Comentando o adeus do Arcebispo – 06

6 – A caixa-preta da Pastoral Imobiliária

“Por direito nativo e independentemente do poder civil, a Igreja Católica pode adquirir, reter, administrar e alienar bens temporais para alcançar os seus próprios fins” (CIC, cân. 1254, § 1). Assim reza o Código de Direito Canônico. A mídia recifense, todavia, nega à Igreja – e à Arquidiocese em particular – o direito de administrar os seus bens da maneira que julgar melhor. Como se a Arquidiocese lhes devesse satisfações, os jornais questionam e insinuam. Como se os bens da Arquidiocese fossem públicos, os repórteres acusam e exigem explicações, reservando-se ainda o direito de não aceitá-las. Em essência, tudo isso não passa de intromissões de terceiros em assuntos que ignoram e não lhes dizem respeito.

Este artigo ora em discussão do especial do JC traz no título a expressão “Pastoral Imobiliária”. A ironia é sutil e pode escapar aos mais desatentos, portanto é preciso pôr tudo em pratos limpos. Primum: não existe pastoral imobiliária na Arquidiocese de Olinda e Recife e, que me conste, nem em lugar nenhum! O termo é cunhado para debochar da administração da Arquidiocese conduzida por Dom José Cardoso, fazendo referência aos negócios da Arquidiocese como parte de uma “pastoral”. Secundum: o termo “Pastoral Imobiliária” é uma alusão a um artigo recente, de um jornalista chamado Juracy Andrade (quem não conhece a peça, veja isto aqui e tire suas próprias conclusões), publicado numa revista de Pernambuco e repleto de insinuações difamantes ao Arcebispo de Olinda e Recife – foi, aliás, este artigo o estopim para que Dom José entrasse com um processo na Justiça contra Juracy Andrade, por (salvo engano) injúria e difamação.

Colocando, pois, a expressão debochada no título, o Jornal do Commercio já toma partido a favor do jornalista e contra o Arcebispo. Sigo comentando.

[A ]existência de “muitas dúvidas e interrogações” (…) é perfeito (…) para definir o sentimento da maioria do clero e dos leigos em relação aos negócios realizados durante a administração do arcebispo.

É engraçado o jornal dizer que a maioria do clero pensa assim e não citar um único sacerdote que justifique a sua tese! Quanto aos leigos, eu garanto que eles, em sua maioria – como não são jornalistas – deixam o Arcebispo administrar a Arquidiocese em paz, e somente sabem dos negócios realizados durante a administração do arcebispo pelas lentes distorcidas da mídia. O JC apresenta estatísticas sem embasamento algum, completamente chutadas e destoantes da realidade.

E “muitas dúvidas e interrogações” ainda pairam sobre a transação feita com a casa deixada de herança pelo médico e professor Ruy João Marques, na Madalena, para obras de caridade e que terminou virando prédio de luxo

A casa deixada de herança pertencia à paróquia e, por não lhe ter muita serventia, foi negociada com a Arquidiocese (a Mitra cedeu um apartamento). Não sou ecônomo da Arquidiocese e não sei precisar exatamente todas as nuances da transação, mas o núcleo do problema aqui é o mesmo: como a casa pertencia à Arquidiocese, esta poderia administrá-la da maneira que julgasse melhor. Insinuações maldosas como esta feita pelo Jornal são intromissões indevida em assuntos que excedem a competência do jornalista – que, ao que me conste, também não é ecônomo da Mitra.

Quando foi nomeado por dom Hélder Câmara, em 1980, para o cargo, ele era obrigado a prestar contas a duas comissões, formadas por economistas e executivos de renome. Com a chegada de dom José, as comissões foram extintas. Toda a responsabilidade ficou exclusivamente para o arcebispo e o interventor.

Antes do mais, friso que o diretor da Santa Casa está há muito tempo no cargo – desde a época de Dom Hélder. Depois, sobre o sr. Rozendo, ele era a pessoa correta para ser o administrador da Santa Casa, já que era o diretor, e assim prescreve o Direito Canônico (cf. CIC 1279 §1), tendo sido afastado quando se suspeitou da existência de irregularidades (em conformidade com o que reza o mesmo cânon). É importante salientar que (a) não foram comprovadas irregularidades na administração da Santa Casa, à exceção de uma, como noticia o próprio JC; (b) o responsável imediato pela administração é o sr. Rozendo, e não o Arcebispo (ao contrário do que insinuou o Juracy Andrade no outro artigo – linkado acima – ao qual faz referência o título deste); e (c) todo mundo está sujeito a cometer erros administrativos e, se o Arcebispo porventura os cometeu, não o fez voluntariamente e tem a sua consciência tranqüila quanto a isto, como já declarou repetidas vezes.

Quando descobriu que o interventor tinha feito transações sem autorização da arquidiocese, o bispo destituiu o auxiliar.

O que só revela o reto proceder do Arcebispo. Não se compreendem as insinuações do JC sobre a caixa-preta ou as muitas dúvidas e interrogações.

A advogada Rilani Lins, que administra a arquidiocese, garante que dom José não sabia do acordo fechado pelo seu homem de confiança.

A frase irônica pode remeter aos escândalos do Governo e do Presidente Lula “eu-não-sabia”. Ao contrário do que acontece com o Governo Federal, todavia, os bens da Arquidiocese pertencem à Arquidiocese, e as irregularidades administrativas que porventura existam devem ser averiguadas e tratadas – como estão sendo – pelo administrador dos bens da Arquidiocese, que é o Arcebispo Arquidiocesano.

Rilani diz que a imagem de que a arquidiocese está dilapidando o seu patrimônio é equivocada. “Existiram vendas? Existiram. Mas isso também foi feito na época de dom Hélder. É feito hoje em outras arquidioceses como Salvador e São Paulo. Agora, posso assegurar que as contas estão sanadas. Não há dívidas nem rombos.”

De fato; a Arquidiocese – nunca é demais repetir – tem o direito de dispôr dos seus bens da maneira que julgar melhor, como prescreve o Direito Canônico e já foi citado no início do post – mas a mídia quer administrar a Arquidiocese no lugar do Arcebispo. Como se a administração diocesana fosse escalação da seleção brasileira, todo mundo quer “dar pitaco” e decidir como resolver assuntos que não são da sua alçada. Todo rebuliço que foi feito sobre este assunto é completamente vazio, sem sentido, e tenciona – mais uma vez – somente desgastar a imagem de Dom José Cardoso.

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Anexo – .O adeus do arcebispo

A caixa-preta da Pastoral Imobiliária
Publicado em 04.07.2008

Na atual gestão, surgiram dúvidas sobre negócios da Santa Casa de Misericórdia, cuja diretoria foi afastada em 2007

[A ]existência de “muitas dúvidas e interrogações”. Foi com esse argumento que o arcebispo dom José Cardoso Sobrinho afastou, em dezembro do ano passado, a diretoria da Santa Casa de Misericórdia. Ele é perfeito também para definir o sentimento da maioria do clero e dos leigos em relação aos negócios realizados durante a administração do arcebispo. Muitas “dúvidas e interrogações” envolveram a venda de imóveis da Santa Casa, prédios que hoje abrigam os Shoppings Boa Vista e Paço Alfândega. E “muitas dúvidas e interrogações” ainda pairam sobre a transação feita com a casa deixada de herança pelo médico e professor Ruy João Marques, na Madalena, para obras de caridade e que terminou virando prédio de luxo.As confusões envolvendo a Santa Casa foram parar na Nunciatura Apostólica, em Brasília. Foi de lá que veio a auditoria que investigou, no início deste ano, as contas da entidade filantrópica, de propriedade da Igreja Católica e dona de um riquíssimo patrimônio, cuja administração estava nas mãos de um único homem: o interventor Rozendo de Rezende Neto. Quando foi nomeado por dom Hélder Câmara, em 1980, para o cargo, ele era obrigado a prestar contas a duas comissões, formadas por economistas e executivos de renome. Com a chegada de dom José, as comissões foram extintas. Toda a responsabilidade ficou exclusivamente para o arcebispo e o interventor.Durante todos esses anos, Rozendo tinha plenos poderes para negociar os bens da Santa Casa em nome da Arquidiocese de Olinda e Recife. O excesso de confiança custou caro. Quando descobriu que o interventor tinha feito transações sem autorização da arquidiocese, o bispo destituiu o auxiliar. Mas o estrago estava feito. Rozendo havia hipotecado o Paço Alfândega e o Edifício Chanteclair como garantias de empréstimos feitos no Banco do Nordeste, em favor de empresas que administram o Paço Alfândega. Segundo a arquidiocese, os bens estavam avaliados em cerca de R$ 6 milhões. Se o empréstimo não fosse pago, o prejuízo iria para a Santa Sé.

A advogada Rilani Lins, que administra a arquidiocese, garante que dom José não sabia do acordo fechado pelo seu homem de confiança. Ela disse que representantes da Cúria Metropolitana viajaram para São Paulo e conseguiram cancelar a transação. Rilane afirmou que essa foi a única irregularidade encontrada pela auditoria na Santa Casa. “Em maio passado, eles concluíram o relatório. Não havia nada mais de errado”, informou.

O Ministério Público de Pernambuco também está de olho nas transações imobiliárias da arquidiocese. Em outubro do ano passado, um grupo de promotores entrou com uma ação inibitória coletiva que impede a Santa Casa de praticar qualquer ato de transferência do complexo imobiliário do Hospital Ulysses Pernambucano, na Tamarineira. O imenso espaço verde estava sendo negociado para a construção de um novo shopping center. Chegou-se a dizer que a alienação renderia aos cofres da arquidiocese algo em torno de R$ 20 milhões. Agora, está tudo parado na Justiça.

Rilani diz que a imagem de que a arquidiocese está dilapidando o seu patrimônio é equivocada. “Existiram vendas? Existiram. Mas isso também foi feito na época de dom Hélder. É feito hoje em outras arquidioceses como Salvador e São Paulo. Agora, posso assegurar que as contas estão sanadas. Não há dívidas nem rombos.” A advogada nega que a contabilidade da Santa Casa e da arquidiocese sejam uma caixa-preta. E assegura que as contas estão abertas para quem quiser ver. É só procurá-la no prédio da Cúria Metropolitana, na Avenida Afonso Olindense, 1764, bairro da Várzea.