O que diz a Igreja sobre as sociedades secretas?

Um leitor do blog pergunta:

E além do tema do Comunismo, o que diz a Doutrina da Igreja sobre a adesão de batizados às sociedades secretas e relacionado a esse tema da excomunhão?

Pode esclarecer a respeito?

É o seguinte:

I. O Código Pio-Beneditino previa, no seu cânon 2335, explicitamente, excomunhão automática, reservada à Sé Apostólica, para quem aderisse à maçonaria:

Can. 2335. Nomen dantes sectae massonicae aliisve eiusdem generis associationibus quae contra Ecclesiam vel legitimas civiles potestates machinantur, contrahunt ipso facto excommunicationem Sedi Apostolicae simpliciter reservatam. [“Quem inscrever seu nome na seita maçônica ou em outras associações, do mesmo gênero, que conspiram contra a Igreja ou contra as legítimas autoridades civis, incorre ipso facto em excomunhão reservada à Sé Apostólica” — tradução livre minha.]

II. Em 1981, antes da entrada em vigor do novo Código, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma declaração onde dizia que «não foi modificada de algum modo a actual disciplina canónica» e, portanto, que não foi tampouco «ab-rogada a excomunhão nem as outras penas previstas». O antigo cânon, então, «veta[va] aos católicos, sob pena de excomunhão, inscreverem-se nas associações maçónicas e outras semelhantes».

Ou seja: nesta época, embora houvesse um cuidado (que se pode dizer pastoral) para distinguir as responsabilidades individuais em cada caso concreto, a Igreja absolutamente não mudara nem estava em vias de mudar o seu «juízo de carácter geral sobre a natureza das associações maçónicas», que permanecia negativo.

III. No final de 1983, no ano em que foi publicado o novo Código de Direito Canônico, a mesma Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma segunda declaração onde dizia que continuava «imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas». Ainda, acrescentou que os «fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão».

Há aqui uma mudança de direito eclesiástico: ab-rogado o antigo cânon 2335 sem que se lhe tenha colocado no novo Codex dispositivo correspondente, permanecia contudo a proibição aos católicos de ingressarem na maçonaria, sob pena não mais de excomunhão, mas de pecado grave.

Continuava e ainda continua vigente, não obstante, o cânon que prevê excomunhão automática para «o apóstata da Fé, o herege e o cismático» (CIC 1364). Portanto, se a adesão a uma loja maçônica ou a qualquer outra associação análoga importar em um pecado contra a Fé, o sujeito queda excomungado automaticamente: não mais pela inscrição na maçonaria (pena do antigo cânon 2335), mas pelo pecado contra a Fé Católica (pena do atual cânon 1364). É o mesmo raciocínio aplicável à questão da excomunhão dos comunistas.

IV. Pouco depois de um ano, em 1985, foi emitida pela CDF uma terceira declaração, mais longa que as anteriores. Esta é muito interessante e vale uma leitura na íntegra, porque distingue bem as questões morais (aquilo que é pecado) das penais (o subconjunto dos pecados ao qual são impostas determinadas penas pelo Direito Canônico). Além disso, explica detalhadamente os princípios que norteiam o parecer negativo da Igreja sobre a maçonaria:

Mesmo quando, como já se disse, não houvesse uma obrigação explícita de professar o relativismo como doutrina, todavia a força “relativizante” de uma tal fraternidade, pela sua mesma lógica intrínseca[,] tem em si a capacidade de transformar a estrutura do acto de fé de modo tão radical que não é aceitável por parte de um cristão, “ao qual é cara a sua fé” (Leão XIII).

Esta solução canônica, conclua-se, é a que está atualmente vigente: participar da maçonaria ou de outras sociedades secretas é pecado grave e, na medida em que esta participação leve a um pecado contra a Fé, conduz à excomunhão por heresia, apostasia ou cisma do cânon 1364.

V. Para fins informativos — pois os aspectos normativos vigentes são os que foram acima expostos — é interessante anotar o seguinte: um recente “questionário sobre a descrença” coloca a maçonaria (cf. q. 3.4) entre os «fenômenos ou movimentos para-religiosos»; e o Papa Francisco, quando esteve em Turim no ano passado, fez uma referência bem pouco positiva aos maçons:

[E]m finais do século xix a juventude crescia nas piores condições: a maçonaria estava no auge, até a Igreja nada podia fazer, havia o anticlericalismo, o satanismo… Era um dos momentos mais obscuros e um dos lugares mais tristes da história da Itália

VI. Em resumo, é possível sintetizar o que segue:

  • A mera inscrição na maçonaria ou em outras sociedades secretas não implica mais em uma pena de excomunhão automática.
  • Todavia, mesmo a mera inscrição é matéria de pecado grave, conforme reiteradas manifestações da Congregação para a Doutrina da Fé o afirmam (naturalmente, aplicam-se aqui os critérios morais genéricos dos pecados mortais, para cuja concretização exige-se conhecimento e livre consentimento).
  • Os princípios da maçonaria são irreconciliáveis com os da Fé Católica, de tal sorte que a adesão àqueles «tem em si a capacidade de transformar a estrutura do acto de fé» católico.
  • Na medida em que o católico inscrito na maçonaria tenha a sua fé deturpada, aplica-se-lhe a pena de excomunhão do cânon 1364 — não mais pelo mero ingresso na loja maçônica, mas sim pela deturpação da sua fé provocada por ela.

Com isso respondem-se as dúvidas colocadas sobre o assunto.

E a redução da maioridade penal?

Um leitor do Deus lo Vult! apresenta os seguintes (pertinentes) questionamentos:

1ª) Ser contra reduzir a maioridade penal é uma posição oficial da Igreja? Se sim, baseada em quê?

2ª) Você é a favor de reduzir a maioridade penal?

3ª) Por quê é tão polêmico esse tema pra a Igreja? Tendo em vista que a violência precisa ser combatida, são seria mais do que justo punir baixando a maioridade penal, de forma contundente, quem comete crimes?

Primeiramente, é preciso deixar claro a Igreja não tem “posições oficiais” sobre temas tão essencialmente contingentes como o modo adequado de punir as pessoas de acordo com a idade que elas tenham. A Igreja trabalha com princípios, deixando (ampla) margem à sua variada concretização de acordo com os tempos e lugares, os costumes e os modos de vida de cada sociedade.

Aquilo que mais aproximadamente se pode procurar a este respeito na Igreja são as disposições do Código de Direito Canônico. Dois cânones particularmente interessam aqui; encontram-se no Livro VI – “das sanções na Igreja” – do Código e, dentro dele, no Título III – “da pessoa sujeita às sanções penais”. São os seguintes:

Cân. 1323 — Não está sujeito a nenhuma pena aquele que, ao violar a lei ou o preceito:

1.° não tinha ainda completado dezasseis anos de idade;

* * *

Cân. 1324 — § 1. O autor da violação não se exime à pena, mas esta, imposta por lei ou preceito, deve atenuar-se ou em seu lugar aplicar-se uma penitência, se o delito for praticado:

[…]

4.° por um menor que tenha completado dezasseis anos de idade;

Daqui se vê que, no que se refere à punibilidade do fiel católico em razão de sua faixa etária, vigoram três regimes na Igreja:

  1. os menores de 16 anos não estão sujeitos a nenhuma pena;
  2. os que já completaram 16 anos e ainda não completaram 18 anos estão sujeitos a penas atenuadas ou substituídas por penitências;
  3. os que já completaram 18 anos são punidos normalmente.

Isto – atenção! – não diz respeito à legislação civil dos diversos países do globo: isto é o que a Igreja dispõe para a aplicação das penas canônicas. Os dois ramos do Direito – o canônico e o civil – são relativamente independentes e, portanto, é perfeitamente possível que uma pessoa seja civilmente inimputável e canonicamente punível, ou vice-versa, sem que haja nenhum problema intrínseco com isto.

No que se refere ao direito secular, às penas estabelecidas pelo Estado, o que vale é o que está no Catecismo (III parte, Segunda Seção, Cap. II):

2266. O esforço do Estado em reprimir a difusão de comportamentos que lesam os direitos humanos e as regras fundamentais da convivência civil, corresponde a uma exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da autoridade pública legítima infligir penas proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objectivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando esta pena é voluntariamente aceite pelo culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda como objectivo, para além da defesa da ordem pública e da protecção da segurança das pessoas, uma finalidade medicinal, posto que deve, na medida do possível, contribuir para a emenda do culpado.

Desta passagem é possível extrair as seguintes importantíssimas conclusões:

  1. não existe nenhuma referência à idade da maioridade penal;
  2. é dever do Estado reprimir os comportamentos socialmente deletérios;
  3. o primeiro objetivo da pena é “reparar a desordem introduzida pela culpa” (função retributiva);
  4. a emenda do culpado (ressocialização) deve ocorrer “na medida do possível”.

Ou seja: é dever do Estado punir os crimes. A maneira concreta como esta punição se dará é deixada à prudência política dos governantes; nada obsta a que, por exemplo, existam estabelecimentos prisionais diferentes de acordo com a faixa etária do criminoso, ou – no meu entender mais importante ainda – de acordo com a lesividade do delito. Uma sociedade, caso queira, pode estabelecer vinte faixas etárias diferentes com diferentes modos de punição para cada uma delas: havendo certa razoável proporcionalidade entre eles, não existe a isso nenhum óbice de natureza moral. O que a sociedade não pode é deixar os delitos impunes: até aqui a doutrina da Igreja.

A respeito da maioridade penal, as duas posições antagônicas – pelos menos as duas posições sérias antagônicas – podem ser resumidas, parece-me, nas seguintes: por um lado, há quem ache que punir mal é menos ruim do que não punir e, pelo outro lado, há quem julgue que não punir é menos ruim do que punir mal.

Acho que ninguém discorda disto: o nosso sistema carcerário pune muito mal. Já o disse alhures, aliás: estou convencido de que, no futuro, os nossos descendentes olharão para nós com horror e, implacáveis, censurar-nos-ão a indiferença com a qual parecemos levar as nossas vidas enquanto, nas nossas prisões, seres humanos – nossos semelhantes – vivem pior do que animais.

Reconhecê-lo não é esquerdismo. O insuspeito Nelson Rodrigues, em uma de suas crônicas d’A Cabra Vadia (“A fotografia do ódio”, pp. 62-65), traz-nos os seguintes interessantíssimos parágrafos:

Imaginem um chefe de família, de origem italiana. Mas a origem pouco importa. Era uma criatura doce, cálida, generosa. Um dia foi preso porque não tinha, na hora, a sua identidade. Sua mulher, seus oito filhos, estão em casa, esperando para o jantar. Mas ele não vem porque foi atirado no fundo de um xadrez. Passou lá, entre marginais, 24 horas, e gritando. Digo eu que o verdadeiro grito parece falso. E o motorista gritava como se estivesse imitando, apenas imitando a dor da carne ferida.

Eis o que aconteceu: — fora estuprado por seis ou sete marginais. Saiu do xadrez, foi para casa. Empurrou a mulher, entrou no quarto e trancou-se. Lá, meteu uma bala na cabeça. Morreu de ódio, morreu odiando, como a fotografia de Manchete. E, como a leitora, não sabia a quem odiar. Os marginais eram, decerto, os menos culpados. Episódios assim são uma rotina que jamais variou. Isso pode acontecer com o filho, o pai, o irmão de qualquer um; pode acontecer com qualquer um. A vítima pode uivar três dias e três noites. Ninguém se mexe na delegacia.

Ora, isso foi escrito em 1968…! O que diria o cronista se visse, em todo o esplendor do terceiro milênio, o Carandiru, Pedrinhas ou o nosso Aníbal Bruno?

A grande questão de fundo, sobre a qual ninguém fala, é a seguinte: o sistema carcerário é ruim para o “adolescente” de 17 anos como o é para o “jovem” de 19. Quem é contra a redução da maioridade não quer que apenas o “de menor” seja poupado dos horrores dos presídios: quer, igualmente, que o seja o “de maior”. Apenas não existe viabilidade para a bandeira e, portanto, por uma mera questão de contenção de danos, ele aceita a incoerência acidental da própria posição.

Tal é legítimo? Lógico que é. O problema é que se está diante de duas posições injustificáveis. O Estado não pode deixar de punir. Mas tampouco pode pôr em grave risco a integridade física e mental de seus cidadãos. Alguém pode justificar a sua posição favorável à redução da maioridade afirmando que se devem tolerar os males do sistema carcerário em vistas a evitar a impunidade generalizada, que é um mal maior. Por outro lado, alguém pode defender a não redução da maioridade alegando que se deve tolerar a relativa impunidade a fim de mitigar os danos injustos do sistema penitenciário patrício, que – este sim! – é o mal maior aqui. Como determinar, de uma vez por todas e absolutamente, a qual dos dois litigantes assiste razão?

O que precisa ficar claro é que a questão não tem absolutamente nada a ver com a idade a partir da qual os brasileiros conseguem entender o caráter ilícito de seus atos e se determinar de acordo com este entendimento. É lógico que – salvo exceções extraordinárias e que devem ser provadas a posteriori, jamais presumidas – pessoas de quinze, dezesseis ou dezessete anos sabem perfeitamente o que estão fazendo. A questão é o que fazer com quem comete crimes, dentro das circunstâncias históricas concretas em que estamos inseridos. E, aqui – excetuando-se, é claro, posições tresloucadas como “não se pode punir, apenas reeducar” ou congêneres -, há espaço para bastante diversidade legítima de opinião.

Mais sobre justiça e pena

Recebi nos últimos dias diversos comentários sobre o assassino do menino João Hélio que, sob as bênçãos de uma ONG defensora dos direitos humanos, após cumprir a sua “pena” num instituto de recuperação de menores, ganhou passagem e moradia na Suíça, para si e sua família, a fim de ter uma chance de recomeçar a sua vida.

Alguém me perguntou meio provocativamente se eu preferiria que o sujeito “apodrecesse” na cadeia, ao invés de ter uma chance de reconstruir a sua vida. A pergunta esconde um falso dilema, pois do jeito que ela foi formulada só parece haver duas alternativas excludentes: ou o sujeito “tem uma nova chance”, ou o sujeito “paga a sua pena”.

É óbvio que eu quero que o criminoso se arrependa de suas faltas e, tornando-se uma boa pessoa, possa levar uma vida santa (inclusive mais santa do que a minha, como rezamos na Ladainha da Humildade) até o fim dos seus dias. Isso, no entanto, não pode ser feito simplesmente “esquecendo-se” das conseqüências dos seus crimes, como se nada tivesse acontecido.

Como ensina a boa doutrina católica, a pena tem a função primeira de reparar a desordem introduzida pela culpa; adquire valor de expiação quando aceita livremente pelo condenado e, na medida do possível, deve contribuir para a emenda do culpado (cf. CIC 2266). Portanto, ao contrário do que estamos acostumados a escutar, o objetivo primeiro das punições não é a “reabilitação” do criminoso. Isso é uma coisa boa que deve ser buscada, sim, mas a função primeira da pena é reparar a desordem introduzida pela culpa.

Isso só pode ser feito com penas proporcionais aos delitos. Em que espécie de mundo a morte horrível de uma criança, arrastada por quilômetros presa a um carro roubado, pode ter como pena proporcional dois anos em uma casa de recuperação e, depois, uma “vida nova” na Suíça?

Concedendo, apenas para argumentar, que o menor tenha tomado consciência do mal que cometeu, que tenha realmente se arrependido, que deseje sinceramente mudar de vida e esteja realmente empenhado em fazê-lo de forma decente e honesta, mesmo assim, a reabilitação do culpado não é, por si só, suficiente para fazer cessar a pena. A pena é um dever de justiça. Voltando à pergunta original: sim, eu sem dúvidas quero que o assassino do garoto – e, aliás, qualquer criminoso – tenha uma outra chance, mas se a pena justa para os seus crimes exigir que ele “perca” um bom pedaço da sua vida em uma prisão, isso não pode ser simplesmente ignorado. Mesmo que, com isso, ele perca muitas chances na vida; afinal, uma “punição” é isso mesmo e não pode ser diferente.

Sobre o assunto, encontrei no Estadão de hoje um artigo do Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, Dom Antonio Augusto Dias Duarte, que vale a leitura. Termino as minhas reflexões com as palavras de Sua Excelência:

[S]erá que não existe mais, na atual civilização, o direito de memória, que exige o dever de respeitar o sofrimento gravado a fogo na mente e no coração dos pais e dos familiares, dos amigos e dos concidadãos de João Hélio, pois no interior de toda essa gente nunca se apagarão as imagens da atrocidade cometida contra essa criança, e a infeliz iniciativa desse tipo só faz pisotear este direito humano?

[…]

[S]erá que o nosso mundo, que se vangloria de ser pós-moderno, de ter progredido tanto nos costumes e na ciência, de ter avançado na defesa dos direitos humanos, tem ainda uma reserva de mentes claras e imunes a ideologias camufladas, capaz de falar dos reais direitos humanos e mais capaz ainda de proclamá-los corajosamente, até que o povo brasileiro se convença de que não precisa mais de ONGs que se vão instalando no nosso país somente para conturbar a ordem social e destruir valores culturais e religiosos indiscutíveis?

[…]

Nem Estados, nem grupos de Estado, nem autoridades governamentais, nem integrantes de organismos não-governamentais, nem planos nacionais, nem pretensas nações planejadores do mundo têm o direito de impingir aos cidadãos de um país certas propostas que maculam e lesam a dignidade da pessoa humana, mesmo que utilizem a expressão “direitos humanos”, sem afirmar quais a sua raiz e a fonte verdadeiras e originais.

CNBB e redução da maioridade penal

Hoje eu não estou com muita paciência… A CNBB emitiu uma nota na qual reafirma posição contrária à redução da maioridade penal. Incrivelmente, um documento desta natureza é divulgado até em ZENIT! Cabe fazer algumas perguntas:

1. Onde a Igreja ensina que é errado ser a favor da redução da maioridade penal? Não encontrei tal informação nem no Catecismo da Igreja Católica, nem no Compêndio de Doutrina Social, e nem no site do Vaticano. Pode ser que eu não tenha procurado direito e, portanto, se alguém tiver essa informação, será de grande valia.

2. Se “[a] pena tem como primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela culpa” (CIC 2266), qual a justificativa para que fiquem isentos de pena os menores de 18 anos [quando eles, aliás, já podem dirigir, votar, casar-se…]?

3. Se “[c]rianças, adolescentes e jovens precisam ser reconhecidos como sujeitos na sociedade e, portanto, merecedores de  cuidado, respeito, acolhida e principalmente oportunidades” (nota da CNBB citada), por que a esses sujeitos não pode ser reconhecida a responsabilidade por seus atos?

4. Caso este tema esteja entre aqueles sobre os quais é lícito aos católicos terem uma posição ou outra, por que motivo uma Conferência Episcopal – que, teoricamente, em um certo sentido representa todos os católicos – toma posição pública por uma solução em detrimento da outra? Acaso a Conferência não fala pelos católicos e não deve defender as posições católicas? Ou ela pode dividir o rebanho tomando posição pública sobre temas diante dos quais o fiel católico é livre para optar por caminhos distintos?

5. Se os católicos podem ser a favor da redução da maioridade penal, não percebe a Conferência Episcopal que, emitindo um documento público como o que ela emitiu, de certo modo obriga os católicos que discordam da nota a também tomarem posição pública contra a própria Conferência? Acaso isso é prudente?

6. A tomada de posição pública sobre temas que não são obrigatórios para todos os católicos [como a redução da maioridade penal], obrigando por conseguinte alguns católicos a se colocarem contra a Conferência, acaso não enfraquece as manifestações públicas sobre posições que – estas sim – são obrigatórias e absolutamente indiscutíveis, como o aborto? Acaso não enseja a comentários do tipo “ah, se quando a CNBB fala sobre a redução da maioridade penal eu não sou obrigado a concordar, então quando ela fala sobre aborto eu também não sou obrigado a fazê-lo”?

7. Qual é a relevância deste tema – e da abordagem que sobre ele foi feita – para a maior glória de Deus, a salvação das almas e a exaltação da Santa Madre Igreja? Ou por acaso são outros – e não estes – os fins que almeja a CNBB?

O Papa apóia a Campanha da Fraternidade?

ZENIT noticiou que o Papa Bento XVI apóia Campanha da Fraternidade da Igreja no Brasil. A mensagem enviada pelo Papa, publicada em ZENIT e também na Canção Nova, no entanto, destoa tanto da CF que me faz pensar exatamente o contrário. O Papa não “apóia” esta palhaçada que fazem no Brasil. Muito ao contrário, “puxa as orelhas” dos responsáveis pelo escândalo e pela vergonha, esforçando-se para trazer um sentido cristão à politicagem vazia transvestida de evento religioso.

Por exemplo, a mensagem de Sua Santidade fala em “tempo de conversão”, fala que “a justiça humana é sempre frágil e imperfeita”, fala em “pecado original”, em “Nosso Senhor”. É uma mensagem católica. E quanto à Campanha da Fraternidade?

Na oração, a palavra “conversão” aparece duas vezes. É, aliás, digna de louvor, pois fala em esmola, jejum, oração e penitência. Já no Texto Base da CF/2009, a coisa muda um pouco de figura, pois a palavra “conversão” aparece nele apenas 16 vezes (sendo uma na indexação e duas na já citada oração; sobram 13 citações ao longo do texto), num documento de modestas 176 páginas! “Pecado” (e derivados) aparece 10 vezes (e “pecado original”, nenhuma). “Redenção”, “Redentor”, “Sacrifício”, “Calvário”, “Missa”, “Confissão” (ou “Penitência” no sentido do Sacramento) não aparecem uma única vez!! Já “social” (e derivados) aparece 119 vezes, “comunidade”, 52 vezes, “economia” (e derivados), 54 vezes, “política” (e derivados), 65 vezes, “trabalho” (e derivados), 87 vezes, “povo” (e derivados), 43 vezes. E chega que não vou procurar mais.

Cabe perguntar: porventura isso é um documento católico? Na Bibliografia, os “documentos da Igreja” citados ocupam menos de uma única página (ou uma página e meia, se formos considerar como tais os documentos da CNBB…), de um total de cinco. Os títulos dos capítulos, vistos pelo índice, falam sobre coisas como “vida segura”, “pedagogia do controle”, “pirâmide social”, “tipos de violência”, “políticas públicas de segurança”. Tais baboseiras ocupam as primeiras setenta páginas do documento. A partir da página 77, começa-se enfim a falar em Deus mas, já na página 99 (ou seja, pouco mais de vinte páginas depois), voltam os títulos toscos contendo coisas como “ações educativas”, “em busca de um novo modelo penal”, “crimes não convencionais”, e pronto. Depois disso, só anexos. É vergonhoso que um documento de 176 páginas, de uma Conferência Episcopal, reserve pouco mais de 20 páginas para falar sobre coisas católicas (e isso a julgar pelo índice – nem tenho certeza se a segunda parte do documento é mesmo católica como dá a parecer…). Não, sem sombra de dúvidas, o Papa não apóia esta porcaria. Ao contrário, o que ele faz com sua mensagem é dizer “estou de olho”, enquanto tenta recolocar as coisas nos eixos (reconduzindo Cristo para a Quaresma) falando, em uma mensagem de poucas linhas, mais e melhor do que a CNBB com suas 176 páginas de texto-base.

P.S.: Entre os “objetivos específicos” citados pelo malfadado texto-base, à página 16, está escrito o seguinte: Denunciar a predominância do modelo punitivo presente no sistema penal brasileiro, expressão de mera vingança, a fim de incorporar ações educativas, penas alternativas e fóruns de mediação de conflitos que visem à superação dos problemas e à aplicação da justiça restaurativa. Isto é uma grande besteira, porque – como ensina a Igreja – a primeira função da Justiça é exatamente punir para restaurar a desordem introduzida. Às páginas 75 e 94 está escrito, respectivamente, que é necessário superar (…) as relações de ódio e vingança através de relações fundamentadas na misericórdia e que visam não à punição, mas à superação do mal e de suas causas e também que Jesus quer resgatar as pessoas e não puni-las. Tremenda bobagem, empulhação transvestida de ensino católico; a Igreja ensina que “[a] legítima autoridade pública tem o direito e o dever de infligir penas proporcionais à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela culpa” (CIC 2266). É frustrante precisar corrigir coisas tão básicas em um documento emanado por uma Conferência Episcopal.