O machismo teológico do pensamento cristão tradicional

Perdoem-me a sinceridade, mas o “perfume” deste “canteiro de obras chamado teologia” apresentado pelo pe. Elias Souza tem cheiro é de esterco. O texto é um ultraje tanto à teologia quanto às próprias mulheres em cuja defesa alegadamente se levanta. A seguir, comento os pontos que são mais escandalosos:

– O assunto “ordenação de mulheres” não tem nada de “polêmico”. Na verdade este assunto está encerrado, porque a Igreja já se manifestou de forma definitiva sobre a questão dizendo que Lhe era impossível conferir o sacramento da Ordem para mulheres. Para quem não lembra, o texto da Ordinatio Sacerdotalis de S.S. João Paulo II é o seguinte:

Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.

Acrescente-se o fato de que a Igreja prevê excomunhão latae sententiae para quem tenta ordenar mulheres (bem como para as mulheres que tentam ser ordenadas). Mais claro do que isto é impossível.

– As idéias de “um inevitável tom machista” (!) na teologia clássica ou de uma “visão androcêntrica” (!!) do Cristianismo são um ultraje teológico, inconcebíveis na pena de um sacerdote católico. Além, é claro, de serem uma grosseira falsificação histórica. Bastaria ao pe. Elias abrir a Summa – este escrito escolástico machista! – para ver o que Santo Tomás diz sobre a origem da mulher; se ele cita a tese de Aristóteles de que a mulher é “um varão frustrado”, é justamente para precisar-lhe os limites de modo a não diminuir a dignidade feminina decorrente da Criação: com relação à totalidade da natureza, a mulher não é algo ocasional. Porque “a intenção de toda a natureza depende de Deus, Autor da mesma, o Qual ao produzi-la não fez somente o homem, mas também a mulher” (Ia, q.92, a.1, ad.1).

Aquela clássica exegese da passagem do Gênesis – segundo a qual a mulher é igual ao homem por ter sido feita de uma sua costela – encontra-se também nesta questão da Summa: “a mulher não deve dominar o varão (1 Tm 2, 12), motivo pelo qual não foi formada de sua cabeça. Tampouco deve o varão desprezá-la como se ela lhe estive submetida servilmente: por isso ela não lhe foi formada dos pés” (id. ibid., a.3, resp.). E, no último artigo (id. ibid., a.4), o Aquinate defende sem pestanejar que a mulher foi criada diretamente por Deus, contra os que tentavam diminuir-lhe a dignidade por ter sido ela feita a partir de uma costela do homem.

– O que o sacerdote quer dizer com “[é] tempo de (…) questionar a hierarquia da natureza humana sobre a não-humana”?! Por acaso desconhece o padre que a natureza humana é, sim, superior – e muito! – à natureza bruta, à vegetal ou mesmo à animal? Nunca leu o padre nas Escrituras Sagradas que Deus fez o homem quase igual aos anjos e o coroou de glória e de honras (Sl 8, 6), dando-lhe poder e submetendo-lhe “todo o universo,  rebanhos e gados, e até os animais bravios, pássaros do céu e peixes do mar, tudo o que se move nas águas do oceano” (Sl 8, 7b – 9)? Como assim “questionar a hierarquia da natureza humana sobre a não-humana”, acaso o padre quer questionar o próprio Deus Altíssimo que fala através das Escrituras Sagradas? E é com este cabedal de fecundidade teológica que o sujeito abre a pouca para chamar de “machistas” os santos da Igreja de Deus?

– Por fim, é outro absurdo ignorante a idéia de que hoje “é tempo da mulher fazer teologia”. O Pe. Elias está profundamente atrasado. Afinal de contas, nas profundezas da Idade das Trevas – no ano de mil trezentos e tantos – Santa Catarina de Sena (doutora da Igreja!) já fazia teologia. E hoje, dois de janeiro, celebramos o aniversário natalício de outra mulher que também fez teologia: Teresa de Lisieux, nossa Santa Teresinha de Jesus, que inscreveu o seu nome entre os Doutores da Igreja justamente porque soube muito bem beber das fontes da Teologia Cristã (ao contrário do Pe. Elias, que prefere cuspir no passado da Igreja). Ao contrário das teólogas-eco-feministas-holísticas-revolucionárias-ultrajovens que o Pe. Elias apregoa – e que aliás nunca produziram absolutamente nada que fosse útil à Igreja de Cristo, mas enfim… -, são as santas católicas – estas insignes personalidades femininas – que verdadeiramente dignificam a mulher: e estas mulheres foram notáveis justamente por se esforçarem para estar em estreita comunhão com a Igreja Católica, fora da qual só existe confusão e onde todas as “teologias” sempre foram estéreis e vãs.

Os sacerdotes e o poder civil

Pela dignidade e autoridade confiada a meus ministros, retirei-os de qualquer sujeição aos poderes civis. A lei civil não tem poder legal para puni-los; somente o possui aquele que foi posto como senhor e ministro da lei divina.
[Santa Catarina de Sena, “O Diálogo”]

A Santa Inquisição foi instaurada por motivos vários, dentre os quais gostaria de mencionar um: para a punição dos maus religiosos que, por serem homens da Igreja, não podiam ser julgados senão por Ela. Quando na Idade Média os cátaros promoviam desordens e eram apanhados, as autoridades civis, ao verem a tonsura, ficavam “de mãos atadas” e não podiam levá-los aos tribunais civis, pois o distintivo de consagração à Igreja [no caso, a tonsura] concedia-lhes o privilégio do foro eclesiástico.

Assim, era natural que, quando do surgimento do catarismo, os criminosos apanhados que ostentassem sinais de pertencerem ao clero fossem entregues à Igreja Católica para que Ela os julgasse. A expressão “braço secular” designava os poderes civis que executavam as sentenças proferidas pelos tribunais eclesiásticos – aqueles apenas executavam a sentença que era proferida por estes. Como eu disse, há outros aspectos na Santa Inquisição; por enquanto, todavia, gostaria me dedicar à questão dos foros específicos para aqueles que eram membros do clero ou das ordens religiosas.

O Papa Pio IX condenou como um erro a seguinte proposição no Syllabus: “[o] foro eclesiástico para as coisas temporais dos clérigos, quer civis quer criminais, deve ser de todo suprimido, mesmo sem consultar-se a Sé Apostólica, e não obstante as suas reclamações”. Em outras palavras: a autoridade civil – como diz Santa Catarina de Sena – não tem poder para julgar e punir os ministros de Deus. Acredito que este possa até ser concedido pela Igreja, mas sempre como uma concessão, e não como um poder verdadeiro e próprio da autoridade civil.

Talvez uma comparação nos faça entender melhor. O princípio da subsidiariedade nos diz que as coisas devem ser tratadas pela menor instância responsável por elas; somente na medida em que estas instâncias se mostram incapazes de solucionar os problemas é que estes devem ser passados às instâncias superiores. Assim, por exemplo, os problemas internos de uma família se resolvem dentro da família, cabendo a intervenção estatal somente quando a família não é capaz – por qualquer motivo – de os resolver. Isto acontece porque a sociedade é uma instância superior à família (afinal, a sociedade civil é “composta” de pequenas sociedades familiares). Isto, no entanto, não acontece com a Igreja, porque o Estado não é uma instância superior à Igreja (como o é à Família) e, por conseguinte, não tem poder próprio de intervir diretamente nas questões eclesiásticas. A Igreja, como sociedade perfeita que é, tem poder de jurisdição para julgar os Seus membros, e este poder deve ser exercido primordial e preferencialmente por Ela própria. Eis, em linhas gerais, o que justifica a existência do foro eclesiástico (criminal inclusive) para o julgamento dos ministros de Deus.

A Igreja reserva este privilégios aos sacerdotes de Deus Altíssimo porque, pela dignidade intrínseca e ontológica que eles possuem – dignidade que os conforma a Jesus Cristo -, não convém que eles estejam sujeitos a uma autoridade inferior (a autoridade temporal). É degradante para a dignidade sacerdotal e injurioso à Igreja de Nosso Senhor quando um sacerdote é tratado pelos poderes civis como um criminoso comum. O poder temporal – como ensina a Igreja – existe para estar a Seu serviço: “As palavras do Evange[l]ho nos ensinam: esta potência comporta duas espadas, todas as duas estão em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada temporal. Mas esta última deve ser usada para a Igreja enquanto que a primeira deve ser usada pela Igreja. O espiritual deve ser manuseado pela mão do padre; o temporal, pela mão dos reis e cavaleiros, com o consenso e segundo a vontade do padre. Uma espada deve estar subordinada à outra espada; a autoridade temporal deve ser submissa à autoridade espiritual” (Papa Bonifácio VIII, Bula Unam Sanctam). Não existe autoridade civil com potestade para constranger a Igreja, nem poder temporal que possa de per si julgar e condenar os sacerdotes do Deus Altíssimo.

Sacerdotes são homens e estão – como todos – sujeitos a falhas, sem dúvida. Podem errar tanto em matéria doutrinal quanto civil ou criminal; em qualquer dos casos, no entanto, é a Igreja que detém verdadeira e propriamente o poder de jurisdição sobre eles. Afirmar a primazia da Igreja no julgamento dos Seus ministros não é de maneira alguma relativizar a gravidade das falhas dos sacerdotes ou fazer pouco caso da Justiça; ao contrário, é defender a dignidade intrínseca do sacerdócio e conferir aos ministro de Deus o tratamento que convém ao que eles são. Chesterton diz que um homem nunca age como um animal: ou age muito melhor do que um, quando se comporta como um homem, ou muito pior, quando, esquecendo-se daquilo que é, pratica atos que são próprios de animais irracionais. O mesmo vale para os sacerdotes: nunca agem como “homens comuns”. Se eles viverem realmente como sacerdotes, serão infinitamente superiores aos demais homens e, se esquecerem a sua dignidade e se comportarem como “qualquer um”, estarão se colocando profundamente abaixo deles. E o mesmo vale para os poderes civis: se estes, à revelia da Igreja, tratam os sacerdotes como se sacerdotes não fossem, estão a ofender o Deus Altíssimo, a zombar da dignidade sacerdotal, e a injuriar a Igreja de Deus.

Respeito devido aos sacerdotes – Sta. Catarina de Sena

Filha querida, ao manifestar-te a grande virtude daqueles pastores, quero colocar em evidência a dignidade dos meus ministros. Pelo pecado de Adão, as portas da eternidade fecharam-se, mas o meu Filho abriu-as com a chave do seu sangue. Ao sofrer a paixão e morte, ele destruiu vossa morte e vos lavou no sangue. Sim, foram seu sangue e sua morte que, em virtude da união da natureza divina com a humana, deram acesso ao céu. E a quem deixou Cristo tal chave? Ao apóstolo Pedro e a seus sucessores, os que vieram e que virão depois dele até o dia do juízo final. Todos possuem a mesma autoridade de Pedro; nenhum pecado a diminui, do mesmo modo que não destrói a santidade do sangue de Cristo e dos Sacramentos. Já disse que o sol eucarístico não tem manchas e que o mal cometido por quem o administra ou recebe não apaga sua luz. Não, o pecado não danifica os sacramentos da santa Igreja, não lhes diminui a força; prejudica a graça e aumenta a culpa somente em quem os ministra ou recebe indignamente.

Na terra, quem possui a chave do sangue é o Cristo-na-terra. Certa vez eu te manifestei essa verdade numa visão, para indicar o grande respeito que os leigos devem ter pelos ministros, bons ou maus que eles sejam, e quanto me desagrada que alguém os ofenda. Pus diante de ti a jerarquia da Igreja sob a figura de uma dispensa contendo o sangue de meu Filho. No sangue estava a virtude de todos os sacramentos e a vida dos fiéis. À porta daquela despensa, vias o Cristo-na-terra, encarregado de distribuir o sangue e fazer-se ajudar por outros no serviço de toda a santa Igreja. Quem ele escolhia e ungia, logo se tornava ministro. Dele procedia toda a ordem clerical; ele dava a cada um sua função no ministério do glorioso sangue. E como dispunha dos seus auxiliares, possuía a força de corrigi-los nos seus defeitos.

De fato, é assim que eu quero que aconteça. Pela dignidade e autoridade confiada a meus ministros, retirei-os de qualquer sujeição aos poderes civis. A lei civil não tem poder legal para puni-los; somente o possui aquele que foi posto como senhor e ministro da lei divina.

Os ministros são ungidos meus. A respeito deles diz a Escritura: “Não toqueis nos meus cristos” (Sl 105, 15). Quem os punir cairá na maior infelicidade. Se me perguntares por que a culpa dos perseguidores da santa Igreja é a maior de todas e, ainda, por que não se deve ter menor respeito pelos meus ministros por causa de seus defeitos, respondo-te: porque, em virtude do sangue por eles ministrado, toda reverência feita a eles, na realidade não atinge a eles, mas a mim. Não fosse assim, poderíeis ter para com eles o mesmo comportamento de praxe para com os demais homens. Quem vos obriga a respeitá-los é o ministério do sangue. Quando desejais receber os sacramentos, procurais meus ministros; não por eles mesmos, mas pelo poder que lhes dei. Se recusais fazê-lo, em caso de possibilidade, estais em perigo de condenação. A reverência é dada a mim e a meu Filho encarnado, que somos uma só coisa pela união da natureza divina com a humana. Mas também o desrespeito. Afirmo-te que devem ser respeitados pela autoridade que lhes dei, e por isso mesmo não podem ser ofendidos. Quem os ofende, a mim ofende. Disto a proibição: “Não quero que mãos humanas toquem nos meus cristos”!

Nem poderá alguém escusar-se, dizendo: “Eu não ofendo a santa Igreja, nem me revolto contra ela; apenas sou contra os defeitos dos maus pastores”! Tal pessoa mente sobre a própria cabeça. O egoísmo a cegou e não vê. Aliás, vê; mas finge não enxergar, para abafar a voz da consciência. Ela compreende muito bem que está perseguindo o sangue do meu Filho e não os pastores. Nestas coisas, injúria ou ato de reverência dirigem-se a mim. Qualquer injúria: caçoadas, traições, afrontas. Já disse e repito: não quero que meus cristos sejam ofendidos. Somente eu devo puni-los, não outros. No entanto, homens ímpios continuam a revelar a irreverência que têm pelo sangue de Cristo, o pouco apreço que possuem pelo amado tesouro que deixei para a vida e santificação de suas almas. Não poderíeis ter recebido maior presente que o todo-Deus e todo-Homem como alimento. Cada vez que o conceito relativo aos meus ministros não coloca em mim sua principal justificativa, torna-se inconsistente e a pessoa neles vê somente muitos defeitos e pecados. De tais defeitos falarei em outro lugar. Mas quando o respeito se fundamenta em mim, jamais desaparece, mesmo diante de defeitos nos ministros; como disse, a grandeza da eucaristia não é diminuída por causa dos pecados. A veneração pelos sacerdotes não pode cessar; se tal coisa acontecer, sinto-me ofendido.

Santa Catarina de Sena, “O Diálogo”
Cap. 28.
Paulus, 9ª edição, São Paulo, 2005
pp. 237-240

“O servo fiel e prudente”

(Texto escrito a quatro mãos:
Gustavo Souza et Jorge Ferraz
)

O servo fiel e prudente

“Quis putas est fidelis servus et prudens, quem constituit dominus supra familiam suam, ut det illis cibum in tempore? Beatus ille servus, quem cum venerit dominus eius, invenerit sic facientem. Amen dico vobis quoniam super omnia bona sua constituet eum”.
“Quem julgais que é o servo fiel e prudente, que o senhor pôs à frente da sua família para os alimentar a seu tempo? Feliz esse servo a quem o senhor, ao voltar, encontrar assim ocupado. Em verdade vos digo: Há-de confiar-lhe todos os seus bens”
(Mt 24, 45-47).

Ainda no espírito do Evangelho de domingo passado (Mt 16,13-20), o qual nos apresenta a instituição da Igreja e do Papado, teceremos alguns comentários a respeito de uma figura que sempre foi sistematicamente vilipendiada pelos meios de comunicação: o Papa, verdadeiro mártir devido às inúmeras incompreensões e perseguições que sofre nos dias de hoje.

A mídia [em especial, a do Brasil] tenta sempre passar para o povo uma imagem o mais negativa possível do Sucessor de Pedro. No início do seu pontificado, o “espantalho” preferido dos meios de comunicação anticlericais era aquele segundo o qual Bento XVI seria um inquisidor (já que, quando cardeal, Joseph Ratzinger presidiu a Congregação para a Doutrina da Fé, antigo Santo Ofício). Depois, naquele malfadado episódio sobre o discurso do Papa na Universidade de Ratisbona, na Alemanha, os meios de comunicação tentaram disseminar que o Romano Pontífice era um preconceituoso “eurocêntrico” que não tinha nenhum respeito ao Islã. Depois, ainda, quando o Santo Padre declarou que os casais de segunda união representavam uma “piaga”, isto é, uma “chaga” na sociedade moderna, tentou-se mostrar que o Sucessor de Pedro tinha dado uma demonstração cabal de sua personalidade anacrônica que – “sem abertura ao novo” – considerava tais casais uma “praga”. Na visita ao Brasil, em maio de 2007, a imprensa esperava um Papa sisudo, com ares puritanos [na realidade, encontrou um homem dócil, afável, um verdadeiro pastor, disposto a largar noventa e nove ovelhas para buscar aquela que se perdeu (Mt 18, 12-13)]. Sem contar os foliões que – por ocasião das festividades do carnaval – vestem-se de papa, debochando do líder católico e, não raro, causando escândalo e praticando orgias que insinuam às pessoas ser o Papa, como eles, devasso. Enfim, os ataques são muitos e de todos os lados. Mas, diante de tantos episódios tristes de ataque ao Servo dos Servos de Deus percebemos duas coisas:

– o ministério petrino precisa ser melhor compreendido; e
– cumprem-se as promessas de perseguição que Jesus fez no Evangelho de São Marcos (Mc 10, 30).

Em face de tantas interpretações maldosas – e mal feitas -, a supracitada passagem do Evangelho de São Mateus (em epígrafe) nos convida a um questionamento muito pertinente: Quem é o Santo Padre? Como ele deve agir?

As diretrizes da ação do papa – que acabam se tornando suas características – é Jesus mesmo quem descreve, no Evangelho. Espera-se que ele seja Fiel e Prudente. Comentando este Evangelho, São João Crisóstomo vai nos dizer:

“Duas coisas o Senhor exige de semelhante servo, a saber, prudência e fidelidade. Chama em verdade fiel àquele que não se apropria de nada do que pertença a seu Senhor, nem gasta inutilmente as Suas coisas. E chama prudente àquele que conhece o modo com o qual convém administrar o que lhe foi confiado” [homiliae in Matthaeum, hom. 77,3, in Catena Aurea, tradução livre]

Olhemos estas duas características mais a fundo:

Fiel – fiel às tradições da Igreja, leal a Jesus Cristo e à sua Boa Nova. A fidelidade tem um quê de coerência e, sobretudo, de comprometimento com a Verdade; o Papa não pode se apropriar daquilo que pertence a Deus e usar ao seu arbítrio aquilo que lhe foi confiado para defender e propagar! Também de dentro da Igreja, muitas vezes surgem críticas ao Santo Padre. Muitos grupos “tradicionalistas” já ousaram [e alguns ainda ousam] dizer o Papa filiou-se ao modernismo; que já não faz as coisas “de sempre”. A pretensão de certos “fiéis” chega a tanto que muitos acabam por se esquecer de que Jesus roga pelo Seu Servo a fim de que a Fé dele não desfaleça e, assim, ele possa confirmar a Fé de seus irmãos (Lc 22, 32). A fidelidade do Papa é um dom que Deus concede em atenção à oração de Seu Filho Jesus.

Prudente – o Santo Padre deve ser prudente. Mesmo quando acusado de antiquado, retrógrado ou qualquer adjetivo semelhante, ele deve estar atento às palavras do apóstolo Paulo: “(…) virá o tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério” (2Tm 4, 3-5). Ao mesmo tempo, deve ter o discernimento para saber como convém anunciar a Boa Nova, segundo as variedades das pessoas, dos tempos e dos lugares, de acordo com o conselho do mesmo São Paulo (Hb 5, 12-14). Jesus já havia aconselhado: “Sede prudentes como as serpentes” (Mt 10, 16).

O Papa, portanto, precisa ser ao mesmo tempo Fiel e Prudente. Alguns ditos “católicos” não percebem isto e, dissociando uma dessas características da outra, terminam por exigir que o Papa se comporte segundo a caricatura pontifícia por eles criada. Os modernistas, por exemplo, querem um Papa “somente prudente” que, em nome do politicamente correto, trabalhe incessantemente para evitar as discórdias e adaptar a Igreja às exigências do mundo moderno – mesmo que isso implique em sacrificar a Verdade. Já os rad-trads, no extremo oposto, negam ao Papa o direito de se exprimir da maneira que ele julgar mais conveniente – mesmo que, com isso, dificultem que a Boa Nova chegue ao conhecimento de todos os homens -, considerando que a menor alteração na forma como são ditas as verdades de Fé implica numa traição ao Depósito da Fé. Quando o Papa fala, pois, é duplamente atacado: os modernistas de um lado o chamam de imprudente e os rad-trads, do outro, de infiel. Levantando-se e fazendo frente aos dois erros opostos, todavia, ergue-se o Sumo Pontífice, coluna da Igreja, referencial seguro da Verdade Eterna, o servus servorum Dei. A expressão – que já era cara a São Gregório Magno – indica-nos qual é exatamente a natureza da função do Papa na Igreja de Cristo [“Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servidor (διάκονος); e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos” (Mc 10, 43-44)] e completa-nos a definição de quem é o Papa: est fidelis servus et prudens.

Além disso, o Papa deve ser amado por ter uma vocação única entre todos os homens do mundo. Alguns podem dizer: “ah, Jesus poderia ter escolhido qualquer um”. De fato, a vontade divina é soberana e poderia ter escolhido qualquer um. Mas este, precisamente o que foi escolhido, vai sempre carregar o selo da eleição divina. Quem quer que seja, a partir do momento em que Deus o chama, passa a ser “o escolhido”. A eleição é sinal de amor. Se Deus ama o Papa, por que nós não o amaremos?

Ainda olhando para o trecho bíblico de S. Mateus que encabeça este texto, podemos contemplar a figura do Santo Padre como guardião dos Sagrados Mistérios, administrador e dispensador dos tesouros da Igreja, em especial a Santíssima Eucaristia. A Eucaristia é o alimento com o qual Deus nutre a nossa alma. E o Papa Bento XVI tem exercido o ofício de guardião deste Mistério de modo magistral. Primeiro, escrevendo aquela magnífica exortação apostólica chamada Sacramentum Caritatis, na qual o mistério da Eucaristia é aprofundado (mas não esgotado), em continuidade com a Encíclica Ecclesia de Eucharistia, de autoria do Papa João Paulo II, de felicíssima memória. Depois, através do motu proprio Summorum Pontificum, no qual se estabeleceu que a rica liturgia tridentina deve ser tratada como Forma Extraordinária do Rito Romano, podendo ser celebrada por qualquer sacerdote que o deseje, sem necessidade de indulto por parte do Ordinário local. Além disso, as atitudes mais recentes do Chefe da Igreja Universal têm mostrado o grande apreço que ele tem ao Santo Sacrifício: a comunhão de joelhos que tem feito questão de administrar nas celebrações em Roma, por exemplo, mostram a piedade eucarística de Bento XVI. A Igreja vive da Eucaristia – como esperar, então, que aquele que foi colocado como Cabeça Visível da Igreja (para alimentar a família de Deus no tempo oportuno) pudesse não ser profundamente devoto deste tão sublime Sacramento?

Em suma, o “servo fiel e prudente” é – de maneira especialíssima – o Papa. E ele tem feito o seu papel. Ponhamo-nos nós, leigos, no nosso lugar, e desprezemos os juízos maldosos que muitas vezes são feitos a respeito da pessoa e do ministério do Sucessor de Pedro. Roguemos a Santa Catarina de Sena que nos ensine e nos ajude a amar o “Doce Cristo na Terra”. Que possamos afirmar com os Padres da Igreja: é somente “cum Petrus et sub Petrus” (com Pedro, e sob Pedro) que queremos marchar neste Vale de Lágrimas rumo à Pátria Celeste .