Vandalismo e iconoclastia na Rússia e na Ucrânia

Ativistas do grupo feminista Femen derrubaram hoje uma cruz em Kiev. Dizem que é protesto por conta da prisão das “Pussy Riot”. Não sei quem são. A mesma matéria dá um pouco de contexto: trata-se de uma banda de jovens roqueiras russas que foram presas por conta de “um protesto contra o Kremlin feito no altar de uma igreja” no início do ano. A referência ajuda; lembro-me de ter lido algo sobre o caso. Vou ao Google. Lembrei; são as três garotas que foram recentemente consideradas culpadas “por terem entoado em fevereiro, encapuzadas e acompanhadas de guitarras, uma “oração punk” contra Putin, na catedral do Cristo Salvador, em Moscou”.

Não nutro simpatia pelo ex-agente da KGB que é hoje o presidente da Rússia. Não me incomodo que as meninas russas protestem contra ele. O que me incomoda, claro, é o vilipêndio ao Cristianismo, a profanação de um lugar sagrado. A catedral de Cristo Salvador é um templo religioso destinado à oração, e não palco para reivindicações políticas (ainda que fossem justíssimas – não entro neste mérito, não conheço a política russa). Transformá-la em objeto de protesto – à revelia dos cristãos que a utilizam para o culto a Deus, vale salientar – é sim vandalismo, é sim ódio religioso; e isso não pode ser tratado como se não fosse nada demais.

Como também é vandalismo usar uma motosserra para derrubar uma cruz de praça. Vandalismo, iconoclastia e ultraje a culto. Não sei o que leva estas garotas a fazerem isso com a cara mais lavada do mundo, como se existisse alguma coisa de louvável ou heróico em derrubar símbolos que milhões de pessoas mundo afora consideram sagrados; mas o aspecto particularmente anti-religioso dessas manifestações se repete. Antes uma propriedade privada, agora um monumento público: antes uma catedral, agora uma cruz. São atos de evidente incitação ao ódio religioso, às quais as autoridades deveriam dar maior atenção. Por mais que sejam legítimas as divergências políticas, não há sentido em permitir aos insatisfeitos com o governo que descontem nos símbolos cristãos. Não deveria haver espaço para estes proto-pogrons em uma sociedade que se pretenda civilizada.

Sobre jovens inglesas e francesas [a respeito da morte de Amy Winehouse]

Foto: AP via G1

A Amy Winehouse foi encontrada morta em Londres hoje. Provavelmente as únicas músicas que ouvi da garota foram as que, indistinguíveis, nos chegam aos ouvidos no meio da poluição sonora das cidades; não seria capaz de me lembrar, agora, de nenhuma delas. Mas o que me espantou foi saber que a Amy, morta aos 27 anos, “seguiu o mesmo roteiro trágico de outros ídolos mundiais da música pop, como Janis Joplin, Kurt Cobain, Jim Morrison e Jimi Hendrix”.

Porque do Nirvana e do The Doors eu sei, sim, algumas músicas. E aí, de repente, a morta precoce da jovem cantora inglesa passa a ter alguma coisa a ver comigo: quando menos, me faz lembrar de algumas bandas que eu escutei na minha adolescência. Faz-me lembrar de algumas mortes pelas quais eu já me interessei. E, em última instância, faz-me pensar na morte, que é coisa muito útil e muito santa de se fazer.

Vinte e sete anos! É a minha idade. E, por mais que a Florbela diga “tenho vinte e três anos! Sou velhinha!”, o fato é que… não é uma vida avançada em anos, da qual se possa dizer que foi longeva. Morrer aos vinte e poucos (ou mesmo aos vinte e muitos) é humanamente uma tragédia, é uma interrupção precoce de uma vida que – como no fundo todos esperamos – poderia ter dado mais a si própria e ao mundo.

Talvez haja quem diga que “foi intensa”. No caso da Amy (ou da Janis ou do Kurt), eu diria antes que foi fútil e vazia. Sim, a garota provavelmente gastou até os vinte e sete anos muito mais dinheiro do que a maior parte de nós vai ser capaz de juntar na vida toda. Mas as coisas do mundo – como fama e dinheiro – naturalmente só fazem sentido enquanto se está no mundo. E a morte trágica e precoce de grandes astros da música parece nos dizer aos ouvidos aquela passagem bíblica segundo a qual é tudo vaidade. É como se ela nos sussurrasse ou, antes, nos gritasse alto para nos despertar de nossa letargia: vê, sic transit gloria mundi. Assim passa a glória do mundo! Morreram Cobain, Morrison, Hendrix, Joplin e Winehouse. Para os seus fãs, ficaram as suas músicas e a saudade; mas para eles próprios, de que valeu?

Talvez digam: “foi intenso!”. Talvez nos citem o Neil Young e nos digam que é melhor queimar de uma vez do que apagar-se aos poucos: it’s better to burn out than to fade away. Enfim, talvez nos digam qualquer coisa; mas, data venia, eu preciso discordar. A nossa vida é potencialmente curta (uma vez que cada um de nós pode morrer hoje mesmo) e, por isso mesmo, ela precisa ser intensa; mas o próprio fato da efemeridade da vida deveria nos fazer pensar no além-vida. “Intensa” é uma vida que se prepara para o futuro; desperdiçar loucamente uma fortuna – os anos de vida – cujo tamanho não se sabe ao certo (mas que sempre nos parece estar ainda “muito longe” de acabar) não é intenso, e sim irresponsável.

Eu conheço uma vida curta que foi verdadeiramente intensa. Não viveu os vinte e sete anos da Amy, mas ainda menos: vinte e quatro anos. Não ganhou o dinheiro de um Kurt Cobain ou de um Jimi Hendrix e nem teve em vida a fama de uma Amy ou de uma Janis, mas soube empregar verdadeiramente bem os seus anos de juventude. Era francesa e se chamava Teresa. E, entre tantas outras coisas, legou-nos versos:

Revesti as armas do Todo-Poderoso,
Sua divina mão dignou-se me adornar;
Doravante, nada me assusta.
Do seu amor, quem pode me separar?
Ao seu lado, lançando-me na arena,
Não temerei nem o ferro, nem o fogo.
Meus inimigos saberão que eu sou Rainha,
Que sou a esposa de um Deus!
Oh, meu Jesus! Guardarei a armadura
Com que me visto ante teus adorados olhos.
Até o entardecer da vida, minha mais bela veste
Serão meus santos votos!

[…]

Se do guerreiro tenho as armas poderosas,
Se o imito e luto com valentia,
Como a Virgem de encantos graciosos,
Também quero cantar, combatendo.
Fazes vibrar as cordas de tua lira
E esta lira, oh, Jesus, é meu coração!
Posso, então, das tuas misericórdias
Cantar a força e a doçura.
Sorrindo, desafio o combate
E, nos teus braços, oh , meu divino Esposo,
Cantando hei de morrer, sobre o campo de batalha,
Com as armas na mão!…

[“Minhas armas”, in “Obras Completas de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face”.
pp. 622-624. São Paulo, Editora Paulus, 2002]

A morte no campo de batalha, com as armas na mão: eis o desejo que convém a uma alma jovem! Não a morte em um palco ou – pior ainda – em um apartamento vazio e solitário, desvanecido o glamour após se deixar o palco. Não, isto não é uma vida intensa; a vida de combate preconizada pela santa francesa morta aos vinte e quatro anos é que o é. Que o Altíssimo tenha misericórdia da Winehouse e de tantos outros mortos em condições similares. E que a tragédia ocorrida com a roqueira inglesa faça-nos ver que a vida é curta e, portanto, é fundamental que seja bem vivida.