Oração dos Intelectuais Brasileiros

Autoria: Cardeal Sebastião Leme

Fonte: Tribuna do Norte

Oração dos Intelectuais Brasileiros

Deus Onipotente e Bom, Criador do Céu e da Terra, deixai que aos pés de Vossos altares renovemos o preito humilde de nossa adoração e o protesto solene de nossa fé. Dignai-Vos de acolher benignamente a homenagem pobre que Vos rende a nossa inteligência; não a recuseis, Senhor, porque é sincera, consciente e desassombrada.

Cremos firmemente nas verdades por Vós reveladas e aceitamos com amor o magistério infalível da Santa Igreja Católica, Apostólica Romana. Nós temos fé, Senhor! Mas aumentai a nossa fé! Aumentai a nossa fé, pedimo-lo não somente para nós, mas para todos os homens e, de modo especial, para todos os brasileiros, nascidos como nós nesta pátria que fizestes tão bela e tão grande. Lançai um olhar de clemência e misericórdia sobre os nossos intelectuais, publicistas, escritores, homens de estudo, em geral, e sobre todos enfim os que labutam no campo das ciências e das letras.

Vós que sois a Sabedoria Incriada, Pai e Dador de todas as Luzes, iluminai-os, para que tenham a visão da verdade e coragem para professá-la. Não permitais que, longe das claridades magníficas do pensamento cristão, tresmalhem dos caminhos da verdade e do bem. Livrai-os das trevas mortíferas da descrença e do crime inominável das negações sacrílegas. Livrai-os das blasfêmias que degradam e da dúvida que atormenta. Livrai-os sobretudo da cegueira voluntária desse agnosticismo contumaz que, impondo renúncias ao entendimento humano, paralisa os surtos da alma para o alto, para o ideal e para a imortalidade. Reacendei nas almas a chama viva das aspirações elevadas. Acorda nelas os ecos de sua vocação divina para o espiritual e o eterno. Que não tarde, Deus de amor,  que não tarde a restauração espiritual da inteligência brasileira! Refazei-a e disciplinai-a nos princípios imutáveis da verdade, do bem e do belo, para que, incorporando-se à falange gloriosa dos sábios cristãos, a intelectualidade brasileira paire acima dos interesses da matéria e das fosforescências da vaidade.

Para os nossos intelectuais e para nós, obreiros humildes do pensamento católico no Brasil, instantemente suplicamos a esmola de um raio de Vossa Luz divina, a fim de que bem servindo à verdade, possamos servir também aos destinos espirituais desta pátria incomparável.

É, por nós e pelo Brasil, meu Deus, que, invocando os merecimentos infinitos de Jesus Cristo, nosso Mestre e Senhor e a intercessão valiosa de sua Mãe Imaculada, Senhora e Padroeira do Brasil, aos Vossos pés depositamos esta prece fervorosa da alma católica do Brasil. Iluminai a nossa inteligência, para que trilhe sempre a senda da verdade e fortalecei a nossa vontade, para que não vacile na prática do bem. Amparai a nossa fraqueza, inflamai o nosso coração, estendei e dilatai os horizontes de nossa alma, para que, libertos da escravidão dos sentidos e da matéria, possamos desde já contemplar em esperança a glória eterna que nos prometestes. Assim seja!

Carta aos fiés de Olinda e Recife – Dom Leme

[Carta pastoral do Cardeal Leme, em 1916, quando era Arcebispo de Olinda e Recife. Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra foi o segundo arcebispo desta diocese. O atual Arcebispo, Dom Fernando Saburido, é o oitavo. Muitas águas corridas neste quase um século… Muitas coisas mudaram e, outras, continuam as mesmas…

Fonte: Adversus Haereses. Grifos meus.]

Ora, da grande maioria dos nossos católicos, quantos são os que se empenham em cumprir os mandamentos de Deus e da Igreja? É certo que os sacramentos são caudais divinos por onde corre a seiva vivificadora da fé. E, no entanto, parte avultada dos nossos católicos vive afastada dos sacramentos. A Penitência e a Eucaristia, focos de luz divina, são sacramentos conhecidos tão somente da maioria eleita dos nossos irmãos. E os outros? Não carecem do perdão magnânimo do Cristo? Não precisam, quem sabe, das luzes, do conforto e das inenerráveis graças do Pão Eucarístico? Não são católicos! É que são católicos de nome, católicos por tradição e por hábito, católicos só de sentimento. Ensinou-lhes uma santa mãe a beijar a cruz e a Virgem. Eles ainda o fazem. Mas, das práticas cristãs, dessas que purificam e salvam, eles se apartaram desde os primeiros dias da mocidade. (…)

Somos a maioria absoluta da nação. Direitos inconcussos nos assistem com relação à sociedade civil e política, de que somos a maioria. Defendê-los, reclamá-los, fazê-los acatados, é dever inalienável. E nós não o temos cumprido. Na verdade, os católicos, somos a maioria do Brasil e, no entanto, católicos não são os princípios e os órgãos da nossa vida política. Não é católica a lei que nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da autoridade. Leigas são as nossas escolas; leigo, o ensino. Na força armada da República, não se cuida da Religião. Enfim, na engrenagem do Brasil oficial não vemos uma só manifestação de vida católica. O mesmo se pode dizer de todos os ramos da vida pública.

Anticatólicos ou indiferentes são as obras da nossa literatura. Vivem a achincalhar-nos os jornais que assinamos. Foge de todo à ação da Igreja a indústria, onde no meio de suas fábricas inúmeras, a religião deixa de exercer a sua missão moralizadora. O comércio de que nos provemos parece timbrar em fazer conhecido que não respeita as leis sagradas do descanso festivo. Hábitos novos, irrazoáveis e até ridículos, vai introduzindo no povo o esnobismo cosmopolita. Carnavais transferidos para tempos de orações e penitência, danças exóticas e tudo o mais que o morfinismo inventou para distração de raças envelhecidas na saturação do prazer.

Que maioria-católica é essa, tão insensível, quando leis, governos, literatura, escolas, imprensa, indústria, comércio e todas as demais funções da vida nacional se revelam contrárias ou alheias aos princípios e práticas do catolicismo? É evidente, pois, que, apesar de sermos a maioria absoluta do Brasil, como nação, não temos e não vivemos vida católica. (…)

Os deveres religiosos, como não cumpri-los? Ou cremos em Deus e na sua Igreja ou não cremos. Sim? Então não podemos recusar obediência ampla e incondicional às suas leis sagradas. Não cremos em Deus e na Igreja? Nesse caso, não queiramos esconder a nossa descrença. Digamo-lo francamente: não somos católicos. Se, porém, temos a dita de o ser, não há tergiversação possível. Pautando a vida pelos ditames do Credo e dos Mandamentos, deles não nos é permitido selecionar o que nos agrada e o que nos contraria as paixões. Seria ofender a consciência e faltar à coerência. Dessa incoerência, menos rara do que se pensa, resulta a quase nenhuma influência dos princípios regeneradores do cristianismo nos atos da vida individual. E não é só. Privados do influxo benéfico e incomparável do Cristo, privamos a família, a sociedade e a pátria da nossa influência salvadora. Se Cristo não atua sobre a nossa vida individual, como poderemos atuar sobre o meio social?

E, no entanto, da influência social dos católicos é certo que muitos precisa a nossa pátria amada. Ela tem o direito indiscutível a exigir de nós uma floração de virtudes privadas e cívicas que, estimulando a todos no cumprimento do dever, em todos se infiltrem para germe de probidade e são patriotismo.

Da nossa parte, a consciência nos impele a nos desobrigarmos dos deveres que temos para com a sociedade e a pátria. Eles nascem da fé que nos anima e vivifica. Temos fé, somos possuidores da verdade! Como não querer propagá-la? Como não difundi-la? Seria desumano que pretendêssemos insular a nossa fé nas inebriações de perene doçura extática.

É natural, é cristão, é lógico que devo pôr todo o empenho em que meu Deus seja conhecido e amado. Devo esforçar-me para que se dilate o seu reinado e ele – o meu Jesus – viva e reine, impere e domine nos indivíduos, na família e na sociedade. Devo esforçar-me, em tudo e por tudo, para que o meu Deus, Mestre e Senhor, viva e reine, principalmente, nos indivíduos, na família e na sociedade que, irmanadas comigo nos laços do mesmo sangue, da mesma língua, das mesmas tradições, da mesma história e do mesmo porvir, comigo vivem sobre a mesma terra, debaixo do mesmo céu.

Sim, ao católico não pode ser indiferente que a sua pátria seja ou não aliada de Jesus Cristo. Seria trair a Jesus; seria trair a pátria! Eis por que, com todas as energias de nossa alma de católicos e brasileiros, urge rompamos com o marasmo atrofiante com que nos habituamos a ser uma maioria nominal, esquecida dos seus deveres, sem consciência dos seus direitos. É grande o mal, urgente é a cura. Tentá-lo – é obra de fé e ato de patriotismo.

Fonte: Deus e a pátria: Igreja e Estado no processo de Romanização na Paraíba (1894-1930) / Roberto Barros Dias. – João Pessoa, 2008.