Rascunhos de viagem

Cheguei de viagem. Muitas coisas para fazer, sono atrasado a recuperar, pendências deixadas a serem resolvidas… Mas é mais fácil fazer qualquer coisa quando se está satisfeito com o justo prazer recém-aproveitado.

Aviões e aeroportos são estressantes. Rever os amigos, é rejuvenescedor. Gosto de visitar os lugares já outras vezes visitados; gosto de ver o efeito do tempo nas cidades. O que mudou, o que mudei. Gosto de lembrar.

Lembrei-me, por exemplo, de maio de 2007. Não havia Deus lo Vult!, mas havia Jorge. Ia a São Paulo ver o Sumo Pontífice. Foi a primeira vez que o vi de perto, a primeira vez que lhe ouvi a voz. Na janela do mosteiro de São Bento. Revi a janela, e saboreei a nostalgia: aqui, ouvi Pedro falar.

Algumas fotos de que gostaria não puderam ser batidas. Mas registrei-as com os olhos. Como dentro do mosteiro, na capela do Santíssimo do lado direito, onde o Sucessor de Pedro um dia ajoelhou-se e rezou. Também eu me ajoelhei e rezei: ut inimicos sanctae Ecclesiae humiliare digneris, Te rogamus, Domine, audi nos.

E fui à Catedral. Gótica. No centro de São Paulo. À frente, um herege esbravejava e gabava-se de estar há quinze anos denegrindo a imagem da Esposa de Nosso Senhor e de Sua Mãe Imaculada. Ouvi dizerem que a Igreja matou cinqüenta milhões de cristãos durante a Inquisição; ouvi o “pastor” que pregava dizer, com convicção, que foram mais. É inútil. Tiro o terço do bolso, bato o pó do tênis e dirijo-me à catedral. Rezar em desagravo à Mãe Santíssima. E suplicar ao Altíssimo do fundo da alma pela conversão dos pecadores, liberdade e exaltação da Santa Madre Igreja.

Ando por algumas ruas, ainda sozinho. Sozinho? Nunca. Logo que saí do hotel, na primeira manhã, encontrei aberta a Igreja de Santa Efigênia e entrei. Lá, o Santíssimo exposto; e, num instante, sinto-me em casa. Na presença de todos os meus irmãos e irmãs que, comigo, participam do Corpo e do Sangue do Salvador. Em qualquer parte do mundo. Agradeço a Deus por ser católico: a sensação de familiaridade obtida ao entrar em qualquer igreja de qualquer lugar do mundo, não encontro palavras para exprimir.

Mas tenho amigos a encontrar. Alguns a rever; outros, a conhecer pessoalmente pela primeira vez. Telefonemas, metrôs, ônibus, rodoviárias… encontramo-nos. Que Deus lhes pague a hospitalidade! Conversas e música, e pizzas e cigarrilhas, e cerveja e feijoadas; visitando lugares encantadores e aterradores, rindo-nos e lamentando-nos. Mas sempre com esperança.

A esperança de que a noite não pode durar para sempre, a esperança que se alimenta das pequenas notícias trazidas, ora por um, ora por outro. A esperança rejuvenescida quando vemos que não estamos sós. Quando entramos nas igrejas e vemos as pedras que ultrapassam os séculos, quando estamos de joelhos diante do Santíssimo Sacramento e encontramos outros – irmãos desconhecidos – de joelhos ao nosso lado, quando passamos algum tempo na companhia das pessoas que, conosco, compartilham um profundo amor à Igreja e uma vontade firme de tudo fazer para a maior glória de Deus… aí, sim, alimentamos a nossa esperança. Deus é, afinal, Senhor da História. Que chegue até Ele o nosso clamor. Que Ele ouça a nossa oração. E que nos guarde sempre a Virgem Mãe de Deus, Auxilium Christianorum, que desde a Sua concepção é vencedora de Satanás. Que Ela nos mantenha acesa a chama da esperança, e possa apressar a sua realização.

Diário de Viagem

[Em viagem pelo Nordeste, junto com mais dois amigos, desde a última quarta-feira; estamos já de volta para Recife – que a Virgem Santíssima nos guarde na viagem de volta -, de modo que aproveito para deixar aqui as minhas impressões, escritas às pressas, entre uma saída e outra. Amanhã, se o Bom Deus assim o permitir, chegaremos à terrinha natal.]

Maceió

Viajar de carro. Ir pelo litoral, ao invés de pela BR; a viagem torna-se um pouco mais longa, mas bem mais agradável. Não temos pressa; é só no dia seguinte, à noite, que temos uma Ordenação Presbiteral a assistir. Aproveitar a viagem para jogar conversa fora, parar nos postos de beira de estrada para tomar café ou fumar um cigarro, rezar o terço, ouvir música ou CDs de meditações. A viagem não é tão longa assim; passa depressa. Tempus volat

Em Maceió ficamos hospedados no Seminário: Nossa Senhora da Assunção. Chegamos já à noite; no dia seguinte pela manhã, já temos que pegar a estrada para Aracaju. Mas houve tempo para conhecermos o reitor e jantarmos à sua companhia agradável: os cabelos brancos encerram um jeito cativante de contar histórias, e os vastos conhecimentos acumulados ao longo dos anos fazem com que seja agradável ouvi-lo. Padres e bispos são ordenados, dioceses são transferidas e restauradas, Arquidioceses são criadas – tudo isso desfila diante de nós, nas palavras do velho cônego. Pouco tempo, mas muito agradável.

Ir à orla, à noite, para conhecer – ainda que rapidamente – a cidade. Vê-la rapidamente, de carro; não dá para fazer lá muita coisa, é fato, mas dá para ter uma pequena noção da cidade. Tapioca na beira da praia; maior do que o nosso estômago recém-forrado pelo jantar. Mas conversamos um pouco, para depois voltarmos aos nossos aposentos.

No dia seguinte, missa privada – na forma extraordinária do Rito Romano, logo ao acordar. Café, depois estrada. Próxima parada, Aracaju.

* * *

Aracaju

Chegamos à tarde; fomos à Catedral para nos encontrarmos com o [então] diácono Rubens, o ordenando da noite. Disse-nos ele que nos esperavam no seminário, para o qual nos dirigimos. Nossa Senhora da Conceição; fomos bem recebidos, comemos algo, e um seminarista – Flávio – ciceroneou-nos à tarde.

Igreja de Santo Antônio, onde começou Aracaju; a orla “mais bonita do nordeste”, ampla, onde havia fontes e lagoas, pistas de cooper e [mais] barraquinhas de tapioca (lá, beiju); a zona sul da cidade, e a cidade vizinha (do outro lado do Rio Sergipe) de Barra dos Coqueiros, e a parte “feia” da cidade, no norte, onde havia pobreza e miséria em quantidade que contrastava fortemente com a zona sul: dado o pouco tempo que tínhamos, Flávio fez milagres e nos mostrou muitas coisas. Voltamos ao seminário para nos prepararmos para a ordenação.

Um único diácono a ser ordenado padre. A Catedral não estava cheia, mas a celebração foi bonita. Igreja Santa na entrada, num belo coral de vozes; Dom Lessa e um grande número de padres e acólitos, seminaristas e diáconos. A primeira vez que via uma ordenação presbiteral: apresentação do candidato, canto da Ladainha de todos os santos, imposição de mãos e oração consecratória: mais um sacerdote do Deus Altíssimo – que Ele o proteja e guarde sempre! Tu es sacerdos in aeternum: verdade reconfortante e motivo de júbilo para toda a igreja. Beijar-lhe as mãos e pedir-lhe a bênção ao fim da cerimônia: que a Virgem Santa possa velar com particular cuidado pelo neo-sacerdote.

À noite ainda fomos à orla, comer alguma coisa, conversar um outro tanto, mas não nos demoramos. No dia seguinte, Salvador: São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Missa de manhã, fazer as malas, pegar a estrada.

* * *

Salvador

Chegar no início da tarde, com fome: mas a viagem pela Linha Verde é agradável. Pouco trânsito, a gente consegue correr “até quando o motor agüenta”… Aracaju – Salvador acaba não sendo uma viagem longa. Logo à chegada [hospedados nas Irmãs Mercedárias, em Rio Vermelho], após o almoço, ir à Barra; o Farol da Barra lembrou-me Lisboa – mais especificamente, a Torre de Belém. Não que as construções sejam muito parecidas – a Torre é muito mais portentosa -, mas a herança portuguesa, a arquitetura similar (quiçá arquitetura comum a todos os fortes, mas enfim…), recordou-me a capital lusitana onde estive há pouco mais de um ano. O Forte é de Santo Antônio; uma ligeira prece, no museu mesmo, a fim de que o santo português interceda por nós e pelo Brasil.

Uma rápida passagem pelo centro da cidade, à noite: praça Castro Alves [quase dava para ver a estátua imponente do jovem poeta declamando do alto, para a noite baiana, seus versos dos quais gosto tanto], praça da Sé. Na volta, como bons turistas, fomos ao Acarajé da Dinha – ficava ao lado de onde estávamos hospedados! – para ver o que é que a baiana tem. O que ela não tem, é simpatia; de resto, não entendo muito de acarajé, mas me pareceu saboroso. Uma boa noite de sono me aguardava.

No dia seguinte, missa às 07:00, desta vez na paróquia do pe. Ângelo. Depois, centro histórico. Debaixo de chuva: entre uma igreja e outra, um banho de chuva e outro, passamos a nossa manhã. Munificentíssimas igrejas, em quantidade e em qualidade; belíssimas, belíssimas. Imponentes, ricas, esplendorosas, dignas do Deus Altíssimo em cuja honra foram erigidas. Impressionaram-me os altares antigos – o da Catedral, de modo particular -, não utilizados… é triste. O Sacrifício oferecido à Trindade Santa nos altares modernos, de costas para aquelas obras magníficas que foram construídas precisamente para oferecer o Santo Sacrifício da Missa…! Não há explicação. Mysterium Iniquitatis, sem dúvidas. Que Deus tenha misericórdia da Bahia.

“Tem missa afro aqui?”, perguntamos a um (pareceu-me) sacristão de uma das igrejas nas quais entramos. “Amanhã tem mais ou menos; tem uns tambores, mas a cerimônia completa só na próxima terça-feira”. “Tem missa com pipoca?”, tive ainda a ousadia de perguntar; “Vá amanhã em São Lázaro”. Estes sacrilégios, acaso irão durar para sempre…? Domine, miserere.

Saímos à tarde, de carro; mais útil teria sido um barco, porque Salvador parecia que ia afundar. Fomos à Basílica de Bonfim; mais um altar estupendo, mais uma tristeza por não vê-lo utilizado para louvar ao Altíssimo. Há, na entrada da Basílica, dois quadros em paredes opostas muito interessantes: a morte do justo de um lado e, do outro, a morte do pecador. No primeiro, o demônio impotente enquanto o fiel é consolado por uma corte de anjos; no segundo, o anjo assiste com fisionomia triste uma horda de demônios arrastar o condenado que se recusa a beijar a cruz que lhe é oferecida. Se a Graça de Deus é até o último instante favorecida, por outro lado Satanás também está à espreita até o fim. Vigiemos, pois, e oremos, para que não caiamos em tentação.

Também ao lugar onde está sepultada Irmã Dulce. Serva de Deus; não conhecia a história dela e não saberia até então o que falar a seu respeito. O processo de canonização está num ponto em que falta apenas um milagre para a beatificação. Pareceu-me que ela é um excelente exemplo de como é possível servir aos pobres sem deixar de servir a Deus, e de lutar pelos desvalidos sem se deixar contaminar pela Teologia da Libertação. R.I.P.

À noite, chovia a cântaros; fomos ao Shopping, perdemos a hora do cinema, aproveitamos para conversar mais um pouco e voltar cedo para casa. No domingo, missa às 07:30, na paróquia de Sant’ana [“igreja do pescador”], de pe. Ângelo; Oitava de Páscoa, domingo de São Tomé, Festa da Divina Misericórdia, aniversário de eleição do Santo Padre o Papa Bento XVI ao Trono de Pedro: Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius. Após o almoço, vamos nos despedir da Sede Cardinalícia e pegar a estrada de volta para Recife, pernoitando, no entanto, ainda em Aracaju. Que Deus nos conceda uma boa viagem de volta.

Agradecimento

Voltei esta madrugada (cheguei em Recife pouco depois da meia-noite) da capital do país, onde estive desde a quinta-feira última. Há muitas coisas para escrever, mas não posso deixar de reservar um espaço – pequeno, muito aquém do que deveria ser – para agradecer à Luh Lena por todo o trabalho que nós lhe demos nestes quatro dias. Estou certo de que o Gustavo (ele poderá se manifestar aqui) também há de subscrever tudo isso.

Luh, sem você, não haveria Brasília. Obrigado por tudo!

Pela ligação atendida de uma hora da manhã (feita por nós) para dizer “chegamos”; por estar no hotel às oito e meia preparada para nos servir de cicerone, trazendo-nos mapas de brasília e chocolates de boas vindas; pelas explicações sobre a cidade, sobre as ruas e a catedral, sobre a torre e as flores do cerrado, sobre a Praça dos Três Poderes, a bandeira e a tocha, sobre o “meteoro” e os candangos, sobre a foice-e-martelo do monumento JK, sobre o eixão e o eixo dos monumentos, sobre as emas “comedoras-de-olhos” e os buritis e bacuris, sobre o sonho de Dom Bosco e o Paranoá que abraça Brasília, sobre a história da cidade no memorial Lúcio Costa, e por tantas outras coisas que nós lhe fizemos falar ininterruptamente estes dias.

Pela paciência de escutar discursos de deputados e senadores no plenário (ainda nos dando explicações oficiosas sobre as “cumbucas” viradas pra cima (deputados) e pra baixo (senadores)), pelo leite com canela, pelo almoço no prédio da Procuradoria, pelo sorvete “na sorveteria em que você gosta de tomar sorvete”.

Pelo Cabernet Sauvignon defronte ao lago no Pontão, pelo passeio no lugar, pelo violão e pelas músicas (umas clássicas, outras nem tanto – mas divertidas), pela ida à Praça da República de madrugada, subindo na tocha, olhando as palmeiras reais, dando voltas pela cidade e nos deixando no hotel.

Pelas visitas às igrejas, de vários formatos – da catedral “em forma de mãos abertas para cima” à Igreja Dom Bosco “em forma de caixa” (e com vitrais de céu estrelado), da Catedral Militar “em forma de tenda” à igreja “em forma de chapéu de freira”. Por me apresentar pessoas especiais como os seus pais (transmita-lhes os meus agradecimentos) e o padre Mário (é este mesmo o nome dele?), polonês “como estão em extinção hoje em dia”, chamando – em cinco minutos de conversa com pessoas que ele tinha acabado de conhecer – as seitas de seitas e dizendo que a religião existe para salvar as almas.

Pelas risadas ao longo dos dias com perguntas bestas e comentários sem sentido, pela companhia no show, por me ensinar as palavras brasilienses (que vocês chamavam munguzá de canjica eu já sabia, mas que chamavam azeitona roxa de “ameixa” foi-me novidade) e por se mostrar tão “afiada” nas expressões nordestinas (de “galega” a “pirangueira”, de “estiar” a “alma sebosa”), pelo tanque do carro vazio “porque, se estiver cheio, é ruim porque é sinal que nós não fizemos nada”, pelo álbum de fotos da formatura – “agora, sim, Brasília está completa” – e por quase nos colocar sentados na nossa poltrona no vôo de volta, a despeito dos nossos protestos de que já estávamos abusando demais da sua boa vontade.

Enfim, Luh, nem tenho palavras. Obrigado. Trago boas recordações de Brasília, mas estou certo de que não as traria tantas e nem tão boas se não fosse por você. Que Deus lhe abençoe muito, e a Virgem Santíssima possa lhe recompensar como eu não consigo fazer.

Pisando no freio…

Num hotel em Brasília, após duas horas e meia de vôo. Recém-chegado; vim ao IV Encontro de Juventude e Família do Regnum Christi, que começa amanhã à noite. Mia prima volta na capital do país, onde até então só estive em conexões do aeroporto. Espero ter oportunidade de (re)encontrar algumas pessoas, conhecer um pouco a cidade… essas coisas.

Pretendo pôr algumas informações sobre o encontro, mas provavelmente serão sucintas, com atualizações só à noite e com horas roubadas ao sono (tenho por princípio ser comedido no sono durante as viagens, mas afinal de contas dormir – ainda que pouco – também é preciso). Volto a Recife na noite do domingo, se o bom Deus o permitir.

Que a Virgem Santíssima abençoe-nos a todos.