Pequena nota sobre o direito a viver – Eros Grau

[É com um misto de alegria e tristeza que publico na íntegra este artigo do Eros Grau, ex-ministro do STF. Alegria, por ver que ainda existem pessoas dispostas a falar as coisas com firmeza e a não sacrificar a realidade no altar das ideologias e dos interesses escusos; tristeza, porque esta posição dele (de uma clareza e didática ímpares!) não ficará consolidada em voto do julgamento da ADPF 54, que deve se encerrar esta tarde.

Os dois destaques são de minha lavra. São os parágrafos que, a meu ver, melhor põem a descoberto os sofismas que estão sendo empregados na Suprema Corte do Brasil para, ao arrepio da legislação vigente, introduzir no Brasil o assassinato eugênico de crianças deficientes. Que Deus nos perdoe.

O artigo foi publicado originalmente no Reformador.]

Pequena nota sobre o direito a viver

Eros Roberto Grau, ministro aposentado do STF

Inventei uma história para celebrar a Vida. Ana, filha de família muito rica, apaixona-se por um homem sem bens materiais, Antonio. Casa-se com separação de bens. Ana engravida de um anencéfalo e o casal decide tê-lo. Ana morre de parto, o filho sobrevive alguns minutos, herda a fortuna de Ana. Antonio herda todos os bens do filho que sobreviveu alguns minutos além do tempo de vida de Ana. Nenhuma palavra será suficiente para negar a existência jurídica do filho que só foi por alguns instantes além de Ana.

A história que inventei é válida no contexto do meu discurso jurídico. Não sou pároco, não tenho afirmação de espiritualidade a nestas linhas postular. Aqui anoto apenas o que me cabe como artesão da compreensão das leis. Palavras bem arranjadas não bastam para ocultar, em quantos fazem praça do aborto de anencéfalos, inexorável desprezo pela vida de quem poderia escapar com resquícios de existência e produzindo consequências jurídicas marcantes do ventre que o abrigou.

Matar ou deixar morrer o pequeno ser que foi parido não é diferente da interrupção da sua gestação.Mata-se durante a gestação, atualmente, com recursos tecnológicos aprimorados, bisturis eletrônicos dos quais os fetos procuram desesperadamente escapar no interior de úteros que os recusam.Mais “digna” seria a crueldade da sua execução imediatamente após o parto,mesmo porque deixaria de existir risco para as mães. Um breve homicídio e tudo acabado.

Vou contudo diretamente ao direito, nosso direito positivo. No Brasil o nascituro não apenas é protegido pela ordem jurídica, sua dignidade humana preexistindo ao fato do nascimento, mas é também titular de direitos adquiridos. Transcrevo a lei, artigo 2o do Código Civil:

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

No intervalo entre a concepção e o nascimento dizia Pontes de Miranda “os direitos, que se constituíram, têm sujeito, apenas não se sabe qual seja”. Não há, pois, espaço para distinções, como assinalou o ministro aposentado do STF, José Néri da Silveira, em parecer sobre o tema:

Em nosso ordenamento jurídico, não se concebe distinção também entre seres humanos em desenvolvimento na fase intrauterina, ainda que se comprovem anomalias ou malformações do feto; todos enquanto se desenvolvem no útero materno são protegidos, em sua vida e dignidade humana, pela Constituição e leis.

Trata-se de seres humanos que podem receber doações [art. 542 do Código Civil], figurar em disposições testamentárias [art.1.799 do Código Civil] e mesmo ser adotados [art. 1.621 do Código Civil]. É inconcebível, como afirmou Teixeira de Freitas ainda no século XIX, um de nossos mais renomados civilistas, que haja ente com suscetibilidade de adquirir direitos sem que haja pessoa. E, digo eu mesmo agora, nele inspirado, que se a doação feita ao nascituro valerá desde que aceita pelo seu representante legal tal como afirma o artigo 542 do Código Civil – é forçoso concluir que os nascituros já existem e são pessoas, pois “o nada não se representa”.

Queiram ou não os que fazem praça do aborto de anencéfalos, o fato é que a frustração da sua existência fora do útero materno, por ato do homem, é inadmissível [mais do que inadmissível, criminosa] no quadro do direito positivo brasileiro. É certo que, salvo os casos em que há, comprovadamente, morte intrauterina, o feto é um ser vivo.

Tanto é assim que nenhum, entre a hierarquia dos juízes de nossa terra, nenhum deles em tese negaria aplicação do disposto no artigo 123 do Código Penal¹, que tipifica o crime de infanticídio, à mulher que matasse, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho anencéfalo, durante o parto ou logo após, sujeitando a a pena de detenção, de dois a seis anos. Note-se bem que ao texto do tipo penal acrescentei unicamente o vocábulo anencéfalo!

Ora, se o filho anencéfalo morto pela mãe sob a influência do estado puerperal é ser vivo, por que não o seria o feto anencéfalo que repito pode receber doações, figurar em disposições testamentárias e mesmo ser adotado?

Que lógica é esta que toma como ser, que considera ser alguém – e não res – o anencéfalo vítima de infanticídio, mas atribui ao feto que lhe corresponde o caráter de coisa ou algo assim?

De mais a mais, a certeza do diagnóstico médico da anencefalia não é absoluta, de modo que a prevenção do erro, mesmo culposo, não será sempre possível. O que dizer, então, do erro doloso?

A quantas não chegaria, então, em seu dinamismo – se admitido o aborto – o “moinho satânico” de que falava Karl Polanyi?² A mim causa espanto a ideia de que se esteja a postular abortos, e com tanto de ênfase, sem interesse econômico determinado. O que me permite cogitar da eventualidade de, embora se aludindo à defesa de apregoados direitos da mulher, estar-se a pretender a migração, da prática do aborto, do universo da ilicitude penal, para o campo da exploração da atividade econômica. Em termos diretos e incisivos, para o mercado. Escrevi esta pequena nota para gritar, tão alto quanto possa, o direito de viver.

* * *

¹“Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção de dois a seis anos.”
²A grande transformação: as origens da nossa época. Tradução portuguesa de Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

Hic est Dies: STF dirá se deficientes merecem ou não viver

É hoje (11/04/2012) o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ADPF 54, que poderá autorizar o aborto eugênico de crianças sem cérebro no Brasil. A tese da ação é

que a anencefalia constitui uma má-formação incompatível com a vida extra-uterina, cujos efeitos empresta à gravidez caráter de risco, sendo a antecipação do parto a única indicação terapêutica possível e eficaz para o tratamento da gestante, “já que para reverter a inviabilidade do feto não há solução.”

A tramitação da ADPF 54 é enorme e remete há quase oito anos. “[C]om 3 volumes e 6 apensos”, o julgamento do mérito do processo será hoje. Segundo divulga a imprensa, ao menos quatro (dos onze) ministros votarão a favor do aborto eugênico.

Na última sexta-feira, a CNBB convocou uma vigília pela vida a se realizar em todas as dioceses. O pedido dos bispos foi atendido; as manifestações puderam ser acompanhadas nas redes sociais entre ontem à noite e hoje pela manhã (p.ex., em Brasília e no Maranhão, como informou o blog do Wagner Moura). Na imprensa secular, a vigília foi noticiada (entre outros) por G1.

Além disso, aconteceu ontem um Twittaço #EmDefesaDaVida. A tag ficou em primeiro lugar nos TTs Brasil por mais de duas horas.

A aprovação do assassinato eugênico de crianças deficientes será a vergonhosa coroação do egoísmo humano, elevado ao patamar de direito inalienável e calcando a seus cascos o direito à vida – direito este cuja defesa intransigente esperar-se-ia ser apanágio das sociedades civilizadas. Em breve se iniciará a grande farsa. Acompanhemo-la ao longo deste dia.

Você que ainda não se manifestou, ainda há tempo de fazê-lo: por via eletrônica e também enviando faxes ao STF. E não deixe de oferecer ao Todo-Poderoso as suas orações no dia de hoje. Este é o dia das Trevas. Que nos possa valer a Virgem Poderosa, dando-nos virtude contra os inimigos d’Ela.

Cardeal e bispos brasileiros em defesa da vida – Wagner Moura

[Reproduzo na íntegra o post do Wagner Moura, que traz uma importante coletânea de pronunciamentos – graças ao bom Deus, por vezes bem duros! – de prelados brasileiros contra o aborto de anencéfalos. O caso, como sabemos, será julgado depois de amanhã pelo STF. Não estão em jogo alegadas liberdades individuais nem supostas opressões injustas sofridas pelas mulheres; o que está em jogo é o respeito à vida humana, a recusa ao caminho (mais fácil e mais cômodo, concordamos sem dúvidas) da eliminação dos deficientes, a firme rejeição de toda eugenia: rejeição que é condição fundamental para que se possa falar em sociedade civilizada.]

Cardeal e bispos brasileiros em defesa da vida

Contra permissão para aborto de bebês com anencefalia, tanto o cardeal Dom Odilo Scherer quantos alguns bispos do Brasil estão se manifestando publicamente por meio dos veículos católicos, especialmente, como ACI Digital.

Cardeal Dom Odilo Scherer:É preconceituoso e fora de propósito afirmar que a dignidade da mãe é aviltada pela geração de um filho com anomalia; tal argumentação pode suscitar, ou aprofundar um preconceito cultural contra mulheres que geram um filho com alguma anomalia ou deficiência; isso sim, seria uma verdadeira agressão à dignidade da mulher.”

Dom Orani João Tempesta:Eu faço um apelo aos senhores Ministros do STF para que possam refletir sobre esta enorme responsabilidade que têm, primeiramente em defender a própria Constituição Brasileira, que valoriza a vida em todas as circunstâncias; depois, sua responsabilidade em relação à História, pois todos seremos julgados sobre as decisões que tomamos.”

Dom Alberto Taveira:Nossa convicção é muito clara e muito forte de que não há qualquer argumento que justifique o aborto diretamente provocado. Nossa manifestação é diametralmente contrária porque nos baseamos no Mandamento da Lei de Deus e numa clareza do Magistério da Igreja em toda sua História.”

Dom Fernando Arêas Rifan:Pela porta do povo não se consegue porque a esmagadora maioria do povo é contra a legalização do aborto; pelo executivo não haverá essa tentativa; pelo legislativo ainda não se conseguiu, então, tenta-se agora o Judiciário. É uma porta pela qual vão tentar entrar.”

Dom José Antonio Peruzzo:Pedimos aos senhores Juízes do Supremo Tribunal Federal que a vida não seja desrespeitada e que nessa Casa o primeiro direito de todos, que é o direito de viver, seja contemplado e apreciado. Que Deus os ilumine senhores Juízes do STF”.

Dom Dimas Lara Barbosa:No caso específico dos anencefálicos, primeiramente é preciso que se diga que a própria terminologia é inadequada. Não é verdade que a criança não tenha cérebro, pois se assim o fosse ela seria natimorta. O que acontece são graus diferenciados de má-formação em partes do cérebro que, sim, vão dificultar e muito uma vida normal dessas crianças mas que, de forma alguma, permitem que elas sejam qualificadas como “cadáveres”, como “seres inanimados”.

Dom Antônio Augusto Dias Duartes:Diante da questão ponderada pelos ministros do STF a respeito das crianças que estão se desenvolvendo no útero materno com mal-formação denominada anencefalia, eu, como bispo auxiliar do RJ e também como médico, compreendo perfeitamente todas as circunstâncias que envolvem esta gravidez. Porém, por cima de todas elas, existe uma realidade que é intocável: em primeiro lugar, a dignidade da maternidade feminina, que dá à nossa sociedade a certeza de que qualquer ser humano, independentemente de suas circunstâncias de saúde ou circunstâncias sociais é amado desde o útero materno.”

Dom Airton José dos Santos:Aos Ministros do STF e a todo o povo do Brasil, nós defendemos o direito à vida de todas as pessoas. Acreditamos naquilo que deve ser feito por aqueles que têm autoridade no País, neste caso, os juízes do STF: a vida humana não se restringe aos anos que vivemos nem ao tipo de vida que levamos. A vida humana é vida humana, independentemente de qualquer condição. Nós devemos protegê-la, favorecê-la e dar-lhe condições para que seja valorizada e respeitada. Não importa se ela há de durar um minuto ou cem anos”.

Dom Jacyr Francisco Braido:Este apelo eu quero dirigir aos Ministros do Supremo Tribunal Federal para que repensem este assunto. Dirijo-me também a todos os cidadãos brasileiros para que se manifestem em favor da vida, acima de tudo. Temos que tomar muito cuidado com certos passos que vamos dando de forma inconsequente e que levam, ao final, a comprometer a existência humana e a disponibilidade das mulheres em gerar novos filhos para a sociedade contemporânea.”

Dom Henrique Soares:É como filho da humanidade, como filho da pátria brasileira e como bispo da Igreja que eu peço a atenção dos senhores Ministros e peço ao povo brasileiro que não baixe jamais a guarda na discussão dessas questões. E que grite em defesa dos grandes valores humanos que forjaram e que norteiam nossa sociedade, nossa cultura”.

O rei está nu

Eu não tinha comentado até agora sobre a baderna no STF [youtube, Zero Hora, Estadão], em parte porque não estava acompanhando as notícias e em parte porque nunca levei o Supremo a sério [já disse inclusive aqui há alguns meses, por ocasião da aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias, que ele “parece ser a Casa da Mãe Joana, onde cada um faz o que quer, e onde nenhuma seriedade é exigida”…]; mas gostaria de comentar uma coisa [só uma] sobre um artigo que li no Diário do Comércio. E de explicar o porquê do meu silêncio sobre o bate-boca.

Primeiro, o comentário; mostra o sr. Paulo Saab surpresa e decepção – por meio da alusão ao assassinato de Júlio César – porque o STF “embarcou na nau dos insensatos em que parece ter se transformado o poder público em nosso País”. Oras, só agora que a pólvora foi descoberta?! Pois a mim não causa surpresa nenhuma. Não me sinto, de modo algum, como o Imperador Romano traído, e sim com o alívio de ver que outros também percebem as garras do lobo. Uma elite de todo-poderosos arrogantes, frutos da má-formação intelectual e moral da nossa sociedade, que não prestam satisfações a virtualmente ninguém, com mandato quase vitalício [salvo engano, vai até a aposentadoria compulsória], que formam a mais alta instância da Justiça brasileira, que são em número de 11 ministros dos quais 7 foram nomeados pelo presidente Lula… o que se poderia esperar dessa receita? Baluartes da honestidade? A Probidade encarnada?

Por isso que não me causa nenhuma surpresa que “a mais elevada corte de Justiça nacional” tenha descido “ao nível das brigas de botequim”. Para mim, há muito já está no chão “a honorabilidade de comportamento que um tribunal supremo exige para ser respeitado”. E aqui chegamos ao porquê do meu silêncio sobre o assunto: após os ministros do Supremo terem feito a grande burla que foi feita no caso das CTEHs, após o ministro Marco Mello ter “cantado o voto” de uma causa ainda não apreciada e após a representação contra ele movida por causa deste flagrante descumprimento da legislação que ele, como magistrado, deve obedecer – um Ministro da mais alta corte de Justiça deste país! – ter sido engavetada, reclamar de um bate-boca no STF é filtrar o mosquito para engolir o camelo. Se nem as coisas mais sérias são levadas a sério, quanto mais os bate-bocas! Mas o min. Joaquim Barbosa prestou um serviço a este país com a sua atitude. Ao menos, o barraco armado – única coisa à qual o povo brasileiro parece dar atenção – tem a função didática de mostrar que o rei está nu.