O juiz protestante e os crucifixos das repartições públicas

Excelente o texto do William Douglas, “juiz federal, professor, escritor, mestre em Direito – UGF, Especialista em Políticas Públicas e Governo – EPPG/UFRJ”, publicado pelo Consultor Jurídico: Ação contra crucifixos mostra intolerância. Registre-se, aliás, logo de começo, que ele próprio não é católico. Este texto é um excelente exemplo de que é possível, mesmo sem ser católico, fugir à leviana interpretação da realidade – tão freqüente nos nossos dias! – segundo a qual o Estado não pode defender nada que a Igreja defenda, porque Ele é laico.

O juiz critica esta concepção de mundo nonsense muito melhor do que eu, ao dizer que “a laicidade não se expressa na eliminação dos símbolos religiosos, e sim na tolerância aos mesmos”. E devolve com maestria: “o pensamento deletério e a ser combatido é a intolerância religiosa, que se expressa quando alguém desrespeita ou se incomoda com a opção e o sentimento religioso alheios, o que inclui querer eliminar os símbolos religiosos”. Isto, sim, é uma lufada de bom senso no meio jurídico brasileiro, um lampejo de esperança no meio da fúria laicista.

Registre-se mais uma vez: ele não é católico e, ao contrário, é protestante iconoclasta. Pois chega ao ponto de dizer que o crucifixo, segundo a sua linha religiosa, é… um ídolo! Um ídolo, numa imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo! O absurdo da posição só confere mais valor ao seu parecer. Ele obviamente não está advogando em causa própria (acusação leviana amiúde lançada aos católicos), porque o crucifixo é, para a religião dele, muito mais abominável do que para os anti-clericais. Ofende-lhe muito mais do que aos laicistas mimados. No entanto, ele consegue enxergar com clareza a intolerância dos sem-religião.

E vai mais além, porque vai ao cerne do problema ao identificar o ateísmo com uma crença (como, aliás, já cansei de falar aqui): “A recusa à existência de Deus, a qualquer religião ou forma de culto a uma divindade não é uma opção neutra, mas transformou-se numa nova modalidade religiosa. […] A eliminação dos símbolos religiosos atende aos desejos de uma vertente religiosa perfeitamente identificada, e o Estado não pode optar por uma religião em detrimento de outras”. A clareza da posição me alegra sobremaneira: não é mais um católico fundamentalista que está falando isso para meia dúzia de leitores de seu blog, e sim um juiz federal protestante no Consultor Jurídico.

“Excluir símbolos é fazer o Estado optar por quem não crê. A laicidade aceita todas as religiões ao invés de persegui-las ou tentar reduzi-las a espaços privados, como se o espaço público fosse privilégio ou propriedade de quem se incomoda com a fé alheia”. Oxalá este entendimento estivesse mais disseminado no meio jurídico brasileiro! É lamentável que pensamentos como o do dr. William Douglas sejam minoritários. Enquanto isso, teremos que suportar as aberrações do Estado anti-teísta. Até quando…?