São Policarpo e o valor do Evangelho

[Depois que eu escrevi ontem aqui sobre porcos e pérolas, um leitor do Deus lo Vult! enviou-me por email um trecho da ata do martírio de São Policarpo de Esmirna (da edição “Padres Apostólicos”, coleção “Patrística”, da Paulus; também na “História Eclesiástica” de Eusébio de Cesaréia), bem como algumas considerações que Santo Ireneu (apud Eusébio de Cesaréia) faz sobre o glorioso mártir. Cito-as ambas; primeiro a ata de martírio e, depois, o que escreveu Santo Ireneu, porque ambas as passagens são bastante ilustrativas do valor que os Padres da Igreja davam à Mensagem Cristã, não aceitando de modo algum desperdiçá-la.]

No estádio, o tumulto era tão grande que mal se escutavam as palavras. Ao entrar Policarpo no estádio, veio uma voz do céu: Sê forte, Policarpo, sê homem (cf. Js 1,9). Ninguém viu quem falava, mas muitos dos nossos ouviram a voz .

Ora, enquanto o conduziam, houve um grande tumulto da parte dos que ouviram dizer ter sido preso Policarpo. Ele adiantou-se e então o procônsul perguntou se ele era, de fato, Policarpo. Ao obter a resposta afirmativa, exortou-o a renegar, dizendo: Tem pena de tua idade!, e frases semelhantes, conforme se costuma dizer. Acrescentou: Jura pela fortuna de César! Muda de opinião e dize: Abaixo os ateus!

Então Policarpo, fitando severamente a multidão presente no estádio, estendeu a mão contra eles, suspirou, olhou para o céu e disse: Abaixo os ateus!

Insistiu o procônsul, dizendo, Jura e eu te liberto. Amaldiçoa a Cristo. Policarpo disse: Há oitenta e seis anos que o sirvo e ele jamais me fez mal. Como posso blasfemar a meu Rei, meu Salvador?

O procônsul insistiu ainda e disse: Jura pela fortuna de César! Policarpo retrucou: Se esperas em vão que hei de jurar pela fortuna de César, como dizes, finges ignorar quem sou eu; escuta, falo com franqueza: Sou cristão. Se queres aprender a doutrina do cristianismo, dá-me o prazo de um dia e escuta.

O procônsul disse: Convence o povo. Policarpo respondeu: Considero-te digno de explicação, pois aprendemos a tributar aos magistrados e às autoridades estabelecidas por Deus a honra que lhes compete, contanto que não nos prejudique (cf. Rm 13,1). Quanto a estes, não os julgo dignos de me defender diante deles.

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Ele [São Policarpo] viveu longamente e atingiu idade avançada, morrendo num glorioso e brilhante martírio. Sempre ensinou o que aprendera dos apóstolos, o que a Igreja transmite, somente a verdade.

Atestam-no todas as Igrejas da Ásia e todos os que até hoje sucederam a Policarpo, o qual foi testemunha da verdade mais fidedigna e mais segura que Valentino, Marcião e os restantes de espírito pervertido. Tendo ido a Roma, sob Aniceto, reconduziu muitos dos supramencionados hereges à Igreja de Deus, anunciando ter recebido dos apóstolos uma só e única verdade, aquela transmitida pela Igreja.

Alguns ouviram-no contar que João, o discípulo do Senhor, tendo ido a Éfeso, quis banhar-se; mas vendo ali Cerinto, saiu do balneário, sem se banhar, dizendo: Fujamos daqui, para que o balneário não desabe. Aí se encontra Cerinto, o inimigo da verdade.

O próprio Policarpo um dia viu Marcião, que veio ao seu encontro e lhe disse: Reconhece-nos. Ele lhe respondeu: Eu te conheço. Conheço-te, primogênito de Satanás. Tal era a prudência dos apóstolos e de seus discípulos que não mantinham relação alguma, nem mesmo conversavam com os falsificadores da verdade, segundo diz Paulo: Depois de uma primeira e de uma segunda admoestação, nada mais tens a fazer com um herege, pois é sabido que um homem assim se perverteu e se entregou ao pecado, condenando-se a si mesmo (Tt 3,10-11).’ […]