiras testemunhas do nascimento de Jesus são os pastores, gente simples e humilde; as primeiras testemunhas da Ressurreição são as mulheres. E isto é belo. Isto é um pouco da missão das mulheres: das mães, das mulheres! Dar testemunho aos filhos, aos netos, que Jesus está vivo, é o Vivente, é ressuscitado. Mães e mulheres, avante com este testemunho! Para Deus importa o coração, quando estamos juntos a Ele, se somos como as crianças que confiam. Mas isto nos faz refletir também sobre como as mulheres, na Igreja e no caminho da Fé, tiveram e têm ainda hoje um papel particular na abertura das portas ao Senhor, no segui-Lo e no comunicar a Sua Face, porque o olhar da Fé tem sempre necessidade do olhar simples e profundo do amor. Os Apóstolos e discípulos tiveram mais dificuldade para acreditar. As mulheres não. Pedro corre ao Sepulcro, mas pára no Túmulo Vazio; Tomé precisa tocar com as suas mãos as feridas do Corpo de Jesus. Também no nosso caminho de Fé é importante saber e sentir que Deus nos ama, não ter medo de amá-Lo: a Fé se professa com a boca e com o coração, com a palavra e com o amor.

[…]

Deixemo-nos iluminar pela Ressurreição de Cristo, deixemo-nos transformar por Sua força, a fim de que também através de nós os sinais da morte no mundo dêem lugar aos sinais de vida. Vi que há tantos jovens nesta praça: ei-los! A vós eu digo: levai convosco esta certeza: o Senhor está vivo e caminha a nosso lado na vida. Esta é vossa missão! Levai convosco esta esperança. Ancorai-vos a esta esperança, [com] esta âncora que está no Céu: segurai firme esta corda, ficai ancorados e levai adiante a esperança. Vós, testemunhas de Jesus, levai adiante o testemunho de que Jesus está vivo e isto nos dará esperança, dará esperança a este mundo tão envelhecido pelas guerras, pelos males, pelo pecado. Avante, jovens!

Papa Francisco,
Catequese da Quarta-Feira, 03 de abril de 2013

Ressuscitou!

Alegrai-Vos, Rainha do Céu, aleluia, porque Aquele que mereceste trazer em Vosso seio, aleluia, ressuscitou, como dissera, aleluia! Rogai por nós a Deus, aleluia!

Ressurgiu, verdadeiramente! Noite gloriosa que – como cantamos há pouco no Exsultet – foi a única a saber a hora exata em que Cristo irrompeu vencedor do Inferno. Culpa feliz, que mereceu um Redentor tão excelso.

E onde está, ó Morte, o teu Aguilhão? Onde a tua vitória? Cristo venceu. E a vitória d’Ele abre caminho para a nossa. Nos passos d’Ele nós estamos representados. Na Ressurreição d’Ele, a esperança da nossa.

Ressuscitou! Aleluia!

A todos uma feliz e santa Páscoa; são os votos do Deus lo Vult! aos que por aqui passarem.

“Por que é diferente esta noite?” – Quinta-Feira Santa

Por que esta noite é diferente das outras noites? A pergunta foi imortalizada na película do Mel Gibson que nós costumamos assistir nestes dias do ano. Para além de qualquer interesse histórico que a questão possa despertar, penso que sua maior utilidade no dia de hoje é provocar-nos uma reflexão e uma resposta. Estes dias santos exigem que nós tomemos parte nos acontecimentos neles celebrados, como disse certa vez o pregador da Casa Pontifícia.

Por que é diferente esta noite? Qualquer resposta que se pretenda frutuosa precisa incluir em si o fato de que foi nesta noite – a Noite da Quinta-Feira Santa – que teve início a nossa Redenção. Aliás, isto é uma das primeiras coisas que é preciso ter em mente para viver com fruto estes dias: esta noite que estamos vivendo hoje é Aquela Noite Terrível na qual o Salvador foi traído por Judas. Embora não haja rigorosamente representatio da Semana Santa no mesmo sentido em que a Eucaristia contém a Paixão do Senhor (cf. Ecclesia de Eucharistia 11), estes dias devem sim ser vividos “à maneira de um mistério”, como disse o Cantalamessa. Devem ser vividos de um modo místico e, misticamente, esta é a noite na qual o Senhor foi traído. A Noite da Última Ceia. A Noite do Getsêmani. A noite do beijo de Judas.

São estes os eventos onde devemos estar hoje – afinal, são eventos ocorridos por causa de nós. Dizer que Deus faria tudo o que fez para resgatar uma só alma é uma bonita sentença teológica; mas a consciência de que esta única alma poderia ser precisamente a minha é um poderoso elemento de conversão. É somente quando nós aplicamos as verdades de Fé à nossa vida concreta que elas nos são úteis. Em um certo sentido, nós podemos perfeitamente dizer que os eventos dramáticos deste Tríduo Santo gravitam ao redor de nossa existência concreta, da nossa vida particular. Deus é Amor, e a manifestação mais eloqüente desta consoladora verdade é precisamente esta em cujo meio nos encontramos agora.

Aviso

Viajo hoje, logo após o Regina Caeli vespertino, às Minas Gerais para celebrar a Oitava de Páscoa com alguns caros amigos que, não obstante façam o enorme desfavor de morarem tão-tão-distante, ainda assim são amigos excelentes. Não sei, portanto, como estará o meu acesso à internet de hoje até a próxima segunda-feira. Peço a paciência de todos, pois este blogueiro também é humano.

Uma feliz e santa Páscoa a todos! Alegrai-vos, que Cristo ressuscitou!

Domingo

Este é o dia no qual as nossas lágrimas são enxugadas. Este é o dia no qual os sofrimentos que experimentávamos ainda ontem dão lugar ao mais vigoroso júbilo, à alegria tão grande que sequer poderíamos imaginar. Este é o dia em que a vitória de Nosso Senhor mostra-se completa: o último inimigo a ser vencido era a Morte, e este é o dia em que Cristo ressurge dos Infernos vencedor.

Este é o dia em que o Todo-Poderoso zomba e escarnece dos seus inimigos! Onde está, ó Morte, a tua vitória? Onde o teu Aguilhão? A maldade humana não foi capaz de matar a Misericórdia de Deus, e a frieza do túmulo não conseguiu manter preso o Amor pulsante. O Amor tão forte que nem mesmo todos os pecados do mundo foram capazes de soterrar. O Amor Onipotente, que nem os Infernos puderam manter cativo.

Chegou o Domingo! Coroando a nossa Semana Santa, sobrepujando com Amor Divino toda a maldade humana estampada na Cruz da Sexta-Feira. Parecia que tudo chegava ao fim; parecia que, dessa vez, tínhamos realmente estragado tudo. Mas Deus nos supreende sempre. Da Sua Morte na Cruz, Ele faz redenção. Da sepultura fria, Ele faz o Sepulcro Vazio. O nosso pecado Ele cobre com o Seu Perdão e transforma o horrendo Deicídio em fonte de Graça e de Salvação. Porque Ele é Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal.

Começamos a Quinta-Feira no pérfido beijo de Judas e, na Sexta-Feira, os nossos crimes mataram a Cristo na Cruz. Apercebemo-nos da imensidão do nosso pecado quando O matamos e, não fosse a consoladora presença da Virgem que nos foi deixada, cairíamos em desespero no Sábado terrível. Mas n’Ela encontramos a nossa esperança e, com Ela, aguardávamos ansiosos o dia de hoje. E Ele é o Deus Fiel que cumpre sempre as Suas promessas.

Ressuscitou! Nós o devíamos saber, se não fôssemos tão pecadores, se não fosse tão pequena a nossa Fé. Afinal, Ele disse que ressuscitaria… Mas os nossos crimes nos deixaram cegos para as Suas palavras e, no dia de hoje, mal podemos acreditar nos nossos olhos. É por demais incompreensível este Amor de Deus! Nós O rejeitamos, nós O condenamos, nós O crucificamos e O sepultamos. Nós não O quisemos no nosso mundo, nós O expulsamos daqui! E, mesmo assim, Ele voltou. Mesmo após termos feito tudo o que poderíamos para nos livrarmos d’Ele, Ele retornou. E, por absurdo que isto possa parecer, retornou parecendo amar-nos ainda mais.

Retornou Glorioso, Ressuscitado, tendo vencido a Morte e prometendo-nos também a nós esta vitória! Como é possível? Acaso recebem prêmios os nossos pecados, recompensas tão mais maravilhosas quanto maiores forem os nossos crimes? Qual a lógica das atitudes deste Homem que visivelmente não está disposto a desistir de nós, por mais que nós deixemos claro que não O queremos em nossas vidas?

A lógica do amor de Deus ultrapassa todas as lógicas humanas. Para Ele, uma lágrima contrita é capaz de cobrir toda uma multidão de pecados; não foi exatamente isto que Ele fez por nós na Cruz da Sexta-Feira, ao oferecer à Majestade Divina a satisfação devida pelos nossos pecados? Enquanto O matávamos, Ele nos perdoava. E, quando chorávamos a nossa loucura, Ele já nos dava Vida. E hoje, Ressuscitado, veio assegurar-nos de que estará conosco. Todos os dias. Até o Final dos Tempos.

E que importam os sofrimentos deste Vale de Lágrimas diante da perspectiva da Ressurreição? Que nos importam a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada, se nenhuma dessas coisas é capaz de nos separar do Amor de Cristo? Nós O matamos e, mesmo assim, Ele nos perdoou! O que tivermos de sofrer agora é lucro. As dores que porventura nos venham por conta de nossos pecados são paga pequena por nossas culpas; e ainda, ao final, a Ressurreição e a Vida Eterna! Como não nos rejubilarmos? Como não nos unirmos a toda a Igreja para cantarmos, neste Domingo Glorioso, a vitória de Cristo que é também a nossa Vitória? Sim, O Felix Culpa! Deus não Se deixa vencer e, desafiado pelo nosso pecado, mostrou-Se Magnânimo para além de qualquer razoabilidade. Nossas culpas foram soterradas pelo infinito Amor de Deus! Como não nos alegrarmos? É Páscoa, é Ressurreição. Cristo venceu e, com Ele, também nós vencemos – Aleluia!

E é do fato histórico da Ressurreição que nasce o vigor da Igreja. Ora, estamos falando de um punhado de homens rudes da Galiléia que saíram mundo afora para anunciar a Cristo Ressuscitado. Foram desprezados, zombados, torturados e mortos – e sustentaram a sua história. E esta pequena Igreja foi perseguida e, produzindo mártires aos milhares, continuou crescendo. Sobreviveu à queda de Jerusalém e à queda do Império Romano. Sobreviveu às invasões bárbaras e, cristianizando os responsáveis pelo caos em que foi lançada a Europa no início da Alta Idade Média, construiu a civilização que nós hoje conhecemos. Atravessou os séculos e pode ser encontrada até hoje, no terceiro milênio, quase dois mil anos após os acontecimentos que nós relembramos na Semana Santa. Sustentando a mesma história! Os pescadores ignorantes da Galiléia conquistaram o mundo para Cristo e a pequena Igreja nascida em Jerusalém está hoje espalhada por todo o mundo, contando com milhões e milhões de adeptos. Ora, todo efeito pede uma causa proporcional a ele. Onde está a causa desta maravilhosa fecundidade da Doutrina de Cristo? Onde, em consciência, a poderemos encontrar, se não for no Sepulcro Vazio que nós hoje celebramos? É claro que Cristo ressuscitou verdadeiramente. Sem a Ressurreição a história não faz sentido. Negá-La é negar as evidências.

Unamos, portanto, a nossa voz à voz dos anjos e dos santos todos que cantam a vitória de Nosso Senhor. Alegremo-nos junto à Virgem Santíssima, junto à Rainha dos Céus – que é o título com o qual Ela será louvada ao longo deste Tempo Pascal. Regina Caeli, laetare! Porque Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Porque os nossos pecados foram perdoados. Porque a Glória foi conquistada para nós. Porque Ele ressuscitou verdadeiramente.