Vox Catholica entrevista Jorge Ferraz – ouça aqui!

Se você perdeu o Vox Catholica de ontem à noite, quando eu e o Rafael Vitola conversamos sobre a Exortação Apostólica do Papa Francisco y otras cositas más, não se preocupe. O programa pode ser ouvido no Soundcloud:

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É uma conversa informal. Perdoem-me certas tartamudez e expressões descuidadas. Mas acredito que o conjunto da obra esteja bastante aproveitável. Quaisquer dúvidas ou críticas, fiquem à vontade para as manifestar.

Não perca hoje, na Radio Vox!

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Este blogueiro andou um pouco ocupado nos últimos dias. Mas valeu a pena. Entre outras coisas, participei de um agradável bate papo informal com o caríssimo Rafael Vitola e acompanhei a vinda do Prof. Roberto de Mattei ao Recife. As duas coisas você pode conferir hoje (terça-feira, 10/12) na Radio Vox.

O que se pode dizer sobre a última Exortação Apostólica do Papa Francisco, a Evangelii Gaudium? Por que os que acusam o Papa Francisco de relativismo estão, na verdade, atacando Santo Tomás? De que maneira o rasgar de  vestes dos economistas da Escola de Frankfurt Austríaca não revela senão a sua profunda ignorância da Doutrina Social da Igreja? E o que as minissaias têm a ver com toda essa conversa? Descubra hoje, a partir das 21:00 (horário de Brasília)!

Você conhece o Concílio Vaticano II? Qual o grande problema – há algum problema? – com essa magna assembléia católica? O que é o “evento” Vaticano II? Qual a importância de Jacarezinho no desenrolar dessa história? E o quê, afinal de contas, D. Hélder Câmara estava fazendo naqueles anos? Tudo isso e muito mais com o Prof. de Mattei, na Radio Vox, às 22:30. Não percam!

Sobre a autenticidade das relíquias de S. Pedro Apóstolo

Na esteira da primeira exibição pública dos ossos do Apóstolo S. Pedro, alguns meios de comunicação relatam o ressurgimento das polêmicas sobre a autenticidade das relíquias. Ora, essa “polêmica” há muito já deu o que tinha que dar.

Estamos falando de ossos com dois mil anos de idade! A Bíblia Sagrada não nos legou o código genético de S. Pedro para que pudéssemos fazer um teste de DNA, e nem foi erigido para o Pescador da Galiléia um monumento funerário da envergadura das Pirâmides egípcias ou do Taj Mahal. Tudo o que temos – mais ainda, tudo o que podemos ter – é o que nos conta a história cristã. O máximo que nós podemos hoje dizer, portanto, é que as descobertas das escavações feitas sob a Basílica de São Pedro são condizentes com os testemunhos históricos que foram conservados pelos cristãos. É o que temos a apresentar ao mundo. E, sinceramente, parece-me mais do que suficiente.

Há um excelente texto em português contando a instigante história dessas escavações, disponível na internet em três partes (parte 1, parte 2 e parte 3). Não quero entrar aqui em detalhes técnicos. Contento-me em expôr alguns pontos sobre o assunto.

1. Não existe nenhuma dúvida razoável de que o túmulo de S. Pedro tenha sido encontrado. Sempre soubemos que Constantino construiu uma Basílica no lugar onde o Primeiro Papa foi enterrado (um antigo cemitério pagão que à época de Constantino já era destino de peregrinação dos cristãos), e que na Renascença os Papas construíram a atual Basílica Vaticana no lugar da de Constantino. As escavações do século passado encontraram essas duas coisas: sob o edifício atual a Basílica velha, e sob ela a necrópole. Dentre os diversos túmulos que a compunham, um se destacava pela sua posição privilegiada, pelos inúmeros afrescos primitivos que o cercavam, pela posição que os demais túmulos ocupavam em relação a ele, por uma antiga inscrição grega enfim: PETRUS ENI, Pedro está aqui.

2. A polêmica envolvendo os ossos do Príncipe dos Apóstolos envolve uma série de aspectos inerentes à maneira como a história se desenrolou nesses dois mil anos. Havia muitas pessoas – cristãos anônimos – enterradas próximas a S. Pedro; o decurso dos séculos danificou as construções originais; no interior do túmulo foram encontrados ossos de pessoas distintas; etc. Mas, sobretudo, a polêmica reside no fato de que os restos mortais de S. Pedro não foram encontrados exatamente no interior do túmulo do Apóstolo, e sim em uma cavidade de mármore próxima. Não obstante, são ossos de uma única pessoa, do séc. I, de compleição robusta, morto entre os 60 e 70 anos; são ossos que passaram algum tempo enterrados na terra nua (mesma terra do chão do túmulo) e, depois, séculos envoltos em púrpura e fios de ouro.

3. A explicação é óbvia: S. Pedro foi enterrado no chão da necrópole. Os cristãos rapidamente transformaram o lugar em um centro de peregrinação. Foi erigido – ainda durante o tempo das perseguições – um monumento fúnebre no local. Para evitar profanações, em algum momento os restos mortais do Apóstolo foram trasladados do chão do túmulo para um nicho na parede do próprio monumento. Quando Constantino construiu a sua Basílica, envolveu os ossos em púrpura imperial e fechou todo o complexo, só aberto nas escavações do séc. XX. Isso é perfeitamente plausível e bate com as descobertas que foram feitas.

4. As conclusões são tão certas quanto a arqueologia é capaz de proporcionar. A autoridade da Igreja reconheceu a autenticidade dessas relíquias, não nas expressões peremptórias das declarações dogmáticas, mas com fórmulas adequadas à natureza do conhecimento histórico: Paulo VI disse que as relíquias foram identificadas «de modo que se pode julgar convincente», e na urna ontem apresentada ao mundo está gravado que os ossos são atribuídos a S. Pedro («B. Petri. Ap. esse putantur»). É o máximo a que a ciência humana é capaz de chegar. E ela, mais uma vez, está do lado da Igreja.

Petrus Eni

Ontem foi o fechamento do Ano da Fé, junto com a celebração da Missa de Cristo Rei. Em Roma, o Papa Francisco fez uma coisa extraordinária: rezou a Profissão de Fé tendo nas mãos a urna com os restos de São Pedro Apóstolo, os quais foram depois expostos à veneração dos fiéis. Mais fotos podem ser encontradas no Facebook.

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As relíquias de São Pedro, nas mãos do seu sucessor, enquanto ele professava o Credo! Se estamos em tempos onde uma boa imagem vale mais do que mil palavras, foquemo-nos nesta imagem assombrosa: um Papa prestando vassalagem ao primeiro que ocupou o sólio pontifício; invocando o Príncipe dos Apóstolos por testemunha, o Bispo de Roma fazendo a sua solene Profissão de Fé. Passado longínquo e presente unem-se, assim, neste grandioso quadro, e o elemento que une o primeiro século aos dias de hoje é justamente a Fé. A Fé dos Apóstolos, a Fé da qual a Igreja é Mestra e Guardiã Infalível, a Fé que não muda e que é a mesma enquanto o mundo dá voltas. Papa Francisco e São Pedro Apóstolo, unidos na mesma Profissão de Fé. Que o mundo perceba a força dessa imagem e entenda essa verdade.

“Efeito Francisco”: Missas mais cheias e filas mais longas nos confessionários

[Publico uma tradução de um texto do Tornielli (em espanhol aqui) sobre os efeitos que o Papa Francisco tem provocado nos católicos americanos. Parece-me sinceramente difícil negar os bons frutos deste Pontificado.

As coisas não me parecem mais “confusas” do que (p.ex.) no ano passado, a despeito de todos os esforços da mídia anti-clerical para seqüestrar o Papa Francisco. Ao contrário, as informações que o Card. Dolan nos trazem dizem o extremo oposto disso: as missas estão mais cheias, há mais interesse sobre a Fé Católica e os confessionários são mais procurados. Os confessionários! Somos tão ímpios ao ponto de ousar pôr em dúvida a eficácia dos Sacramentos da Igreja Santa de Deus? Perdemos tanto assim o senso do sobrenatural que somos incapazes de ver o horizonte enfeitar-se com as cores do arrebol agora, quando mais e mais almas acorrem ao Sacramento da Penitência?

Olhemos o que acontece a nosso redor. Não deixemos que o azedume de alguns feche-nos os olhos às maravilhas da Graça de Deus que, a despeito das limitações humanas, sempre encontra uma maneira de frutificar. Não nos esqueçamos desta verdade: Cristo Crucificado sempre atrai as almas a Si. Ainda que nos esforcemos por afastá-las d’Ele.]

Cardeal Dolan confirma o “efeito Bergoglio” nos Estados Unidos

Em uma entrevista à  CBS: «Meus párocos falam de mais gente nas missas e de filas maiores nos confessionários»

O “efeito Bergoglio” sente-se também nos Estados Unidos, segundo confirmou o cardeal Timothy Dolan, Arcebispo de Nova York, que chegou ao final de seu mandato como presidente da Conferência Episcopal do país.

O purpurado falou sobre o assunto em uma entrevista com a CBS, na qual disse perceber o efeito do novo pontificado «a cada momento». «Não posso caminhar pelas ruas de nossa amada Nova York – explicou – sem que as pessoas se aproximem e me digam: “Ei, obrigado pelo Papa Francisco. Fizeram um excelente trabalho. Nós o adoramos”.

Tenho ouvido nossos párocos, que sempre estão na linha de frente, dizerem que aumenta o número de pessoas nas missas dominicais e que as filas dos confessionários estão cada vez maiores. Aumentam as perguntas sobre a Fé Católica e também as esmolas».

O Arcebispo de Nova York também respondeu sobre o questionário de 39 perguntas enviado às Igrejas locais em vista do próximo Sínodo da Família: «O que o Papa nos está perguntando é: como podemos apresentar melhor o ensino da Igreja? Como podemos ser mais eficazes em ensinar? E como podemos alcançar com o amor e a compaixão aqueles que têm dificuldades em viver a doutrina da Igreja?».

As Verdades Eternas estão aí: ouçamo-las!

Trago aqui algumas recentes palavras do Papa Francisco, nas suas homilias na capela da Domus Sanctae Marthae. Ponho no original italiano (com a respectiva tradução logo abaixo) porque gostei sobremaneira das expressões originais; «ma, guardi» e «se ne fanno tanti», entre outras, são de uma sonoridade deliciosa. Quase imagino o Papa falando.

Não lembro quem foi que me disse ter ficado encantado com o Papa Francisco logo ao final da «Urbi et Orbi» do Habemus Papam, quando ele disse «buona notte e buon riposo». Digam o que disserem a respeito desta informalidade que não raro parece uma intimidade excessiva: há muitas pessoas carentes no mundo, as quais espero serem capazes de melhor assimilar o Evangelho de Cristo nestes termos do que no (inobstante tão necessário) latim eclesiástico das fórmulas solenes.

Veja-se, à guisa de exemplo, o discurso sobre supostas aparições marianas abaixo. A gente pode gastar um bocado de latim para justificar o porquê de certas aparições precisarem ser tratadas no mínimo com reservas; mas um meme do Vigário de Cristo dizendo que a SSma. Virgem não é chefe dos Correios tem um impacto incomparavelmente maior. A gente pode escrever tratados e mais tratados sobre a ditadura do relativismo, mas nada se compara a Sua Santidade chamando de adúlteros os que decidem fazer o que todo mundo faz. Podemos falar diuturnamente contra a maldição do aborto, mas muitas pessoas não vão assimilar o nosso discurso até ouvirem o Sumo Pontífice falar em leis modernas que protegem sacrifícios humanos. Obrigado, Santo Padre!

Sem mais delongas, ouçamos o Papa Francisco:

«Ma, guardi, la Madonna è Madre! E ama tutti noi. Ma non è un capo ufficio della posta, per inviare messaggi tutti i giorni. [Q]ueste novità allontanano dal Vangelo, allontanano dallo Spirito Santo, allontanano dalla pace e dalla sapienza, dalla gloria di Dio, dalla bellezza di Dio» (14 de novembro de 2013).

[«Mas, olhem, Nossa Senhora é Mãe! E nos ama a todos. Mas [Ela] não é chefe dos correios para mandar mensagens todos os dias. Esta novidade nos afasta do Evangelho, afasta-nos do Espírito Santo, afasta-nos da paz e da sabedoria, da glória de Deus, da beleza de Deus.»]

– «Questa gente — ha proseguito il Papa tornando al racconto biblico — ha trattato con il re, ha negoziato. Ma non ha negoziato abitudini… ha negoziato la fedeltà al Dio sempre fedele. E questo si chiama apostasia. I profeti, in riferimento alla fedeltà, la chiamano adulterio, un popolo adultero. Gesù lo dice: “generazione adultera e malvagia” che negozia una cosa essenziale al proprio essere, la fedeltà al Signore» […] Farà bene anche a noi, ha suggerito il Pontefice, pensare a quanto raccontato dal libro dei Maccabei, a quanto è accaduto, passo dopo passo, se decidiamo di seguire quel «progressismo adolescenziale» e fare quello che fanno tutti (18 de novembro de 2013).

[«Esta gente – prosseguiu o papa voltando ao relato bíblico [dos Macabeus] – tratou com o rei, negociou [com ele]. Mas não negociou [meros] costumes… negociou a fidelidade ao Deus sempre fiel! E isto se chama apostasia. Os profetas, referindo-se à [falta de] fidelidade, chamaram-na de adultério, um povo adúltero. Jesus o disse: “geração adúltera e malvada” que negocia uma coisa essencial ao próprio ser: a fidelidade ao Senhor» […] Far-nos-á bem, disse o Pontífice, meditarmos naquilo que é contado no livro dos Macabeus: nisto que ocorre, pouco a pouco, se decidimos seguir aquele «progressismo adolescente» e fazer o que todo mundo faz.»]

– «Voi pensate che oggi non si fanno sacrifici umani? Se ne fanno tanti, tanti. E ci sono delle leggi che li proteggono» (id. ibid.).

[«Pensais que hoje não se fazem sacrifícios humanos? Fazem-se tantos, tantos…! E há leis que os protegem!»]

São palavras duras e verdadeiras. Ouçamo-las! Depois, não poderemos dizer em nossa defesa que não sabíamos. Não poderemos nos justificar dizendo que pensávamos ser o novo Papa diferente dos anteriores. As Verdades Eternas estão aí; e, em um certo sentido, de um modo até mais acessível do que estavam nos lábios dos seus predecessores.

Pe. Paulo Ricardo no Círculo Católico de Pernambuco

Na última sexta-feira, à noite, houve uma palestra do Revmo. Pe. Paulo Ricardo no auditório do Círculo Católico de Pernambuco. O sacerdote estava de passagem por sua terra natal – sim, ele é meu conterrâneo, para orgulho desta Veneza Brasileira -, a caminho de Fortaleza, e dignou-se proferir algumas palavras para um auditório improvisado.

“Não houve divulgação!”, ouvi alguns amigos reclamarem depois. De fato, não houve. Não havia estrutura preparada para um evento com o Pe. Paulo Ricardo. O encontro foi organizado à moda antiga, boca a boca, via telefonemas, conversas de viva voz, mensagens de celular. Nada de mass media. Algumas exceções se justificaram: os seminaristas foram informados pelo reitor (ou por um dos Vigários Episcopais, agora não lembro ao certo), a diretoria do Círculo foi previamente comunicada, etc. Mas divulgação pública, estritamente falando, não houve mesmo e nem poderia ter havido.

Se o maior auditório do qual dispúnhamos já estava abarrotado de gente sem que divulgássemos nada, onde acomodaríamos os outros que viriam por conta da divulgação? Não havia condições. Recife ainda aguarda um verdadeiro evento com a presença do pe. Paulo. Na última sexta-feira, tivemos apenas um pequeno regalo oferecido pelo sacerdote que estava de passagem. Precioso, mas restrito.

Quisera ter a palestra completa para a disponibilizar aqui; talvez a consiga em breve. Por enquanto, cito de memória algumas das coisas mais interessantes que retive daquele pequeno encontro da sexta-feira ao qual tive a graça de estar presente.

O Pe. Paulo começou falando sobre a moderna concepção de “Família”, e como este novo conceito em tudo se opõe ao que é ensinado e vivido pela Igreja Católica. Citou desde o começo: de como as idéias de Marx consignadas no “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” de Engels influenciaram o pensamento sociológico posterior. Afirmou que esta revolução, pelo menos no que toca à dissociação entre ato sexual e reprodução, está plenamente estabelecida mesmo entre bons católicos, e o demonstrou com três simples perguntas:

– Levantem a mão aqueles cujo pai ou cuja mãe, qualquer um dos dois, tem perto de 10 irmãos. Muitos levantaram a mão. – Agora levante a mão quem tem perto de 10 irmãos. Somente meia dúzia de pessoas, no máximo, a levantaram. – Agora, a pergunta matadora: quem de vocês tem 10 filhos? Absolutamente ninguém ergueu o braço.

E se nós, católicos de escol, estamos assim tão distantes do que era comum e corriqueiro no catolicismo mediano da época de nossos avós, é porque existe algo de muito errado com o mundo. E esta prodigiosa mudança se operou no transcurso de poucas décadas, em apenas duas gerações! O trabalho realizado pelos inimigos da Civilização foi muito bem feito, de uma eficácia estarrecedora. Os seus maus intentos foram perfeitamente atingidos, e suas idéias estapafúrdias hoje gozam da mais absoluta hegemonia social.

Depois, o padre falou sobre o virtual abandono das defesas da Igreja Católica, devido a uma onda de otimismo que contagiou o mundo por volta da década de 60 do século passado. Pessoas do mais incontestável amor à Igreja – afirmou o Pe. Paulo – estavam sinceramente convencidas de que as multidões acorreriam rapidamente ao grêmio da Santa Madre se a mensagem evangélica fosse apresentada de modo mais positivo, de uma maneira que os homens fossem capazes de compreender. Como se o problema estivesse somente numa compreensão equivocada do ensino da Igreja. Como se a má vontade não pudesse oferecer resistência à graça divina, ou como se não houvesse espíritos malignos voando pelo mundo para perder as almas dos filhos de Deus.

Hoje, olhando para o passado, é-nos possível dizer que o resultado deste método – universalmente adotado nas últimas décadas – foi uma incontestável catástrofe completa. Não ocorreu a primavera que era esperada, e a boa vontade dos homens não foi capaz de sobrepujar o tradicional ranço anti-católico que é um reflexo daquela inimizade estabelecida por Deus entre os Seus filhos e os filhos da Serpente após o Pecado Original. No entanto, os Bispos que possuímos hoje são exatamente aqueles que estavam no seminário àquela época! E como as posições da juventude são difíceis de se abandonar, aquele otimismo (que hoje se nos afigura a nós completamente sem fundamento) ainda domina os corações da maior parte dos nossos prelados.

E não podemos bater de frente com eles. Não é católico e não é inteligente combater os nossos bispos, ainda que eles não nos compreendam. Não podemos nos indispôr com eles, pois isso só nos tolherá as (já exíguas) possibilidades de ação dentro da Igreja: seremos um católico a menos. E hoje, talvez mais do que nunca, é preciso perseverar. Porque a primavera não veio, e ainda estamos no mais tenebroso inverno.

E o inverno não é época de florescer. No inverno, a Natureza gasta todas as suas energias para sobreviver, e é isso o que deve ser feito por nós. Não adianta esperarmos coisas grandiosas ou idealizarmos empreitadas primaveris: precisamos guardar a Fé e esperar que o inverno passe – ele há de passar. Precisamos sobreviver e, conosco, fazer sobreviver a chama da Fé Católica: isto está ao nosso alcance fazer. O inverno há de passar. E daqui a alguns anos – cinqüenta, cem, duzentos anos, não sei – a Primavera finalmente virá. E os nossos descendentes, os católicos do futuro, olharão para trás com um sentimento de profunda gratidão por nós, e nos chamarão de Bem-Aventurados, porque sobrevivemos. E nos dirão: “se hoje nós estamos aqui, é porque vós fostes fiéis; se hoje nós cremos, é porque vós um dia crestes”. E esta será a nossa honra e a nossa glória.

Abaixo, algumas fotos que consegui tirar do evento.

P.S.: Para quem ainda não ouviu, esta palestra foi ao ar pela Radio Vox e pode ser ouvida aqui.

O questionário preparatório para a Assembléia do Sínodo dos Bispos sobre a Família

Em preparação para a Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos – que acontecerá no próximo ano e abordará o urgente tema da Família -, foi recentemente tornado público um questionário que o Papa preparara para supostamente ser respondido por todos os católicos do mundo. O citado questionário trazia perguntas sobre casais de fato, casais em segunda união, duplas gays e a doutrina da Humanae Vitae, entre outras coisas.

Vi primeiro a notícia no Facebook, ainda na semana passada, e a idéia de se consultar todos os católicos do mundo sobre o tema me pareceu duplamente absurda. Primeiro pela (evidente) virtual impossibilidade logística de uma consulta desta magnitude, e segundo porque semelhante “democracia direta” era obviamente estranha à constituição da Igreja.

Depois, vi a notícia no Infovaticana. O absurdo escopo da pesquisa continuava presente:

O Papa Francisco preparou uma pesquisa mundial para todos os católicos do mundo [sic: a todos los católicos del mundo] que, segundo o Annuarium Statisticum, são no total 1,214 bilhão [1214 millones].

Ora, a notícia fazia questão de informar o número de católicos atualmente existentes no mundo, o que era um indicativo bastante claro de que seriam todos estes, afinal de contas, os destinatários da pesquisa! O que continuava me parecendo totalmente nonsense.

Fui procurar. Na verdade, trata-se de um procedimento absolutamente normal para a preparação das assembléias do Sínodo dos Bispos: estas reuniões são precedidas por um Instrumentum Laboris elaborado a partir de – entre outras coisas – consultas enviadas às Conferências Episcopais a respeito do tema sobre o qual o Sínodo se vai debruçar. Por exemplo, o último Sínodo dos Bispos, de 2012, dizia o seguinte em seu Instrumentum Laboris (grifos meus):

[1.] Com o intuito de facilitar a preparação específica deste evento foram preparados os Lineamenta. Aos Lineamenta e aos questionários responderam as Conferências Episcopais, os Sínodos dos Bispos das Igrejas Católicas Orientais sui iuris, os Dicastérios da Cúria romana e da União dos Superiores Gerais. Acresce também as observações de Bispos, sacerdotes, membros de institutos de vida consagrada, leigos, associações e movimentos eclesiais. Um processo de preparação muito participado que confirma quanto este tema escolhido pelo Santo Padre está no coração dos cristãos e da Igreja hodierna. Todos os pareceres e as reflexões alcançadas foram recolhidas e sintetizadas neste Instrumentum laboris.

Ou seja, não se trata de nenhum “questionário inédito”, uma vez que este é o procedimento padrão universalmente adotado na preparação das Assembléias do Sínodo dos Bispos. A menos, é claro, que o “ineditismo” aqui se refira ao conteúdo da pesquisa – afirmação que é uma verdadeira platitude, uma vez que as perguntas são tão “inéditas” quanto é a primeira vez que o Sínodo se reúne pra tratar deste tema específico…

O documento de preparação pode ser encontrado em português aqui. Ele consta de uma introdução e do questionário. São diversas perguntas, algumas das quais muito interessantes, como por exemplo:

  • Em que medida – e em particular sob que aspectos – este ensinamento [da Bíblia, da “Gaudium et spes”, da “Familiaris consortio” e de outros documentos do Magistério pós-conciliar sobre o valor da família segundo a Igreja católica] é realmente conhecido, aceite, rejeitado e/ou criticado nos ambientes extra-eclesiais? Quais são os fatores culturais que impedem a plena aceitação do ensinamento da Igreja sobre a família?
  • Como é contestada, na prática e na teoria, a lei natural sobre a união entre o homem e a mulher, em vista da formação de uma família? Como é proposta e aprofundada nos organismos civis e eclesiais?
  • Em todos estes casos [convivência ad experimentum; uniões livres de facto, sem o reconhecimento religioso nem civil; os separados e os divorciados recasados]: como vivem os batizados a sua irregularidade? Estão conscientes da mesma? Simplesmente manifestam indiferença? Sentem-se marginalizados e vivem com sofrimento a impossibilidade de receber os sacramentos?
  • Que atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram viver em conformidade com este tipo de união [homossexual]?
  • No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?
  • Qual é o conhecimento real que os cristãos têm da doutrina da Humanae vitae a respeito da paternidade responsável? Que consciência têm da avaliação moral dos diferentes métodos de regulação dos nascimentos? Que aprofundamentos poderiam ser sugeridos a respeito desta matéria, sob o ponto de vista pastoral?
  • Como promover uma mentalidade mais aberta à natalidade? Como favorecer o aumento dos nascimentos?
  • Em que medida as crises de fé, pelas quais as pessoas podem atravessar, incidem sobre a vida familiar?

Trata-se de perguntas pertinentes e incômodas; fico imaginando a cara de certos prelados brasileiros quando, por exemplo, forem responder sobre «[c]omo favorecer o aumento dos nascimentos» em suas dioceses…

São perguntas que delineiam de forma bastante clara a tônica das discussões das quais será palco a Cidade Eterna no ano que vem. Muito bem elaboradas, cirúrgicas até, sem dar margens para tergiversações. Excelentes.

No entanto, como não poderia deixar de ser, há os espíritos de porco. Por exemplo, o Janer Cristaldo expôs sobre o assunto esta boçalíssima análise:

É a Igreja sondando seus bispos para ver se pode ampliar o rebanho sem causar muitos estragos na instituição. A interdição ao homossexualismo não é dogma. Dogmas só tratam de questões de fé. Ocorre que faz parte da doutrina da Igreja, uma doutrina tão sólida quanto os dogmas. Não seria de espantar que, num esforço insólito de “aggiornamento” – e de ampliação de mercado – a Santa Madre desse o salto inesperado.

“Esqueceu-se” apenas o articulista de que a Igreja é infalível em Fé e em Moral e, portanto, a interdição aos atos de homossexualismo é tão irreformável quanto a crença «na ressurreição do Cristo, na virgindade de Maria e no deus três-em-um». Simplesmente não há “aggiornamento” possível aqui, e nem se pode compreender sob qual lógica uma pergunta sobre «atenção pastoral» aos homossexuais poderia indicar uma “abertura” da Igreja ao homossexualismo que não fosse imediatamente fechada por outra pergunta sobre o aprofundamento da «lei natural sobre a união entre o homem e a mulher (…) nos organismos civis e eclesiais». A superficialidade desta análise seletiva do Cristaldo chega a ser deprimente.

Se ainda fosse possível haver alguma dúvida sobre o objetivo deste documento preparatório, a sua apresentação feita pelo Cardeal Erdö exorcizaria definitivamente qualquer espírito de confusão. O prelado explica com todas as letras; nele,

a família aparece como uma realidade que desce da vontade do Criador e constitui uma realidade social. Portanto, não é uma mera invenção da sociedade humana, muito menos de qualquer poder puramente humano, mas sim uma realidade natural, que foi elevada por Cristo Nosso Senhor no contexto da Graça divina… O documento, assim como a própria Igreja, une estritamente a problemática da Família com a do Matrimônio.

E o arcebispo Bruno Forte arremata, citando João XXIII:

Não se trata, em definitivo, de debater assuntos de doutrina, em outras partes já explicados pelo Magistério recente… O convite que se faz a toda a Igreja é o de escutar os problemas e expectativas que estão vivendo hoje em dia tantas famílias, mostrar-se próxima delas e oferecer-lhes de forma crível a misericórdia de Deus e a beleza da resposta ao Seu chamado.

É este e não outro o caminho da Igreja de todos os séculos, é este e não outro o caminho da Igreja de hoje. Rezemos pela próxima Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos! Que ela possa ajudar a luz de Cristo a resplandecer com renovado fulgor; que possa fazer a beleza da resposta ao chamado de Deus ser apresentada aos homens modernos em toda a sua formosura.

«Entendo o mal-estar, mas na Igreja ou se caminha com o Papa ou se vai em direção ao cisma» – Massimo Introvigne

[Original: Il Foglio
Fonte: Infovaticana
Tradução: Wagner Marchiori]

Entendo o mal-estar, mas na Igreja ou se caminha com o Papa ou se vai em direção ao cisma

Como sociólogo li com interesse o artigo de Alesssandro Gnocchi e Mario Palmaro que testemunha um mal estar em relação a [certos] gestos e atitudes do Papa Francisco, que também vi em setores minoritários, mas não irrelevantes na Igreja. Tal mal-estar, assumido e transformado em reflexão e cultura, pode ser útil; e creio que o próprio Papa Francisco o previu e o tem em conta em sua visão de uma Igreja na qual, como gosta de explicar, a unidade não se confunde com a uniformidade.

O mal-estar não deve ser confundido com o rechaço do Magistério Ordinário, já que essa atitude leva ao cisma. A tese pode parecer forte, mas é inteligível à luz do passado recente.

O venerável Paulo VI buscou evitar certas sequelas do pós-Concílio, a partir, ao menos, de 1968. Diante disso, os progressistas se recusaram a segui-lo  sustentando que os pronunciamentos do Papa não eram infalíveis e constituíam simples indicações pastorais das quais se poderia discordar permanecendo bons católicos.

E assim continuou com o beato João Paulo II. O cardeal Ratzinger e o cardeal Scheffczyk replicaram afirmando que nem todo o Magistério é infalível – uma solene besteira da qual não conheço defensores sérios – mas, também, não se pode ser católico aceitando somente os raríssimos pronunciamentos infalíveis dos Pontífices. Para estar na Igreja é necessário caminhar com os Papas e deixar-se guiar por seu magistério cotidiano. Fora deste caminho estreito está o caminho largo que leva ao cisma.

É um risco – para usar categorias políticas não de todo pertinentes, mas que ajudam a entender – para a esquerda. Mas é um risco também para a direita, onde – naturalmente a propósito de textos diversos dos criticados pelos progressistas – se começou a repetir a mesma cantilena segundo a qual, por exemplo, certos documentos do Concílio Vaticano II não são infalíveis e são meramente pastorais e, por isso, poderiam ser tranquilamente ignorados ou rechaçados.

Bento XVI tratou de pôr ordem no debate com sua famosa proposta da “hermenêutica da reforma na continuidade”, que convidava a acolher lealmente os elementos de reforma do Concílio, interpretando-os não contra o Magistério precedente, mas, sim, tendo-o em conta. A proposta foi rechaçada pela esquerda e, com frequência, mal entendida pela direita.

A direita aplaudiu a continuidade esquecendo-se da reforma e acreditou que o Papa autorizava a acolher, do Vaticano II, somente aquilo que tivesse apresentado de modo novo (‘nove’) o que já era ensinado antes, rechaçando o que era, de fato, “novum”, novo, não – segundo Bento XVI – em contradição com o Magistério precedente, mas certamente não redutível a ele. E não era isso. Esta “direita” interpretou o discurso de despedida aos párocos romanos de 14 de fevereiro de 2013 como uma admissão de que a hermenêutica da continuidade havia fracassado. Na realidade, o que realmente havia fracassado era a tentativa de usar Bento XVI para rechaçar o Concílio.

Reivindicando orgulhosamente seu papel de teólogo no Concílio naquela “aliança renana” dos padres conciliares alemães, franceses, belgas e holandeses que propuseram algumas das principais reformas do Vaticano II, o Papa Ratzinger esclarecia, justo no momento de deixar a cátedra petrina, que nada em seu pontificado autorizava rechaçar a reforma em nome da continuidade.

É possível que o Papa Francisco realize outras reformas na Igreja que o fiel católico deverá acolher com docilidade e sem procurar lê-las como contrárias aos ensinamentos dos pontífices precedentes, mas, sim, tendo-os em conta. Na encíclica “Caritas in Veritate”, Bento XVI esclareceu que  a hermenêutica da “reforma na continuidade” não diz respeito apenas ao Vaticano II, mas a toda a vida da Igreja.

A fórmula de Bento XVI será de grande ajuda para metabolizar o mal-estar e para transformá-lo em uma voz útil na grande sinfonia da Igreja. Construir a continuidade como rechaço da reforma ou declarar que se quer seguir o Papa somente em seus pronunciamentos infalíveis – dois por século – confinando todo o resto na esfera do “falível” e que pode ser ignorado leva, talvez sem se perceber, ao cisma.

di Massimo Introvigne

A Consagração do Mundo e da Rússia ao Imaculado Coração de Maria

O Papa Francisco (re)fez no último domingo, 13 de outubro, aniversário do Milagre do Sol, a Consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria. A fórmula usada por Sua Santidade pode ser vista aqui.

Não há que se menosprezar, por certo, a eficácia de tal gesto; uma consagração é uma coisa sem dúvidas boa, e seria muita impiedade pensar que a Santíssima Virgem Mãe de Deus, magnânima e liberal sobre todas as criaturas, perderia esta oportunidade de derramar abundantes graças sobre o mundo. É claro que choverá bênçãos do Céu por conta dessa entrega do mundo que o Vigário de Cristo fez no início da semana à Bem-Aventurada Virgem Maria.

Não obstante, atos assim sempre remetem à mensagem de Fátima e à Consagração da Rússia que Ela pediu quando apareceu aos três pastorinhos. É bem verdade que o mundo inclui a Rússia, mas não é menos verdade que, neste caso, o todo termina por obscurecer a parte, e a referência ao mundo inteiro faz perder de vista a referência àquela nação particular. Consagrar o mundo e consagrar a Rússia não é a mesma coisa, da mesma forma que – mutatis mutandis – receber uma bênção Urbi et Orbi pela televisão não é o mesmo que ser diretamente abençoado pelo Papa após uma audiência particular.

Desde Pio XII – que parece ter sido o primeiro pontífice a inaugurar a série de consagrações do mundo que se seguiram a ele – o mundo é consagrado ao Imaculado Coração da Virgem. Nunca o nome da Rússia se ouviu nessas cerimônias. O que explica esta aparente insistência em sistematicamente evitar fazer o que Nossa Senhora pediu em Fátima?

A resposta é simples. Não se trata, aqui (ao menos não diretamente), da revelação de Fátima. Quem pediu a Consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria foi a Beata Alexandrina Maria da Costa de Balazar, portuguesa, contemporânea dos videntes de Fátima e «vítima da Eucaristia». A festa litúrgica dela é precisamente no dia 13 de outubro, e portanto era certamente esta beata que o Papa Francisco tinha em mente quando, domingo passado, consagrou mais uma vez o mundo à Santíssima Virgem. Não é uma desobediência aos pedidos de Fátima. É, ao contrário, atender aos pedidos da Beata Alexandrina.

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É claro que as duas consagrações – a da Rússia e a do mundo – não são excludentes. Mas elas também não se confundem. Foi o próprio Papa João Paulo II quem disse, no ato mesmo de consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria, que a Virgem Santíssima ainda esperava que certos povos Lhes fossem consagrados de maneira particular. Disse-o (pelo menos) duas vezes, em 1981 e em 1984 (grifos e destaques no original).

Em 1981:

«Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo, acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo directamente ao vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e, ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega também Vós esperais de maneira particular. Tomai sob a vossa protecção materna a família humana inteira, que, com enlevo afectuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança».

E em 1984:

Mãe da Igreja! Iluminai o Povo de Deus nos caminhos da fé, da esperança e da caridade! Iluminai de modo especial os povos dos quais Vós esperais a nossa consagração e a nossa entrega. Ajudai-nos a viver na verdade da consagração de Cristo por toda a família humana do mundo contemporâneo.

Ou seja: mesmo João Paulo II acreditava que a SSma. Virgem “esperava” a consagração de alguns povos especiais, feita «de maneira particular», e isso mesmo depois do mundo já haver sido anteriormente consagrado ao Seu Imaculado Coração. As duas consagrações não são portanto idênticas, não se confundem e uma delas não “realiza” automaticamente a outra.

É digna de nota esta recusa sistemática em se fazer a consagração nominal da Rússia. Muitos teólogos da conspiração vêem nisso um dos sinais de apostasia da Igreja (ou qualquer besteira do tipo), o que não faz sentido algum e se deve rechaçar com veemência.

A mensagem de Fátima, em que pese a sua importância, é revelação particular. Ora, ninguém se torna herege por não dar crédito a uma revelação particular. Se – por – absurdo os Papas não acreditassem em Fátima, eles não seriam menos Papas por causa disso. Portanto, a não-consagração da Rússia não teria jamais o condão de conduzir a indefectível Igreja de Deus à apostasia; e, por maiores que fossem os pecados de quem se recusasse a atender um pedido da Virgem Mãe de Deus, tal pessoa continuaria perfeitamente católica.

Logo, ainda que um Papa desprezasse a mensagem de Fátima, a Igreja por ele capitaneada continuaria sendo, mesmo assim, o infalível canal dos favores de Deus, a única Arca da Salvação, e a submissão a ele continuaria sendo absolutamente necessária a cada homem que quisesse salvar a própria alma.

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Parece que a Consagração de Fátima não foi feita. Foram feitas outras consagrações pedidas por pessoas santas, que deram incontestáveis frutos: após elas, o Comunismo – ao menos em suas formas mais radicais – caiu junto com o Muro de Berlim. Mas parece que falta ainda alguma coisa; parece que a Rússia espalhou, sim, os seus erros pelo mundo; parece que ela não se converteu; e, principalmente, parece que não estamos vivendo o triunfo do Imaculado Coração da Virgem.

O texto do Segundo Segredo parece corroborar esta nossa impressão. As exatas palavras de Nossa Senhora, pelo que sabemos, são estas aqui:

— Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores, para as salvar, Deus quer establecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra peor. Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sufrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será consedido ao mundo algum tempo de paz.

São palavras que a maior parte de nós conhecemos muito bem. Não são, contudo, as únicas coisas que a SSma. Virgem disse em Fátima. Não está em nosso poder consagrar ou deixar de consagrar nação alguma. Mas há uma coisa, sim, que cada um de nós pode e deve fazer muito antes de se preocupar com a conversão da Rússia: zelar pela nossa própria conversão e pela salvação da nossa própria alma. Afinal, a Virgem Santíssima também nos mandou fazer penitência e rezar o terço todos os dias. E que importância temos dado a esses Seus rogos?

Cumpre-nos fazer o que está a nosso alcance fazer. Não caiamos na insensatez de nos preocuparmos mais com a conversão da Rússia do que com a nossa própria salvação. Afinal de contas, do Triunfo do Imaculado Coração da Virgem nós temos a certeza: Ela o prometeu em Fátima! Da salvação da nossa alma, contudo, nós não temos promessa alguma. É com isso, portanto, que nós temos que nos preocupar. É esta e não outra a parte da Mensagem de Fátima que nós temos que nos esforçar primeiramente por cumprir.