Curtas

– Os ateus não gostaram do panfleto da Regional Sul 1 da CNBB contra o PNDH-3. No “Bule Voador”: “Todos conhecemos a incrível capacidade da CNBB e da Igreja Católica para se pronunciar em assuntos que deveria deixar para especialistas. (…) A vítima agora, é inclusive uma pessoa declaradamente cristã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Alguém avise aos “humanistas” que se dizer cristão é bem diferente de sê-lo.

La Iglesia católica, en el punto de mira del lobby homosexual en todo el mundo. E não poderia ser diferente. A aplicação da velha história de “como cozinhar um sapo” (que, em espanhol, ficou “una rana”): “No se trataba ya de pelear, sino de conseguir con mano izquierda y buena presencia que el americano medio llegara a pensar con un bombardeo mediático incesante que «la homosexualidad solo es otra cosa y se encogiera de hombros. De esa manera – aseguraba Kirk [neuropsiquiatra]-, la batalla por tus derechos y tu reconocimiento estaría virtualmente ganada y solo sería cuestión de esperar»”.

Deus e a terra, do Schwartsman. Só queria apontar que (a) Epicuro é um falso paradoxo, como o próprio articulista comenta; (b) o mal não é uma “aparência”, e sim uma ausência; e (c) é interessantíssimo que o articulista reconheça que o acaso, “a ausência de propósito”, são insuportáveis ao ser humano. Pena que tenha perdido uma ótima chance de se aprofundar nas causas dessa insuportabilidade.

O bebê de Frei Betto. O sujeito atingiu novos patamares de blasfêmia ao imaginar os filhos das núpcias de Santa Teresa de Ávila com Che Guevara (!!!!). Faço coro ao Reinaldo: “É chocante saber que este senhor é considerado um ‘pensador’ em certo círculos do Brasil”.

Dom Williamson diz que os diálogos entre a Santa Sé e a FSSPX são uma conversa de surdos. “Ou a Fraternidade trai a si própria, ou Roma se converte, ou então será um diálogo de surdos”. Infeliz posicionamento! Que a Virgem Santíssima, Sedes Sapientiae, interceda por estas disputationes theologicae.

Cardeal Hummes próximo de ser substituído. Não só ele, como também o cardeal Kasper (iminente) e o cardeal Re (por volta da Páscoa). Que o Espírito Santo ilumine o Papa Bento XVI, e o salve das mãos de seus inimigos!

Mais sobre os castigos temporais de Deus

Recebi alguns comentários interessantes no meu texto de ontem sobre o Haiti e os castigos de Deus. Vou falar mais algumas coisas sobre o assunto; primeiro, sobre o caso particular da tragédia recente e, depois, sobre a pergunta mais geral: Deus castiga?

Sobre o Haiti, vou ser lacônico: o Julio Severo está errado. Simplesmente não é verdade, antes de mais nada, que “[a] religião oficial do Haiti (…) é o vodu”. A wikipedia diz que a religião oficial de Estado é o Catolicismo Romano. Sobre esta informação, é importar ressaltar que a Constituição do Haiti de 1987 não diz isso; no entanto, tampouco fala em voodoo. De onde foi que o Julio Severo tirou que é esta a religião oficial do Haiti?

Ainda que fosse, isto por si só não é motivo suficiente para inferir que o terremoto no país foi um castigo divino por causa da feitiçaria praticada pelo povo. Já disse que Deus não “funciona” com o determinismo de uma lei física de causa-e-efeito do tipo “se o povo é mau, então vou mandar uma catástrofe”. Ou, por acaso, todos os lugares do mundo onde se praticam feitiçaria sofreram catástrofes naturais? Ou todas as catástrofes naturais do mundo ocorreram em lugares onde se praticam feitiçaria?

Dito isto, passemos para o caso mais geral. Que Deus castiga, imagino que seja ponto pacífico e não necessite de mais discussão. O que parece estar ainda em litígio é: as tragédias naturais podem ser castigos de Deus?

E, sinceramente, não vejo como seja possível responder “não, não podem” a esta pergunta. Pelos motivos os mais diversos. Em primeiro lugar, há exemplos, nas Escrituras, de tragédias naturais que são castigos de Deus. E um único contra-exemplo bastaria para derrubar a regra.

Além disso, há o testemunho da Liturgia. Pus aqui as orações antigas da missa votiva para ocasiões de terremoto, e elas são peremptórias: “tais flagelos são castigos da Vossa mão”. E nós rezamos conforme nós cremos.

Fiz questão de olhar no missal de Paulo VI e lá tem uma missa pro tempore terraemotus. Infelizmente, ela foi terrivelmente mutilada, tendo sobrado somente a colecta – que é uma mistura das três orações da missa antiga – e, mesmo assim, todas as referências à ira de Deus e aos castigos foram simplesmente suprimidas. No entanto, durante mil e novecentos anos rezou-se dizendo que os terremotos eram castigos da mão de Deus; lex orandi, lex credendi. Da (infeliz) supressão das orações no Novus Ordo Missae não segue que a doutrina da Igreja tenha “mudado”.

Há, além disso, a questão mais geral da Providência Divina. Nós sabemos que nem um pássaro cai por terra sem a vontade de Deus (Mt 10, 29); como, em sã consciência, podemos postular que uma cidade inteira caia em ruínas sem o consentimento do Onipotente? É óbvio que Deus sempre pode evitar as tragédias, e é empírico que Ele, às vezes, não as evita. Aliás, Deus poderia perfeitamente ter criado a terra de tal maneira que não houvesse movimento de placas tectônicas ou que estes movimentos não provocassem na superfície os estragos que provocam. Se há tragédias, é porque aprouve a Deus que houvesse. E, se aprouve a Deus que houvesse, é porque há algum propósito nelas, ainda que nós não o conheçamos – do contrário, teríamos que admitir que o mero acaso, afinal, tenha precedência sobre os desígnios de Deus, ou que os desígnios de Deus sejam aleatórios e sem sentido. Ora, se nós admitimos que há um sentido nas coisas que acontecem, e admitimos não conhecer os desígnios do Deus Altíssimo, baseados em quê excluiríamos a priori o castigo divino – já sabemos que Deus castiga! – dos motivos possíveis pelos quais o Todo-Poderoso permitiria uma catástrofe natural qualquer?

Ainda: que há “castigos temporais infligidos por Deus” é doutrina definida pelo Concílio de Trento (Trento, Sessão XIV, Cap. 9). Qual a natureza destes castigos o Concílio não diz; mas diz que são temporais. Deus, portanto, inflige também castigos que não são espirituais. Se são temporais, então suas causas imediatas são naturais; ainda assim, são castigos infligidos por Deus. Ora, se há coisas que possuem causas naturais e, mesmo assim, são castigos de Deus, por qual motivo deveríamos excluir os efeitos dos movimentos das placas tectônicas – ou quaisquer outras catástrofes naturais – dos possíveis castigos divinos?

Atenção! Não estou dizendo que todo raio que cai, todo terremoto, toda inundação, toda gripe, todo câncer, toda falência são castigos de Deus. Estou dizendo que podem ser. Porque também nem toda adversidade é um castigo pelo pecado. Clemente XI condenou o seguinte erro de Quesnel:

Dios no aflige nunca a los inocentes, y las aflicciones sirven siempre o para castigar el pecado o para purificar al pecador.

Errores de Pascasio Quesnel, Condenados en la Constitución dogmática Unigenitus, de 8 de septiembre de 1713

Nada impede, portanto, que Deus envie aflições aos inocentes. Nada impede que uma catástrofe natural, portanto, seja, ao mesmo tempo, um castigo de Deus infligido aos pecadores e uma aflição aos inocentes que não lhes seja castigo. Isto não significa – repito! – que uma tragédia concreta seja um castigo divino; mas significa que pode perfeitamente ser.

Temos, em resumo, que (1) Deus castiga; (2) Deus também inflige castigos temporais; (3) nada obsta à inclusão das catástrofes naturais entre os possíveis castigos que Deus pode infligir.

O Haiti e os castigos de Deus

Discute-se se o terremoto do Haiti foi um castigo de Deus. Dividem-se os opinantes: não, Deus não castiga; sim, é por causa do vodoo praticado pelo povo. Obviamente, há outras opiniões mais sensatas; estas duas, no entanto, são simplórias demais e, na minha opinião, devem ser desconsideradas.

Quanto à primeira, é óbvio que Deus castiga. As Escrituras estão repletas de exemplos: do Dilúvio passando pela destruição de Sodoma e Gomorra, até os egípcios morrendo afogados no Mar Vermelho e outros episódios menos conhecidos. Não é possível ao católico simplesmente dizer “Deus não castiga”, porque isso é contrário ao que se sabe ter ocorrido ao longo da história da Salvação.

Obviamente, o castigo de Deus não é um mal absoluto, porque Deus não pode querer o mal em si. Santo Tomás de Aquino explica isso na Summa, II-IIae, q. 19, a.1 (tradução livre):

Em verdade, de Deus pode-nos sobrevir o mal da pena [castigo], que não é mal absoluto, mas sim mal relativo e bem absoluto. Efetivamente, dado que o bem estabelece ordem para um fim e o mal consiste na privação desta ordem, é mal absoluto aquilo que exclui totalmente a ordem ao fim último, que é  o mal da culpa. O mal da pena, ao contrário, é certamente um mal, enquanto nos priva de um bem particular; mas em absoluto é bem, porque está ordenado ao fim último.

Deus, portanto, castiga sim, e o castigo de Deus é sempre um bem absoluto, porque está ordenado ao fim último do homem, que é Ele próprio. Como, por exemplo, um pai que castiga o filho para o educar.

Pode-se objetar que não pertence ao pátrio poder espancar um filho até a morte, e que bem pouco aprendizado alguém pode obter de uma experiência se não sobreviver a ela. Esta visão, no entanto, é puramente materialista e não serve para impugnar a visão católica segundo a qual os castigos divinos – quaisquer que sejam eles – estão ordenados ao fim último do ser humano. Ela – a visão materialista – parte de dois pressupostos que não são aceitos pelos católicos: o primeiro, que a vida é um bem absoluto e, o segundo, que o castigo deve servir sempre e somente para os indivíduos castigados. Nós, católicos, sabemos que o fim último ao qual deve almejar o ser humano não é a preservação da própria vida física, e sim a salvação da sua alma. Ninguém pode dizer o que se passa no íntimo de uma pessoa vitimada por uma tragédia nos seus instantes derradeiros e, portanto, não se pode afirmar que o mal relativo não tenha redundado em um bem absoluto – ao contrário, é exatamente por isso que rezamos. Igualmente, o mal sofrido pela parte pode, ainda que não redunde em bem para ela, servir ao todo: como a amputação de um membro gangrenado que, embora não cause bem ao membro amputado, provoca bem ao corpo, ou como aquela história do rei que perdeu um dedo numa caçada. Portanto, uma catástrofe qualquer não pode, a priori, ser excluída como castigo divino por conta de objeções naturalistas como as que são ordinariamente apresentadas.

Quanto à segunda opinião – a de que o terremoto foi, sim, castigo de Deus por conta do vodoo praticado pelo povo -, ela também não pode ser pressuposta assim, sem mais nem menos. Vale salientar que 80% da população do Haiti é católica, e o catolicismo é inclusive a religião oficial do Estado. Obviamente, Deus pode ter castigado a infidelidade de um povo que, honrando-o com os lábios – com a Constituição… -, não Lhe presta louvor verdadeiro com a própria vida. Sim, Deus pode ter feito isso, mas Deus pode igualmente não ter feito isso – ou não pode? Há incontáveis exemplos de ímpios que parecem ser imunes a tragédias, bem como de pessoas inocentes que são vitimadas por desgraças sem que mereçam. Não dá, também, para dizer a priori que Deus resolveu castigar o Haiti por conta da feitiçaria praticada pelo povo católico. Deus não “funciona” com o determinismo de causa-efeito de uma lei física.

Então, afinal, o que dá para dizer? Na verdade, não dá para dizer rigorosamente nada, porque ninguém conhece os desígnios do Altíssimo. Que os terremotos são causados pelos movimentos das placas tectônicas é simplesmente um detalhe técnico – aliás, evidente e incontestável – que não vem ao caso nesta discussão. Os fenômenos naturais, afinal de contas, estão sujeitos ao Autor das leis da natureza.

O que dá para saber com certeza é que Deus não permitiria o mal se, dele, não pudesse tirar um bem ainda maior – como diz Santo Agostinho. E, se um terremoto que deixou milhares e milhares de mortos, feridos e desabrigados é obviamente um mal, importa dar sentido ao sofrimento. Não faz diferença (e, aliás, nem é humanamente possível) saber com certeza se foi castigo divino ou fatalidade permitida pelo Onipotente. O que importa é unir as próprias dores àquelas sofridas pelo Homem das Dores. Como falou o Papa João Paulo II na Salvifici Doloris:

Todo o homem tem uma sua participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a participar naquele sofrimento, por meio do qual se realizou a Redenção; é chamado a participar naquele sofrimento, por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar também participantes do sofrimento redentor de Cristo.

[SD, 19]

Que os sofrimentos humanos – em particular estes de memória tão recente – não sejam inúteis, é o que pedimos à Virgem Santíssima, Mater Dolorosa, Nossa Senhora das Dores, Aquela que tão perfeitamente soube unir os próprios sofrimentos aos de Seu Divino Filho.

Stat Crux!

Foto: Globo

Vi no Fantástico. É um vídeo que mostra os primeiros instantes após o terremoto que devastou o Haiti na terça-feira passada. A igreja que aparece em ruínas é a do Sacré Coeur de Tugeau, em Porto Príncipe, onde estava a doutora Zilda Arns. A única coisa que ficou de pé foi o crucifixo.

O vídeo pode ser visto aqui. As imagens foram feitas pelo soldado Luís Diego Moraes. Dá pra ver as pessoas passando pela rua e se ajoelhando diante da igreja em ruínas, onde a cruz permaneceu intacta. No meio do terremoto, da poeira, das ruínas, da dor e do sofrimento, a Cruz permaneceu de pé. Stat crux – como dizem os cartuxos – dum volvitur orbis. Enquanto o mundo desmorona. Como a nos mostrar qual é o único apoio seguro. A única tábua de salvação em meio à catástrofe. O único alicerce sólido nas adversidades.

Ave, Crux, spes unica! Que o Crucificado possa dar sentido ao sofrimento. Que as pessoas possam, em meio à dor, olhar para a Cruz que se ergue acima da poeira e dos escombros, e n’Ela encontrar o conforto necessário para este momento doloroso.

Missa Votiva – em ocasião de terremoto

[Falei aqui sobre as orações que havia no missal tridentino para serem usadas em situações diversas, e que havia umas específicas para após um terremoto. Não sei como (ou se) ficaram estas orações após a Reforma de Paulo VI; o que sei é que ainda há, no Missal Romano atual, uma parte referente às “Missas para diversas necessidades”.

Reproduzo aqui as orações antigas, que considero muito bonitas: a ira de Deus que abala os fundamentos da terra, a terra que treme com o peso de nossas iniqüidades! Essa compreensão falta completamente ao homem moderno. Perdendo de vista as causas finais e só enxergando a causalidade imediata, comporta-se ele como alguém que, diante de um relógio, diz que ele marca as horas correctamente devido ao movimento de suas engrenagens internas, e isso não tem nada a ver com a vontade do relojoeiro que o fez…

E que o Todo-Poderoso tenha misericórdia de todos nós.]

EM OCASIÃO DE TERREMOTO

Colecta

Omnipotens sempiterne Deus, qui respicis terram et facis eam tremere: parce metuentibus, propitiare supplicibus; ut, cujus iram terrae fundamenta concutientem expavimus, clementiam contritiones ejus sanantem jugiter sentiamus. Per Dominum nostrum Jesum Christum Filium Tuum.

Ó Deus eterno e omnipotente, que olhais para a terra e a fazeis estremecer, perdoai aos que Vos temem e sede indulgente com os que Vos imploram, a fim de que, depois de vermos com terror a Vossa ira abalar os fundamentos da terra, sintamos a Vossa misericórdia reparar os estragos produzidos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Secreta

Deus, qui fundasti terram super stabilitatem suam, suscipe oblationes et preces populi tui: ac, tremendis terrae periculis penitus amotis, divinae tuae iracundae terrores in humanae salutis remedia converte; ut, qui de terra sunt et in terram revertentur, gaudeant se fieri sancta conversationem caelestes. Per Dominum.

Ó Deus, que estabelecestes a terra em suas bases, recebei as oblações e as preces do Vosso povo, e, removido o perigo dos terremotos, convertei os flagelos da Vossa ira em remédios de salvação, para que aqueles que são da terra e hão-de a ela voltar se alegrem por se tornarem cidadãos do Céu pela prática da virtude. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Póscomunhão

Tuere nos, Domine, quaesumus, tua sancta sumentes: et terram quam vidimus nostris iniquitatibus trementem, superno munere firma; ut mortalium corda cognoscant, et te indignante talia flagelia prodire, et te miserante cessare. Per Dominum nostrum Jesum Christum Filium tuum.

Protegei-nos, Senhor, já que recebemos os Vossos santos mistérios, e por Vossa misericórdia firmai a terra que vemos tremer com o peso de nossas iniqüidades, a fim de que os mortais saibam que tais flagelos são castigos da Vossa mão, e o seu termo efeito da Vossa misericórdia. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

A tragédia no Haiti

Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, deveríamos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los.

Íntegra do discurso de Zilda Arns no Haiti

Pedem-me que escreva sobre a tragédia no Haiti e, em particular, sobre o trágico falecimento da dra. Zilda Arns. Não o tinha feito antes por motivos diversos; faço-o, agora, mais em tom de justificativa do que para agregar alguma coisa a tudo o que já foi falado.

Muita coisa já foi escrita sobre o assunto, e de maneira muito melhor do que eu próprio poderia escrever. Basta procurar no Google. Há uma nota de solidariedade da CNBB, a insensível posição do Cônsul do Haiti no Brasil, há um pastor culpando o diabo pela tragédia e muito mais.

Em particular, o Reinaldo foi um dos primeiros a escrever, e o texto dele destaca aquilo que eu próprio destacaria na vida da pediatra: “[a] médica católica, a trabalhadora incansável em defesa das crianças (…) era contra o aborto e se opunha à aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias”. Este texto vale a leitura.

Não havia escrito também porque não tenho palavras para me expressar diante de uma tragédia da magnitude desta que se abateu sobre o Haiti. Quando ouvi, apressado, as primeiras notícias, achei que se tratava de um terremoto normal que havia vitimado algumas dezenas de pessoas. Quando soube depois que a cifra dos mortos está na casa das dezenas de milhares e, a dos desabrigados, na dos milhões, foi um verdadeiro choque. Diante desta multidão de seres humanos mortos, a perda de uma médica brasileira parece pequena, e soa-me quase como uma ofensa às vítimas da tragédia reduzir o luto ao falecimento da dra. Arns. O nosso luto é primeiramente pelo Haiti e – ainda mais – pela fragilidade da condição humana, que não pode acrescentar um côvado à duração da própria vida.

Acredito já ter dito aqui outras vezes que tragédias assim devem nos levar a considerar a brevidade de nossas vidas, quase como se fossem uma tentativa desesperada do Todo-Poderoso de fazer os homens relembrarem os novíssimos cuja meditação esqueceram. Lembro-me de Santo Agostinho, o qual cito de memória: todos os dias celebramos funerais e, no entanto, continuamos a nos prometer longos anos de vida. Na verdade, ninguém pode se prometer longos anos de vida. Ninguém pode garantir que vá viver até a próxima semana, até amanhã, até o fim do discurso que se está pronunciando. O terremoto do Haiti lembra-nos disso. Importa estarmos sempre vigilantes.

Ontem eu voltava para casa e, no Marco Zero (a praça pública do centro antigo da cidade), uma banda tocava cover de Raul Seixas. A música era outra, mas me lembrei do “Canto para a minha morte” que, se não tivesse sido composta pelo nada religioso baiano, eu diria ter sido feita para se meditar sobre o fim de nossas vidas. “Cada vez que eu me despeço de uma pessoa, pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez! A morte, surda, caminha ao meu lado, e eu não sei em que esquina ela vai me beijar”.

Não sabemos quando a morte vai nos encontrar – lembremo-nos do Haiti! Importa vivermos como se fosse na próxima esquina. Importa estarmos sempre preparados.

Gostaria de ter aqui em mãos o meu missal quotidiano, porque me lembro de que há algumas orações – não sei se de uma missa votiva – para tragédias e, especificamente, para terremotos. Pedindo ao Altíssimo que dê conforto às vítimas, que nos livre dos terremotos – aliás, isso tem também na Ladainha de Todos os Santos. A flagello terraemotus, libera nos, Domine. Já houve quem dissesse que nunca a terra tremeu tanto como nestes nossos dias, nos quais as orações que pedem a Deus proteção contra tragédias naturais foram abandonadas; não saberia dizer se é verdade. Mas saberia dizer, sim, que é útil pedir a Deus proteção contra as intempéries da natureza, e que não o fazer faz falta aos homens de hoje. E só o percebemos quando a terra treme, quando o mar se levanta revolto e engole cidades, quando os ventos raivosos destroem tudo. A fulgure et tempestate, libera nos, Domine – bem que poderíamos rezar mais vezes.

E não havia também escrito antes sobre a morte da Dra. Arns por não querer ser injusto ou leviano. Aliás, até mesmo agora tenho medo de o ser. Não morro de amores pela família Arns e não posso, em consciência, dizer que a mesma é um exemplo de fidelidade a Cristo e à Igreja. Por outro lado, também não posso, em consciência, negar a beleza do trabalho feito pela dra. Zilda Arns com a Pastoral da Criança, bem como naquilo que foi dito pelo Reinaldo Azevedo e que, na minha opinião, é a forma como ela gostaria de ser lembrada: “era contra o aborto e se opunha à aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias”. Daria um belo epitáfio.

Podem dizer que isso, sozinho, é meramente uma obra naturalista, sem valor sobrenatural. É verdade. Não quero canonizar desde já, no calor da comoção, a irmã do Cardeal Arns. No entanto, seria estúpido e profundamente injusto negar a importância do trabalho desta mulher para as crianças do Brasil e do mundo. A caridade verdadeira e a mera filantropia – concedamos! – podem ser materialmente indistinguíveis. Mas, se a distinção entre ambas é formal, torna-se temerário questionar de maneira leviana as intenções da dra. Zilda, as quais são somente de Deus conhecidas. Diante do Justo Juiz, cada um vai comparecer com as próprias culpas e as próprias boas obras, não as da família. E, boas obras, é indiscutível que Zilda Arns possui.

Disse acima que a perda de uma médica brasileira parecia pequena perto da multidão de mortos no terremoto do Haiti. No entanto, sem querer, absolutamente, relativizar a dor das famílias cujos membros sofrem no Haiti, seria também de uma injustiça atroz não lembrar, de modo particular, a dra. Zilda Arns. É importante dizer que a perda desta médica em particular, da fundadora da Pastoral da Criança, é sem dúvidas grande. Ela era contra o aborto, e era corajosamente contra o aborto; e, hoje em dia, isso faz falta.

E, para o cúmulo da hipocrisia, Lula e Dilma vão ao velório de Zilda Arns em Curitiba. O mesmo presidente Lula que desistiu de fazer novas mudanças no decreto e, assim, vai manter o compromisso do Governo com a descriminalização do aborto. Volto a citar o Reinaldo Azevedo: “Enquanto a esquerda de gabinete celebrava a sua tara pela morte naquele decreto vagabundo, Zilda celebrava a vida no Haiti. Os contrastes são ainda mais evidentes: enquanto ela morreu para dar a vida — e se opunha ao aborto —, outros viveram para matar, consideram o aborto uma redenção e tentam impô-lo à sociedade como medida de mero bom senso”. É incrível a cara de pau dessa gente.

Que o Deus Altíssimo tenha misericórdia de todos nós, pecadores. Que a Virgem Santíssima, Consoladora dos Aflitos, possa ser em favor dos que sofreram as terríves conseqüências da tragédia no Haiti; e que Ela, Porta do Céu, possa receber o quanto antes na Casa do Pai os que perderam as suas vidas sob a fúria do terremoto.

Requiem aeternam dona eis, Domine,
Et lux perpetua luceat eis.

Requiescant in Pace.
Amen.

“Desmoronadas as igrejas, não desmorona a Fé”

[Fonte: Messainlatino.it
Tradução: Gustavo Souza
]

Desmoronadas as igrejas, não desmorona a Fé.

missa-pos-guerra

Dedicamos esta imagem aos terremotos de Abruzzo: as esplêndidas igrejas daquela cidade estão desmoronadas ou gravemente danificadas. Assim também era durante a guerra mundial em tantos lugares. O edifício está em ruínas, mas nesta velha fotografia vemos uma missa solene celebrada com sobriedade e dignidade, como se realmente fosse a primeira, como se fosse a última, como se fosse a única.

Também entre aqueles escombros, o Rei dos Céus se faz presente, por meio do Seu Sacerdote: um poder inestimável dos ordenados, que nem mesmo os anjos possuem. Também em meio a tantas ruínas e desolação, é possível subir ao altar de Deus, nossa alegria: introibo ad altare Dei / ad Deum qui laetificat iuventutem meam. Na dor e na provação, é justo cantar os louvores do Altíssimo: Confitebor tibi in cithara, Deus, Deus meus. Quando, por fim, não temos mais nada, podemos confiar em Deus: Spera in Deo, quoniam adhuc confitebor illi.

Em uma Missa, também entre tantas angústias [ambasce], o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de nosso Senhor são oferecidos ao Pai pela nossa salvação, pelos nossos pecados, pelas nossas necessidades, em comunhão com toda a Igreja militante, com os beatos e com as almas santas do purgatório. Queremos agora os nossos leitores sacerdotes dediquem aos terremotos de Abruzzo o dom extraordinário das intenções da Santa Missa.