A humanidade que resplandece em meio à dor

O terrível acidente aéreo que nessa madrugada vitimou a delegação da Chapecoense não cessou de nos desconcertar ao longo de todo o dia. É difícil fugir à impressão de que existe uma grande injustiça cósmica por trás do trágico acontecimento: são muitos os níveis de inconformação que existem aqui. Primeiro que toda morte é uma tragédia. Depois, a morte na juventude, quando se tem toda a vida pela frente, é ainda mais trágica e mais incômoda. Dentre todas as mortes trágicas, parece que as envolvendo acidentes aéreos nos perturbam sobremaneira: talvez porque elas muitas vezes se devam ao mais brutal acaso, ou talvez porque revelem a nossa impotência diante do inevitável. Mais ainda: nem todo acidente destrói uma instituição inteira! A morte de um ou dois jogadores seria, lógico, sempre uma tragédia; mas a morte de praticamente o time inteiro é uma catástrofe de dimensões tão grandes que nos deixa pasmos e perdidos. E há, por fim, o momento em que sobreveio o acidente: a Chapecoense vinha de uma campanha belíssima de esforço e determinação, havia heroicamente conquistado uma vaga na final da Copa Sul-Americana e se preparava para disputar o seu primeiro troféu internacional. Tudo isso junto nos comove e atinge de uma maneira particular: este acidente não é igual aos outros acidentes. Sim, pessoas morrem todos os dias e todas as vidas são infinitamente valiosas, é óbvio; mas é forçoso reconhecer que a comoção que a queda do vôo 2933 da LaMia nos provoca não é artificial ou fabricada, ao contrário: tem uma justa razão de ser.

As grandes tragédias não deixam nunca de proporcionar terreno fértil para toda sorte de irresignação: hoje não é diferente e hoje não há nada de diferente a se dizer. As mesmas reflexões que foram feitas aqui quando da queda do vôo 447 da Air France continuam valendo: a dor é parte indissociável da existência humana e o que Cristo prometeu à humanidade foi o consolo nos tormentos, não imunidade contra os males da terra. A Fé não implica em uma insensibilidade diante dos sofrimentos, mas ao contrário: aqueles que têm Fé os sentem em toda a sua intensidade, mas são capazes de os colocar na perspectiva da Cruz de Nosso Senhor. É isto o que ensina a Salvifici Doloris, é desse ponto central do Cristianismo que o mundo moderno padece tanta falta.

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Os pequenos heroísmos aparecem de maneira tão mais admirável quanto mais impiedosamente a dor se expande por pessoas que em princípio nem teriam muita proximidade com os envolvidos na tragédia. É edificante, por exemplo, ver Alan Ruschel — um dos poucos sobreviventes do acidente — dar entrada no hospital pedindo à equipe médica que tome cuidado com a sua aliança de casamento. Pode parecer uma preocupação extemporânea com um bem material, mas é exatamente o contrário: uma aliança não é nunca um bem material e sim uma realidade espiritual, e ela não vale senão na medida em que simboliza um compromisso de uma vida. O valor da aliança (como o de qualquer outro símbolo) não está no símbolo em si, senão naquilo que é simbolizado.

E é diante da morte que as coisas são colocadas em perspectiva e as mais importantes ressaltam com um fulgor todo próprio, não raro escondido sob a monotonia do quotidiano: olhar no fundo dos olhos da Morte e ser capaz de pensar na família é um exemplo que nos inspira, e bem faríamos em trazê-lo sempre diante dos olhos e em praticá-lo todos os dias — sem que nos seja necessário passar por tudo aquilo que passou o lateral da Chape. Se tem algo que aprendemos com as tragédias é que a vida é frágil e preciosa. Não sabemos até quando nos será concedido vivê-la; temos, portanto, o dever de fazer dela o melhor possível.

O futebol não tem a fama de ser a ocupação mais virtuosa do mundo: mas a imensa corrente de solidariedade à qual acorreram hoje os mais diversos times do mundo mostra que o ser humano é sempre o ser humano e, portanto, onde quer que ele esteja, ele consegue fazer refulgir aquela imagem de Deus que nem o Pecado Original foi capaz de apagar. Nada surpreendentemente, parece ser sempre possível encontrar virtude — mesmo que em lampejos — em tudo o que é propriamente humano: mesmo em meio às maiores contradições, o homem está condenado a arrastá-la sempre atrás de si. É a vitória da Criação sobre a Queda, ilustrada de maneira admirável de onde menos se esperaria.

Uma coisa em particular me chamou a atenção nessa história, e foi a declaração do técnico da Chapecoense após o último jogo, poucos dias atrás: “Se eu morresse amanhã, morreria feliz”. Caio Júnior estava provavelmente no ápice da sua carreira e demonstrava uma serenidade, uma placidez, uma tranquilidade no trabalho bem realizado que — mais uma vez — muito nos tem a ensinar. Se existe a santificação no exercício do próprio trabalho, penso que ela se reveste desse ânimo com o qual o treinador da Chape levou o seu time a Medellín. Oxalá cada um de nós pudéssemos cumprir assim as nossas obrigações.

Enfim, a morte é sempre uma tragédia, principalmente quando vem de surpresa — e rezar pelos que sofrem é obra de misericórdia cristã a que estamos sempre obrigados. Que a Virgem Santíssima possa interceder pelas vítimas do vôo 2933! Que Ela alcance a misericórdia de Deus para os que partiram; aos que ficaram, o consolo necessário para continuarem as suas vidas em meio a este Vale de Lágrimas. Com o melhor que tiverem. Até a Pátria Definitiva.

Há tragédias em que não há mártires e monstros

É bastante lamentável, sob quaisquer aspectos, este assassinato seguido de suicídio no seio de uma família em Goiânia. Pelo que dizem as notícias, o pai se desentendeu com o filho porque ele — contra a vontade do pai — participava das invasões às universidades que estão ocorrendo no Brasil inteiro. O pai, depressivo, não aceitava; na última terça-feira, após uma discussão, perseguiu o estudante e disparou contra ele, na rua, atirando em si mesmo logo depois. Ambos morreram.

Já tratei aqui, obliquamente, sobre as invasões quando falei da ocorrida na Faculdade de Direito do Recife. Disse então que elas eram inadmissíveis por mais nobres que fossem as intenções dos estudantes, porque os fins não justificam os meios e não se pode admitir que crimes sejam instrumentos para manifestar discordâncias políticas. Por uma “causa nobre” — ou pelo menos por uma causa que acreditavam nobre — bombas foram explodidas em aeroportos brasileiros e pessoas sequestradas passaram anos mantidas em cativeiro nas selvas da Colômbia. Todo mundo acredita que a causa pela qual está lutando é nobre, obviamente; não fosse assim, nem se daria ao trabalho de lutar.

Aqui, na tragédia do pai que matou o próprio filho, não se trata contudo de desavença política. A coisa mais asquerosa foi encontrar, no Facebook, pessoas aproveitando a desgraça para dividir a sociedade entre mártires e monstros — com os “progressistas” desempenhando o primeiro papel, é lógico, e os “reacionários” o último. Contra estes é preciso dizer, com firmeza, duas coisas. Primeiro que é totalmente de se censurar esta tentativa de capitalizar politicamente uma tragédia que ceifou duas vidas humanas, levantando a bandeira das próprias posições ideológicas sobre os cadáveres ainda quentes de dois familiares e a dor atavicamente apartidária dos parentes e amigos.

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Segundo que a posição conservadora não parte dos mesmos pressupostos que movem sequestradores de civis e esbulhadores de prédios públicos. Para os que acham que seus ideais justificam a violação (p. ex.) do direito de ir-e-vir alheio pode ser tentador imaginar que, para um pai que discorda das posições políticas do filho, o assassinato seja uma opção a se considerar; isto, no entanto, diz mais sobre os que insinuam a tese do que sobre os seus desafetos. A sugestão é injuriosa e não corresponde à verdade: prova-o o próprio desenrolar dos fatos em cada caso.

Os invasores de escolas orgulham-se de sua “resistência”, jactam-se dos crimes que cometem. Em momento algum demonstram mudança de opinião ou arrependimento: em todos os seus atos são de uma convicção férrea. Fazem, assumem que fazem e dizem que fariam de novo. Nisso não se distinguem dos revolucionários que explodem civis ou cometem justiçamentos contra seus companheiros. A incapacidade de sentir remorso é talvez a marca mais brutalizadora da mentalidade revolucionária.

Coisa completamente diversa ocorreu em Goiânia. Aqui o crime não é ativismo; não é uma técnica calculada para atingir determinado objetivo político. Aqui é um crime passional por excelência, onde o pai, desequilibrado, tem um momento de loucura, um ímpeto de fúria e mata o próprio filho. Não suportando o horror, mata-se logo em seguida: o arrependimento é tremendo e chega ao extremo do atentado contra a própria vida. É uma tragédia verdadeiramente lancinante e, por isso, humanamente trágica. Não tem, em absoluto!, a coloração político-ideológica que lhe querem atribuir os abutres das redes sociais.

Uma família foi destruída e, diante disso, o senso de humanidade mais comezinho reclama um armistício. Não foi um “jovem revolucionário” brutalizado por um “velho conservador”, não foi a “velha direita” assassinando a “nova esquerda”: foi um pai que perdeu um filho e se perdeu, foi uma mãe que perdeu de uma vez só marido e filho. Que o ódio cego emudeça diante da dor; que, pelo menos dessa vez, não deixemos que as afinidades ou desavenças ideológicas prevaleçam sobre os laços de sangue e afeto. Uma Ave-Maria pelos que se foram e pelos que ainda têm de ficar! Que Deus tenha misericórdia dessa família e de todos nós.

Curtas: Tragédia em Santa Maria e Renúncia do Papa

Dois pra lá e dois pra cá.

Tragédia em Santa Maria I, D. Fernando Rifan: «Comovidos e chocados, choramos os jovens da boate de Santa Maria, rezamos por eles e lamentamos as graves negligências que causaram o desastre. Mas cabe uma reflexão de caráter geral: nos noticiários após a tragédia, pôde-se conhecer a imensa quantidade de boates ou casas noturnas que pululam nas cidades e como milhares de jovens as frequentam. E, segundo o testemunho deles, tomam bebidas alcoólicas antes, durante e depois das baladas, sem falar em outras drogas que aparecem nesses ambientes. Assim fica muito difícil ter bons reflexos em situações de perigo. Sexo, bebidas, drogas etc.: é só assim que se divertem nossos jovens? É dessa maneira que teremos uma juventude responsável, sadia, honesta e feliz, da qual virá o futuro? É só no pecado que conseguem se alegrar?»

Tragédia em Santa Maria II, pe. Anderson Alves: «Mais esse tipo de perguntas mostra algo mais sério: uma espécie de ateísmo prático que toma conta do modo de pensar e de agir de uma parte da nossa população. Esse tipo de ateísmo superficial e emotivo consiste em viver como se Deus não existisse e, quando ocorre alguma tragédia, joga-se a culpa toda em Deus, para assim minimizar as responsabilidades dos verdadeiros culpados. E quem o faz, nem se dá ao trabalho de se perguntar como é possível que um Deus que não existe, seja o responsável por todas as tragédias humanas. Prefere-se crer num ateísmo prático e aparentemente cômodo no qual se procura viver em total autonomia de Deus, da verdade e da moralidade e se espera que, nas situações de risco, Deus abra milagrosamente uma “saída de emergência” para livrar ao homem de qualquer perigo.»

Renúncia do Papa IProf. Hermes Rodrigues Nery: «E a Igreja tornou-se “perita em humanidade” justamente porque tem paciência. Afinal, já são vinte séculos de percurso. E toda vez que ela foi fiel à Tradição (aos preceitos da Sagrada Aliança), a sua história foi exuberante. (…) Assim como Jesus deu o exemplo, a Igreja ergueu a humanidade a níveis elevados de civilização quando soube ser força de resistência e levantar o olhar para a destinação última do homem: estar ou não com Deus.»

Renúncia do Papa II, D. Fernando Rifan: «Ao lado do heroísmo do Beato João Paulo II de levar o sofrimento pessoal até o fim, temos o grande heroísmo de Bento XVI de renunciar por amor à Igreja, para evitar qualquer sofrimento para ela. No começo da Igreja, no tempo das perseguições, houve cristãos que resolveram ficar onde estavam e enfrentar o martírio. Exemplo de fortaleza. Houve outros cristãos, que temendo a perseguição e a própria perseverança, acharam melhor fugir da perseguição e se refugiar no deserto, para rezar e fazer penitência, longe do mundo. Exemplo de humildade. Houve santos de ambas as posturas, os que enfrentaram e os que se retiraram. Heroísmo de fortaleza e heroísmo de humildade, frutos da Fé. A Igreja é feita de heróis da Fé!»

A falta de senso dos maus religiosos e dos ateus fanáticos

Ainda sobre a tragédia ocorrida na madrugada deste domingo em Santa Maria, preciso fazer mais dois comentários sobre as atitudes nonsense que algumas pessoas tiveram diante da catástrofe.

Primeiro: alguns religiosos ignorantes vieram a público insinuar que o incêndio fora um castigo de Deus (veja-se, p.ex., aqui e aqui) por conta dos pecados daqueles jovens. Ora, que me conste, ninguém tem procuração do Todo-Poderoso para afirmar peremptoriamente qual a motivação dos Seus atos em cada caso concreto – de modo que uma afirmação assim configura, no mínimo, um juízo temerário. Depois, escrever este tipo de coisa em público é uma tremenda falta de sensibilidade para com os familiares das vítimas, que já estão sofrendo o suficiente com a perda dos seus entes queridos.

Por fim, semelhante julgamento é fruto de um orgulho demoníaco. Contra aqueles que gostam de encontrar, entre vítimas de tragédias, pecadores maiores do que si próprios, Nosso Senhor já respondeu com bastante clareza nas páginas do Evangelho. São Lucas nos narra o seguinte episódio:

Neste mesmo tempo contavam alguns o que tinha acontecido a certos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios.

Jesus toma a palavra e lhes pergunta: Pensais vós que estes galileus foram maiores pecadores do que todos os outros galileus, por terem sido tratados desse modo? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo.

Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram mais culpados do que todos os demais habitantes de Jerusalém? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo.

Lc XIII 1-5

A passagem é suficientemente clara para não permitir tergiversações. Os jovens que morreram tragicamente na boate de Santa Maria não eram mais pecadores do que os outros jovens da cidade; dizer o contrário é ser leviano. Qualquer um pode encarar a tragédia como um castigo de Deus (a este respeito, veja-se aqui e aqui), mas não tem legitimidade alguma para julgar que os que nela pereceram fossem piores do que os que ficaram vivos. Afinal de contas, para todos nós, se estamos vivos hoje, é por graça e misericórdia de Deus. Se incêndio fosse castigo para pecadores, eu próprio já teria morrido queimado há muito tempo.

Segundo: como não existe nada feito por um religioso que um ateu não possa fazer mil vezes pior, o perfil do Facebook da ATEA aproveitou a tragédia de ontem para fazer um estúpido e insensível proselitismo irreligioso. Depois apagaram a imagem sem dar maiores satisfações; mas o pessoal do Anti-Ateísmo guardou. É a imagem seguinte, que aqui vai (naturalmente) cortada na parte de baixo em respeito às vítimas da tragédia de Santa Maria – respeito que os ateus do Facebook não tiveram quando a publicaram ontem integralmente [p.s.: na verdade, parece que a foto era de um outro incêndio fora do país, mas a imagem estava sendo compartilhada como se fosse da boate em Santa Maria – e, independente da fonte exata das imagens, a cretinice da exploração do sofrimento alheio para se fazer piada e propagação do ateísmo permanece]:

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Se é errado insinuar que as vítimas do acidente eram mais pecadoras do que a média, é muitíssimo mais errado expôr triunfalmente, em tom zombeteiro, os corpos empilhados para “provar” que Deus não existe. E esta estupidez foi feita pela mesmíssima página que criticou (acertadamente, como falei acima) uma foto que atribuía a tragédia aos pecados dos jovens, dizendo ser isto «[o] [t]ipo de coisa que vc nunca verá um ateu falando». De fato, isto eles não falam, mas falam mil vezes pior quando expõem os corpos amontoados para fazer piada sobre a existência de Deus! Se havia ainda alguma dúvida sobre a estreita correlação entre ateísmo e deficiências morais gravíssimas, o debate está encerrado: a ATEA acabou de demonstrá-la com eloqüência.

Mas fechemos um pouco os olhos à falta de alfabetização de quem nomeia uma página do Facebook como “Ateu Porquê o inferno é piada” e não sabe separar por vírgula o vocativo do restante da oração. Levemos a sua pergunta a sério: cadê Deus, enquanto jovens morrem (às centenas!) asfixiados por fumaça em um incêndio?

Deixemos de lado as respostas acadêmicas mais eruditas e respondamos simplesmente: Deus está na Cruz! Está ferido e sangrando, suspenso num madeiro, para provar que não é insensível aos sofrimentos humanos. Está agonizando, humilhado e sozinho, para fazer-Se próximo das mazelas dos homens como nunca ninguém foi capaz de se fazer. Está morto, nos braços da Virgem Santíssima aos pés da Cruz, para mostrar que Ele entende a injustiça, a morte, a dor e a perda de uma maneira muito mais profunda do que os homens são capazes de entender. Nenhuma página de dor da história da humanidade é alheia a Nosso Senhor Jesus Cristo, e nenhum sofrimento humano é necessariamente vão. O «Evangelho do Sofrimento» – para usar a bonita expressão da Salvifici Doloris – «vai sendo escrito, sem cessar, e fala constantemente com as palavras deste estranho paradoxo: as fontes da força divina jorram exactamente do seio da fraqueza humana» (SD, 27). E ainda: «[q]uanto mais o homem se vê ameaçado pelo pecado, quanto mais se apresentam pesadas as estruturas do pecado que comporta o mundo de hoje, maior é a eloquência que o sofrimento humano encerra em si mesmo e tanto mais a Igreja sente a necessidade de recorrer ao valor dos sofrimentos humanos para a salvação do mundo» (id. ibid.).

Aos que hoje choram, que lhes conforte saberem que, um dia, Deus também chorou. Aos que hoje sofrem, que lhes alivie saberem que, um dia, também Deus sofreu. Quanto aos maus religiosos e ateus fanáticos, que se calem diante da dor alheia – ao menos por consideração aos que sofrem -, já que não são capazes de fazer nada para mitigar-lhes o sofrimento. Ao menos, que não atrapalhem. Se não querem se unir ao coro dos que proclamam o Evangelho de Deus, ao menos que dêem livre trânsito à mensagem que pode efetivamente ajudar aos que sofrem.

E a mensagem é esta: eles têm Alguém que chore junto com eles, porque sofre também! Não estão sozinhos: têm Quem compartilhe com eles a dor, a tristeza e as lágrimas, como se fossem Suas. Porque são Suas, mais ainda do que deles. O alcance místico dos sofrimentos de Cristo na Cruz não conhece limites de tempo ou de espaço: os gritos de dor d’Ele perpassam os séculos e as fronteiras e atingem a cada homem nesta terra, de modo que cada pessoa, desde aquele Dia terrível do Calvário, onde quer que esteja e qualquer que seja a situação pela qual esteja passando, pode ter a mais absoluta certeza de que não sofre sozinha. Este é um conforto que só o Cristianismo é capaz de proporcionar. Esta é uma verdade da qual ninguém deve ser privado.

Tragédia em Santa Maria, no Domingo da Septuagésima

Hoje de manhã eu estava na igreja, em silêncio, aguardando a entrada do sacerdote e o início do Santo Sacrifício da Missa. De repente, o toque da sineta anuncia a pequena procissão de entrada; acto contínuo, as vozes do pequeno coral enchem o templo. Conheço aquele canto; já não o ouvia, creio, desde a Quaresma do ano passado. Reconheci-o hoje e me enchi de compunção.

Attende Domine, et miserere, quia peccavimus Tibi. Ainda não é Quaresma; mas já a Sagrada Liturgia se reveste de roxo, e já os cânticos penitenciais tomam conta dos nossos Domingos. «Ouvi[-nos], Senhor, e tende misericórdia, porque pecamos contra Ti»; esta súplica, tão desgastada pelos séculos, ainda consegue nos comover. E a nós resta a esperança de que o coração do Altíssimo também se deixe tocar por estes versos que já Lhe foram incontáveis vezes dirigidos. Há um capítulo específico da História da Salvação para cada alma que passou por este mundo; e o que existe de extraordinário nisso é que Deus, justamente por ser Deus, consegue escutar estes nossos pedidos já tão gastos como se eles fossem as primeiras palavras amorosas balbuciadas pelos Seus filhos muito amados. Bastando, para isso, que nós nos acheguemos a Ele com um coração inocente, com aquele coração de criança sem o qual o Evangelho garantiu que não poderíamos entrar no Reino de Deus.

Já é Septuagesima, já começa a morte da Liturgia que chegará a seu cume na Semana Santa. Ainda nem é Carnaval e a Igreja já nos acena com a Quaresma; ainda nem nos despedimos do Tempo Comum e já somos privados do Gloria in Excelsis Deo dominical! Esta é a beleza da orgânica harmonia da vida litúrgica católica: cada tempo é precedido pelos seus sinais, e cada acontecimento importante ensaia seus passos mil vezes antes de subir ao palco da vida.

Voltei para casa e, ao chegar na internet, descobri que o mundo real nem sempre é tão benevolente quanto a Liturgia da Igreja; no mundo real, as tragédias por vezes chegam de supetão, qual relâmpago em céu claro, de surpresa, sem avisar e sem dar tempo para que nos preparemos. No interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria, centenas de pessoas morreram em um incêndio ocorrido na madrugada deste domingo numa boate. No momento em que escrevo estas linhas, o número de mortos já chega a 233; outras centenas estão hospitalizadas, em estados mais ou menos graves.

O número de mortos me espantou: no Brasil, acidentes aéreos não provocam tantas vítimas assim! E a tragédia assume contornos ainda mais dolorosos quando pensamos que, provavelmente, são jovens que perfazem a maior parte destas vítimas. Jovens com uma vida inteira pela frente, ceifada de modo estúpido pelas chamas que iluminaram lugubremente Santa Maria nesta madrugada. Se cada alma tem a sua história de salvação particular, certas páginas dolorosas, lidas de fora, deixam-nos perplexos. Não as entendemos; e por vezes o máximo que podemos fazer é cair de joelhos e suplicar a Deus misericórdia.

O texto do Fabrício Carpinejar sobre a tragédia foi muito comovente; mas momentos assim já naturalmente provocam comoção. As palavras chegam a ser supérfluas, por vezes até ofensivas. A situação toda já é de uma brutalidade atroz; custa-me acreditar que, no meio do incêndio, havia seguranças da boate «impedindo as pessoas de saírem para que pagassem o cartão de consumação». Isto chega a ser surreal; mas os corpos amontoados, esperando identificação, são angustiantemente reais. No Rio de Janeiro, um bloco de carnaval católico foi transformado em procissão de homenagem às vítimas da tragédia. Por toda a internet multiplicaram-se mensagens de luto pelos mortos e de apoio aos familiares que perderam seus entes queridos. Ao menos é reconfortante saber que o ser humano ainda é capaz de se solidarizar com a dor dos seus próximos, mesmo quando estes próximos estão a centenas ou milhares de quilômetros de distância. Na dor, nós ao menos descobrimos o quanto ainda somos humanos.

Quem quiser ajudar de modo mais concreto pode conferir o guia que o Zero Hora preparou. E todos, independente de onde estejam ou da situação na qual se encontrem, podem ajudar elevando uma prece a Deus pedindo o descanso eterno para os falecidos e o conforto para os que ficam. Miserere, Domine! Que a Virgem Santíssima, cujo nome foi dado à cidade onde aconteceu a tragédia, possa olhar com maternal solicitude para todas as vítimas deste incêndio. Que Ela console os que choram a perda dos seus filhos, irmãos e amigos; e que possa receber nas Moradas Celestes os que pereceram entre as chamas do acidente terrível.

Furacão Sandy espalha a destruição: mas a Consoladora dos Aflitos permanece em pé

Furacão Sandy chega aos Estados Unidos e provoca terríveis estragos em seu caminho. Cercada de dor e de destruição, em meio aos escombros, eleva-se incólume uma imagem da Virgem Santíssima, Nossa Senhora das Graças, como a mostrar que a Fé é maior e mais forte do que as tragédias humanas. A interceder pelo povo dos Estados Unidos: como a dizer que os furacões passam, mas existe uma Mulher que permanece de pé mesmo quando tudo desmorona ao redor.

Rezemos por aqueles sobre os quais se abateu esta catástrofe! Que Maria Santíssima lhes possa valer com Sua poderosa intercessão no meio da fúria da natureza; que, olhos fitos n’Ela, os que sofrem a ira do furacão possam encontrar a esperança necessária para superar as dificuldades presentes e transformá-las em sacrifício de valor sobrenatural para a Vida Eterna. Que Deus ajude a América.

Tragédia em Realengo

Provocou enorme comoção a tragédia acontecida na semana passada em uma escola do bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, onde um sujeito – ex-aluno do colégio – entrou no prédio e matou friamente onze crianças, tendo deixado outras treze feridas.

Eu soube do caso logo na quinta-feira, do trabalho. Lembro-me de que me chocou sobremaneira uma simples e terrível frase, jogada displicentemente entre as linhas das matérias: o homem havia “recarregado as armas várias vezes”.

Este simples fato revela uma frieza que foge à compreensão e aumenta a revolta. Ele não chegou correndo e descarregando metralhadoras, atirando a esmo. Ele escolheu as suas vítimas, uma a uma, na maior parte meninas (dez mortas e dez feridas); atirou para matar, na cabeça ou no peito, e de forma tão fria e deliberada que se permitiu recarregar os revólveres enquanto mantinha as crianças e funcionários da escola sob terror intenso, sob verdadeiro pânico! Uma coisa é um crime passional; outra, um crime premeditado. Uma terceira coisa é um crime premeditado cometido “com pausas”, com interrupções para recarregar as armas do crime, com tempo o bastante para se pensar calmamente no que se está fazendo e, mesmo assim, não abrir a menor brecha para nenhuma espécie de arrependimento – não vacilar nem por um instante. E, se os primeiros casos são bárbaros e injustificáveis, este último consegue ser ainda pior. É estarrecedor.

Várias interrogações surgem quando nos deparamos com uma tragédia destas proporções – interrogações das mais diversas. Pode-se perguntar onde estava Deus naqueles momentos terríveis. Pode-se aproveitar a comoção para fazer lobby político barato a favor do desarmamento dos cidadãos de bem. Pode-se questionar quais as motivações de um crime tão hediondo. Mas existe também uma pergunta emblemática que um amigo me fez e que, creio, merece consideração.

Como é possível que diversos adolescentes de doze, treze ou catorze anos (sem falar nos funcionários da escola!) tenham ficado inertes enquanto um único sujeito calmamente os matava um a um? Como é possível que ninguém tenha reagido? Que o medo intenso provoque reações imprevisíveis nas pessoas – podendo levá-las inclusive a ficarem paralisadas – é algo perfeitamente aceitável; que, no entanto, ninguém, nem uma única pessoa, tenha cogitado pular em cima do desgraçado para detê-lo e (quiçá às custas da própria vida, mas a situação era extrema) salvar os demais, é algo extremamente preocupante. Revela de maneira trágica o triste estado de passividade no qual se encontra a nossa população.

“Eram crianças!”, alguém pode dizer. Muitas aspas aqui! Aos doze anos, São Luís já era rei da França. E, depois, não existem crianças sozinhas em um colégio: certamente havia também professores e funcionários. Eu entendo perfeitamente que nem todo mundo seja como São Luís, mas o porquê de não haver uma única pessoa a demonstrar um mínimo de senso de sobrevivência, eu não consigo entender. Não era simplesmente um assalto ou um seqüestro, o bandido estava matando pessoas lenta e sistematicamente, mesmo sem que elas reagissem! Ninguém pensou que, se é para morrer nas mãos de um louco, é melhor – ou, vá lá, é menos ruim – morrer agarrando-se à vida, morrer lutando, morrer tentando não morrer?

Isto é inexplicável, é dramático, é triste, é profundamente triste. O Papa Bento XVI se disse “profundamente consternado” com a tragédia, e isso não é exagero retórico. Na verdade, creio não haver palavras para exprimir como todos nós, no Brasil e no mundo, nos sentimos ao tomar conhecimento deste atentado estúpido e covarde.

Mais uma vez, em uma escola… O vídeo abaixo foi feito pelo Diogo Cysne, e relembra algumas tragédias similares acontecidas anteriormente ao redor do mundo, às quais é impossível não fazer referência quando se toma conhecimento do que aconteceu em Realengo.

Que nós possamos “construir uma sociedade fundada sobre a justiça e o respeito pelas pessoas”: este foi o desejo expresso pelo Sumo Pontífice e não se trata simplesmente de uma frase de efeito. É uma necessidade premente. Tragédias assim são terríveis máculas que, quando pensávamos que iriam ser superadas e se transformar em páginas de vergonha da história da humanidade, insistem em voltar a acontecer. Que Deus tenha misericórdia de nós! Que a dor possa nos fazer despertar para a necessidade de sermos melhores. Que as vítimas desta tragédia possam descansar em paz. E que todos os amigos e familiares possam, ainda que contra todos os prognósticos, manter a esperança e superar da melhor forma possível este lamentável episódio ocorrido na Cidade Maravilhosa.

Stabat Mater!

Publico a imagem que recebi por email; refere-se a esta notícia. Um ano atrás, a cruz intacta no terremoto do Haiti era exibida no Fantástico; esta imagem da Virgem Santíssima eu não sei se passou no horário nobre da Globo, mas o paralelo é notável. Stabat Mater! Do Jornal do Brasil acima citado:

A explicação para a imagem leve, feita de gesso, ter resistido, sem se mover de dentro do oratório onde estava, à mesma lama que arrastou carros, casas, pessoas e árvores é taxativa: milagre. A imagem de Nossa Senhora das Graças foi rebatizada pelos moradores de Nossa Senhora do Vale do Cuiabá, e ficou “para abençoar aqueles que também ficaram”, garante a professora Inês Damasceno.

A imagem permaneceu incólume à fúria da natureza. Quem é Esta, a Quem até as águas e os ventos deixam em paz?! Eis a foto:

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Que a Virgem Santíssima rogue por todos nós.

“Eu odeio o nordeste”

Hoje, choveu – forte – em Recife. Impossível não lembrar da tragédia ocorrida há apenas duas semanas, das enchentes em algumas cidades do interior de Pernambuco e de Alagoas, cujos efeitos ainda se fazem sentir até hoje (e, aliás, sem dúvidas permanecerão por muito tempo). O Nordeste não se recuperou ainda – nem mesmo materialmente – da cheia cuja imagem está ainda bem nítida na memória.

E, também hoje, eu soube da comunidade do Orkut que estava “declara[ndo] ódio às vítimas das enchentes do Nordeste”. Completa falta de respeito e até mesmo da sensibilidade mais elementar, sem nenhuma sombra de dúvidas. Fiquei, no entanto, impressionado com as proporções que a coisa tomou.

No site do Diário de Pernambuco tem uma imagem da comunidade. A “Eu odeio nordestino” tem o incrível número de… 264 membros! Não sei se todos os que me lêem têm noção do que significa o número, em proporções do Orkut: é praticamente nada, de uma irrelevância absurda. Procurei-a agora: é esta aqui. O topic polêmico que ganhou as manchetes Brasil afora foi deletado, mas a comunidade ainda está lá. E, em um outro topic, um dos moderadores da comunidade resolveu desabafar:

Se o ministerio publico quiser eu apareço…

em pessoa… nao tenho medo de nada e nem devo nada a ninguem

eu e os demais membros dessa comunidade somos cidadaos de bem
que pagamos nossos impostos e estamos inconformados com a situaçao de nossa cidade… que piora a cada dia que passa com favelas, mendigos defecando no meio da rua, aumento dos crimes, gente sem educaçao que impoe sua cultura

nos somos oprimidos em nossa propria terra

e nao podemos falar nada que fazem todo esse escandalo

existem comunidades que odeia paulista , sulista, argentino.. e etc

porque nao podemos fazer o mesmo ?? sera que os nordestinos sao superiores ??

e nota…
que materiazinha mais estupida essa do uol… aqui tem enchente direto
e os nordestinos sempre tiram sarro da gente e nos nao podemos falar nada ??

santa ipocresia

Sinceramente? Está-se dando muita atenção a um semi-analfabeto, e fazendo muito estardalhaço em cima de bravatas de internet. É óbvio que as coisas originalmente faladas foram simplesmente cretinas, de uma completa falta de respeito, de educação e de uma série de outras coisas que são necessárias a uma vida minimamente civilizada. Mas eu acho, sempre achei e, provavelmente, sempre vou continuar achando desproporcional a parafernália de “racismo”, “polícia federal”, “crime inafiançável”, “ministério público”, “atentado à democracia” e coisas do tipo para este tipo de delito. Obviamente são completos idiotas os autores dos comentários que tanta revolta provocaram Brasil afora; mas se a primeira pessoa de bom senso a topar com o topic o tivesse simplesmente denunciado ao Orkut ao invés de conferir visibilidade nacional a uma comunidade de míseras duas centenas de membros, acho que as coisas teriam sido mais fáceis e menos traumáticas.

Agora, as ofensas de meia dúzia de gatos pingados que, em situações normais, nunca iriam ultrapassar as fronteiras da própria “panelinha” de preconceituosos de internet, foram veiculadas por todo o território nacional. Por acaso valeu a pena?

Em tempo: SOS Pernambuco ainda está valendo. Como eu disse no início do post, hoje choveu em Recife. Que Deus tenha misericórdia de nós.

Stat Crux!

Foto: Globo

Vi no Fantástico. É um vídeo que mostra os primeiros instantes após o terremoto que devastou o Haiti na terça-feira passada. A igreja que aparece em ruínas é a do Sacré Coeur de Tugeau, em Porto Príncipe, onde estava a doutora Zilda Arns. A única coisa que ficou de pé foi o crucifixo.

O vídeo pode ser visto aqui. As imagens foram feitas pelo soldado Luís Diego Moraes. Dá pra ver as pessoas passando pela rua e se ajoelhando diante da igreja em ruínas, onde a cruz permaneceu intacta. No meio do terremoto, da poeira, das ruínas, da dor e do sofrimento, a Cruz permaneceu de pé. Stat crux – como dizem os cartuxos – dum volvitur orbis. Enquanto o mundo desmorona. Como a nos mostrar qual é o único apoio seguro. A única tábua de salvação em meio à catástrofe. O único alicerce sólido nas adversidades.

Ave, Crux, spes unica! Que o Crucificado possa dar sentido ao sofrimento. Que as pessoas possam, em meio à dor, olhar para a Cruz que se ergue acima da poeira e dos escombros, e n’Ela encontrar o conforto necessário para este momento doloroso.