“Um cientista santo” – Dom Fernando Rifan

[Publico artigo de D. Fernando Rifan sobre o Dr. Jerôme Lejeune. O texto é bastante útil para os que (ainda) pensam haver alguma incompatibilidade entre ciência e Fé; entre ser cientista e ser católico. Dia desses, um amigo me falava que deixara de escrever sobre Fé e Ciência por uma razão bem simples: não há muito o que escrever. As “regrais gerais” são suficientemente sucintas e claras e, uma vez que se lhas entende, só resta aplicá-las e aplicá-las de novo aos casos individuais que porventura apareçam. E isto é geralmente “trabalho mecânico” e não intelectual; agrega conhecimento apenas quantitativa, e não qualitativamente.

Outro dia um aluno me perguntou o que a Igreja dizia sobre extraterrestres. Eu disse que Ela não dizia nada e isto “nem interessava”, ao que ele aquiesceu com entusiasmo por haver entendido. A Igreja pode discorrer sobre as (possíveis) características espirituais dos extraterrestres, pode propôr hipóteses para explicar-lhes a (possível) existência ou descartar algumas outras como incompatíveis com a Revelação, ou outras coisas do tipo. Mas a Igreja não pode dizer nada sobre a questão de fato da existência ou não deles, porque o objetivo d’Ela não é perscrutar o Universo em busca de vida alienígena, e sim anunciar aos homens a salvação de Deus. Se algum dia esta missão d’Ela esbarrasse em uma nave extraterrestre, isto poderia ser interessantíssimo como obra de ficção científica ou como especulação recreativa para as horas vagas; mas isto, absolutamente, não interessa para a maior parte das pessoas no presente momento.

Da parte da Igreja, não há e nem pode haver óbice a nenhuma espécie de conhecimento verdadeiro, porque toda verdade vem de Deus e, sendo Deus o autor da Revelação, não há contradição possível entre o mundo que Ele criou e as coisas que Ele revelou a respeito de Si próprio e do mundo criado. Esta é a regra geral: sábio é o homem que a compreende! Então ele poderá fortalecer a sua Fé e a sua ciência diante das descobertas científicas concretas com as quais se deparar ao longo de sua vida. Por outro lado, estulto é o sujeito que em qualquer relampejo de técnica julga descobrir uma “prova” de que Deus não existe. Este infeliz não conseguirá jamais entender nem a religião e nem a ciência.]

UM CIENTISTA SANTO

Dom Fernando Arêas Rifan*

 

Em 2001, em Roma, tive a honra de jantar com uma distinta senhora e seu genro, cuja identidade me surpreendeu. Tratava-se da viúva do grande médico cientista, Dr. Jerôme Lejeune, falecido em 1994, e seu genro, o diretor da Fundação Jerôme Lejeune, inaugurada após sua morte, que dá continuidade à sua ação em favor dos deficientes mentais.

Jérôme Jean Louis Marie Lejeune (1926-1994) foi um médico francês, pediatra, professor de genética e cientista, a quem se deve a descoberta da anomalia cromossômica que dá origem à trissomia 21, identificando assim a origem genética da chamada Síndrome de Down.   

O professor Lejeune, considerado o pai da genética moderna, obteve, entre várias honrarias e títulos, os de doutor Honoris Causa das universidades de Düsseldorf (Alemanha), Pamplona (Espanha), Buenos Aires (Argentina) e da Pontifícia Universidade do Chile. Ele era membro da Academia de Medicina da França, da Academia Real da Suécia, da Academia Pontifícia do Vaticano, da American Academy of Arts and Sciences e da Academia de Lincei (Roma) entre outras. Participou e presidiu várias comissões internacionais da ONU e OMS. Obteve numerosos prêmios pelos seus trabalhos sobre as patologias cromossômicas, entre os quais o Prêmio Kennedy em 1962, que recebeu diretamente das mãos do presidente John F. Kennedy. Em 1964, ele foi o primeiro professor de genética na Faculdade de Medicina de Paris.

Em 1974, o Papa Paulo VI o convida a fazer parte da Pontifícia Academia das Ciências e, mais tarde, do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde. Em 1981, Jérôme foi eleito à Academia de Ciências Morais e Políticas da França e, em 1994, tornou-se o primeiro presidente da Pontifícia Academia para a Vida, criada naquele mesmo ano pelo Beato João Paulo II, de quem era amigo particular.

Mas, o mais surpreendente de tudo isso: ele teve uma vida santa. João Paulo II, em 1997, na Jornada Mundial da Juventude em Paris, fez questão de ir rezar no seu túmulo. Seu processo de beatificação e canonização foi aberto em 28 de junho de 2007. Com Missa pela vida celebrada na Catedral de Notre-Dame de Paris, em abril passado, encerrou-se o processo diocesano da causa de beatificação e canonização do servo de Deus Jérôme Lejeune. Conhecido por tratar e acompanhar pacientes com deficiência intelectual e, sobretudo, pelo compromisso em favor da vida humana, em 1971 realizou um discurso contra o aborto no National Institute for Health e depois disto mandou uma mensagem à sua esposa dizendo: “hoje perdi meu Prêmio Nobel”. Nesse discurso, Lejeune foi forte: “Vocês estão transformando seu instituto de saúde em um instituto de morte”.

A Igreja tem santos de todos os tipos, temperamentos, profissões, classes sociais, idades, países e línguas. Assim ela nos ensina que a santidade não está excluída de ninguém. Pelo contrário, está ao alcance de todos. “Todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade” (Lumen Gentium, 39).

 

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

Os Nobel da Pontifícia Academia das Ciências

Circulou recentemente no Facebook uma imagem sobre a Pontifícia Academia das Ciências. O texto dizia que ela possui “8 prêmios Nobel de Medicina, 7 de Química, 9 de Física e 1 de Economia”, totalizando “24 prêmios Nobel”. E alfinetava: “a USP não tem nenhum, a UNICAMP não tem nenhum, o Brasil não tem nenhum”.

Vem ao encontro daquilo que o Ives Gandra escreveu outro dia sobre o ateísmo; é tão imponente a verdadeira relação harmoniosa entre Fé e Razão que chegam a ser ridículos os protestos dos anti-clericais sobre o tema. Cale-se a ignorância arrogante diante da competência internacionalmente reconhecida! Perto da envergadura intelectual dos membros desta Academia, qual a relevância científica daqueles cuja “produção acadêmica” resume-se a repetir – de mil modos diversos – meia dúzia de calúnias anti-clericais gratuitas que só eles próprios levam a sério?

E ainda: diferente do que foi dito, a Pontifícia Academia das Ciências não tem 24 prêmios Nobel. Eu entrei na página da Academia onde estão listados os membros falecidos e contei: são quarenta e oito [p.s.: 24 são os Nobel vivos: então a Academia conta, no total, com 72 prêmios Nobel]. Entre os laureados já falecidos encontram-se nomes como Rutherford, Bohr, Heisenberg, Schrödinger, Sir Alexander Fleming e Max Planck. Entre os vivos, Joseph Murray e David Baltimore. A academia conta atualmente ainda com cientistas notáveis como o brasileiro Miguel Nicolelis e o inglês Stephen Hawking; e, entre os falecidos, encontrei também o filho de um ilustre brasileiro: Carlos Chagas Filho [que eu confundi anteriormente com o pai – my mistake]. Estas são as credenciais que a Igreja – “inimiga da ciência” – é capaz de apresentar em Seu favor! O que têm os anti-clericais a apresentar a não ser o testemunho da própria ignorância?

Conferência: Morte Encefálica

Quem me disse foi o Wagner Moura: O «Pe. Hélio Luciano, membro da Comissão de Bioética da CNBB e doutorando em Bioética pela Faculdade de Medicina do Campus Biomedico di Roma (UNICAMPUS), na Itália, realizará uma videoconferência neste sábado, 29 de outubro, às 15h (horário deBrasilia)» para falar sobre morte cerebral. A notícia pode ser lida na íntegra no site da ACI Digital.

O sacerdote irá abordar uma polêmica (pelo que entendi, recente) sobre o assunto, comentando sobre «questões morais levantadas pelo “President’s Council on Bioethics” no documento “Controversies in the determination of Death”, um documento dos Estados Unidos que muda os argumentos para a defesa da morte encefálica como morte». Não conheço este documento. Sei que há algumas pessoas que têm ressalvas quanto à corretude do critério de “morte encefálica” como expressão da morte [= separação entre o corpo e a alma]; mas, da última vez que eu li, os argumentos da Pontifícia Academia de Ciências pareceram-me (a mim, leigo) satisfatórios.

Esta conferência faz parte dos eventos do II Congresso Internacional pela Verdade e pela Vida da Human Life International. E o mais interessante é que ela será transmitida pela internet, e pode ser assistida aqui. Não percam!

Igreja e Morte Encefálica

No início do mês passado, ganhou repercussão na mídia nacional e internacional um artigo publicado no L’Osservatore Romano, que foi interpretado como uma “mudança” da posição da Igreja referente à morte encefálica e, em particular, à moralidade da doação de órgãos. O Marcio Antonio imediatamente refutou a besteira no seu blog. Hoje, descobri que o site do Vaticano publicou um texto da Pontifícia Academia de Ciências sobre o assunto, em três idiomas, sob o título de POR QUÉ EL CONCEPTO DE MUERTE CEREBRAL ES VÁLIDO COMO DEFINICIÓN DE MUERTE, que é claro e coeso o bastante para me desestimular a trazer trechos para aqui; remeto os leitores ao original (tem em inglês, italiano e espanhol).

O texto, entre outras coisas, tem o mérito de fazer uma distinção entre “dois processos”; um processo que se inicia com o agravamento da saúde e culmina com a morte da pessoa, e outro processo que se inicia com a morte da pessoa e culmina com a decomposição do cadáver e a morte de todas as células. Cita até um exemplo bastante didático, ao falar que até mesmo os antigos já sabiam que as unhas e o cabelo continuam a crescer em um cadáver durante dias após a morte. Se, portanto, é evidente que a morte da pessoa não coincide com a morte de todas as suas células, o fato de (p.ex.) o coração estar vivo em uma pessoa com morte encefálica não é motivo para se inferir que esta pessoa está ainda viva. Fazer isso é – segundo o documento – “confundir estes dois processos”.

A Igreja acompanha a ciência naquilo que compete à ciência – fato historicamente incontestável. Por exemplo, toda a confusão envolvendo Galileu: não foi “a Igreja” quem inventou que o Sol girava em volta da Terra, isto foram os gregos que disseram e era patrimônio científico incontestável até Copérnico. Por exemplo, as referências à Astrologia nos escritos de Santo Tomás de Aquino não foram invenções do santo; eram o senso comum científico da época, que foi assimilado pelo teólogo com as devidas correções. Não é portanto função da Igreja estabelecer critérios científicos para a determinação da morte de uma pessoa; o que Ela deve fazer (e faz) é analisar os critérios científicos vigentes e verificar se eles contradizem ou não o que se sabe sobre o ser humano pela Revelação.

O assunto é recente, mas o Magistério da Igreja tem se pronunciado no sentido de dizer que não, o que a ciência define como “morte encefálica” não parece contradizer o que a Igreja sabe sobre o homem. Não existem atualmente definições definitivas e irreformáveis sobre o assunto, de modo que uma discussão – como a que apareceu no L’Osservatore Romano e provocou o rebuliço internacional – é perfeitamente lícita. Existem pessoas que discordam do atual critério; tudo bem. Considero inclusive muitíssimo natural e até salutar que as pessoas analisem criteriosamente as teorias científicas, mormente as que se referem a assuntos importantes como a vida humana. Afinal, a Igreja é infalível, mas a Ciência não é.