O Papa Francisco e o Ramadã

Somente uma curiosidade. Não sei desde quando a Santa Sé envia cumprimentos aos muçulmanos por ocasião de suas festividades; na página do «Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso», a mais antiga mensagem «por ocasião do fim do Ramadã» é de 1978. Trinta e cinco anos atrás. E ela se inicia dizendo – já em 1978 – que «[h]á muito (…) o Secretariado para os Não-Cristãos existente no Vaticano tomou o feliz hábito de manifestar aos seus amigos muçulmanos, por ocasião do encerramento do jejum do Ramadão, os seus votos mais sinceros e os seus mais ardentes desejos, rogando ao mesmo tempo a Deus que lhes conceda paz e prosperidade». O costume não é portanto muito recente.

Este fato, sozinho, mostra que a justificativa do sr. Magdi Cristiano Allam para abandonar a Igreja é completamente furada: a Igreja já se relacionava diplomaticamente com os muçulmanos três décadas antes dele ser batizado. Se ele depois decidiu romper com a Igreja, decerto não foi por conta de alguma mudança da parte d’Ela em suas relações com o Islã.

Também este ano o Papa Francisco enviou uma mensagem, na mesma ocasião, «aos muçulmanos no mundo inteiro». Coisa esperada. Protocolar. Vieram, como era esperado, os comentários maledicentes. Não faltou quem dissesse que São Francisco de Assis foi ter com o sultão maometano para instá-lo a aceitar o Evangelho, enquanto que o Papa Francisco escrevia aos muçulmanos para lhe desejar um bom Ramadã. No entanto, a mensagem deste ano contém o seguinte interessante período (grifos meus):

Obviamente, ao manifestar respeito pela religião do próximo ou ao transmitir-lhe os bons votos por ocasião de uma celebração religiosa, simplesmente procuramos compartilhar a sua alegria, sem fazer referência ao conteúdo das suas convicções religiosas.

Que me conste, é a primeira vez que um Papa “justifica” uma dessas mensagens diplomáticas da Santa Sé. Ele diz, com todas as letras, que não se pode inferir delas nenhuma espécie de juízo da Igreja sobre o conteúdo das convicções religiosas daqueles a quem se destinam. Portanto, elas não servem para “provar” que a Igreja passou a considerar o Islã uma religião verdadeira. Doravante, a desonestidade intelectual dos que as utilizarem como “evidências” de uma suposta mudança de posição doutrinária da Igreja Católica frente ao Islã estará manifesta.

Que me conste, João Paulo II e Bento XVI nunca fizeram esse tipo de esclarecimentos. Não que precisassem dizer o óbvio, pois não podem existir duas religiões verdadeiras. Mas é curioso que justamente o Papa Francisco, explicitamente preocupado com o «respeito pela religião do próximo», tenha feito questão de deixar claro que respeito é respeito, e indiferentismo é indiferentismo. Respeitar não é aceitar. E conviver pacificamente não é sinônimo de aprovar convicções religiosas de ninguém.