Ó Beleza tão antiga e tão jovem

Foi divulgada hoje a lista dos prelados brasileiros que participarão, no próximo mês de outubro, do Sínodo dos Bispos que ocorre em Roma. O tema do Sínodo é a juventude. Foi divulgado também o Instrumentum Laboris da Assembléia, sobre o qual parece que a única coisa que a mídia foi capaz de falar foi que tinha sido a primeira vez que o termo “LGBT” era empregado em um documento oficial da Igreja.

Neste quesito o progressismo tem bem pouca coisa para comemorar. Acontece que um instrumentum laboris é aquilo que o próprio nome diz: um instrumento de trabalho. Trata-se de um documento, por assim dizer, descritivo e não prescritivo: o que nele se contém não é a doutrina nem a praxis da Igreja (nunca foi), mas sim um relato de alguma situação do mundo sobre a qual a Igreja é instada a se pronunciar. É aliás exatamente para isso que periodicamente se reúne a Assembléia do Sínodo dos Bispos.

Por exemplo, o Instrumentum Laboris do Sínodo de 2001 dizia o seguinte: «a mentalidade secularizada de grande parte da sociedade, bem como a ênfase exagerada sobre a autonomia do pensamento e a cultura relativista, levam as pessoas a considerarem as intervenções do Bispo, e também do Papa, sobretudo em matéria de moral sexual e familiar, como opiniões entre outras opiniões, sem influência na vida» (n. 107). Trata-se, como é evidente, de uma descrição do problema. Ninguém em sã consciência poderia ler esse texto e acreditar que a Igreja estivesse abrindo as Suas portas para o relativismo.

Ainda outro exemplo: o Instrumentum Laboris do Sínodo de 2010, sobre o Oriente Médio, dizia que a “islamização penetra nas famílias também através dos meios de comunicação em massa e das escolas, modificando assim as mentalidades que, sem o saber, vão-se islamizando” (n. 34). Mais uma vez, isso não se trata de capitulação da Igreja perante o Islã, mas tão-somente da apresentação — tão exata quanto possível — da situação que a assembléia sinodal era chamada a apreciar. É essa a forma de trabalho deste organismo eclesial desde há muito tempo.

E com isso chegamos ao documento atual, cujo teor é o seguinte:

Alguns jovens LGBT, mediante várias contribuições feitas à Secretaria do Sínodo, manifestaram o desejo de «se beneficiar de uma maior proximidade» da Igreja e experimentar um maior cuidado por parte d’Ela, ao passo que algumas Conferências Episcopais se perguntam sobre o que propôr «aos jovens que, ao invés de formarem casais heterossexuais [sic — coppie eterosessuali], decidem constituir pares homossexuais [coppie omosessuali] e, sobretudo, desejam permanecer próximos da Igreja». (n. 197)

A esta redação é possível fazer dois reparos. O primeiro deles é que “LGBT” não é propriamente uma identidade (a rigor, ninguém “é” LGBT), a não ser como uma espécie de identidade tribal: trata-se de um fenômeno gregário da juventude atual, da mesma forma que, há alguns anos, os jovens se reuniam sob a subcultura punk. E o segundo é que seria muito conveniente evitar o emprego da mesma palavra — no italiano, coppie — para se referir a duas coisas tão gritantemente distintas como os casais e as duplas homossexuais: afinal de contas, para citar outro Instrumentum Laboris do mesmo Sínodo dos Bispos, de há apenas três anos, «[n]ão existe fundamento algum para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a família» (Instrumentum Laboris da XIV Assembléia Ordinária do Sínodo dos Bispos, n. 130).

Mas o que é verdadeiramente impressionante é o dado social que estas linhas revelam. Ora, o pecado é, por definição, uma revolta contra Deus. É possível até compreender como uma fraqueza o pecado eventual, o pecado irrefletido: mas o pecado que é conscientemente defendido, o pecado que é erigido a um estilo de vida, este é a coisa mais anticatólica que pode haver. É possível amar verdadeiramente a Deus e, ainda assim, cair ao longo da vida em muitos pecados, mesmo graves. Mas defender racionalmente aquilo mesmo que Deus abomina, isso só é possível dando-se orgulhosamente as costas ao Criador.

A Cidade dos Homens é oposta a Cidade de Deus; a subcultura gay é oposta à Cultura Católica. No entanto, para horror dos revolucionários, mesmo os jovens iludidos com o canto-de-sereia da tribo LGBT não conseguem dar totalmente as costas ao chamado que lhes faz a Igreja de Nosso Senhor! Ora, isso significa que a cultura tribal não lhes é o suficiente. Os anticlericais quiseram libertar os homens do peso da Igreja; hoje, livres, distantes d’Ela, os homens A contemplam de longe e sentem vontade de a Ela retornar. A descristianização foi um fracasso fragoroso; os livre-pensadores de outrora ficariam envergonhados.

O que está escrito neste documento, em curtas palavras, é que a «cultura gay» não é suficiente para a juventude. E nem o poderia ser jamais: criados para as coisas grandiosas, para a glória do Altíssimo, para o heroísmo, é somente no amoroso cumprimento da vontade de Deus que os jovens podem se sentir enfim realizados. Enquanto não abraçarem esta Doutrina libertadora, sentirão sempre que falta alguma coisa e estarão constantemente insatisfeitos. Satanás construiu uma eficiente prisão para manter os homens afastados de Nosso Senhor; no entanto, ele não pode impedir que, por detrás dos seus muros fétidos, as almas enxerguem a cruz que se ergue sobre o campanário da igreja — e experimentem, ainda que inconfessadamente, o desejo furtivo de trocar a decadência da tribo pela riqueza da grande família dos filhos de Deus.

O terço do presidiário

Sobre o tal terço supostamente enviado pelo Papa Francisco ao ex-presidente Lula, somente três pequenos apontamentos se fazem necessários.

Primeiro, que não há evidência absolutamente nenhuma de que o envio do presente tenha sido um desejo específico do Papa Francisco. O perfil do Vatican News nas redes sociais, a propósito, publicou hoje — inclusive com uma celeridade inusitada — uma nota de esclarecimento dizendo que em nenhum momento o advogado argentino sequer afirmou que o terço havia sido enviado pelo Papa: de acordo com o órgão de comunicação, na entrevista apenas foi dito que se tratava de um objeto abençoado pelo Santo Padre.

Ou seja, o que aconteceu foi simplesmente o seguinte: um advogado foi fazer uma visita particular ao sr. Luís Inácio, levando-lhe de Roma um terço abençoado pelo Papa. Não pôde entrar porque não era dia de visita. Ato contínuo, em um instante, os órgãos de imprensa tupiniquins transformam-no em um legado papal, agindo em missão eclesiástica, encarregado pessoalmente pelo Vigário de Cristo de entregar ao ex-presidente um símbolo do apoio pontifício e impedido de cumprir a sua missão santa pela arbitrariedade policialesca de Curitiba!

A coisa é por demais fantasiosa para merecer muita atenção.

Segundo, que o dr. Juan Gabrois afirma que o Papa sabia da entrega do terço. Ora, ainda que seja verdade, tal é completamente irrelevante: nem torna menos jurídicas as sucessivas condenações sofridas pelo sr. Luís Inácio, nem confere solidariedade internacional ao criminoso caeteense. Na verdade, Sua Santidade bem que poderia ter enviado mesmo o terço, com um carta assinada de próprio punho, e nisso não haveria nada de inusitado. Afinal de contas, ao longo da história os criminosos condenados sempre puderam contar com assistência religiosa — sem que isso significasse jamais a condescendência para com o crime que os anti-clericais do século XX gostam de ver nas manifestações de misericórdia do Pontificado atual.

Um criminoso recebeu um terço. E daí? Por séculos, mesmo os condenados à morte receberam absolvição sacramental quando já se encontravam no cadafalso, sem que se pretendesse jamais que isso pudesse tornar injustas as condenações criminais que pesavam sobre eles. Antes, é ao contrário: era justamente por serem criminosas condenadas que aquelas pessoas precisavam de um sacerdote ao seu lado. Ao ex-presidente Lula faria muito bem rezar alguns terços — como aos condenados que subiam ao patíbulo fazia muito bem ouvirem as exortações da Irmandade da Misericórdia. O Papa bem que poderia ter lhe enviado o presente com este santo propósito.

Terceiro, por fim, que se o Papa Francisco tivesse enviado uma rosa de ouro para o sr. Luís Inácio, alardeando altissonante a sua solidariedade para com a vítima inocente de um sistema judicial corrupto, isso seria um escândalo político e só. É evidente que Pontífice nenhum fala em nome da Igreja quando toma partido em favor de tal ou qual governante, quando firma alianças com determinada nação em detrimento de outras, quando sagra imperadores ou depõe reis. Ninguém está obrigado a seguir as preferências políticas daquele que se assenta no Sólio de Pedro, e se por um lado todo Soberano Pontífice faria muito bem em se manter relativamente afastado da política secular, por outro lado a Igreja tem também o direito (e por vezes o dever) de exortar os poderosos do mundo. Ora, nestas questões de natureza prudencial descabe até mesmo falar em munus docendi da Igreja; no entanto, são assuntos que por vezes se impõem.

Na hipótese de alguém de boa fé acreditar na inocência do ex-presidente, o que é que se pode fazer? Mostrar à pessoa que ela está errada, contradizê-la em público, sim, mas não transformá-la em cúmplice dos desmandos lulopetistas e nem muito menos atribuir-lhe os mesmos propósitos que a esquerda brasileira se esforça por fazer valer neste já tão maltratado país. Uma coisa é ter dúvidas acerca da lisura do processo que culminou na condenação do sr. Luís Inácio, outra totalmente diferente é endossar em bloco o programa político do Partido dos Trabalhadores. De um ponto a outro o salto é muito largo: não pode ser simplesmente inferido e nem é possível demonstrá-lo à base de razões tácitas ou motivos implícitos.

Em resumo, o terço que o presidiário não pôde receber ontem é um objeto religioso vergonhosamente transformado em arma política. Nós, católicos, ao invés de ficarmos dizendo o que o Papa quis ou não quis dizer com o seu gesto, deveríamos era rechaçar de pronto e com veemência esta instrumentalização odiosa da Fé.

Erguendo a velha espada

Esticando os membros após muito tempo parado… a sensação é estranha. Será que o corpo ainda responde como antigamente, será que os dedos possuem ainda a mesma agilidade? Será que os golpes sairão, ainda, com a destreza de outrora? É preciso ir com calma e testar o gume da espada sem pressa, sem lhe exigir demais. Si vis pacem — diz o antigo adágio –, para bellum. E esta santa preparação para o combate deve se dar, justamente, nos tempos de (relativa) paz.

Porque os grandes feitos não se fazem do nada, de repente, em um rompante de heroísmo no calor da batalha. Ao contrário, as grandes vitórias maturam lentamente, no escuro, no silêncio, na solidão. Há muitas e muitas horas de preparação por detrás de quaisquer quinze minutos de liça, e é preciso que seja assim. Se for de outro modo, é sorte de principiante. Se for de outra maneira, os louros são fortuitos e quem os ostenta na fronte, na verdade, não os merece.

Quisera ter empregado minha ausência na preparação para o combate! Quisera chegar aqui, agora, com a espada já afiada, com as mãos já preparadas para o combate, com os dedos já adestrados para a guerra. Mas é exatamente o contrário: os músculos estão demasiado rijos e, infelizmente, se me fosse exigido manejar a espada agora, é provável que ela depressa tombasse inócua. Se eu fosse chamada à guerra agora, neste instante, é provável que o batalhão em cujas fileiras eu me alistasse ficasse desfalcado. Para minha vergonha e minha tristeza.

Não, não venho aqui, agora, exibir as habilidades conquistadas em um tempo — até demasiado longo… — de exercícios e de preparação. É o contrário, eu dizia: o tempo levou-me o manejo a duras penas adquirido, aqui e alhures, de modo assistemático, espontâneo, improvisado. Levou-mo e não foi capaz de lhe substituir a contento. Agora levanto-me vacilante, claudicante, testando a força das pernas, a elasticidade dos braços; agora me levanto não para mostrar os dons adquiridos, mas para recuperar os que ficaram para trás. E devo fazê-lo ainda que doa, ainda que custe, ainda que demore.

Porque as artes da guerra exigem diligente preparação; é preciso respirar o combate. E é natural que os braços pesem e se fadiguem quando se concede ao corpo o luxo de um descanso mais prolongado. Mas não é lícito demorar-se tanto assim em lençóis de seda enquanto, no front, a batalha ainda prossegue tão encarniçada quanto antes. Talvez até mais.

E não é possível ficar por mais tempo parado: seria enterrar talentos. É mais digno a uma espada estilhaçar-se no calor da luta do que enferrujar lentamente em um canto escuro da casa. As canções de heroísmo do passado não eximem ninguém de derramar o sangue que lhe é exigido no presente. Ao guerreiro não cabe senão guerrear; que os bardos após ele recolham-lhe, em pedaços, as façanhas do caminho.

A batalha ainda é sangrenta e preciso me acostumar de novo com a espada. Preciso sentir-lhe o peso, testar-lhe o fio, medir-lhe o alcance; preciso, em suma, reaprender a usá-la, porque os inimigos de Nosso Senhor não serão repelidos sozinhos. Porque não se sabe quando será preciso tomar — mais uma vez — o lugar às brechas da muralha; e porque não quero ser pego de surpresa quando a lâmina vier a ser necessária.

Os músculos doem; por enquanto, apenas me estico. Espreguiço-me e me massageio, pego as armas, brandindo-as lentamente, como que tateando. Doce nostalgia; esperança inflamada. Conceda-me Deus a graça de ainda lutar por Sua glória. Apraza a Nosso Senhor que eu possa voltar aos campos do bom combate.