“O sacerdote, com quatro palavras, faz mais todos os dias, que se criara mil mundos” – pe. António Vieira

O perdoar pecados consiste formalmente em Deus ceder do jus e direito que sua justiça tem para os castigar, que é acto superior da sua misericórdia, parcendo maxime, et miserando: e como neste acto vence a misericórdia divina a justiça divina, também Deus se vence a si mesmo, que é «a maior vitória, a maior façanha do seu poder»: Omnipotentiam tuam maxime manifestas. Porém a do Filho de Deus em se consagrar ainda é maior, porque mais é poder-se fazer a si mesmo, que poder-se vencer; e isto é o que pode, e o que fez o Filho de Deus, sumo e eterno sacerdote, quando se consagrou no sacramento, porque realmente se tornou a fazer e reproduzir a si mesmo. Mas não parou aqui sua omnipotência e liberalidade, senão que este mesmo poder de o reproduzirem e fazerem a ele, comunicou aos sacerdotes, quando lhes disse: Hoc facite in meam commemorationem: «Isto mesmo que eu fiz, fazei vós». Expressamente S. Germano, venerado e alegado neste mesmo ponto pelos Padres gregos: Ipse dixit: hoc est corpus meum, hic est sanguis meus; ipse et apostolis jussit, et per illos universæ ecclesiæ hoc facere: hoc enim (ait) facite in meam commemorationem. Non sane id facere jussisset, nisi vim, hoc est, potestatem inducturus fuisset, ut id facere liceret. Ó poder quase incompreensível, e que só se pode admirar com o nome de estupendíssimo! Nos seis dias da criação, criou Deus com seis palavras todo este Mundo, e o sacerdote com quatro palavras faz mais todos os dias, que se criara mil mundos.

Declaremos bem este poder mal entendido, para que todos o entendam e pasmem. O lume da Igreja, St. Agostinho, exclama assim: O veneranda sacerdotum dignitas! in quorum manibus Dei Filius velut in utero virginis incarnatur!: «Ó dignidade veneranda dos sacerdotes, em cujas mãos o Filho de Deus, como no ventre sacratíssimo da Virgem Maria, torna outra vez a encarnar!» Em que consistiu a encarnação do Verbo Eterno? Consistiu na produção do corpo e alma de Cristo e na produção da união hipostática, com que a sagrada humanidade se uniu à subsistência do Verbo. E tudo isto faz o sacerdote com as palavras da consagração, produzindo outra vez, ou reproduzindo todo o mesmo Cristo. Na mesma conformidade falam S. João Crisóstomo, S. Gregório Papa, S. Pedro Damião, e o antiqüíssimo Teodoro Ancirano, famoso no Concílio Efesino. Mas porque cuidam alguns que semelhantes questões são mais debatidas e examinadas pelos teólogos modernos, quero também alegar as palavras de dois bem conhecidos na nossa idade. O P. Teófilo Rainaudo, tão perseguidor de opiniões, ou devoções pouco Sólidas, como se vê nos seus eruditíssimos livros contra Anomala pietatis, diz o que se segue: Sacerdos Christum sub accidentibus ponit, esse sacramentale illi conferendo per veram Christi productionem substantialem. E mais a baixo: Christus non producitur absque unione ad verbum, quia non est purus homo, sed suppositum ejus est Persona Filii: itaque in sacrificio Deus in manibus sacerdotum incarnatur. E noutro lugar: Quim etiam sacerdotis potestas extenditur ad efficiendam unionem hypostaticam, et transubstantionem panis, et vini. Não romanceio as palavras, porque são expressamente tudo o que tenho dito. E o P. Eusébio Neriemberg, varão de tanto espírito, erudição e letras, cujos livros todos trazem nas mãos, fazendo a mesma comparação, que eu já toquei, entre a criação do Mundo e consagração do corpo de Cristo, discorre e infere desta maneira: Mundum, et ea quæ in mundo sunt, produxit potentia Patris: sacerdotis vero potentia producit Filium Dei in sacramentum, et sacrificium, quo admirabilior potestas est sacerdotis transubstantiatione Filium Dei, quam creatione res perituras Dei Patris producentis. Quer dizer: «A potência do Eterno Padre produziu o Mundo, e  tudo o que há no mundo; a potência do sacerdote produz o Filho de Deus em sacramento e sacrifício; donde se segue que o poder do sacerdote, na transubstanciação do Filho de Deus, é muito mais admirável que a potência do Eterno Padre na criação de todas as cousas do Mundo, que hão-de acabar com ele.»

Padre Antonio Vieira,
Sermão de São Pedro

Aos sacerdotes e religiosos [da Irlanda] que abusaram dos jovens

7. Aos sacerdotes e aos religiosos que abusaram dos jovens

Traístes a confiança que os jovens inocentes e os seus pais tinham em vós. Por isto deveis responder diante de Deus omnipotente, assim como diante de tribunais devidamente constituídos. Perdestes a estima do povo da Irlanda e lançastes vergonha e desonra sobre os vossos irmãos. Quantos de vós sois sacerdotes violastes a santidade do sacramento da Ordem Sagrada, no qual Cristo se torna presente em nós e nas nossas acções. Juntamente com o enorme dano causado às vítimas, foi perpetrado um grande dano à Igreja e à percepção pública do sacerdócio e da vida religiosa.

Exorto-vos a examinar a vossa consciência, a assumir a vossa responsabilidade dos pecados que cometestes e a expressar com humildade o vosso pesar. O arrependimento sincero abre a porta ao perdão de Deus e à graça do verdadeiro emendamento. Oferecendo orações e penitências por quantos ofendestes, deveis procurar reparar pessoalmente as vossas acções. O sacrifício redentor de Cristo tem o poder de perdoar até o pecado mais grave e de obter o bem até do mais terrível dos males. Ao mesmo tempo, a justiça de Deus exige que prestemos contas das nossas acções sem nada esconder. Reconhecei abertamente a vossa culpa, submetei-vos às exigências da justiça, mas não desespereis da misericórdia de Deus.

Bento XVI,
Carta pastoral aos católicos da Irlanda
19 de março de 2010 – solenidade de São José.

Cinzas – por pe. Paulo Ricardo

Vi no Exsurge, Domine! – muito bom. São menos de dois minutos, mas mais profundos do que muitas homilias longas que escutamos por aí. “O homem se coloca debaixo do olhar de Deus com todo o realismo, dizendo: é verdade, Senhor, eu sou pó, e em Vós está a minha verdadeira alegria”.

Calendário de penitências quaresmais

Já estamos atrasados, porque a Quaresma já começou desde ontem. Há muito que fazer. Achei muito interessante a idéia de uma amiga, a Tamyres, de organizar um pequeno calendário com pequenos propósitos a serem cumpridos em cada um dos dias da Quaresma – cada um, pois não há tempo a perder.

Segue o que ela preparou. Logicamente, é totalmente pessoal e subjetivo, e vai aqui somente à guisa de exemplo.

17 de Fevereiro – Quarta 18 de Fevereiro – Quinta 19 de Fevereiro – Sexta 20 de Fevereiro  – Sábado 21 de Fevereiro – Domingo
Farei o Jejum conforme manda a Santa Mãe Igreja Aceitarei as dificuldades desse dia sem murmurar Farei Jejum pela Igreja e darei de comer a alguém Rezarei o terço pela conversão dos pecadores Assistirei a Santa Missa com devoção
22 de Fevereiro – Segunda 23 de Fevereiro – Terça 24 de Fevereiro – Quarta 25 de Fevereiro – Quinta 26 de Fevereiro – Sexta
Darei atenção a uma pessoa idosa ou doente da família Leitura orante da 1ª leitura do dia Isaias 55,10-11 Farei penitência pela conversão dos pecadores Irei a uma Igreja rezar diante do sacrário Farei um bom exame de consciência e procurarei a confissão. Dia de jejum
27 de Fevereiro – Sábado 28 de Fevereiro – Domingo 01 de Março – Segunda 02 de Março – Terça 03 de Março – Quarta
Rezarei o terço por aqueles que me ofenderam ou que me perseguem Farei esforço para mudar meu semblante Tentarei me aproximar daqueles que n me agradam Servirei aos de casa com alegria Farei a leitura orante do evangelho do dia
04 de Março – Quinta 05 de Março – Sexta 06 de Março- Sábado 07 de Março – Domingo 08 de Março – Segunda
Deixarei de comprar algo para mim e usarei o dinheiro para ajudar alguém Farei também jejum da língua e só falarei bem das pessoas Se não me confessei, buscarei a confissão Irei à santa Missa e ajudarei de forma material minha paróquia Rezarei o terço pela Igreja e por todos os cristãos perseguidos

Aproveito o ensejo para deixar mais exemplos de coisas – simples, corriqueiras – que podem nos ajudar a melhor nos prepararmos, durante este tempo quaresmal, para a celebração da Semana Santa.

  • Desligar a televisão
  • Desligar o MSN
  • Desligar o som do carro na volta pra casa, e aproveitar o silêncio para meditar os novíssimos
  • Cortar o refrigerante do almoço
  • Deixar de comer doces
  • Não consumir bebidas alcóolicas
  • Não ir à boate, à festa, ao cinema
  • Fazer uma hora de silêncio durante o trabalho
  • Não tomar o analgésico para a dor de cabeça
  • Visitar um hospital
  • Deixar de fazer o comentário espirituoso que iria provocar gargalhadas
  • Sorrir mais, gargalhar menos
  • Falar sobre a importância da penitência durante a Quaresma
  • Trocar a coca-cola gelada, no calor, por um copo d’água
  • Visitar parentes que não se vê há tempos
  • Rezar (pelo menos) um terço a mais
  • Calçar o sapato desconfortável
  • Dar de comer a quem tem fome
  • Lavar os pratos, a roupa, o banheiro, no lugar de alguém
  • Ler um livro piedoso
  • Em suma, reclamar menos, rezar mais

Memento homo… (pe. António Vieira)

Ora, senhores, já que somos cristãos, já que sabemos que havemos de morrer e que somos imortais, saibamos usar da morte e da imortalidade. Tratemos desta vida como mortais, e da outra como imortais. Pode haver loucura mais rematada, pode haver cegueira mais cega que empregar-me todo na vida que há de acabar, e não tratar da vida que há de durar para sempre? Cansar-me, afligir-me, matar-me pelo que forçosamente hei de deixar, e do que hei de lograr ou perder para sempre, não fazer nenhum caso! Tantas diligências para esta vida, nenhuma diligência para a outra vida? Tanto medo, tanto receio da morte temporal, e da eterna nenhum temor? Mortos, mortos, desenganai estes vivos. Dizei-nos que pensamentos e que sentimentos foram os vossos quando entrastes e saístes pelas portas da morte? A morte tem duas portas: Qui exaltas me de portis mortis. Uma porta de vidro, por onde se sai da vida, outra porta de diamante, por onde se entra à eternidade. Entre estas duas portas se acha subitamente um homem no instante da morte, sem poder tornar atrás, nem parar, nem fugir, nem dilatar, senão entrar para onde não sabe, e para sempre. Oh! que transe tão apertado! Oh! que passo tão estreito! Oh! que momento tão terrível! Aristóteles disse que entre todas as coisas terríveis, a mais terrível é a morte. Disse bem mas não entendeu o que disse. Não é terrível a morte pela vida que acaba, senão pela eternidade que começa. Não é terrível a porta por onde se sai; a terrível é a porta por onde se entra. Se olhais para cima, uma escada que chega até o céu; se olhais para baixo, um precipício que vai parar no inferno, e isto incerto.

[…]

Oh! que momento, torno a dizer, oh! que passo, oh! que transe tão terrível! Oh que temores, oh! que aflição, oh! que angústias! Ali, senhores, não se teme a morte, teme-se a vida. Tudo o que ali dá pena, é tudo o que nesta vida deu gosto, e tudo o que buscamos por nosso gosto, muitas vezes com tantas penas. Oh! que diferentes parecerão então todas as coisas desta vida! Que verdades, que desenganos, que luzes tão claras de tudo o que neste mundo nos cega! Nenhum homem há naquele ponto que não desejara muito uma de duas: ou não ter nascido, ou tornar a nascer de novo, para fazer uma vida muito diferente. Mas já é tarde, já não há tempo: Quia tempus non erit amplius (Apc 10, 6). Cristãos e senhores meus, por misericórdia de Deus ainda estamos em tempo. É certo que todos caminhamos para aquele passo, é infalível que todos havemos de chegar, e todos nos havemos de ver naquele terrível momento, e pode ser que muito cedo. Julgue cada um de nós, se será melhor arrepender-se agora, ou deixar o arrependimento para quando não tenha lugar, nem seja arrependimento. Deus nos avisa, Deus nos dá estas vozes; não deixemos passar esta inspiração, que não sabemos se será a última. Se então havemos de desejar em vão começar outra vida, comecemo-la agora: Dixi: nunc caepi. Comecemos de hoje em diante a viver como quereremos ter vivido na hora da morte. Vive assim como quiseras ter vivido quando morras. Oh! que consolação tão grande será então a nossa, se o fizermos assim! E pelo contrário, que desconsolação tão irremediável e tão desesperada, se nos deixarmos levar da corrente, quando nos acharmos onde ela nos leva!

Pe. António Vieira,
Sermão de Quarta-Feira de Cinzas
Roma, 1670

João Paulo II e o cilício, Bento XVI e El País

Só comentando: todo mundo já deve ter ouvido falar do novo livro sobre João Paulo II, escrito pelo postulador da causa de beatificação, o monsenhor Slawomir Oder. Eu não li o livro, mas a julgar pelas notícias que saíram a única coisa que parece interessar nele é a informação de que o Papa usava cilício e penitência.

Aliás, a notícia não fala em cilício e penitência; diz somente que o Vigário de Cristo “se flagelava regularmente”. O cilício, fui eu que coloquei, uma vez que acho perfeitamente razoável supôr que o Pontífice o utilizava. E ponho o cilício na história porque o piedoso instrumento de ascese já foi, nos últimos anos, devidamente demonizado pelos inimigos da Cruz de Cristo. E, a Opus Dei, junto com ele.

Alguém comentou em um email ou no twitter que João Paulo II, comunicativo como sempre foi, jamais poderia ser chamado pela mídia de retrógrado ou medieval pela utilização do cilício ou da penitência. Seguindo esta lógica, o resultado deveria ser a absolvição das penitências corporais, uma vez que mesmo João Paulo II as utilizava. Ledo engano. Uma senhora chamada Barbara Gancia, ilustre desconhecida de mim até hoje, já resolveu jogar lama na imagem do falecido pontífice. Entre outras diatribes e vitupérios que não ouso reproduzir, esta senhora sentenciou que João Paulo II seria “um sujeito de mentalidade medieval!”.

A revelação de que o Servo de Deus João Paulo II fazia penitências corporais deveria servir para resgatar estas santas práticas de ascese – até o presente momento restritas ao gueto dos fanáticos ultra-reacionários e de extrema-direita da Opus Dei. No entanto, já estão tentando fazer precisamente o contrário: na cabeça de alguns anti-clericais, se o Papa usava cilício e penitência, isso não significa que o cilício e a penitência são coisas boas, mas sim que o Papa é um desequilibrado, um sadomasoquista. Contra gente preconceituosa como a sra. Gancia não há nada que se possa fazer. Ela já botou na cabeça que as penitências corporais são coisas do Capeta no qual ela não acredita, e ai de quem aparecer para as defender. Com esse tipo de gente, não vale nem a pena perder muito tempo.

Enquanto isso, e por incrível que pareça, na contramão de tudo o que se poderia esperar, tive a grata surpresa de encontrar no El País uma matéria com o singelo título de en defensa de Benedicto XVI! E fico pensando cá com os meus botões: se a Barbara Gancia se escandaliza e rasga as vestes ao saber que João Paulo II se flagelava, qual será a opinião dela sobre o Papa Bento XVI gloriosamente reinante? E chego à conclusão de que não quero nem saber. Tenho a ligeira sensação de que seria alguma coisa bem parecida com o que se critica na reportagem espanhola acima citada. Os anti-clericais são tão previsíveis. Às vezes eu acho incrível como eles conseguem manter platéia.

Os gays e o Reino dos Céus

Não achei em ZENIT, nem no site do Vaticano, nem na Radio Vaticana, nem em lugar nenhum. Mas saiu em R7 e no Estadão: “Cardeal diz que homossexuais ‘não entrarão no reino dos céus'”.

O cardeal é S.E.R. Javier Lozano Barragan, “[e]x-presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde”. Segundo a mídia secular, as declarações foram feitas ontem, quarta-feira, 02 de dezembro, à agência de notícias italiana Ansa.

Do Cardeal Barragán, não conheço quase nada. Encontrei no google uma mensagem proferida na Jornada Mundial contra a AIDS, em 2005; outra por ocasião do 56º dia mundial dos Doentes de Lepra, em 2009. Não sei em qual contexto foram feitas as declarações à Ansa; no entanto, sei que as palavras do cardeal podem ser e serão (se é que já não foram…) distorcidas, de modo que gostaria de tecer alguns comentários ligeiros.

Antes de mais nada, o cardeal está certo, objetivamente. É óbvio que os pecadores não entrarão no Reino dos Céus, por definição: o Céu é o lugar onde não existe pecado. Se isto for considerado “discriminação”, e se é insuportável à mentalidade igualitarista dos nossos dias, paciência. O Céu discrimina: n’Ele, só entram os justos. Nosso Senhor discrimina: separa os justos dos pecadores, as ovelhas dos bodes, o trigo do joio.

Ademais, a passagem bíblica referida por Sua Eminência é a epístola de São Paulo aos Romanos, Capítulo 1, versículos 26ss; “paixões vergonhosas”, “relações contra a natureza”, “torpeza” e “desvario” são expressões utilizadas pelo Apóstolo. Portanto, se há “homofobia”, ela está nas Escrituras Sagradas, e não no discurso do cardeal mexicano!

Esta é a verdade, e ela não pode ser mudada em atenção aos melindres dos que não acreditam em Deus. Os actos homossexuais, desordenados objetivamente, são pecaminosos. Não há espaço para o pecado na presença do Deus Altíssimo. A conclusão que se impera é imediata: não, não há lugar para os homossexuais no Reino dos Céus. Nisto, está certo o cardeal mexicano. Há, no entanto, uma ressalva – óbvia para os católicos – que precisa ser feita, para evitar as distorções dos anti-clericais de todos os naipes.

Não há espaço no Reino dos Céus para homossexuais ou para adúlteros, para prostitutas ou para ladrões, para assassinos ou para idólatras; mas há espaço – e muito! – para os penitentes e os arrependidos. Assim, a resposta à pergunta “o que é ser homossexual?” tem uma importância fundamental para que se entenda o que disse o cardeal Barragán.

Se “homossexual” for o indivíduo praticante que comete os seus atos desordenados sem se arrepender deles, então a sua entrada na Vida Eterna – como a de qualquer pecador – está condicionada ao arrependimento de suas faltas. No entanto, se “homossexual” for o indivíduo que tem tendências a se afeiçoar por pessoas do mesmo sexo e, mesmo assim, heroicamente, luta contra as suas más inclinações e se esforça por levar uma vida reta e agradável aos olhos de Deus, então é deste que é o Reino dos Céus. E estes, como as prostitutas arrependidas, preceder-nos-ão no Reino. Outro sentido às Escrituras Sagradas não pode ser atribuído levianamente. Tachar a Verdade de “homofóbica” não a torna menos premente.

Clara Claris Praeclara

8 Ó admirável clareza da bem-aventurada Clara, que quanto mais diligentemente é buscada em pontos particulares mais esplendidamente é encontrada em tudo. 9 Brilhou no século e resplandeceu na religião. Em casa foi luminosa como um raio, no claustro teve o clarão de um relâmpago! 10 Brilhou na vida, irradia depois da morte. Foi clara na terra e reluz no céu! 11 Como é grande a veemência de sua luz e como é veemente a iluminação de sua claridade!

12 Ficava esta luz fechada no segredo do claustro, mas emitia raios brilhantes para fora. Recolhia-se no estreito convento, e se espalhava pelo amplo mundo. 13 Guardava-se lá dentro e manava fora. 14 Pois Clara se escondia, mas sua vida se manifestava; Clara se calava, mas sua fama clamava; trancava-se na cela e era conhecida pelas cidades afora.

15 Nem é de admirar, porque uma luz tão acesa, tão luminosa não podia esconder-se, deixando de brilhar e de dar uma clara luminosidade na casa (cfr. Mt 5,14.15) do Senhor. Nem poderia fechar-se um vaso de tantos aromas, deixando de perfumar e de impregnar com suave odor a mansão do Senhor. 16 Mais, como quebrou com dureza o alabastro de seu corpo no estreito recinto da solidão, o ambiente da Igreja ficou totalmente repleto com o odor (cfr. Mt 26,7; Jo 12,3) de sua santidade.

[…]

43 Para fortalecer o espírito abatendo a carne (porque todos ficam fortes quando o inimigo se enfraquece), usava como leito o solo nu e, às vezes, uns sarmentos, colocando como travesseiro embaixo da cabeça um duro tronco, 44 contente com uma só túnica e um manto de pano grosseiro, desprezado e rude. 45 Servia-se dessas roupas humildes para cobrir seu corpo, usando, às vezes, junto à carne um áspero cilício feito de cordinhas de crina de cavalo. 46 Parca também no comer e discreta no beber, freava-se com tanta abstinência nessas coisas que, por muito tempo, não provou absolutamente nada como alimento de seu corpo em três dias da semana: nas segundas, quartas e sextas-feiras. 47 E também nos outros dias se restringia tanto na limitação do alimento, que os outros se admiravam de que pudesse sobreviver com tão forte rigor.

[…]

71 Alegre-se, então, a Mãe Igreja, que gerou e educou essa filha que, como genitora fecunda de virtudes, produziu com seus exemplos muitas discípulas da religião, formando-as para o serviço perfeito de Cristo com perfeição. 72 Alegre-se também a alegre multidão dos fiéis, porque o Rei e Senhor dos céus levou (cfr. Ct 1,3; Mt 22,1) com glória para o seu alto e preclaro palácio a sua irmã e companheira, que Ele havia escolhido como esposa. 73 Porque também as fileiras dos santos estão festejando juntas, pois, em suas habitações celestes, celebram-se as núpcias da noiva real. 74 De resto, como é conveniente que a Igreja católica venere na terra aquela que Deus exaltou no céu, 75 pois, após diligente e cuidadosa pesquisa, um exame detalhado e uma solene discussão, ficaram bem comprovados sua santidade de vida e seus milagres, 76 ainda que seus atos fossem já claramente conhecidos, tanto aqui por perto como em países afastados, 77 Nós decidimos colocá-la no álbum dos santos, com o conselho e o consentimento comum de nossos irmãos e de todos os prelados, então, presentes na Sé Apostólica, confiando na onipotência divina, por autoridade dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e nossa.

Alexandre IV, bula Clara Claris Praeclara (1255)

A pior das escolhas

O padre Alberto Cutié – aqui citado no início do mês como um exemplo de por que é importante um criterioso discernimento vocacional – anunciou a sua saída da Igreja Católica e a sua passagem para a Igreja Episcopal. Abandonou a Barca de Pedro para se unir à primeira seita herética que o aceitou; rompeu a unidade com a Igreja de Nosso Senhor para fazer parte da primeira “qualquer coisa” que aceitasse um sacerdote que não foi capaz de cumprir as promessas feitas no dia de sua ordenação.

“[Q]ue aceitasse um sacerdote que não foi capaz de cumprir as promessas feitas no dia de sua ordenação” – digo mal. O pe. Cutié não queria uma Igreja que aceitasse um padre pecador penitente, pois pecadores somos todos, e os sacerdotes não estão excluídos da maldição dos filhos de Adão. A Igreja que aceita os pecadores penitentes é a Igreja Católica que está sempre – sempre! – de braços abertos para acolher os Seus filhos que voltam arrependidos. O que o pe. Cutié quer é a primeira igrejola que não chame o seu pecado de pecado, que passe a mão na sua cabeça e diga que está tudo muito bem, que ele não precisa se preocupar nem fazer violência contra si próprio para ganhar o Reino dos Céus.

Ninguém disse que a vida sacerdotal seria uma coisa fácil. Ao contrário, as palavras de Nosso Senhor são muito duras quando Ele diz que, se alguém quiser segui-Lo, deve renunciar a si mesmo e tomar a sua cruz todo dia. Acredito que o padre Cutié tenha lido esta passagem por diversas vezes. No entanto, após ser flagrado em uma praia aos beijos com uma mulher, após virar capa de revista de fofoca, após provocar escândalo entre o povo fiel e envergonhar a Igreja Católica no mundo inteiro, parece que Sua Reverendíssima não está nem um pouco arrependido!

Ainda pior do que o desrespeito ao celibato e o escândalo do povo de Deus é a impenitência. Ainda pior do que um pecador público é um pecador empedernido. Muito pior, portanto, para o pe. Cutié do que ter sido flagrado em Miami Beach foi ter abandonado a Esposa de Cristo para ficar, ao mesmo tempo, com a amante e o [exercício ilícito do] ministério sacerdotal. Muito pior do que ter quebrado a promessa de guardar a continência perfeita até o fim da vida foi não ter sido capaz de dobrar os joelhos no chão, chorar amargamente e dirigir-se a Deus dizendo “meu Senhor, eu pequei, tende misericórdia de mim”.

Desgraçadamente, o pe. Cutié não parece ter noção da gravidade de sua falta, porque a despeito de ter publicado uma nota pedindo “perdão caso suas ações tenham provocado dor e tristeza” quando o escândalo aconteceu, não quer deixar a amante para se dedicar a uma vida penitente e santa de sacerdote católico, e nem quer pedir dispensa do sacerdócio para se dedicar a uma vida penitente e santa de pai de família. Entre a amante e o sacerdócio, ele faz a pior das escolhas: larga a Igreja! Que Deus tenha misericórdia dele.

Quem está de pé, cuide para que não caia, diz São Paulo. São Luís de Montfort queixa-se, no seu Tratado da Verdadeira Devoção, dizendo: “[a]h, quantos cedros do Líbano, quantas estrelas do firmamento se têm visto cair miseravelmente, perdendo em pouco tempo toda a sua altivez e claridade” [T.V.D. 88]. O lamentável desfecho do caso do padre Alberto Cutié vem ser mais um triste e eloqüente exemplo da extensão da miséria e da ingratidão humanas. Que a Virgem Santíssima interceda por este sacerdote! E que Ela nos guarde a todos nós, a fim de que perseveremos até o fim; porque, menos do que isso, não adianta nada…

P.S.: Pe. Cutié abandonou seus fiéis, mas a Igreja não os abandona.