Viagem à Lua: um hino de louvor a Deus

Ainda a propósito do recente falecimento de Neil Armstrong e da conseqüente onda de redivivo entusiasmo pela viagem à Lua que se levantou nos últimos dias, vale a pena contextualizar alguns acontecimentos daquela época que, não raro, encontram-se distorcidos em alguns ambientes “tradicionalistas”. Refiro-me às declarações feitas então por Paulo VI. A primeira vez que tomei contato com elas foi há muitos anos, no site da Montfort, onde se insinuava – de maneira bem pouco católica, a propósito – que o falecido Pontífice tinha proferido aquelas palavras em um espírito de idolatria ao homem, de exaltação da Cidade dos Homens em oposição à Civitas Dei.

Lembro-me que isto à época me impressionou bastante, porque a ida do homem à Lua era freqüentemente apresentada como um fetiche neo-ateísta a demonstrar, de maneira cabal, a grandeza do progresso científico que finalmente havia alçado vôo após se libertar dos cabrestos obscurantistas da Religião. A viagem à Lua era apresentada – e, ainda hoje, muitas vezes é – como um troféu da emancipação humana do seu Criador, como um estandarte resplandecente da Ciência que, enfim, fora vitoriosa sobre a Fé. E neste sentido, é verdade, a declaração do Papa parecia profundamente incômoda, como se ele estivesse enaltecendo precisamente o movimento cientificista cuja pretensão era sepultar a Igreja de Deus.

A verdade, no entanto, é bem outra. Não sei em qual momento exato a aventura lunar foi seqüestrada pelos neo-ateus para lhes servir de objeto de propaganda da Descrença; mas sei que isto é sem dúvidas um fenômeno posterior. Porque, à época, os homens de todos os credos acompanhavam os cosmonautas a uma aventura cujo propósito era não destronar o Altíssimo do Seu Trono dos Céus, mas o de fazer valer o mandamento bíblico de submeter a si a Criação. Acompanhavam-se os astronautas com o mesmo espírito que, séculos antes, motivou as Grandes Navegações; com aquela “não menos certíssima esperança / de aumento da pequena Cristandade” que Camões cantou no início d’Os Lusíadas. A viagem à Lua, historicamente, foi uma obra de arte ofertada pelo homem ao Deus Altíssimo, e não a lança erguida contra Ele que se quis posteriormente apresentar.

Prova-nos isto a própria vida de Neil Armstrong que, como eu falei ontem, jamais viu nenhuma oposição entre ir à Lua e ser capaz de elevar a alma a Deus.

Prova-nos isto um pequeno item do acervo dos Musei Vaticani que eu vi em 2008 quando estive na Città Eterna:

Trata-se de uma pequena bandeira do Vaticano que foi levada à Lua pela Apollo 11 e, quando retornou à Terra, foi presenteada ao povo do país (junto com algumas pequenas pedras lunares recolhidas pelos astronautas).

Prova-nos isto, enfim, o próprio teor dos discursos de Paulo VI (pelos quais ele é acusado de idolatrar o homem):

Messaggio ai cosmonauti Armstrong, Aldrin e Collins (21 de julho de 1969);
Mensagem do Angelus (7 de fevereiro de 1971).

Onde o primeiro começa com um gloria in Excelsis Deo e finda mandando uma bênção aos astronautas (que “expandem até os abismos celestes o domínio sábio e audaz do homem”) e, o segundo, fazendo explícita referência ao mandamento bíblico de “crescer e dominar”, explica a forma como se encarava então a viagem à Lua:

[O progresso humano n]ão é paixão ambiciosa: é resposta à vocação do seu ser [do homem], que com isso mesmo [nello stesso tempo] aprende a ler no cosmo a exigência de um princípio criador e ativo, misterioso, silencioso, eterno e onipotente: sugere-a a própria desoladora miséria – cheia de realidade e de leis – do satélite explorado. Que meditação! O canto encontra no salmo sua palavra sublime: «Os céus narram a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de Suas mãos» (Ps. 18, 2).

Eis, portanto, o que pensava Paulo VI (e, com ele, a maior parte dos homens) a respeito da empresa lunar! O entusiasmo generalizado de então não tinha a conotação cientificista que se observa hoje; ao invés disso, o homem, principe del cielo, usava o seu engenho para realizar-se mais plenamente e, assim, aproximar-se mais de Deus. O homem não se afastou do seu Criador ao pisar na Lua, muito pelo contrário: da imensidão do espaço vazio, os astronautas – e, com eles, todos os homens que da Terra acompanhavam a inaudita empreitada – podiam ouvir com mais clareza os Céus cantarem a glória de Deus.

Morre Neil Armstrong – R.I.P.

Morreu no último sábado (25 de agosto), aos 82 anos, o astronauta Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua. Considerado um verdadeiro herói pelos de sua geração e também pelos das que se lhe seguiram, Armstrong nunca gostou muito deste tipo de fama e era, na verdade, uma pessoa bastante reservada. A notícia reproduzida por G1 fala um pouco desta característica do viajante do espaço: «Armstrong viveu uma vida de reclusão após a Apollo 11. Convidado frequentemente por partidos americanos, ele se recusou a concorrer a um cargo político. Armstrong também raramente era visto em público e quase nunca dava entrevistas, além de não costumar tirar fotos ou dar autógrafos, porque não gostava que eles eram vendidos por valores que ele considerava “absurdos”. Sua única biografia autorizada foi publicada em 2005. Ele também costumava processar empresas que usavam sua imagem sem autorização e doar as indenizações recebidas à faculdade em que se formou».

Dentre os seus muitos feitos dignos de admiração, merece destaque um que li hoje pela manhã no Meio Bit. Era 1966; a viagem à Lua não se concretizara ainda. Armstrong estava em uma missão espacial tripulada com outro astronauta, o David Scott, e testava um procedimento de acoplamento espacial entre duas naves, a pilotada pelos cosmonautas e uma não-tripulada. O acoplamento foi um sucesso; mas, durante o reposicionamento, ocorreu um problema com os foguetes de rotação e a nave não parava de girar. No vácuo, onde não existe ar para oferecer resistência, o resultado foi que o módulo passou a girar cada vez mais rápido, colocando em risco a vida dos astronautas e, muito provavelmente, de todo o programa espacial americano:

Após a conexão, o computador da Agena [nave não-tripulada] iniciou um comando para girar o conjunto das duas naves em 90 graus. O giro foi efetuado, mas não parou. Neil comandou os jatos de manobra e cessou o giro, mas assim que ele parou, o giro voltou. Imediatamente desligaram o Agena, mas alguns minutos depois o giro reapareceu.

Consultando os instrumentos, descobriram que só tinham 30% de combustível nos jatos de manobra da Gemini [nave dos astronautas], e o giro aumentava. O consenso era que havia algo de errado com a Agena. Ejetaram a nave automática, Houston a comandou pra se afastar, nas o giro só aumentou. Sem a massa extra, logo a Gemini girava a 60 rotações por minuto.

[…]

Era evidente que o problema estava na Gemini. A nave se aproximava do limite de integridade estrutural, os astronautas já apresentavam visão de túnel e logo perderiam a consciência. Só havia uma coisa a fazer:

Usando de seu treinamento Neil Armstrong desligou os jatos de manobra, passando para controle manual os jatos de controle de reentrada, um sistema independente que controlaria a posição da nave quando retornasse para a Terra.

Tendo aprendido a pilotar antes de aprender a dirigir, com 78 missões na Coréia e experiência de piloto de testes do X15, Neil Armstrong conseguiu identificar, reverter e anular o giro, revertendo um pesadelo de desorientação espacial, evitando um desastre certo.

Com semelhantes feitos no currículo, não é de se espantar que o astronauta provoque a admiração de milhões de pessoas no mundo afora. Isto é perfeitamente justo: afinal de contas, o que é admirável merece receber admiração, e a impressionante habilidade do primeiro homem a pisar na Lua é um fato incontestável, atestado pelos diversos episódios de sua carreira de astronauta (dos quais o exemplo acima é bem representativo).

O que não é justo é utilizar a ida do homem à Lua para se fazer um idiota proselitismo anti-religioso. E não é justo por uma razão bem simples: historicamente, a corrida espacial não foi utilizada com esta conotação, e transformá-la em um baluarte contra o obscurantismo religioso é falsificar a história e trair o pensamento dos seus protagonistas. O fato é que Armstrong não quis jamais emancipar o homem de Deus e provar que “o homem pode fazer coisas maravilhosas sem ajudas sobrenaturais”. Ao contrário de alguns dos seus fãs, Armstrong não era ateu militante. Ao que consta, aliás, não era nem mesmo ateu ou agnóstico: muito pelo contrário.

O Free Republic nos traz um fato interessante sobre a vida do astronauta, que me permito traduzir:

O astronauta americano foi [certa vez] levado para um passeio na cidade antiga de Jeruslalém, na companhia do arqueólogo israelita Meir Ben-Dov. Quando eles chegaram ao “Hulda Gate”, que fica no topo das escadas que levam ao Monte do Templo, Armstrong perguntou a Ben-Dov se Jesus havia pisado em algum lugar por ali.

“Estes são os degraus que levam ao Templo”, Ben-Dov lhe disse, “então Ele deve ter caminhado por aqui muitas vezes”.

Armstrong perguntou se aqueles eram os degraus originais, e Ben-Dov confirmou que sem dúvidas eram.

“Então Jesus pisou bem aqui”, Armstrong perguntou”. “Exatamente”, respondeu Ben-Dov”.

Ao que Armstrong, o cristão devoto, respondeu: “Eu tenho que lhe dizer, eu estou mais excitando pisando nestas pedras do que quando eu estava pisando na Lua”.

O mundo secular lembra de Armstrong como, entre outras coisas, um engenheiro espacial, um professor de universidade, um piloto de guerra e, naturalmente, como o primeiro homem na história a voltar para a Terra após estar na superfície da Lua.

Mas aqueles que eram mais próximos do famoso astronauta – sua viúva, Carol, seus dois filhos, Erik e Mark (de um casamento anterior), seu irmão e sua irmã, e outros sobreviventes – lembram de Neil Armstrong como um homem de fé.

A Wikipedia anglófona também se refere ao fato, apenas alterando ligeiramente a frase do astronauta: ele teria dito que estava tão excitado naquelas pedras quanto estava quando pisou na Lua [he was just as thrilled to stand on this staircase as he had been when he took his first steps on the moon]. Mas tanto uma forma quanto a outra serve para desmascarar a farsa anti-religiosa. O primeiro homem a pisar na Lua realizou o seu “grande passo para a humanidade” rendendo graças a Deus, e não na atitude de desprezo a Ele que alguns dos seus fãs gostam de adotar. É importante o registro histórico, para respeitar a memória do herói recém-falecido.

A Armstrong, nossas homenagens e nossas orações. Que ele inspire as pessoas a perceberem que progresso científico e religiosidade sincera podem perfeitamente coexistir em uma única pessoa. Que a família e os amigos sejam confortados na dor da perda. Que o primeiro homem a pisar na Lua descanse em paz.