Notas avulsas sobre o 31 de outubro

– Hoje é Haloween. Ao contrário do que é comum pensar, não é uma festa pagã. Trata-se da All Halows’ Eve, a Vigília de Todos os Santos, festa catolicíssima portanto. Só se comemora hoje o Haloween porque amanhã nós celebraremos a Solenidade de Todos os Santos, não convém esquecer. “Gostosuras ou travessuras”, com os olhos fitos na Festividade de amanhã, não fazem assim mal a ninguém.

– Parece que é também “Dia do Evangélico” em alguns lugares do Brasil; p.ex., aqui no Cabo de Santo Agostinho, é o «Dia Municipal da Reforma Protestante e Ação de Graças». Isso porque as bruxas já estavam soltas nos idos de 1500, e os demônios pagãos que voavam pelos ares alemães daquela época inspiraram Lutero a pregar as suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg exatamente no Dia das Bruxas. São uma dessas ironias históricas que dão o que pensar.

– Hoje, no almoço, alguém comentava que amanhã devia ser feriado. E de fato era; como os feriados civis dos países católicos (como o Brasil) seguiam o calendário litúrgico da Igreja e como o Dia de Todos os Santos é dia santo de guarda (cf. CIC, Cân. 1246, §1), era igualmente feriado civil. Não sei quando foi que o deixou de ser no Brasil; em Portugal, este é o primeiro ano em que o 1º de novembro não é feriado.

– Há três anos, em 2010, o Haloween caía num domingo. Segundo turno de eleições presidenciais. Outra ironia eloqüente… No dia das Bruxas daquele fatídico ano, para a nossa desgraça, a sra. Rousseff era eleita presidente da República. Desde então, afundamos cada vez mais.

– Hoje, o Papa Francisco celebrou (ao que me conste pela primeira vez) uma Missa versus Deum junto ao túmulo do Beato João Paulo II. O Rorate Caeli discordou das razões expostas pelo Fratres e disse (com o que concordo, aliás) que um altar improvisado se poderia facilmente arranjar caso o Papa assim solicitasse. De minha parte, acho que o Sumo Pontífice não estava acostumado a celebrar dessa maneira. Espero que ele tenha gostado.

A Igreja é Una acima do tempo e do espaço

[A] comunhão dos santos vai além da vida terrena, vai além da morte e dura para sempre. Esta união entre nós vai além e continua na outra vida; é uma união espiritual que nasce do Batismo e não vem separada da morte, mas, graças a Cristo ressuscitado, é destinada a encontrar a sua plenitude na vida eterna. Há um vínculo profundo e indissolúvel entre quantos são ainda peregrinos neste mundo – entre nós – e aqueles que atravessaram o limiar da morte para entrar na eternidade. Todos os batizados aqui na terra, as almas do Purgatório e todos os beatos que estão já no Paraíso formam uma só grande família. Esta comunhão entre terra e céu se realiza especialmente na oração de intercessão.

Papa Francisco, catequese de 30 de outubro de 2013

Há três grandes festas litúrgicas tradicionalmente [p.s.: no Calendário Tradicional] celebradas juntas. No último domingo de Outubro, celebra-se a festividade de Cristo Rei; no dia primeiro de novembro, a Solenidade de Todos os Santos; por fim, no dia 02 de novembro, o dia dos Fiéis Defuntos.

Estas festas litúrgicas exprimem a Fé na «comunhão dos santos» que professamos no Credo; exprimem-na de uma maneira bastante eloqüente, por conta da ênfase a cada uma das “partes” da Igreja empregada em cada um desses dias sucessivos. Celebramos a Festa de Cristo-Rei do Universo e, nela, vemos a Igreja Militante na sua peregrinação histórica rumo a Nosso Senhor. Celebramos a Solenidade de Todos os Santos e contemplamos a Igreja Triunfante em todo o seu esplendor, na sua plena realização à qual os filhos de Deus somos chamados. E celebramos os Finados tendo diante dos olhos a Igreja Padecente, as almas dos fiéis no Purgatório que anseiam por se livrar de suas penas para ascender o quanto antes ao Trono do Todo-Poderoso.

E a Igreja é Una acima do tempo e do espaço. Estas três partes da Igreja perfazem todas a única Igreja de Cristo. Estamos unidos aos fiéis católicos espalhados por todo o mundo que, junto conosco, caminham no claro-escuro da Fé por este Vale de Lágrimas aguardando a Páscoa definitiva. Estamos unidos àqueles que nos precederam e, nas chamas do Purgatório, consomem-se na purificação derradeira para que possam enfim chegar à Cidade Santa: as nossas orações lhes servem de sufrágio e são úteis para lhes aliviar as penas. E estamos unidos aos santos e santas de Deus, àqueles que já cumpriram a sua parte na terra (ou no Purgatório) e já receberam a Coroa da Vitória e, do alto dos Céus, diante do Trono de Deus, intercedem incessantemente pela nossa salvação, a fim de que possamos nos unir a eles no canto de louvor definitivo da Eternidade.

Mas já estamos todos juntos, como canta uma antiga canção popular de Offertorium: «amigos e parentes, vivos e defuntos, em torno desta Mesa estamos sempre juntos». Estamos todos juntos e é esta a beleza da Comunhão dos Santos: o Corpo de Cristo não conhece as fronteiras dos países e das nações e – mais ainda! – não conhece os limites do tempo, de tal modo que nem a Morte é capaz de Lhe conter! A Igreja perpassa toda a História e, a cada instante, se estamos na Igreja, então nós estamos na História inteira, do primeiro ao derradeiro homem de qualquer recanto do mundo, e nenhum dele nos é estranho. Em Cristo nós somos irmãos, e seria muito provincialismo de nossa parte acharmos que isto se refere somente ao nosso diretor espiritual ou ao amigo junto a quem assistimos Missa aos domingos. O alcance universal – Catholicus – da Igreja supera em muito as possibilidades humanas. Há muito mais diversidade e riqueza na Igreja Católica do que em todos os seus opositores somados.

E olhar para a communio sanctorum é colocar tudo em perspectiva: é ver como o mundo é pequeno e fútil, e como são grandiosas as coisas que Deus tem reservadas para os que O amam. Alguém disse certa feita que quem já viu o Oceano não se espanta mais com os lagos: do mesmo modo, para quem já contemplou a extensão do Corpo de Cristo, tudo o mais não passa de palha e o mundo inteiro é um cubículo entediante, fora do qual é onde está a vida que realmente vale a pena ser vivida.

É grandiosa a Igreja de Cristo! Não a troquemos pelas mesquinharias do mundo. Militemos com valentia nesta terra, unidos às dores dos que padecem no além-túmulo, a fim de chegarmos gloriosamente ao Dia sem ocaso para o qual Cristo nos resgatou na Cruz do Calvário. A fim de que nós, que ingressamos na Igreja pelo Batismo, possamos continuar n’Ela até o fim. Até a sua realização derradeira. Até a Glória, onde Ela é plenamente aquilo que Nosso Senhor A fez para ser.

“Meu pudor está acima do dinheiro e do meu sonho”

Bastante educativa esta história de uma jovem cantora italiana! Ela tem dezoito anos e fora escalada para o papel principal em um musical de David Zard, «tal vez el mayor productor musical italiano». María Luce Gamboni seria a disputadíssima Julieta no spettacolo  «Romeo & Giulietta – Ama e cambia il mondo». Seria. Porque declinou o convite.

O motivo? Havia no espetáculo uma cena de semi-nudez. Em um dado momento, Julieta teria que se apresentar usando uma roupa transparente. Rapidamente a jovem María Luce chamou o produtor e lhe disse para procurar outra protagonista. Não quis sequer negociar, como se estivesse profundamente ofendida com a proposta indecorosa que lhe fora feita.

[P.S.: na verdade, ao que parece ela tentou negociar sim. O original em italiano diz que [l]a protagonista mancata ha chiesto alla regia di potere almeno mettersi le mutande e il reggiseno. Ma la risposta è stata perentoria: o nuda o chiamiamo qualcun altro. E lei ha detto: chiamate qualcun altro, «perché al denaro e al mio sogno ho preferito il mio pudore». Embora «mancata ha chiesto» possa realmente significar “não pediu” (e esta seja a primeira tradução do Google Translate), o verbo mancare significa também “não conseguir”, “não obter êxito” – e este sentido traduz melhor o período, que ficaria assim: a protagonista não obteve êxito em pedir ao diretor que a deixasse ao menos colocar [por baixo] a calcinha e o sutiã. A resposta [do diretor] foi peremptória: ou nua, ou chamamos outra. E ela [então] disse: [pois] chame outra, «porque ao dinheiro e ao meu sonho eu prefiro o meu pudor». O pessoal da Infovaticana melou a tradução e inverteu o sentido da frase ao meter um «[l]a protagonista principal no pidió al director poder usar por lo menos alguna ropa interior» na matéria. Traduttore, traditore: mais uma vez o adágio popular mostra por que existe. Em todo caso, é verdade que María Luce, diante da intransigência do diretor, abriu mão do papel e o mandou procurar outra cantora.]

«Por encima del dinero y de mi sueño yo prefiero mi pudor», disse a jovem. E disse ainda uma outra verdade bastante esquecida nestes tempos em que a imodéstia dos espetáculos já se transformou em coisa tão banal e corriqueira que ninguém se preocupa em questionar mais: «el canto es una cosa, despojarse de la ropa, es otra».

A história me lembrou um outro desabafo que eu publiquei certa feita aqui no Deus lo Vult!, há mais de cinco anos já. Foi quando o brasileiro Pedro Cardoso disse que os atores eram obrigados a fazer pornografia. As palavras – atualíssimas – dele foram as seguintes:

O personagem é justamente algo que o ator veste. Ao despir-se do figurino, o ator despe-se também do personagem, e resta ele mesmo, apenas ele e sua nudez pessoal e intransferível.

E isto não é exatamente o ponto fulcral da queixa de María Luce? Ora, cantar é uma coisa, e ficar nua é outra coisa completamente diferente! A voz de uma jovem cantora não é melhor apreciada quando ela tira a roupa, muito pelo contrário. O mais provável é que a atenção seja atraída para o corpo desnudo e, diante dele, a beleza do canto passe despercebida. E a jovem italiana quer ser apreciada pelo talento que tem, e não pelos dotes físicos com os quais a natureza a agraciou.

Porque isto não deixa de ser uma forma de apelação desnecessária, de coisificação da mulher – vista como um objeto sexual -, de sacrifício da arte nos altares da pornografia “soft”, de erotismo descabido, de vulgaridade dispensável. Ora, o que importa o corpo da jovem Giulietta – ou, melhor dizendo, o corpo da jovem cantora que a está representando, uma vez que despir-se do figurino é despir-se também do personagem – para a peça? Trata-se de um musical, e não de um ensaio fotográfico erótico!

É triste se deparar com um meio artístico tão erotizado assim. Mas é ao mesmo tempo reconfortante ver que uma jovem ainda é capaz de perceber o descabimento de certas exigências artísticas. E ainda é capaz de dizer “não”. E de nos ensinar que há coisas mais importantes do que o sucesso. De nos ensinar que a realização pessoal não passa necessariamente pela fama, mas sim pela coerência com os próprios valores. Que o «pudor» – esta palavra que está tão fora de moda… – ainda é mais valioso do que o dinheiro.

Documentário «Blood Money» estréia no Brasil

Não deixem de assistir o documento Blood Money – Aborto Legalizado”, que estréia no Brasil no próximo dia 15 de novembro.

http://www.youtube.com/watch?v=Z4I8FDuRBjk

Após o lançamento em São Paulo, têm início roadshows de pré-estreias, incluindo o Rio de Janeiro (6), Goiânia (7), Brasília (8), Belém (9), Curitiba (11), Salvador (12), Recife (13) e Fortaleza (14). Nestas cidades, Kyle [o diretor] falará de sua primeira incursão no cinema com esse documentário polêmico, que está se tornando um cult pelo realismo e crueza com que trata o tema e pelas denúncias que faz. O filme de 75’ entra em cartaz nos cinemas a partir de 15 de novembro.

O Blog da Vida também falou sobre o filme, acrescentando que ele «trata do funcionamento da indústria criada em torno do lucrativo negócio das clínicas de aborto, mostra[ndo] de que forma as estruturas médicas disputam sua clientela e quais os métodos aplicados pelas clínicas para realização de cirurgias abortivas».

bloodmoney

É uma oportunidade ímpar. Não deixem de assistir!

Ficha Técnica:

  • Produção Executiva: John Zipp;
  • Produção: David K. Kyle, John Zipp;
  • Roteiro e Direção: David K. Kyle;
  • Montagem: Roman Jaquez e Steve Taylor;
  • Direção de Fotografia: Jeff Butler;
  • Trilha Original: John Wenger;
  • Cinegrafistas: Jeff Butler, Nick Kyle, Chris Kyle, Ken Biles, Peter Shinn.

Notícias de um mundo enlouquecido

Essas duas notícias não são de hoje, mas valem uma meditação.

Primeiro, uma garota belga foi mutilada e posteriormente assassinada, sem que isso provocasse a menor comoção social. Ao contrário, louvaram esta barbaridade como se fosse um avanço dos direitos humanos e um respeito às liberdades individuais.

A garota – R.I.P. – chamava-se Nancy. Entre 2009 e 2012, teve os seus seios arrancados e seus órgãos genitais destruídos. Vivendo infeliz e sentindo «aversão» pelo seu corpo, foi depois friamente assassinada na presença de várias pessoas.

Sádicos psicopatas procurados pela polícia? Que nada! Pessoas que se dizem normais, exercendo o que consideram direitos legais, sob o amparo de uma legislação positiva enlouquecida.

* * *

Segundo, um teólogo ameaça se suicidar. No ápice da sua decadência, Hans Küng deseja o «suicídio assistido».

Ele tem Parkinson avançado. A degeneração moral do velho modernista atingiu o paroxismo. Tanto chafurdou na lama que desaprendeu a olhar para o Céu. Cego dos olhos da alma há muito tempo, ameaça procurar uma «clínica» (sic) onde se matam pessoas caso perca a visão dos olhos do corpo.

Loquaz exemplo do quanto é possível cair quando se afasta da Fé! Rezemos pelos desesperados. E vigiemos. Que nos livre Deus do desespero.

«Entendo o mal-estar, mas na Igreja ou se caminha com o Papa ou se vai em direção ao cisma» – Massimo Introvigne

[Original: Il Foglio
Fonte: Infovaticana
Tradução: Wagner Marchiori]

Entendo o mal-estar, mas na Igreja ou se caminha com o Papa ou se vai em direção ao cisma

Como sociólogo li com interesse o artigo de Alesssandro Gnocchi e Mario Palmaro que testemunha um mal estar em relação a [certos] gestos e atitudes do Papa Francisco, que também vi em setores minoritários, mas não irrelevantes na Igreja. Tal mal-estar, assumido e transformado em reflexão e cultura, pode ser útil; e creio que o próprio Papa Francisco o previu e o tem em conta em sua visão de uma Igreja na qual, como gosta de explicar, a unidade não se confunde com a uniformidade.

O mal-estar não deve ser confundido com o rechaço do Magistério Ordinário, já que essa atitude leva ao cisma. A tese pode parecer forte, mas é inteligível à luz do passado recente.

O venerável Paulo VI buscou evitar certas sequelas do pós-Concílio, a partir, ao menos, de 1968. Diante disso, os progressistas se recusaram a segui-lo  sustentando que os pronunciamentos do Papa não eram infalíveis e constituíam simples indicações pastorais das quais se poderia discordar permanecendo bons católicos.

E assim continuou com o beato João Paulo II. O cardeal Ratzinger e o cardeal Scheffczyk replicaram afirmando que nem todo o Magistério é infalível – uma solene besteira da qual não conheço defensores sérios – mas, também, não se pode ser católico aceitando somente os raríssimos pronunciamentos infalíveis dos Pontífices. Para estar na Igreja é necessário caminhar com os Papas e deixar-se guiar por seu magistério cotidiano. Fora deste caminho estreito está o caminho largo que leva ao cisma.

É um risco – para usar categorias políticas não de todo pertinentes, mas que ajudam a entender – para a esquerda. Mas é um risco também para a direita, onde – naturalmente a propósito de textos diversos dos criticados pelos progressistas – se começou a repetir a mesma cantilena segundo a qual, por exemplo, certos documentos do Concílio Vaticano II não são infalíveis e são meramente pastorais e, por isso, poderiam ser tranquilamente ignorados ou rechaçados.

Bento XVI tratou de pôr ordem no debate com sua famosa proposta da “hermenêutica da reforma na continuidade”, que convidava a acolher lealmente os elementos de reforma do Concílio, interpretando-os não contra o Magistério precedente, mas, sim, tendo-o em conta. A proposta foi rechaçada pela esquerda e, com frequência, mal entendida pela direita.

A direita aplaudiu a continuidade esquecendo-se da reforma e acreditou que o Papa autorizava a acolher, do Vaticano II, somente aquilo que tivesse apresentado de modo novo (‘nove’) o que já era ensinado antes, rechaçando o que era, de fato, “novum”, novo, não – segundo Bento XVI – em contradição com o Magistério precedente, mas certamente não redutível a ele. E não era isso. Esta “direita” interpretou o discurso de despedida aos párocos romanos de 14 de fevereiro de 2013 como uma admissão de que a hermenêutica da continuidade havia fracassado. Na realidade, o que realmente havia fracassado era a tentativa de usar Bento XVI para rechaçar o Concílio.

Reivindicando orgulhosamente seu papel de teólogo no Concílio naquela “aliança renana” dos padres conciliares alemães, franceses, belgas e holandeses que propuseram algumas das principais reformas do Vaticano II, o Papa Ratzinger esclarecia, justo no momento de deixar a cátedra petrina, que nada em seu pontificado autorizava rechaçar a reforma em nome da continuidade.

É possível que o Papa Francisco realize outras reformas na Igreja que o fiel católico deverá acolher com docilidade e sem procurar lê-las como contrárias aos ensinamentos dos pontífices precedentes, mas, sim, tendo-os em conta. Na encíclica “Caritas in Veritate”, Bento XVI esclareceu que  a hermenêutica da “reforma na continuidade” não diz respeito apenas ao Vaticano II, mas a toda a vida da Igreja.

A fórmula de Bento XVI será de grande ajuda para metabolizar o mal-estar e para transformá-lo em uma voz útil na grande sinfonia da Igreja. Construir a continuidade como rechaço da reforma ou declarar que se quer seguir o Papa somente em seus pronunciamentos infalíveis – dois por século – confinando todo o resto na esfera do “falível” e que pode ser ignorado leva, talvez sem se perceber, ao cisma.

di Massimo Introvigne

A Consagração do Mundo e da Rússia ao Imaculado Coração de Maria

O Papa Francisco (re)fez no último domingo, 13 de outubro, aniversário do Milagre do Sol, a Consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria. A fórmula usada por Sua Santidade pode ser vista aqui.

Não há que se menosprezar, por certo, a eficácia de tal gesto; uma consagração é uma coisa sem dúvidas boa, e seria muita impiedade pensar que a Santíssima Virgem Mãe de Deus, magnânima e liberal sobre todas as criaturas, perderia esta oportunidade de derramar abundantes graças sobre o mundo. É claro que choverá bênçãos do Céu por conta dessa entrega do mundo que o Vigário de Cristo fez no início da semana à Bem-Aventurada Virgem Maria.

Não obstante, atos assim sempre remetem à mensagem de Fátima e à Consagração da Rússia que Ela pediu quando apareceu aos três pastorinhos. É bem verdade que o mundo inclui a Rússia, mas não é menos verdade que, neste caso, o todo termina por obscurecer a parte, e a referência ao mundo inteiro faz perder de vista a referência àquela nação particular. Consagrar o mundo e consagrar a Rússia não é a mesma coisa, da mesma forma que – mutatis mutandis – receber uma bênção Urbi et Orbi pela televisão não é o mesmo que ser diretamente abençoado pelo Papa após uma audiência particular.

Desde Pio XII – que parece ter sido o primeiro pontífice a inaugurar a série de consagrações do mundo que se seguiram a ele – o mundo é consagrado ao Imaculado Coração da Virgem. Nunca o nome da Rússia se ouviu nessas cerimônias. O que explica esta aparente insistência em sistematicamente evitar fazer o que Nossa Senhora pediu em Fátima?

A resposta é simples. Não se trata, aqui (ao menos não diretamente), da revelação de Fátima. Quem pediu a Consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria foi a Beata Alexandrina Maria da Costa de Balazar, portuguesa, contemporânea dos videntes de Fátima e «vítima da Eucaristia». A festa litúrgica dela é precisamente no dia 13 de outubro, e portanto era certamente esta beata que o Papa Francisco tinha em mente quando, domingo passado, consagrou mais uma vez o mundo à Santíssima Virgem. Não é uma desobediência aos pedidos de Fátima. É, ao contrário, atender aos pedidos da Beata Alexandrina.

* * *

É claro que as duas consagrações – a da Rússia e a do mundo – não são excludentes. Mas elas também não se confundem. Foi o próprio Papa João Paulo II quem disse, no ato mesmo de consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria, que a Virgem Santíssima ainda esperava que certos povos Lhes fossem consagrados de maneira particular. Disse-o (pelo menos) duas vezes, em 1981 e em 1984 (grifos e destaques no original).

Em 1981:

«Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo, acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo directamente ao vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e, ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega também Vós esperais de maneira particular. Tomai sob a vossa protecção materna a família humana inteira, que, com enlevo afectuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança».

E em 1984:

Mãe da Igreja! Iluminai o Povo de Deus nos caminhos da fé, da esperança e da caridade! Iluminai de modo especial os povos dos quais Vós esperais a nossa consagração e a nossa entrega. Ajudai-nos a viver na verdade da consagração de Cristo por toda a família humana do mundo contemporâneo.

Ou seja: mesmo João Paulo II acreditava que a SSma. Virgem “esperava” a consagração de alguns povos especiais, feita «de maneira particular», e isso mesmo depois do mundo já haver sido anteriormente consagrado ao Seu Imaculado Coração. As duas consagrações não são portanto idênticas, não se confundem e uma delas não “realiza” automaticamente a outra.

É digna de nota esta recusa sistemática em se fazer a consagração nominal da Rússia. Muitos teólogos da conspiração vêem nisso um dos sinais de apostasia da Igreja (ou qualquer besteira do tipo), o que não faz sentido algum e se deve rechaçar com veemência.

A mensagem de Fátima, em que pese a sua importância, é revelação particular. Ora, ninguém se torna herege por não dar crédito a uma revelação particular. Se – por – absurdo os Papas não acreditassem em Fátima, eles não seriam menos Papas por causa disso. Portanto, a não-consagração da Rússia não teria jamais o condão de conduzir a indefectível Igreja de Deus à apostasia; e, por maiores que fossem os pecados de quem se recusasse a atender um pedido da Virgem Mãe de Deus, tal pessoa continuaria perfeitamente católica.

Logo, ainda que um Papa desprezasse a mensagem de Fátima, a Igreja por ele capitaneada continuaria sendo, mesmo assim, o infalível canal dos favores de Deus, a única Arca da Salvação, e a submissão a ele continuaria sendo absolutamente necessária a cada homem que quisesse salvar a própria alma.

* * *

Parece que a Consagração de Fátima não foi feita. Foram feitas outras consagrações pedidas por pessoas santas, que deram incontestáveis frutos: após elas, o Comunismo – ao menos em suas formas mais radicais – caiu junto com o Muro de Berlim. Mas parece que falta ainda alguma coisa; parece que a Rússia espalhou, sim, os seus erros pelo mundo; parece que ela não se converteu; e, principalmente, parece que não estamos vivendo o triunfo do Imaculado Coração da Virgem.

O texto do Segundo Segredo parece corroborar esta nossa impressão. As exatas palavras de Nossa Senhora, pelo que sabemos, são estas aqui:

— Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores, para as salvar, Deus quer establecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra peor. Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sufrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será consedido ao mundo algum tempo de paz.

São palavras que a maior parte de nós conhecemos muito bem. Não são, contudo, as únicas coisas que a SSma. Virgem disse em Fátima. Não está em nosso poder consagrar ou deixar de consagrar nação alguma. Mas há uma coisa, sim, que cada um de nós pode e deve fazer muito antes de se preocupar com a conversão da Rússia: zelar pela nossa própria conversão e pela salvação da nossa própria alma. Afinal, a Virgem Santíssima também nos mandou fazer penitência e rezar o terço todos os dias. E que importância temos dado a esses Seus rogos?

Cumpre-nos fazer o que está a nosso alcance fazer. Não caiamos na insensatez de nos preocuparmos mais com a conversão da Rússia do que com a nossa própria salvação. Afinal de contas, do Triunfo do Imaculado Coração da Virgem nós temos a certeza: Ela o prometeu em Fátima! Da salvação da nossa alma, contudo, nós não temos promessa alguma. É com isso, portanto, que nós temos que nos preocupar. É esta e não outra a parte da Mensagem de Fátima que nós temos que nos esforçar primeiramente por cumprir.

Papa Francisco: «É a Igreja que nos transmite a autêntica mensagem de Cristo»

2. Mas perguntemo-nos: como é possível para nós nos conectarmos com aquele testemunho, como pode chegar até nós aquilo que viveram os Apóstolos com Jesus, aquilo que escutaram Dele? Eis o segundo significado do termo “apostolicidade”. O Catecismo da Igreja Católica afirma que a Igreja é apostólica porque “protege e transmite, com a ajuda do Espírito Santo que nela habita, o ensinamento, o depósito precioso, as salutares palavras ouvidas da boca dos Apóstolos” (n. 857). A Igreja conserva ao longo dos séculos este precioso tesouro que é a Sagrada Escritura, a doutrina, os Sacramentos, o ministério dos Pastores, de forma que possamos ser fiéis a Cristo e participar da sua própria vida. É como um rio que flui na história, desenvolve-se, irriga, mas a água que escorre é sempre aquela que parte da fonte, e a fonte é o próprio Cristo: Ele é o Ressuscitado, Ele é o Vivo, e as suas palavras não passam, porque Ele não passa, Ele está vivo, Ele está entre nós hoje aqui, Ele nos sente e nós falamos com Ele e Ele nos escuta, está no nosso coração. Jesus está conosco hoje! Esta é a beleza da Igreja: a presença de Jesus Cristo entre nós. Sempre pensamos quanto é importante este dom que Jesus nos deu, o dom da Igreja, onde podemos encontrá-Lo? Sempre pensamos em como é justamente a Igreja no seu caminho ao longo dos séculos – apesar das dificuldades, dos problemas, das fraquezas, dos nossos pecados – que nos transmite a autêntica mensagem de Cristo? Doa-nos a segurança de que aquilo em que acreditamos é realmente aquilo que Cristo nos comunicou?

3. O último pensamento: a Igreja é apostólica porque é enviada a levar o Evangelho a todo o mundo. Continua no caminho da história a mesma missão que Cristo confiou aos Apóstolos: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que eu vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 19-20). Isto é aquilo que Jesus nos deu para fazer! Insisto neste aspecto da missionariedade, porque Cristo convida todos a “ir” ao encontro dos outros, envia-nos, pede-nos para nos movermos e levar a alegria do Evangelho!

Papa Francisco
Catequese
16 de outubro de 2013

Nem só de zelo são feitos os santos

Algumas pessoas já sabem, mas acho que não mencionei aqui o caso de dois periodistas italianos que foram demitidos de uma rádio (católica) após terem escrito um artigo em que teciam duras críticas ao Papa Francisco. A notícia (bem como o artigo escrito por Alessandro Gnocchi e Mario Palmaro) pode ser lida em espanhol aqui.

Os dois italianos não são um caso isolado. Ainda outro dia, El País – sim, El País! – publicou uma dura carta de uma senhora mexicana ao Papa, cujo conteúdo era muito semelhante ao deste artigo dos dois ex-radialistas da Rádio Maria. Compadeci-me com a perplejidad da Lucrecia Rego de Planas. Com o que não pude concordar foi com a divulgação pública da carta. Que bem imaginam estas pessoas fazerem ao disseminar a desconfiança para com o Vigário de Cristo?

O «escândalo dos pequeninos» não se encontra em meia dúzia de frases toscas que a mídia secular lê sob sua própria ótica desfocada. O escândalo, o escândalo grande e verdadeiro, encontra-se em católicos esbravejando publicamente contra o Romano Pontífice. Coisa mais anti-tradicional do que isso não existe. A Igreja não é uma democracia na qual cada um dos fiéis é poder constituinte originário. A mentalidade de se fazer abaixo-assinados e lobby político para provocar mudanças nas esferas superiores de poder simplesmente não é católica.

Não interessa aqui o quão «justas» estes católicos julguem as reivindicações que fazem. Interessa também e principalmente o meio pelo qual elas são feitas. Afinal de contas, ao contrário do que ensinava Maquiavel, os fins não justificam os meios. De nada adianta alguém fazer a melhor coisa do mundo através de expedientes francamente deploráveis.

Sim, Santa Catarina de Siena atacou duramente o Papa. Mas ela dirigiu os seus ataques ao Papa. O sujeito que se senta na internet para vomitar impropérios contra o Romano Pontífice em nada se assemelha à Virgem de Siena, simplesmente porque os ataques despejados nos meios de comunicação em massa dirigem-se primariamente às massas, e não aos indivíduos. Um equivalente medieval desse péssimo hábito contemporâneo seria se, durante o exílio de Avignon, os católicos distribuíssem nas vilas e cidades panfletos mal-educados atacando a pusilanimidade de Gregório XI. É bastante claro que Santa Catarina não fez jamais nada sequer minimamente parecido com isso. Nunca ninguém fez nada parecido com isso.

Aliás, corrijo-me: já houve, sim, quem fizesse algo parecido com isso. Recordo-me de um nome: Savonarola. O pregador dominicano passou à história por despejar do púlpito os mais virulentos ataques contra a Cúria Romana e o Papa… Alexandre VI. Ora, perto de Alexandre VI, qualquer dos Papas do século XX pode pleitear a sua conceição imaculada!

Savonarola é porventura santo? Por acaso a Igreja o elegeu como modelo de virtudes a servir de exemplo para os fiéis católicos? Muito pelo contrário. Foi censurado diversas vezes por Roma, excomungado por fim, e morreu na forca. Sobre este interessante personagem D. Estêvão Bettencourt escreveu o seguinte:

Objetivamente falando, o procedimento do pregador florentino merece reprovação. Movido pela obsessão de pretensa vocação profética, excedeu os limites da reverência e da obediência na tarefa que ele se propôs, de repreender não somente as multidões populares, mas também as autoridades civis e religiosas. Não se poderia legitimar a sua insubmissão ao Papa Alexandre VI, que, apesar de graves deficiências, era o legítimo Pontífice (a propósito de Alexandre VI veja-se “P.R.” 4/1958, qu. 11). Acreditando arbitrariamente em sinais extraordinários, o pregador deixou-se alucinar e distanciou-se da realidade.

E sobre ele o velho beneditino ainda acrescenta estas palavras que deveriam ser gravadas em pedra e meditadas sete vezes por dia por todos os que se arvoram juízes dos Sumos Pontífices: «Infelizmente porém, não percebeu (ao menos, em sua conduta prática) que a fidelidade a Cristo e [à] Igreja implica necessariamente fidelidade ao Papa, mesmo a um Alexandre VI».

Diante de tudo isso, o que dizer de dois jornalistas italianos que jogam na imprensa um artigo intitulado «Questo Papa non ci piace»? Acaso se pode criticar o padre que prontamente os dispensou dos seus serviços a uma Rádio Católica? Se vivessem em fins do século XV, acontecer-lhes-ia coisa muito pior. A história nos ensina que nem só de zelo são feitos os santos. Os detratores do Papa Francisco deveriam se olhar mais atentamente no espelho: talvez o negro que lá vislumbrem não seja o do hábito de Santa Catarina. Cuidem para que não seja, ao contrário, um prenúncio do triste fim de Savonarola.

Papa Francisco: sem caridade, as boas obras não salvam

Contra os que ainda insistem em acusar o Papa de naturalismo por conta de sua afirmação sobre o valor das boas obras praticadas mesmo pelos que não têm Fé, o Vigário de Cristo dirigiu palavras muito claras na manhã de hoje (segunda-feira, 14 de outubro) em sua homilia proferida na Casa Santa Marta (grifos meus).

O sinal de Jonas, o verdadeiro, é aquele que nos dá a confiança de ser salvos pelo sangue de Cristo. Quantos cristãos, quantos há, pensam que serão salvos somente pelo que fazem, pelas suas obras. As obras são necessárias, mas são uma consequência, uma resposta ao amor misericordioso que nos salva. Mas as obras, sem este amor misericordioso, não servem.

Portanto, as pessoas são salvas «pelo sangue de Cristo». As obras são «conseqüência» deste «amor misericordioso», da caridade, que é virtude sobrenatural infundida por Deus em nossas almas e pela qual amamos a Ele e ao nosso próximo por causa d’Ele.

E as boas obras naturais são boas e valiosas, predispõem o homem a acolher a Graça, mas não têm valor sobrenatural em si mesmas e, portanto, não servem para a salvação eterna.

Eis a Doutrina Católica de vinte séculos nos lábios do Vigário de Cristo.