Tempus tacendi

Estando Cristo morto e sepultado, cabe indagar qual é ou deveria ser o comportamento dos discípulos. Porque não parece que lhes restassem muitas opções além da tristeza e da prostração que presumivelmente se abateram sobre eles. Não foi justamente o Salvador quem disse: “sem Mim, nada podeis fazer” (Jo XV, 5)? Ele é a Videira e nós não somos senão os ramos; se a videira está morta, poder-se-ia acaso esperar que os ramos estivessem vicejantes?

O Sábado Santo radicaliza aquela passagem do Eclesiastes segundo a qual para tudo há um tempo debaixo dos céus (cf. Ecl 3, 1-8). É-nos por vezes muito difícil imaginar que possa haver um «tempo para calar» (v. 7b) em meio à sempre premente necessidade de anunciar “oportuna e inoportunamente” (cf. IITm 4, 2) o Evangelho da Salvação. Ora, como podemos ficar calados se o Templo Santo de Deus encontra-se tomado por vendilhões? Como ficar calados se as ovelhas, dispersas, vagam a esmo, sujeitas às feras selvagens, à chuva e ao frio, aos espinhos e às ribanceiras? Como ficar calados se o povo de Deus definha e falece, sedento da Sã Doutrina da Salvação? Como ficar calados sem que as próprias pedras, para nossa vergonha, ponham-se a clamar em nosso lugar?

Mas, no entanto, há tempus tacendi, e quem no-lo diz é o próprio Deus através das Escrituras Sagradas, tanto por palavras quanto por exemplos. Por palavras, na já referida passagem do Eclesiastes, onde a sentença se profere insofismável: de fato, há “tempo para calar, e tempo para falar” (Ecl 3, 7). Mas Deus o atesta também através de exemplos, o mais eloquente dos quais nós podemos encontrar no dia de hoje, no Sábado Santo, no grande Silêncio que caiu sobre a terra enquanto Nosso Senhor jazia no sepulcro.

O Verbo de Deus jaz silente no túmulo. E, considerando os acontecimentos dramáticos que vivenciámos nos últimos dias, isso parece um verdadeiro anti-clímax. Em menos de vinte e quatro horas, entre a noite da Quinta-Feira Santa e a tarde da Sexta-Feira da Paixão, assistimos à sucessão vertiginosa de acontecimentos intensos: a Ceia, a agonia no Horto das Oliveiras, a traição de Judas, a prisão, os sucessivos julgamentos — em casa de Anás e de Caifás, perante Pilatos, perante Herodes –, a flagelação, a coroação de espinhos, o caminho do Calvário, a Crucificação, a morte, a sepultura. Todas essas coisas se sucederam umas às outras tão depressa que mal tivemos tempo de respirar; e agora já faz uma noite inteira e um dia inteiro que nada acontece, e este silêncio contrasta pesadamente com a loquacidade dos dois primeiros dias do Tríduo Santo.

E o mais perturbador é isto: as coisas aparentemente nunca estiveram tão fora de controle quanto depois da Morte do Salvador. O Messias foi crucificado, o grupo que Ele passara os últimos três anos formando se encontra agora desacreditado, disperso e perdido, e todas as promessas com as quais Ele conquistou os corações dos Seus discípulos afiguram-se, agora, incumpridas e incumpríveis. Se formos olhar pelo aspecto teológico a coisa é ainda mais desoladora, porque com o Deicídio parece que o Pecado Original encontra a sua última e definitiva realização: os pecadores que um dia foram expulsos por Deus do Paraíso agora reafirmam e aprofundam a ruptura primeva expulsando a Ele do mundo dos vivos.

E, no entanto, para nossa perplexidade, é justamente nesta hora dramática, neste momento decisivo, que o Altíssimo decide não fazer nada: Deus permanece morto no Túmulo enquanto o mundo desmorona, Cristo simplesmente Se retira da terra justamente no momento em que d’Ele mais precisamos.

E não se diga que o Salvador estava ocupado obrando milagres no mundo dos mortos. Sim, é fato que Nosso Senhor morto desceu aos infernos para resgatar os justos do Antigo Testamento aos quais o Pecado Original até ontem fechava as portas do Paraíso; para tal, no entanto, não haveria necessidade dos três dias que separam a Cruz da Ressurreição. Na verdade, ao descer aos infernos Cristo quebrou-lhes imediatamente as trancas, como ensina o Aquinate (Summa, IIIa, q. 52, a. 2. ad. 2); se se demorou por lá foi por conveniência e vontade livre, não por necessidade. E se houve um dia em que aprouve a Deus quedar-se silente enquanto as ovelhas se dispersavam, talvez devêssemos levar isso em consideração nos nossos apostolados e na nossa vida particular.

Porque sem Deus não há nada que possamos fazer; e se Ele se cala, talvez não seja a nós que compita gritar. Ora, Cristo é Senhor da História e é Cabeça da Igreja; e, portanto, o que o Corpo Místico de Cristo obra na História não escapa aos misteriosos desígnios da Providência que rege o mundo.

Se a Igreja permanece em silêncio, se Ela parece dormir, talvez não seja a nossa vocação substituir-nos à Hierarquia Sagrada — ou pelo menos não na condenação in concreto dos erros que grassam no mundo. Ainda que as ovelhas saiam em debandada, ainda que a obra do Divino Redentor pareça fracassar — não pareceu assim no Sábado Santo? –, ainda que o mundo pareça ruir: há momentos em que Deus silencia e, por absurdo que nos pareça, por difícil que nos seja, pede-nos o silêncio também.

Mas não qualquer silêncio: o «tempo de calar» não se confunde com a acomodação nem com a covardia. O silêncio que devemos a Deus é um silêncio obsequioso e confiante, um silêncio que guarde a palavra de Deus e anime a Fé dos que estiverem conosco: um silêncio como o dos Apóstolos reunidos em torno da Santíssima Virgem durante o tempo em que Jesus permaneceu no Sepulcro.

Talvez a Igreja esteja vivendo um grande Sábado Santo, e talvez devamos olhar com mais cuidado para este último dia do Tríduo a fim de discernir aquilo que Deus espera de nós nos dias de hoje. Porque, enquanto o Senhor jazia nas profundezas da terra, não parece que o debate público com os fariseus fosse aquilo que os discípulos de Cristo devessem fazer. O apologeta é uma vocação necessária na Igreja, sem a menor sombra de dúvidas, mas o apologeta que não suporta o sofrimento, a dor, a humilhação, o silêncio, não é um apologeta e sim um polemista. Há momentos em que um silêncio esperançoso é mais útil e edificante do que um falatório desesperado.

O Senhor jaz no Túmulo, mas não nos deixará para sempre. É noite na Igreja, mas a Aurora do Domingo já vem. Que a Virgem do Silêncio, Nossa Senhora da Soledade, sustente-nos nestes dias difíceis — como sustentou a Igreja nascente durante o tempo em que o Seu Filho esteve morto. Os assaltos do Inferno não prevaleceram naquele tempo; também hoje não haverão de prevalecer. A Vigília Pascal já começa. Um dia haveremos de chamar gloriosa a esta noite.

O dia que ficou de fora da Bíblia

À primeira vista, o sábado de hoje é o dia em que nada acontece: na contramão de um saudável carpe diem, parece que hoje é um dia que existe apenas em função da madrugada que há-de vir. Na Quinta-Feira acompanhamos Nosso Senhor ao Horto e, na Sexta, presenciamos a sua crudelíssima Paixão. Hoje apenas esperamos a Vigília de mais tarde.

Se fomos primeiro ao Horto e em seguida ao Gólgota, a lógica talvez nos mandasse ir, hoje, ao Sepulcro. Mas a narrativa bíblica é diferente. Um versículo fala do entardecer da Sexta-Feira — “[f]oi ali que depositaram Jesus por causa da Preparação dos judeus e da proximidade do túmulo” (Jo XIX, 42); o subsequente fala já da alvorada do Domingo — “[n]o primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro” (Jo XX, 1a). O mesmo Túmulo une os dois versículos contíguos; entre eles, contudo, passa silente um Shabbat inteiro!

Hoje estamos exatamente entre o último versículo do Cap. XIX e o primeiro versículo do Cap. XX do Evangelho de São João; é o dia que ficou de fora da Bíblia. Talvez por isso a Igreja silencie seu culto público e, nos nossos templos, durante todo o dia não vejamos mais do que os altares desnudos e os sacrários abertos — com os quais já quase nos acostumamos desde aquela noite angustiante da Última Ceia.

Trata-se de um dia inteiro sem que a Igreja de Deus nada celebre, caso único em todo o Calendário Litúrgico. E neste silêncio da Igreja nós encontramos e vivenciamos o silêncio do Túmulo Santo. Hoje devíamos ir ao Sepulcro, eu disse acima, e na verdade é exatamente isto o que acontece nesta não-Liturgia: como os Apóstolos, experimentamos o desalento porque o Filho de Deus está morto e não temos para onde ir. Todo ofício litúrgico é Cristo que fala mediante a Igreja: quando o sopro frio da morte silencia os lábios do Divino Mestre, quando a pedra do Túmulo encerra para além do nosso alcance o Verbo de Deus, a Igreja — eco fiel do Salvador — também emudece. Na Quinta-Feira Cristo era traído e a Igreja ecoava os Seus gemidos na prisão; na Sexta-Feira Ele era crucificado e a Igreja repercutia os Seus gritos no patíbulo da Cruz. Hoje, no entanto, Ele está morto, e a Igreja reverbera no mundo o silêncio do Sepulcro calando-se também.

Talvez o silêncio da Bíblia sobre este Sábado seja, justamente, a melhor forma de expressar o seu vazio e a sua desolação.

Mas neste dia de solidão nós podemos contar com Alguém que aqui ficou: Alguém que nos foi deixada como penhor de que Ele voltaria, Alguém que a Cruz não arrancou ao mundo dos vivos. Alguém a quem foi dado manter a chama da Graça acesa na terra, enquanto o Criador do mundo descia à escuridão do Hades. Alguém que Deus amou tanto que Lhe confiou o mundo durante os três dias em que Ele precisou se ausentar.

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Todo Sábado é dia de Nossa Senhora justamente em referência a este Sábado terrível de hoje, em que o Criador foi expulso do mundo pela criatura. O Verbo fez-Se homem e nós O crucificamos; veio até nós e nós O fizemos sair à força; sufocando-O no alto da Cruz nós O expulsamos do mundo dos vivos, e selando-O no interior da terra, longe dos nossos olhos, tentamos afastar de nós até mesmo a lembrança do que Ele havia sido.

A nossa impiedade, grande o suficiente para destruir o Filho de Deus, não ousou contudo levantar-se contra a Virgem Santíssima! Fomos maus o bastantes para crucificar o Verbo Encarnado; diante da Mãe do Verbo, no entanto, mesmo a nossa imensa maldade chegou a vacilar. Crucificamos o Filho e O expulsamos do nosso mundo; a Mãe, no entanto, não fomos ímpios o bastante para degredar também.

E Ela aqui ficou, e foi a nossa salvação, porque talvez o mundo não resistisse ao Sepulcro de Deus se nada d’Ele houvesse restado sobre a terra. Restou-Lhe a Mãe; e foi suficiente para atravessarmos este sábado, e para que hoje pudéssemos celebrar, no silêncio do templo deserto, a espera da Ressurreição. Hoje como n’Aquele Shabbat terrível, é a Santíssima Virgem Maria quem retém a graça de Deus que restou no mundo — a parcela da Graça que não ousamos expulsar — e sustenta, durante o silêncio enlouquecedor deste dia, os discípulos do Seu Divino Filho.

É aos pés d’Ela que choramos os nossos crimes. É sob o manto d’Ela que nos protegemos da morte de Deus. É unidos a Ela somente que sobreviveremos até a Ressurreição.

O Silêncio do Cânon

Certa vez, não me recordo agora em que circunstâncias, eu disse para alguém que gostava mais da Missa [Tridentina] rezada do que da cantada. A afirmação pode parecer absurda, uma vez que a Missa cantada é objetivamente mais bonita do que a rezada até por definição: é mais solene, mais rica em símbolos, mais completa [nos acidentes, lógico], mais imponente; mais bonita, em suma. Eu o sei. Mas eu pensava n’alguma coisa de muito particular quando disse gostar mais da rezada: eu pensava naquele santo e sagrado silêncio que chega a ressoar nos ouvidos de quem está acostumado com as missas [mais ou menos] “bagunçadas” das nossas paróquias normais.

O silêncio! Lembro-me, inclusive, que eu pensava em um silêncio específico: no Grande Silêncio do Cânon, na Iconostase Ocidental, naquele silêncio de eloqüência maior impossível. Lembro-me ainda da frase que então empreguei: “a gente se ajoelha pecador [após o Sanctus] e se levanta [após a Doxologia Final] filho de Deus”. É um silêncio sublime e terrível que pesa sobre nós, disposição tão propícia para aquele momento terrível que outra mais adequada não consigo sequer imaginar.

O Sacerdote sobe ao Altar para oferecer à Trindade Santa o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo em expiação pelas nossas faltas. E nós, espectadores de tão inefável mistério, outra coisa não podemos fazer senão cair de joelhos e suplicar a misericórdia do Todo-Poderoso: se os próprios Anjos e Arcanjos, Querubins e Serafins tremem na presença do Altíssimo enquanto chamam três-vezes Santo ao Senhor dos Exércitos, como poderíamos nós – reles humanos! – resistir? Caiamos por terra e nada mais digamos, mudos (e imerecidos!) espectadores destes sublimes acontecimentos! Gosto de pensar que os próprios Anjos cobrem o rosto diante de Deus neste Novo Santo dos Santos, e desviam o olhar de Sua Face Terrível; nós, aqui na terra, imitamos os cobertos rostos angélicos por meio do nosso silêncio, e desviamos o nosso olhar quando, de joelhos, abaixamos a nossa fronte diante de Cristo Elevado na Cruz da Missa.

Pesa sobre nós este silêncio terrível propter peccata nostra; afastamo-nos de Deus e não somos dignos de falar diante d’Ele! A nossa atitude é a de um escravo que, surpreendido em delito por seu Senhor, abaixa a cabeça esperando o azorrague descer com violência sobre si. De repente, no entanto, eis que Alguém Se interpõe entre o Senhor e Seu escravo, entre o pecador e a Ira de Deus: eis que Jesus Cristo, Sacerdote e Vítima, vem aplacar a cólera do Onipotente, vem levar sobre os Seus ombros os açoites a nós dirigidos, vem ser fustigado em nosso lugar! Diante de uma situação assim, repito, o que fazer senão calar-se e abaixar a cabeça? E é precisamente diante desta situação que nos encontramos sempre que assistimos a Santa Missa. Que outra coisa podemos fazer?

E o silêncio do Cânon é isto: é sentir o cutelo balançando sobre nossa cabeça e esperar o – merecido! – golpe fatal, tendo contudo a confiança, lá no fundo!, de que Outro vai recebê-lo em nosso lugar. A cada missa eu me ajoelho angustiado pensando que, desta vez, pode muito bem ser que o golpe divino recaia sobre mim: seria mais do que merecido. E, a cada missa, o per omnia saecula saeculorum me faz levantar agradecido e aliviado porque, [para mim] mais uma vez, Cristo ofereceu-Se em meu lugar.

A queda de Saulo de Tarso

O homem: Saulo de Tarso, perseguidor de cristãos. Perseguidor de Nosso Senhor, como Ele próprio o dirá em breve. Zelosamente convencido de estar em uma missão sagrada. Perseguidor de Cristo, com a melhor das boas vontades do mundo.

O caminho: de Damasco. O caminho rumo ao seu objetivo. A perseguição aos cristãos, neste homem, revestia-se de contornos bem concretos. Caminho, objetivo, ação: não bastava acreditar, era necessário pôr a crença em prática. Não basta julgar blasfemadores os cristãos; é preciso tapar-lhes a boca.

O transporte: o cavalo. Das viagens longas – em uma missão sagrada não se medem esforços… – e das viagens rápidas – o tempo urge, há muito o que ser feito e é mister dedicar-se com prontidão às coisas de Deus. Tenacidade e pressa. O caminho é longo, mas precisa ser percorrido o quanto antes.

O encontro: o Deus Verdadeiro. Nosso Senhor, revelando-Se perseguido. Diante da realidade factual calam-se as cavilações religiosas. O Deus que Se revela vence os (falsos) arrazoados sobre Deus.

A conversão: a queda. O oposto daquela Queda primeira; Saulo de Tarso cai do cavalo, encontra-se com Cristo e Se converte. De perseguidor de cristãos a propagador do Evangelho. A Apóstolo de Cristo. Um homem cai do cavalo e é outro o que se levanta. O seu “Senhor, que queres que eu faça?” o salvou.

Saulo de Tarso foi para Damasco. Mas quem lá chegou foi São Paulo Apóstolo. No meio do caminho houve uma queda. Uma santa queda. Uma conversão. No meio do caminho Nosso Senhor o esperava. No meio do caminho ficou o antigo Saulo. A nova missão sagrada – a verdadeira missão sagrada! – é muito mais sublime do que a primeira; é mister entregar-se a ela com muito mais tenacidade e pressa. Havia um mundo a ser conquistado para Cristo. Um homem novo. Um novo objetivo. Uma nova entrega à missão.

São Paulo Apóstolo, rogai por nós!

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Ler também: 46º Dia Mundial das Comunicações Sociais, silêncio, palavra, caminho, evangelização, papa Bento XVI, 2012. Destaque: “No silêncio da Cruz, fala a eloquência do amor de Deus vivido até ao dom supremo. Depois da morte de Cristo, a terra permanece em silêncio e, no Sábado Santo – quando «o Rei dorme (…), e Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos» (cfr Ofício de Leitura, de Sábado Santo) –, ressoa a voz de Deus cheia de amor pela humanidade”.

En passant

Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus. “No Criador, não há mudança, não há intenções anteriores ou posteriores; na Sua natureza, não há ódio nem ressentimentos, não há lugar maior ou menor no Seu amor, nem antes nem depois no Seu conhecimento. Pois, se todos crêem que a criação começou a existir como consequência da bondade e do amor do Criador, nós sabemos que esta primeira motivação não diminui nem se altera no Criador em consequência do curso desordenado da Sua criação”.

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Este é um post não oficial. “São doze páginas de propaganda política. O que acho interessante é a estratégia de se divulgar algo que ‘não é oficial’ por vias ‘oficiais’. Claro… As instituições fazem isso o tempo todo, mas foi a primeira vez que vi isso acontecer assim, tão… Tão oficialmente!”.

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O silêncio. “[É] pelo silêncio que o homem cria e manifesta a sua força e constrói a mansão das suas virtudes; da prudência, pelo silêncio da discrição e da medida; da temperança, pelo silêncio dos seus sentimentos inconfessados; da força, pelo silêncio da paciência; da justiça, pelo silêncio do juízo; da humildade e do apagamento. Já dentro do templo das virtudes cardeais, é ainda pelo silêncio que o homem é introduzido no santuário das virtudes teologais: da fé, pelo silêncio da razão que reconhece os seus limites e se abre a uma luz mais alta; da esperança, pelo silêncio da expectativa, que, no desprendimento dos bens terrenos, aspira aos bens eternos; da caridade, pela união com Deus na oração e na dedicação aos outros”.

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Não à civilização do grito e do barulho. “O grito é o modo mais eficaz de inibir a auto-reflexão, de impedir que a voz da consciência nos diga o que fazer o que não fazer. Gritando, submetendo-me ao barulho diuturno, vivendo em um ritmo frenético entre trabalho e lazer agitado e, quando estou em casa, com a novela ou o filme ou o jornal sempre ligados, calo a consciência. Impeço-a de me proibir, de me pautar, de me fornecer os dados necessários de uma moral objetiva para meu comportamento. Se a consciência e a moralidade tentam falar comigo, enclausuro-me no barulho para que não ouça sua voz. A suavidade da voz da consciência é nublada pela ensurdecedora algazarra moderna”.

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Rei espanhol poderá ser excomungado. “Segundo o bispo, o monarca não incorrerá em qualquer pena canônica caso assine a nova lei [do aborto]. O bispo destacou que o papel do rei espanhol é peculiar – a ele cabe assinar as leis aprovadas pelo legislativo – e que, portanto, sua situação não deve ser comparada à dos parlamentares. A conferência dos bispos advertira os parlamentares católicos que se votassem a favor do projeto abortista do governo socialista espanhol estariam se colocando fora da comunhão eclesial, o que em bom e velho português se chama excomunhão. […] No meu entendimento, [no entanto,] se o rei da Espanha assina a lei está excomungado!”.

O Silêncio da Virgem Maria

No Tríduo Pascal, sempre associo o Sábado Santo à Vigília. Se a Quinta-Feira é o dia da Ceia, a Sexta, o da Paixão, o Sábado de Aleluia é o da Ressurreição. Claro, a Vigília Pascal celebrada na noite do sábado – o quanto mais avançada para o Domingo, melhor – é sem dúvidas da mais alta importância: é a maior celebração da Igreja, a Grande Festa, a Vitória de Nosso Senhor sobre a morte, o Túmulo Vazio, a Ressurreição sem a qual – como diz o Apóstolo – seria vã a nossa Fé. Mas é também igualmente verdade que existem mais coisas no Sábado Santo além da Vigília Pascal, existe um tempo – um dia inteiro – entre a procissão do Senhor Morto de ontem à tarde e a Vigília que será celebrada logo mais à noite.

O sábado – todo sábado – é o dia dedicado a Nossa Senhora. Não sei se há relação com o Sábado Santo, mas é precisamente sobre a Virgem Santíssima que eu gostaria de falar um pouco hoje. Nosso Senhor “desceu à Mansão dos Mortos” antes de ressuscitar; a Virgem Maria, no entanto, ficou conosco.

Ficou conosco, como – ouso dizer – penhor da Ressurreição. É fácil acreditar no Cristo Glorioso, mas é difícil não se desesperar diante do Senhor Morto. A Virgem Maria não Se desesperou; ao contrário, manteve-Se firme, de pé. A Sua Fé não desfaleceu, por nenhum momento Ela duvidou. Se é-nos difícil manter a Fé olhando para a Cruz, olhando para o Túmulo, olhemos para esta Mulher que é uma Torre Inabalável! Se não temos a presença de Jesus hoje, acheguemo-nos à Sua Mãe Santíssima e, com Ela, esperemos a Ressurreição. O mundo talvez não suportasse a morte do Rei; por isso, Ele deixou a Rainha, como garantia de que iria voltar.

Poderia o mais perfeito dos filhos abandonar a mais sublime das mães? Decerto que não. Se, portanto, a Virgem cá ficou, poderíamos ter a certeza de que Ele voltaria. Ela nos fala d’Ele. Ela nos aponta para Ele. Ela só n’Ele existe. Se Ela ficou, então Ele, de alguma maneira, também ficou conosco. Ama-nos Ele tanto que não quis nos abandonar nem por um instante: mesmo quando desceu à frieza do Túmulo, quis ficar conosco em Sua Mãe Santíssima.

A lua, à noite, dá-nos a certeza de que as trevas não durarão para sempre; a lua, aliás, só ilumina na medida em que reflete a luz do sol, mesmo que o sol não possa ser visto. Neste Sábado Santo, vemos a luz de Cristo refletida em Maria Santíssima, e sabemos que as trevas da morte não irão durar para sempre, e a aurora há de chegar, a Ressurreição está às portas. Vendo Cristo refletido em Maria Santíssima, ainda que não O possamos ver – escondido por detrás da pedra do Túmulo -, sabemos que Ele com certeza ressurgirá. É a Virgem que nos dá esta garantia. Esta Sua serenidade, este silêncio, esta paz, esta Fé, não seriam possíveis se Ele estivesse irremediavelmente vencido. N’Ela, a Ressurreição de logo mais à noite se torna já visível, palpável…

E, no entanto, Ela guardou silêncio. Após a morte do Seu Filho, Ela era o que de mais santo havia na face da terra, era – ousemos ir mais longe – o que  restou de Graça ao mundo que lançou o filho de Deus à escuridão do Túmulo; mesmo assim, escondeu-Se. A Virgem, que por Si só era a prova da Vitória de Cristo no Domingo da Ressurreição, recolheu-Se ao silêncio, para mais Se assemelhar ao Seu Filho que então jazia no Sepulcro. No entanto, mesmo sem falar, Ela testemunhava Deus; e àqueles que se Lhe achegavam, concedia a graça da Fortaleza para bem atravessar estas terríveis horas – provavelmente as mais terríveis que o mundo já viveu – compreendidas entre a Cruz e a Ressurreição.

Também nós queremos nos achegar a esta Mulher; também n’Ela queremos depositar a nossa confiança e, contemplando-A, em muda admiração, convencermo-nos das coisas do Alto. Ó Maria Santíssima, Virgem do Silêncio, Vós que não desanimastes nem mesmo quando o Vosso Filho foi crucificado, morto e sepultado, ensina-nos a não desanimarmos. Concede-nos a graça necessária para, mesmo nas adversidades, mesmo contra toda a esperança, guardarmos a Fé. Vinde em nosso auxílio. Protegei-nos, velai por nós, guardai-nos e defendei-nos. Ó Virgem Mãe de Deus, rogai por nós!