Os últimos dias de Voltaire – por Rodrigo Pedroso

[O texto abaixo foi-me gentilmente enviado pelo Rodrigo Pedroso, por email. Lembrei-me imediatamente dos últimos dias de vida de um outro grande inimigo da Igreja, Antonio Gramsci, cuja possível conversão às portas da morte foi noticiada recentemente. Já havia lido sobre a conversão de Voltaire; sei que é controversa. No entanto, aqui vale o mesmo que foi dito sobre a conversão de Gramsci: é próprio da Igreja abraçar os penitentes que um dia A perseguiram. Todos os homens – Voltaire inclusive – precisam da Igreja; e certamente Ela esteve de braços abertos a esperá-lo até o último suspiro. Que a Virgem Santíssima, Refúgio dos Pecadores, possa ter-lhe ajudado a levantar-se da lama e voltar para Casa, nem que tenha sido ao último suspiro.]

Voltaire não terminou seus dias como ateu. Terminou-os como um desesperado.

No início de sua longa agonia, Voltaire mandou ao abade Gaultier o seguinte bilhete:

Vous m’aviez promis, Monsieur, de venir pour m’entendre; je vous prie de vouloir bien vous donner la peine de venir le plus tôt que vous pourrez. Signé Voltaire. A Paris, le 26 février 1778.

Dias depois, ele ditou a seu secretário e assinou, perante duas testemunhas (o abade Mignot, seu sobrinho, e o Marquês de Villevielle), a seguinte declaração, que foi registrada nos arquivos de M. Momet, tabelião público em Paris:

Je soussigné declaré qu’étant attaqué depuis quatre jours d’un vomissement de sang, à l’âge de quatre-vingt-quatre ans, et n’ayant pu me traîner à l’église, M. le curé de Saint-Sulpice ayant bien voulu ajouter à ses bonnes ouvres celle de m’envoyer M. Gaultier, prêtre; je me suis confessé à lui; et que si Dieu dispose de moi, je meurs dans la sainte Église catholique où je suis né, espérant de la miséricorde divine, qu’elle daignera pardonner toutes mes fautes; si j’avais jamais scandalisé l’Église, j’en demande pardon à Dieu et à elle, 2 mars 1778. Signé Voltaire, en présence de M. l’abbé Mignot mon neveu, et de M. le marquis de Villevielle mon ami.

Depois de assinada a declaração por Voltaire e pelas duas testemunhas, ele ainda ditou mais essas palavras:

M. l’abbé Gaultier, mon confesseur, m’ayant averti qu’on disait dans un certain mode que je protesterais contre tout ce que je ferais à la mort, je déclare que je n’ai jamais tenu ce propos; et que c’est une ancienne plaisanterie attribuée dès longtemps très faussement à plusieurs savants plus éclairés que moi.

Com o consentimento de Voltaire, o abade Gaultier levou a declaração assinada e registrada em cartório ao vigário de St.-Sulpice e ao arcebispo de Paris, para saber se era retratação suficiente para lhe poder dar a absolvição sacramental. Quando o abade Gaultier retornou com a resposta, foi impedido de aproximar-se do moribundo por seus “amigos”, entre eles D’Alembert e Diderot, que passaram a controlar rigidamente o acesso de qualquer pessoa ao doente.

Duas testemunhas da agonia de Voltaire, seu medico M. Tronchin e o marechal de Richelieu, narram que seus últimos dias foram dolorosos e cheios de desespero. Segundo Tronchin, “les fureurs d’Oreste ne donnent qu’une idée bien faible de celles de Voltaire”. Angustiado pelo remorso, alternativamente invocava e blasfemava o nome de Deus em altos gritos: “Jésus-Christ! Jésus-Christ!”. O marechal de Richelieu narrou sua agonia nas Circonstances de la vie et de la mort de Voltaire e nas Lettres Helviennes.Voltaire morreu no dia 30 de maio de 1778. Seu corpo, vestido com roupas de mulher e disfarçado de inválido, foi levado numa carruagem; ao seu lado, um empregado cuja função era mantê-lo na posição. A essa carruagem eram atrelados seis cavalos, de tal modo que as pessoas pensassem que alguém rico viajava. Outra carruagem a seguia, na qual viajavam o abade Mignot, sobrinho de Voltaire, e outros dois primos seus. Viajaram durante toda a noite, e no dia seguinte chegaram à abadia de Scellières. O abade Mignot apresentou ao prior da abadia a declaração de Voltaire acima referida e a resposta do vigário de St.-Sulpice, considerando-a retratação válida. Foi rezada missa de corpo presente e realizado o sepultamento.

Os “amigos” de Voltaire, todavia, sustentaram desde aquela época, que a declaração por ele assinada e registrada em cartório não era sincera, mas apenas um meio de que ele se valeu para que não se recusasse a seu corpo sepultura em cemitério cristão. Com certeza, talvez saberemos a verdade apenas no dia do Juízo.

Os dados sobre a morte e o sepultamento de Voltaire encontram-se no tomo XII de uma revista francesa da época, Correspondance Littéraire, Philosophique et Critique, que circulou até 1793.

Está na página 87 do tomo XII da revista Correspondence littéraire, philosophique et critique, editada pelos iluministas Barão de Grimm e Diderot.

A declaração começa no finzinho da página, continuando na página seguinte da revista.