Catolicismo e vieses políticos

Parece ter causado certo desconforto a minha menção a uma eventual “esquerda católica” no post sobre o Sínodo da Amazônia. A julgar por algumas reações que recebi e percebi, parece que a expressão foi tomada como um oxímoro, como se só se pudesse ser católico na razão inversa em que se é de esquerda — no limite, como se a “esquerda católica” não fosse católica de verdade.

Vamos por partes. Antes de qualquer outra coisa, convém notar que ambos os adjetivos, em princípio ao menos, dizem respeito a esferas diferentes da vida humana. Assim, o ser católico e o não ser católico estão no âmbito da religião, do sobrenatural, do relacionamento da alma para com Deus; e o ser de esquerda e o não ser de esquerda estão no âmbito da política, do natural, do relacionamento do homem com os outros homens em sociedade. São coisas distintas entre si; não independentes, mas efetivamente distintas. Obviamente o ser humano é uma unidade e não pode, por coerência, pautar-se em público por um conjunto de valores — ou de desvalores — incompatível com aqueles que professa em particular: ninguém pode amar a Deus e odiar o próximo. Há decerto uma extensa área da vida em que os deveres religiosos e os deveres cívicos se sobrepõem, e onde não é lícito ao católico adotar publicamente uma conduta que esteja em contradição com o que ele privadamente acredita. Mas há também uma amplíssima área de liberdade onde é perfeitamente possível haver diversidade de opinião legítima entre bons católicos sobre os rumos da πόλις, cujos limites não é legítimo estreitar sob o argumento da fidelidade religiosa.

Há outro detalhe fundamental. É que as afinidades políticas — principalmente nos nossos dias, em que as agremiações se dão de forma difusa e espontânea, mais orgânica do que institucional — geralmente não têm a mesma rigidez dos cânones religiosos. Na religião não se pode escolher acreditar na Santíssima Eucaristia e descrer do sacerdócio ordenado: mas, em política, alguém pode defender simultaneamente programas de distribuição de renda e casamento civil entre o homem e a mulher. Não posso ser contra o primado do Papa e a favor da Imaculada Conceição; mas posso ser contra o aborto e a favor do Bolsa Família. A incoerência destrói a religião e deixa a política incólume.

Em uma palavra, a religião é uma coisa muito lógica, muito coerente, muito constante, muito organizada. Já a política não. Em matéria religiosa nós temos a Santa Sé para dizer, por exemplo, que o sr. Rómulo António Braschi incorreu em excomunhão em 2002 ao tentar ordenar sete mulheres e, por conseguinte, não é católico. Causa finita. Já em matéria política, mormente no Brasil, no geral não existe ideologia nem doutrina política, mas apenas fisiologismo e opinião. E, principalmente, não existe instância judicante para dizer o que as coisas são e o que elas deixam de ser. Recentemente descobrimos que o parlamentar expulso do partido por infidelidade partidária sequer perde o seu mandato; que se dirá de seu fulano ou de dona sicrana, que selecionam suas opiniões sobre assuntos públicos como a criança displicente que recolhe flores a esmo no caminho de casa? São de esquerda ou de direita? E, sendo de uma delas, ficam acaso proibidos de adotar posições convergentes com a outra? Por força de quê?

Penso que é possível reconhecer que a população brasileira é majoritária e historicamente “de esquerda”. Isso, no entanto, quer apenas dizer que ela, no geral, gosta de estabilidade de emprego e de reforma agrária, quer um Estado paternalista e prestador de serviços, considera justo que os ricos paguem impostos e os pobres recebam assistência social. Mas essa esquerda brasileira no geral não abraça as pautas morais (ou, melhor dizendo, imorais) da esquerda histérica das redes sociais: o feminismo misândrico, a promoção do aborto, o uso de drogas, a ideologia de gênero, o orgulho LGBTQWXYZ, o ódio à autoridade etc. Ora, qual das duas esquerdas é “mais esquerda”? Qual é “a verdadeira esquerda”? Quem tem propriedade para emitir esse juízo? E que diferença isso faz?

Parece-me que os rótulos podem ser utilizados para fins de simplificação — às vezes eles são mesmo necessários. Mas os empregar para ignorar diferenças importantes ou fazer generalizações descabidas é contraproducente. A “esquerda católica” obviamente não pode ser a favor do aborto, do casamento gay ou da revolução proletária, sob pena, aí sim, de deixar de ser católica; mas existem tantos outros temas legítimos implicados no adjetivo “esquerda” que não dá para negar o catolicismo de quem assim se define por conta deles — para quem quer, por exemplo, políticas de igualdade regional, moradia popular, aposentadoria especial para trabalhadores rurais, ampliação da rede pública de água e esgoto, et cetera, et cetera. A lista seria interminável.

Não há nenhuma identidade necessária entre, por exemplo, querer investimentos em educação pública e aceitar o ensino das ideias de Judith Butler para crianças. Que ambas as coisas estejam presentes no programa de certas elites é tão-somente um dado de fato — que deve, sim, ser levado em consideração na hora de fazer política, mas que não pode servir para justificar, a priori, aceitações ou rejeições em bloco, nem para fazer juízos temerários, nem para fechar portas ou cerrar fileiras de maneira acrítica. Deus é o Sumo Bem. Todo bem, portanto, esteja onde estiver, radica em última análise em Deus e a Ele pode e deve ser ordenado. Não é defeso ao católico, assim genericamente, ser de esquerda, de direita ou de centro. De fato, parafraseando Santo Agostinho (na sua célebre e tão mal compreendida frase ama et fac quod vis), a grande e incompreendida verdade é que, sendo católica, a pessoa pode ser o que ela quiser.

Ainda nem chegou o Carnaval

Já estamos no final de fevereiro, já se passou um sexto do ano e o Carnaval nem chegou ainda…! A vida é efêmera e passa depressa. Passa como quatro dias de folia e brincadeira. Cuidemos para que ela não nos passe como um ano suspenso, inerte, na expectativa do Carnaval para só então engrenar e começar de fato. O ano não espera, e a nossa vida também não deve esperar. Cuidemos para que o passar do tempo não nos pegue de surpresa.

Porque enquanto o Carnaval não chega muita coisa pode acontecer e acontece. Nem falo da política nacional e mundial, que voluntariamente tenho acompanhado bem pouco — somente o que me chega nos grupos de WhatsApp, somente o que se comenta no trabalho ou à hora do almoço. Sobre estas coisas já tive a oportunidade de escrever aqui há não muito tempo: elas me interessam mais quando posso, a partir delas, tratar de algum assunto que eu julgue interessante do ponto de vista espiritual.

Não. Incomodam-me, aqui, aquelas coisas que se sucedem mais rápido do que eu as consigo acompanhar — e sobre as quais eu bem gostaria de estar melhor informado! Por exemplo, soube hoje que o senado americano rejeitou uma lei que obrigava profissionais de saúde a prestarem socorros médicos aos bebês nascidos vivos em caso de abortos mal-sucedidos. Que o aborto seja uma monstruosidade é coisa que nem os seus defensores procuram esconder mais; no entanto, que haja políticos empenhados em barrar uma lei que manda recém-nascidos receberem cuidados médicos, é coisa que ainda consegue me surpreender e indignar.

Fui procurar o texto original do Born-Alive Abortion Survivors Protection Act. O que o projeto de lei estabelece — em tradução livre — é que, no caso de aborto ou tentativa de aborto do qual resulte o nascimento vivo de uma criança, qualquer profissional de saúde presente deve prestar-lhe o mesmo cuidado profissional que exerceria diante de qualquer outra criança da mesma idade gestacional. Ou seja, trocando em miúdos, trata-se de uma lei que diz o óbvio (infelizmente o óbvio precisa ser dito nestes tempos sombrios que correm): diante de uma criança em risco de vida, qualquer médico tem a obrigação profissional de socorrê-la! Chega a ser angustiante: como é possível que um ser humano possa votar contra uma lei dessas?

É, no entanto, possível, porque o egoísmo humano não tem limites. É possível porque o tabu da liberdade sexual precisa ser mantido a todo custo, não importa quantas crianças sejam abandonadas no caminho. É possível porque a luxúria é um ídolo caprichoso que exige para si, de maneira cada vez mais explícita, o sacrifício de sangue humano inocente.

E enquanto o carnaval não chega o abortismo dá as caras e as cartas no Congresso Americano.

Também enquanto esperamos soarem os clarins de momo, leio que o Cardeal Pell — prelado australiano hoje com 77 anos — vai responder na prisão a um processo judicial no qual é acusado de abusar de dois menores. Foi considerado culpado em primeira instância; alega inocência e o seu advogado já garantiu que ele vai apelar. Trata-se de outro assunto sobre o qual eu gostaria de estar melhor informado, porque essas acusações são dolorosíssimas. O Cardeal George Pell é um prelado de reta doutrina e de clareza no falar — qualidades tão necessárias como, infelizmente, raras nos dias em que vivemos.

Não tenho ilusões acerca dos homens. Sei muito bem que firmeza doutrinária não está necessariamente ligada a retidão moral, e que do fato de um católico ser referência em ortodoxia não segue — infelizmente não segue — que ele seja, também, baluarte dos bons costumes. Alguém pode perfeitamente ter uma vida intelectual exuberante e, ao mesmo tempo, não levar uma vida moral que lhe esteja à altura. O brilhantismo doutrinário não afasta eventuais falhas morais; da mesma maneira, os pecados do pregador também não maculam a pureza da Doutrina pregada.

Isso tudo é muito claro e muito verdadeiro, e os tempos recentes da Igreja estão repletos de exemplos assim. Essas coisas não nos deveriam mais escandalizar; no entanto, que mal provoca ao combate pela expansão do Evangelho os maus exemplos dos que assumem o papel de campeões da Fé! Sim, a Doutrina não guarda relação direta com a santidade pessoal, e a teologia católica desde há muito tempo soube separar conceitualmente a Fé da Caridade — os pecados mortais, nós o sabemos, podem expulsar a caridade mantendo, no entanto, íntegra a Fé. Tudo isso é verdade; mas tudo isso o sabemos nós, que já temos a graça de ser católicos. Diante de um mundo pagão, diante da multidão de almas mais ou menos avessas ao Cristianismo que somos chamados a conquistar, impossível negar o efeito contraproducente causado por escândalos desta natureza. Domine, miserere.

E o Carnaval nem chegou ainda, e os príncipes da Igreja de Cristo já são lançados ao escárnio dos ímpios.

Enfim… são tempos difíceis. São tempos em que as coisas acontecem cada vez mais depressa (será que acontecem mesmo tão depressa assim, ou será que estamos desatentos com o mundo a nosso redor — contaminados, talvez, pela apatia generalizada?), e nós não nos apercebemos. Não nos damos conta, não prestamos atenção, não rezamos o bastante e não oferecemos suficientes sacrifícios; decerto não fazemos toda a penitência que seríamos capazes de fazer! O mal avança e conquista territórios importantes enquanto esperamos o Carnaval passar — para, só então, adentrando a Quaresma, preocuparmo-nos com a nossa vida espiritual e com o estado da Igreja.

Mas o Príncipe deste mundo não descansa. E, enquanto estamos nos guardando para quando o Carnaval chegar, ele não perde tempo e investe, furioso, virulento, contra nós. Porque ele sabe que pouco tempo lhe resta (cf. Ap XII, 12).

Quanto a nós, quem nos garante que temos ainda muito tempo…?

Questões religiosas e questões políticas

Muito bonita e muito verdadeira a afirmação do Card. Dolan acerca de o aborto não ser uma questão de “direita” contra “esquerda”, mas sim do que é certo contra o que é errado. O trocadilho é intradutível: “[abortion is not about] right versus left, but right versus wrong”, e aliás não é da lavra do Cardeal de Nova York e sim do ex-governador da Pensilvânia Bob Casey Sr. Casey era do partido democrata e adversário ferrenho do aborto.

A política americana atual se encontra dividida entre dois campos ideológicos opostos e irreconciliáveis. Cada grupo tem o seu próprio pacote de reivindicações pronto e acabado: a esquerda é a favor do aborto e dos direitos dos trabalhadores, a direita é a favor das armas e do direito de propriedade. A esquerda é progressista e a direita é conservadora. A esquerda é o Partido Democrata e, a direita, o Partido Republicano.

Esta caricatura de ideologia política transcendeu as fronteiras dos Estados Unidos da América e, no mundo globalizado em que vivemos, passou a dar o tom de toda política. Assim, em qualquer lugar do mundo, hoje você é constantemente interpelado a se definir em termos de direita ou de esquerda; pior ainda, a depender das respostas que você dê a certos temas tidos como “representativos” (como política de drogas ou taxação de dividendos, por exemplo), você é classificado como pertencente a um grupo ou outro e, automaticamente, as pessoas atribuem a você — para o bem e para o mal — todo o pacote ideológico daquele grupo.

Assim, se você é, por exemplo, religioso, contra o casamento gay e contra o aborto, as pessoas presumem que você também é contra as políticas assistencialistas e as cotas sociais. Ou se você é a favor do divórcio, dos imigrantes e contra a presença de símbolos religiosos em prédios públicos, os outros presumem que você também é contra a posse de armas de fogo e a favor da intervenção forte do Estado na economia. Isso facilita as coisas, sem dúvidas, isso reduz complexidade social, mas isso também limita o campo de atuação humano e, convenhamos, dificulta e falseia o debate público. Ou seja, isso termina por atrapalhar a política.

Essa forma com a qual nos acostumamos a enxergar a realidade tem dois grandes problemas. O primeiro, como já foi ventilado, é que isso limita a esfera de ação daqueles que querem participar da vida pública. Precisando optar por um grupo político ou pelo outro, o cidadão acaba sendo coagido a comprar o “pacote completo” para fins de pragmatismo político e para fortalecer a identidade partidária: assim, o sujeito concorda bastante com x, w e z, não concorda muito com y mas acaba encampando também a sua defesa porque de outra sorte não teria espaço para defender x, w e z — que é aquilo pelo que ele realmente gostaria de lutar. Ou seja, a pessoa defende algumas coisas por convicção interior e outras por condicionamento exterior.

O segundo problema é ainda pior. É que existem algumas coisas dentro destes pacotes político-ideológicos — muitas coisas, eu diria — que são perfeitamente discutíveis, com relação às quais se pode chegar a diversos arranjos legítimos. Não existe uma única maneira correta de se cobrar impostos ou de se elencar os deveres mínimos que os empregadores devem guardar para com os seus empregados. Definir se a maioridade penal deve ou não coincidir com a maioridade civil, ou repartir entre os patrões e a sociedade os custos da licença-maternidade, isso são coisas cujas concretizações podem ser francamente inaceitáveis, sem dúvidas, mas que também se podem concretizar de muitas maneiras perfeitamente aceitáveis. Em temas assim, as questões verdadeiramente morais só se impõem nos seus extremos, deixando uma ampla margem para o saudável exercício da prudência e dos juízos contingentes. Aqui há muito espaço para negociações.

Mas isso não se aplica a todos os temas. Em particular, a defesa da vida não é negociável da mesma maneira que a alíquota do imposto de renda; com o aborto, com o assassínio, com o mal, não é possível condescender de nenhuma maneira. Não é possível, aqui, forçar um meio-termo que privilegie os dois lados da disputa: qualquer mínima autorização ao aborto é sempre e em si mesma uma ofensa objetiva à justiça e ao direito, uma ferida aberta na civilização. Da mesma forma que não se pode pacificar o embate entre escravocratas e abolicionistas dizendo que “apenas” poderão ser escravas as pessoas nas condições A, B e C: por restritíssimas que fossem essas condições, ainda assim elas não fariam descansar os que combatessem a escravidão.

O aborto permitido em condições restritas não é uma deferência concedida aos pró-vida, não é uma situação socialmente pacificada que se deve lutar pra manter: diante do horror do aborto, como diante do horror da escravatura, a única resposta humana possível é a luta por sua total abolição. Com menos do que isso não pode haver paz. Enquanto uma única criança puder ser assassinada com a anuência do Estado, então não é possível estar em paz com esse simulacro de direito e com esta caricatura de justiça.

Foto: Infocatólica | © Getty

A imensa maior parte dos outros temas politicamente relevantes não tem essa mesma imperiosidade. Foi por isso que o Card. Dolan pôde responder assim ao governador de Nova York, que parece ter enorme dificuldade para perceber estas nuances:

Ele — o governador — não me considerava parte da “direita religiosa” quando procurava minha ajuda para o aumento do salário mínimo, a reforma penitenciária, a proteção dos trabalhadores, a acolhida dos imigrantes e refugiados e a promoção da educação universitária para a população carcerária — causas pelas quais estávamos felizes de nos associar com ele, porque também eram as nossas causas. Suponho que eu era parte da “esquerda religiosa” nesses casos.

Card. Dolan

Em resumo, é preciso ter cuidado hoje em dia, porque nem tudo o que se costuma discutir entre pessoas religiosas é uma questão religiosa, como nem tudo sobre o que os políticos são chamados a se manifestar é uma questão política. Há no meio dos “pacotes ideológicos” muitas coisas que não podem ser defendidas com intransigência religiosa, como há também algumas coisas que não podem ser negociadas com condescendência política. É preciso saber separar uma coisa de outra — isso para o bem da política como para o bem da religião.

A Argentina resiste

E o aborto não foi legalizado na Argentina. Não desta vez. É sem dúvidas uma vitória importante, é algo a se comemorar e a agradecer, de joelhos!, a Nosso Senhor e à Virgem Santíssima; mas é também um importante aviso de que devemos — precisamos! — sair da defensiva e assumir um maior protagonismo nesta encarniçada guerra que se trava, escancarada, bem diante de nossos olhos, entre a vida civilizada e a cultura da morte. O aborto não foi aprovado de ontem para hoje na Argentina; mas ele poderia ter sido aprovado, e essa só possibilidade já é uma tragédia e uma vergonha. O avanço da barbárie foi terrível; o estrago que já foi feito é desmesurado; e talvez não estejamos levando suficientemente a sério toda a dimensão do que nos incumbe fazer.

É preciso continuar alerta. O projeto que fora aprovado na Câmara dos Deputados por uma verdadeira maioria de ocasião — 128 votos favoráveis contra 124 contrários — foi derrubado esta madrugada no Senado e não poderá voltar a ser apresentado até a próxima sessão legislativa, que só se inicia em março do ano que vem. No entanto, ainda este mês o Parlamento argentino vai começar a discutir a reforma do Código Penal — que, como não poderia deixar de ser, também vai precisar se posicionar sobre o crime do aborto. A batalha foi superada, mas a guerra está ainda muito longe de acabar.

É preciso não dar tréguas ao mal, e isso tem aqui uma dupla consequência. Por um lado é preciso sem dúvidas parar com o bom-mocismo; é preciso deixar de prestar deferência, em nome da alegada troca civilizada de idéias, aos fautores do crime horrendo do aborto. É preciso chamar o mal de mal com toda a força dos pulmões; é preciso denunciar a insuperável incivilidade da posição abortista. Duas pessoas podem discordar — inclusive de maneira muito irredutível e muito visceral — a respeito de posições, não obstante opostas, em si mesmas respeitáveis, e mesmo dois ferrenhos adversários podem ser capazes de reconhecer isso. Mas um pró-vida não pode agir com a mesma condescendência para com um abortista. Não se está aqui tratando de duas visões de mundo legítimas: antes é o embate entre uma cosmovisão e uma cosmocegueira. A maldade intrínseca do abortismo precisa ser exposta sem tréguas, porque a apologia do pecado é pior do que o próprio pecado.

E esta é a segunda consequência: a prática do aborto é pecaminosa, mas a promoção do aborto é satânica. Se é preciso combater o abortismo com todo o afã, é igualmente preciso desdobrar-se para resgatar as almas que estão à beira do abismo do aborto ou nele já caíram. O abortismo precisa ser massacrado impiedosamente; a mulher que abortou ou pensa em abortar, no entanto, esta precisa ser salva. Estatísticas bem duvidosas dizem que uma a cada cinco mulheres aos quarenta anos já terá feito um aborto; ainda que isso fosse mesmo verdadeiro, não seria verdade que vinte por cento das mulheres fossem abortistas.

Não nos deve assombrar a vastidão do pecado; ao contrário, ela pode e deve ser vista como uma oportunidade para a superabundância da graça. Já escrevi aqui outra vez sobre as mulheres que confessavam abortos: elas podem engrossar as estatísticas dos crimes que já mancharam a nossa Pátria, mas de maneira alguma servem para pavimentar a estrada do assassínio institucionalizado. Em poucas palavras, não se sabe ao certo o número de abortos praticados nos países onde ele é proibido; quanto maior for esse número, no entanto, maior deve ser o empenho para lhe pôr renovados embaraços, para dificultar ainda mais a sua prática. É próprio da honra e da virtude combater com mais ardor, com mais afinco, com mais abnegação, quanto mais vigoroso for o inimigo que nos assalta. Ao contrário, recuar perante o avanço da iniquidade é o que faz uma nação de covardes, uma sociedade de escravos.

É preciso criatividade para cativar os corações e para salvar vidas do aborto. Não podemos mais nos dar ao luxo de levantar em defesa dos indefesos apenas alguns artigos do Código Penal; é preciso dar-lhes vida e efetividade, é preciso impingir com cores vigorosas nas almas o horror deste crime. Que haja abortos, repita-se, não deveria tanto nos assombrar; que haja quem defenda o aborto, este é o maior mal e o inimigo mais macabro, este é o demônio com o qual não é possível fazer acordos, e que é preciso exorcizar à força de mais jejuns e orações que até então vínhamos fazendo.

A Argentina não caiu. No entanto, o golpe sofrido precisa nos fazer acordar. É preciso reconhecer a seriedade da guerra e a importância de nos comprometermos mais com a causa: porque do lado de lá não faltam pessoas comprometidas com o derramamento de sangue inocente. Foi-nos concedida uma pequena vitória, mas não nos enganemos: estamos ainda em plena guerra, com o inimigo à espreita, e não nos é lícito abaixar a guarda por um instante sequer.

Demos graças ao Senhor, sim, sem dúvidas; mas que aos nossos agradecimentos se unam, também, as nossas súplicas mais ardentes e nossos compromissos mais sinceros. Obrigado, ó Virgem Santa, pela batalha recém vencida; e concedei-nos força e coragem para as que ainda nos virão. Valei-nos Cristo Senhor! Por meio da dedicação às Vossas lutas fazei-nos merecedores da Vossa paz.

“E para ter uma vida tranquila, mata-se um inocente.”

Nos últimos dias, a mídia anti-clerical parece ter “descoberto”, embasbacada, o catolicismo do Papa Francisco. Foi por ocasião da recente, infame e ilegítima votação da Câmara dos Deputados argentina que, por 129 votos a favor e 125 contra, aprovou um projeto de lei (que ainda precisa passar pelo Senado e pela sanção presidencial) autorizando o crime do aborto até a 14ª semana de gestação. Em meio à escalada da sanha homicida das sociedades degeneradas contemporâneas, ninguém parece ter se levantado contra o enorme absurdo que é admitir que cinco míseros votos parlamentares — verdadeira e evidente maioria de ocasião — tenham o poder de condenar à morte crianças no ventre materno. Veja-se, que o direito de vida e morte sobre outrem fosse submetido a votação, ainda que por maioria qualificada, ou mesmo por unanimidade, já seria um retrocesso, uma barbárie! Que tal “direito” possa ser admitido por uma diferença de cinco votos entre duzentos e setenta e cinco votantes, aí já é um escárnio e uma loucura. Trata-se de 1,8%. É óbvio que nenhuma coisa em favor da qual se possa decidir legitimamente com base em uma diferença tão pequena é levada a sério por quem se sujeita a essas regras. Por cinco votos dentre trezentos é possível decidir sobre a data da festa da colheita da cidade, entre duas datas igualmente boas; ou sobre o nome do próximo presidente do Parlamento, entre dois nomes igualmente legítimos. Decidir, no entanto, entre a vida e a morte por essa margem, é coisa que deveria fazer corar de vergonha até mesmo os abortistas que guardam algum apreço pelos processos democráticos.

Mas o que isso tem a ver com o catolicismo do Papa? É que, no final de semana seguinte, Sua Santidade fez um discurso improvisado — no qual, aliás, nem mencionava a Argentina — onde disse o óbvio: que é um absurdo matar crianças para que se tenha uma vida tranquila, que isso é uma regressão ao paganismo mais abjeto, que hoje fazemos o mesmo que os nazistas faziam, só que «com luvas brancas». Foi o suficiente para que a mídia, que passou os últimos anos enaltecendo com tanto afinco a figura deste Papa progressista, que estaria empenhado em modernizar a Igreja, que seria o perfeito oposto do seu antecessor alemão, foi o suficiente, eu dizia, para que essa mesma mídia transformasse o Papa em inimigo público número 1 e passasse a exigir, aos berros, a sua renúncia.

Não é figura de linguagem. A Carta Capital estampou uma manchete onde pedia “Deixe o trono, Francisco”, e onde fazia questão de reafirmar a sua «dissidência com esta Igreja que se recusa a reconhecer as mulheres como sujeitas de suas histórias». Oras, agora ser contra o assassínio frio e deliberado de crianças no ventre de suas mães passou a ser recusar-se a reconhecer as mulheres como sujeitas de suas histórias! O que tem uma coisa a ver com a outra? Estivéssemos em pleno regime escravocrata, essa revista censuraria os abolicionistas por negarem aos senhores de engenho o serem sujeitos de suas próprias histórias? É evidente que a questão escravagista não era mera implicância contra os donos de escravos, mas sim uma questão básica de humanidade para com os seres humanos escravizados; como, do mesmíssimo modo, é óbvio que a questão pró-vida não é displicência para com mulher gestante, mas sim defesa do ser humano em risco de ser abortado.

Menos inflamada, mas ainda assim bastante reveladora, foi a coluna da Cora Rónai para O Globo (excertos aqui). Sem esconder o seu descontentamento e a sua insatisfação, a autora afirma que «[o] Papa Francisco é um perigo» porque — ó novidade! — «é tão aferrado aos dogmas medievais da Igreja quanto o papa Ratzinger». E expõe assim a sua preocupação:

A palavra de um líder religioso aparentemente aberto e antenado ao seu tempo tem um peso muito maior do que a palavra de um homem que cultiva ostensivamente a tradição, e não faz a menor questão de ser popular.

O papa Francisco pode causar estragos muito maiores do que o papa Ratzinger jamais sonhou.

Ora, que os Papas sejam (necessariamente) católicos é um pressuposto que não se deveria sequer pôr em discussão. Com o Papa Francisco até essa obviedade foi posta em causa; defendeu-se, dizendo que era católico e filho da Igreja. Quanto a isso, jamais pode ser acusado de haver querido enganar ninguém. No entanto, vemos, agora, os não-católicos virem à mídia carpir as suas alegadas decepções e se insinuarem traídos por uma Papa que — coisa incrível! — se recusa a abraçar as doenças do Terceiro Milênio.

Os doentes e os pecadores sempre receberam uma atenção especial do Papa Francisco. Porque é esta a verdadeira missão revolucionária da Igreja, desde sempre, desde as mais singelas páginas do Evangelho onde Nosso Senhor afirma ter vindo não para os sãos mas sim para os doentes, não para os justos, mas para os pecadores. No entanto, ao contrário do mundo, não se verá jamais a Igreja ou o Papa abraçando a doença ou o pecado — e essa é a diferença essencial entre quem realmente se preocupa com a humanidade e quem mancomuna-se com Satanás para espalhar dor sobre o mundo.

Entre o Papa que ama os doentes e o mundo que espalha doenças, não deve ser difícil escolher quem merece ser ouvido. A Igreja acolhe os pecadores enquanto o mundo exalta o pecado: é por isso que a Igreja permanece enquanto o mundo cai de degeneração em degeneração. No fundo, a histeria dos anti-clericais, como tudo o que fazem, não tem verdadeira razão-de-ser: é somente outra tentativa vil e desonesta (igual em seus objetivos, aliás, à que procura apresentar o Papa como um Che Guevara de branco) de afastar as pessoas do Vigário de Cristo e da verdadeira Igreja de Nosso Senhor — único lugar onde o homem pode encontrar realmente a felicidade e a paz.

A história ainda não terminou (RIP Norma McCorvey)

Não encontrei quase nenhuma repercussão na mídia nacional (em G1 há uma lacônica nota), mas faleceu no último sábado a americana Norma McCorvey, mais conhecida como Jane Roe — sim, a Roe de “Roe v. Wade”. Tinha 69 anos e foi vítima de insuficiência cardíaca (The Washington Post, BBC).

Roe v. Wade é provavelmente a maior fraude jurídica jamais realizada: em 22 de janeiro de 1973 a Suprema Corte americana legalizou o aborto nos Estados Unidos com base em uma mentira. Poucos anos antes, “Jane Roe” — que estava grávida — declarou ter sido estuprada e reclamou na Justiça o direito de abortar a criança; a decisão só veio em 73 (e Roe teve a sua filha e a entregou para adoção), mas terminou por conferir às mulheres um vergonhoso e infame «direito absoluto ao aborto» que, conquanto fosse inicialmente circunscrito ao primeiro trimestre, historicamente justificou até mesmo os partial-birth abortions que ainda hoje mancham o solo americano.

Posteriormente a própria Norma McCorvey denunciou a farsa. Em 1998 ela se converteu ao Catolicismo e, desde então, dedicou a sua vida à causa antiaborto. Ela escreveu uma autobiografia (Won by love, em ebook ou em formato impresso) que eu tenho muita vontade de ler — está na minha lista. Mas de todo modo o ponto central da celeuma é amplamente conhecido: há quarenta anos, duas advogadas feministas se aproveitaram de uma jovem confusa que, mediante uma falsa alegação de estupro, terminou sendo responsável pela legalização do aborto nos Estados Unidos. Ou seja, não apenas a decisão judicial extrapolou — em muito! — os contornos do drama de Jane Roe como a própria violência então alegada era uma mentira.

«Vou carregar este fardo para o meu túmulo», disse Norma em 2012. Infelizmente ela não conseguiu ver em vida a revogação do precedente que, de certa forma, carrega o seu nome: a infame decisão judicial continua em vigor, ceifando a cada ano centenas de milhares de vidas de crianças inocentes só nos Estados Unidos. Não foram «milhares de abortos (…) feitos legalmente no país» desde Roe v. Wade, como G1 reproduziu; na verdade o número já chega perto dos 60 milhões. É o maior assassinato em massa de que se tem notícia, ocorrendo sob o olhar indiferente de duas gerações. É um morticínio ao qual urge pôr fim.

As taxas de aborto nos Estados Unidos são, nos últimos anos, cada vez menores — porque a absurda propaganda pró-aborto é cada vez mais ineficiente em um mundo onde o acesso à informação é cada vez maior. As pessoas têm cada vez mais consciência de que a criança não-nascida é um ser humano como elas próprias e que, portanto, o seu direito à vida não pode ser relativizado em favor da “liberdade de escolha” da mulher. Fala-se que nenhuma mulher pode ser obrigada a ser mãe, coisa com a qual todo mundo está de acordo; mas acontece que  a mulher grávida já é mãe e o que se discute é se ela tem ou não direito de vida e morte sobre o filho que carrega no ventre. É estarrecedor que, vinte séculos depois, o nefasto vitae necisque potestas que o paterfamilias romano detinha sobre os seus filhos seja ressuscitado sob a égide do barbarismo feminista. Há certas idéias que não merecem cidadania em uma sociedade civilizada; ninguém deveria aceitar discutir, por exemplo, se os negros podem ou não ser escravizados, ou se os ordenamentos jurídicos nacionais deveriam ou não proteger minorias étnicas do genocídio em seu território. Se isso é assim — e é bom que seja assim –, por que misteriosa razão deveríamos conceder aos propugnadores do crime horrendo do aborto a deferência que com toda a justiça negamos a outros tipos de assassinos?

A mera objeção de consciência não é suficiente; diante de uma injustiça clamorosa — lembremo-nos, o homicídio voluntário é pecado que clama aos Céus vingança — não é suficiente abstermo-nos de a realizar. É necessário combater incansavelmente para que o mal seja erradicado, se não do mundo dos fatos, ao menos do horizonte moral da sociedade: é impossível fazer com que os crimes deixem de ser cometidos, mas é possível e necessário batalhar para que, diante de qualquer crime, a reação pública do corpo social seja da mais taxativa reprovação. A sociedade mais avançada não é aquela onde ocorrem menos crimes, mas sim aquela onde os crimes são mais veementemente reprovados. Somente os juristas modernos são incapazes de entender isso.

No final do ano passado um comentarista político da Fox News surpreendeu ao afirmar que os Estados Unidos ainda agradeceriam à Igreja por sua posição contrária ao aborto. «A Igreja foi a única instituição que não recuou, apesar de ser ridicularizada, apesar das zombarias e dos ataques que sofreu». Contemplando ainda que com resistência o horror ao qual a depravação abortista já conduziu o mundo, Charles Krauthammer vaticinou que, um dia, «nós vamos agradecer à Igreja por ter reduzido os danos e impedido uma espécie de legalização radical, de recurso generalizado e radical ao aborto».

Norma McCorvey graças a Deus percebeu ainda em vida o mal que provocou na juventude; e a nós, os herdeiros da sua luta, cumpre não descansar enquanto o sonho dela não for realizado. Jane Roe, a militante pró-vida, partiu enquanto a Roe v. Wade ainda permanece neste mundo — e isso não deixa de nos provocar uma incômoda sensação de incompletude, como se a história tivesse terminado de forma trágica. Mas na verdade a história ainda não terminou. Que Nosso Senhor possa ter misericórdia de Norma e levar em consideração mais as suas lágrimas de penitência que o sangue das crianças mortas sob o nome dela; que a sua militância pró-vida dos últimos anos possa lhe valer o perdão dos pecados e o seu ingresso — o quanto antes! — no Reino dos Céus. E que, de lá, quando puder mais junto a Deus, ela enfim nos alcance o fim desta vergonha pelo qual batalhou até o último suspiro.

Requiem aeternam dona ea, Domine;
Et lux perpetua luceat ea.

Requiscat in pace.
Amen.

Para Barroso, aborto no primeiro trimestre não é crime

A decisão de ontem do STF — 1ª Turma afasta prisão preventiva de acusados da prática de aborto — padece de graves problemas éticos e jurídicos, diante dos quais o estupor nacional que ora acomete a população não pode chegar ao ponto de a deixar inerte. Há diversos problemas em curso no país, sem dúvidas, mas este aqui é de longe o de maior importância — e portanto é o que requer a nossa atenção imediata e o dispêndio dos nossos melhores esforços.

Trata-se de um Habeas Corpus (HC 124306) onde se pedia o relaxamento da prisão preventiva de alguns médicos que haviam sido presos, no Rio de Janeiro, por dirigirem uma clínica de aborto. A medida já havia sido liminarmente concedida mas, ontem, no julgamento definitivo, o ministro Barroso trouxe uma nova argumentação para afastar a prisão preventiva: o aborto no primeiro trimestre de gestação não seria crime e, portanto, não é possível aplicar a prisão preventiva porque ela tem como pré-requisito, como é óbvio, a «existência do crime» (CPP, caput do 312, in finis).

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A íntegra do voto do Barroso está aqui. A sua tese é a de que «é preciso conferir interpretação conforme a Constituição ao arts. 124 e 126 do Código Penal, para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre», em cuja “demonstração” o ministro consome a paciência dos seus leitores ao longo de muitas laudas. Ora, os absurdos são patentes.

Em primeiro lugar, é evidente, à toda evidência, que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não considera o aborto um direito fundamental. Isso é bastante óbvio e exsurge imediatamente

a) quer da leitura do próprio texto da Carta Magna (onde o aborto não é mencionado),
b) quer do desenvolvimento histórico do direito brasileiro (para o qual o assassinato de crianças no ventre das suas mães sempre constou entre aqueles atos tão socialmente reprováveis a ponto de merecerem a censura do Direito Penal),
c) quer da realidade social brasileira, sempre majoritariamente contrária ao aborto (e que nem mesmo todo o lobby dos grupos sedizentes feministas e das ONGs financiadas a peso de ouro por organizações internacionais pró-aborto logrou modificar),
d) quer da legislação internacional sobre direitos humanos da qual o Brasil é signatário (v.g. a Convenção Americana de Direitos Humanos).

Enfim, a mais comezinha percepção da realidade dá notícia de que a Constituição não permite o aborto. Ora, dizer que, por força de dispositivo constitucional, o aborto no primeiro trimestre da gestação deve ser excluído do «âmbito de incidência» das normas penais que incriminam o aborto outra coisa não é que dizer que a Constituição consagra o direito ao aborto — o que é uma patente inverdade. Quando o Barroso diz isso, portanto, ele não está preocupado com a realidade objetiva do ordenamento jurídico brasileiro: ele simplesmente tem uma vontade e a quer fazer valer independente de qualquer coisa. Não se trata portanto de legítimo lavor jurídico, mas sim de impôr uma vontade particular sobre uma população que já deu todas as mostras possíveis de que taxativamente a rechaça. O que à evidência não é democrático.

E a farsa também se reveste de notas pouco republicanas quando se observa o seguinte: foram cinco os ministros que discutiram essa questão, sozinhos, sem fazer alarde, sem convocar a população, sem nada. Ora, são duzentos milhões de brasileiros, 513 deputados, 81 senadores… e o que vale é a opinião de cinco sujeitos que chegaram à Suprema Corte pelas vias escusas da indicação política? Se todas as tentativas de impôr o aborto ao Brasil mediante os procedimentos democráticos fracassaram, tal é porque a sociedade brasileira não o quer. Não se pode nem dizer que não haja consenso sobre o tema: não é verdade, há consenso, há um enorme e massivo consenso de que a legislação atual — com o aborto proibido, não sendo punido apenas em poucas situações excepcionais — é satisfatória. Isso é outra daquelas coisas que a realidade grita aos nossos ouvidos; mas o ministro Barroso não tem preocupações com a realidade democrática, pois o que ele quer é moldar um mundo de acordo com a sua vontade onipotente.

Reduzir o colegiado da discussão — trazendo-a para o âmbito restrito de cinco colegas de trabalho — quando o consenso obtido pelo âmbito mais amplo é contrário ao que se deseja é desonesto. É óbvio que é desonesto: se eu não consigo convencer abertamente as pessoas de que a minha posição é melhor, reunir-me os com meus amigos para decidir a questão a portas fechadas e depois impô-la a todos aqueles que eu não logrei convencer é um expediente censurável sob qualquer ótica que se o considere. Isso independe do mérito da questão: ainda que se tratasse não do assassinato horrendo de crianças mas da coisa mais justa do mundo, ainda assim, não seria aceitável, não seria honesto, democrático, republicano, não seria decente decidir a portas fechadas o contrário do que se vem consistentemente decidindo nos espaços democráticos de tomada de decisão. Isso não se pode admitir, não se pode aceitar, não se pode abaixar a cabeça e deixar por isso mesmo.

A argumentação do Barroso, como sempre, é repleta de engodos e circunlóquios capciosos: na verdade não existe um único argumento a favor do aborto que não se baseie, no fundo, em algum sofisma. O aborto viola “direitos fundamentais da mulher” (nn. 23-31)? Ora, em qualquer conflito de direitos fundamentais, é evidente que o direito à vida deve prevalecer sobre a “integridade psíquica”, ou a “autonomia” da mulher, ou qualquer outra coisa parecida — a idéia de que «o peso concreto do direito à vida do nascituro varia de acordo com o estágio de seu desenvolvimento na gestação» (n. 45) é simplesmente infame e abre, escancara as portas ao mais odioso utilitarismo. A humanidade já viu ordenamentos que sopesavam o direito à vida de acordo com suas características (com, por exemplo, a vida dos deficientes tendo um «peso concreto» menor frente a outros direitos), e isso não foi bom. A criminalização não protege o nascituro (nn. 35-39)? Ora, mas é evidente que protege — os números de abortos clandestinos (cuja exata dimensão ninguém conhece justamente por eles serem clandestinos) são sempre inflados pelos grupos pró-aborto, todo mundo sabe disso. É evidente que o número de abortos aumenta com a legalização, porque não tem lógica absolutamente nenhuma sustentar que uma mesma população, em igualdade de condições, possa hoje praticar menos um procedimento seguro e legal do que praticava, ontem, um inseguro e criminoso. Existem «diversos países desenvolvidos do mundo» (n. 41) onde o aborto é descriminalizado? Ora, e daí, somos agora capachos do Primeiro Mundo? O Brasil não é mais um país livre com uma população soberana capaz de se autodeterminar?

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Em suma: uma imposição autoritária, feita de maneira oblíqua e pouco democrática, mediante sofismas os mais grosseiros, em prejuízo da vida humana inocente e indefesa: eis o golpe que o Brasil sofreu ontem. Em um país sério seria de se esperar a imediata exoneração desses senhores: mas aqui eles zombam e escarnecem de nós, confiantes na impunidade que sua posição lhes acarreta. Quando Luís Roberto Barroso foi nomeado para o STF eu disse aqui que «mesmo na hipótese do Partido [dos Trabalhadores] deixar hoje a presidência do país, bastar-lhe-ia sentar e esperar a colheita maldita que inexoravelmente viria» — isso foi em 2013! Ontem a conta chegou e Barroso não fez mais que cumprir o papel anunciado, combinado e acordado. Vergonha para o país, castigo para nós.

O cortejo dos assassinos penitentes

O Estadão traz hoje uma pequena coluna da lavra do revmo. padre José Arnaldo Juliano, capelão do Mosteiro da Luz em São Paulo. Segundo o sacerdote, de cada dez confissões que ele atende, quatro estão relacionadas ao aborto.

É um número altíssimo, tremendo!, que nos autoriza — penso — a tirar algumas conclusões bem duras.

Antes de qualquer coisa, isso revela o avançado nível de barbárie em que nos encontramos. A banalização da vida — mormente da vida humana inocente e indefesa — atingiu patamares que provavelmente fariam corar de vergonha os pagãos de antes de Cristo. A questão mais grave, penso, é a indiferença. O aborto ainda é rechaçado pela maioria da população brasileira; no entanto, ninguém parece se importar com a sua prática escancarada, obscena, a céu aberto. No âmbito intelectual parece que as pessoas no geral compreendem que um feto no ventre da mãe é um ser humano cuja vida ou morte não pode estar sujeita à livre escolha de seus pais; mas no dia-a-dia, na vida prática, no quotidiano, as pessoas têm uma deplorável capacidade de virar o rosto e fingir que não estão vendo nada. Parece ser reencenada aqui aquela triste máxima sobre a corrupção do nosso povo: todos a condenam, mas em determinadas situações todos a praticariam.

Depois: o número revela o imenso mal provocado pela leniência dos poderes públicos no combate a este crime horrendo. Se a índole do povo é tendente à dissolução, compete aos governantes refrear-lhe os maus instintos. Mas a verdade é que nós assistimos, nas últimas décadas, à implantação sistemática e consistente de políticas públicas tendentes a facilitar cada vez mais o crime horrendo do aborto. O padre Lodi denuncia isso pelo menos desde 1999. O resultado está aí: por conta da banalização do mal, muitas mulheres psicologicamente fragilizadas acabam sendo empurradas — muitas vezes por companheiros inescrupulosos — para o assassínio covarde dos seus filhos. E a isso os poderes públicos fecham os olhos, e esses dramas terríveis a sociedade finge não ver.

E isso nos leva à seguinte outra questão: tanto sangue inocente derramado clama aos Céus vingança, e ainda haveremos de padecer muito em expiação pelos nossos crimes. Se o Brasil agoniza sob a corrupção política institucionalizada, se as nossas taxas de homicídios ganham das de países em guerra, se mosquitos nos transmitem pragas horrendas, se as drogas ceifam um número cada vez maior de vidas, se o desemprego cresce e a economia vai mal, tudo isso é pouco — é quase nada — perto do castigo que merecemos pela indiferença com a qual tratamos o crime horrível do aborto. Se este crime, que é o mais horrendo e o mais vil de todos, não nos escandaliza, então nós perdemos o direito de nos escandalizar diante do que quer que seja. Se o nosso coração está tão endurecido a ponto de não se comover com uma criança assassinada no ventre de sua mãe — um ser humano inocente morto, um de nós!, assassinado no santuário da vida –, então somos bestas selvagens sobre as quais a mão implacável de IHWH dos Exércitos não poderá jamais pesar o suficiente.

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Tudo isso é terrível e é dramático, mas resta no fundo da caixa uma esperança a nos alentar. É que as mulheres que cometem esse ato infame ainda se arrependem e, entre lágrimas, procuram um sacerdote para se confessar — no Mosteiro da Luz de São Paulo, quatro em cada dez confissões versam sobre o aborto! Se o pecado é horrendo, o arrependimento é sublime e, o perdão, magnânimo. Se os nossos confessionários estão abarrotados de criminosos e assassinos, que Deus seja louvado! Pior seria se os criminosos não acorressem ao Tribunal da Misericórdia, se os assassinos não fossem limpar nas lágrimas da Penitência o sangue de suas mãos. Os números que o padre José Arnaldo nos trazem assustam, sim, sem dúvidas, mas também servem de alento: o senso do pecado continua, a voz da consciência ainda clama a despeito da massiva propaganda pró-aborto a que estamos sujeitos diuturnamente. A despeito da despudorada opção pelo crime que o Brasil institucionalmente fez, os brasileiros ainda se envergonham do homicídio, ainda se arrependem do assassinato, ainda pedem perdão pelo crime horrendo do aborto. Se o Céu se alegra com um único pecador arrependido, talvez este cortejo de assassinos penitentes nos alcance um pouco da Misericórdia de Deus.

A misericórdia transforma e muda a vida

Apenas três ligeiros comentários sobre a Misericordia et Misera, carta apostólica hoje publicada e com a qual o Papa Francisco encerra o Ano Santo da Misericórdia.

1. A provisão para que qualquer sacerdote possa suspender a excomunhão do aborto foi estendida por tempo indeterminado. O aborto é um pecado gravíssimo que é punido, no Direito Canônico, com a excomunhão latae sententiae (CIC Cân. 1398). Ocorre que essa excomunhão só podia ser remitida pelo Bispo Diocesano ou por aqueles sacerdotes a quem o Bispo conferisse explicitamente esta permissão; na abertura do Jubileu da Misericórdia, no ano passado, o Papa Francisco concedeu a todos os sacerdotes esta faculdade. Aquilo que valia no decurso do Jubileu passa, desde hoje, a valer indefinidamente, «não obstante qualquer disposição em contrário».

Ou seja, i) continua valendo sobre essa matéria tudo que até ontem valia: por força do Jubileu da Misericórdia todo sacerdote estava autorizado a absolver quem houvesse praticado aborto e, a partir de hoje, encerrado o ano jubilar, todo sacerdote continua autorizado a conferir esta absolvição por força da Misericordia et Misera; não obstante, ii) a pena de excomunhão não foi abolida, i.e., continua plenamente vigente o cânon 1398 do Código de Direito Canônico dizendo que «[q]uem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae»; por fim — e a isso voltaremos mais à frente –, iii) o arrependimento continua sendo pré-requisito para se aproximar da Confissão Sacramental, como é evidente.

2. Do mesmo modo foi alargada no tempo a faculdade que fora conferida aos sacerdotes da FSSPX para que administrem validamente o Sacramento da Penitência. A Confissão, assim como o Matrimônio, é um sacramento cuja validade — e não apenas a licitude — depende de jurisdição; ora, como os prelados da FSSPX — inobstante a suspensão da excomunhão em 2009 — permanecem bispos de lugar-nenhum, não possuem jurisdição alguma e, portanto, não podem praticar os atos que dela dependam (e.g. ouvir confissões e assistir Matrimônios).

A situação canônica dos padres da FSSPX continua irregular; as suas Missas continuam ilícitas e a validade dos seus Matrimônios permanece precária, condicionada à incidência do §2º do Cân. 144 do CIC. No entanto, esta determinação do Papa Francisco é alvissareira e nos autoriza a entrever, em um futuro que cada vez mais desejamos próximo, a tão esperada reconciliação da Fraternidade com a Igreja de Cristo fora da qual não há salvação.

3. A passagem bíblica da qual o Papa Francisco se vale para estruturar a sua Carta Apostólica é a da mulher adúltera (Jo VIII, 1-11). Trata-se de um trecho do Evangelho bastante caro a tantos quanto se preocupam com a tendência moderna de separar o perdão do arrependimento — como se “caridade” fosse condescendência com o erro, ou como se a “misericórdia” pudesse se manifestar na atitude displicente de manter o pecador em sua vida de pecado. Como se o perdão não fosse por si só um convite — ou, antes, uma exigência — à mudança de vida, ou ao menos à sincera disposição de mudar de vida.

E aquele «vade et amplius jam noli peccare» perpassa todo o documento pontifício, graças a Deus. São diversas as passagens (os grifos são meus):

  • «Depois que se revestiu da misericórdia, embora permaneça a condição de fraqueza por causa do pecado, tal condição é dominada pelo amor que consente de olhar mais além e viver de maneira diferente» (MM 1).
  • «Nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão» (MM 2).
  • «No sacramento do Perdão, Deus mostra o caminho da conversão a Ele e convida a experimentar de novo a sua proximidade» (MM 8).
  • «A sua ação pastoral [dos Missionários da Misericórdia] pretendeu tornar evidente que Deus não põe qualquer barreira a quantos O procuram de coração arrependido, mas vai ao encontro de todos como um Pai» (MM 9).
  • «Não há lei nem preceito que possa impedir a Deus de reabraçar o filho que regressa a Ele reconhecendo que errou, mas decidido a começar de novo» (MM 11).
  • «O sacramento da Reconciliação precisa de voltar a ter o seu lugar central na vida cristã; para isso requerem-se sacerdotes que ponham a sua vida ao serviço do «ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18), de tal modo que a ninguém sinceramente arrependido seja impedido de aceder ao amor do Pai» (MM 11).
  • «[P]osso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai» (MM 12).

Em uma palavra, a verdadeira misericórdia é e não pode deixar de ser transformadora: «A misericórdia é esta ação concreta do amor que, perdoando, transforma e muda a vida» (MM 3)! O perdão cura e transforma — e o filho pródigo só retorna à casa paterna porque, antes, «caiu em si» e percebeu haver pecado contra o Céu, e a mulher adúltera só escapa da morte para ouvir de Cristo aquele «vai e não tornes a pecar» que perpassa os séculos e ainda hoje ressoa na Igreja: para continuar comendo a lavagem dos porcos não valia a pena o filho pródigo ter empreendido a jornada de volta pra casa, e se fosse para continuar na prostituição melhor seria à adúltera ter sido apedrejada.

O perdão conduz e não pode não conduzir a uma vida nova. Se não fosse assim seria apenas engano e ilusão; se não fosse assim, de nada valeria ser perdoado.

A vitória de Trump: o aborto

Alguns dos meus amigos, verdadeiramente eufóricos com a vitória de Trump, parecem convencidos de que ele será o melhor presidente dos Estados Unidos desde Reagan. Eu, profundo ignorante a respeito da política americana, não tenho condições de compartilhar do mesmo entusiasmo deles; no entanto, sobre a vitória do bilionário republicano há duas ou três coisas que eu julgo poder dizer.

Muitos trataram essas eleições como se elas fossem uma disputa entre o Diabo e Satanás; houve até quem as comparasse com uma eleição disputada, no Brasil, entre Dilma e Crivella. Aquela história de que “a boa notícia de hoje é que Hillary perdeu; a má, que Trump ganhou” foi repetida milhões de vezes desde as primeiras horas da madrugada. Sem compartilhar nem da euforia de alguns nem do alarmismo histérico de outros, penso que eu próprio, se americano fosse, não pensaria duas vezes antes de votar no candidato do Partido Republicano.

O motivo é muito simples: Trump pode ter todos os defeitos do mundo de que lhe acusam, pode ser grosseiro e xenófobo, pode insuflar nacionalismos, provocar corridas armamentistas, pode ser imprudente, sonegador de impostos, pode haver conflito de interesses entre ser multiempresário e presidente da maior economia do mundo, tudo isso: Hillary defende o aborto até o nono mês da gravidez, e Trump não. Isto por si só é motivo mais do que suficiente para votar contra ela, independente de quaisquer outras questões de governo das quais se possa legitimamente divergir no programa político do GOP. Nenhum assunto que faça parte da disputa política contemporânea é mais premente do que a questão do aborto; nenhuma pessoa que defenda o assassinato de crianças no ventre das suas mães tem suficiente integridade moral para merecer confiança em qualquer outra área de atuação pública.

No último debate presidencial, há menos de um mês, Hillary Clinton defendeu o partial-birth abortion. Para quem não sabe do que se trata, o «aborto por nascimento parcial» é uma “técnica” aplicada no último trimestre da gravidez e que consiste em induzir o parto até o ponto de o feto, ainda vivo, começar a nascer; neste momento, quando está parcialmente fora do corpo materno, o aborteiro lhe faz uma incisão na base do crânio que lhe provoca a morte. Em outras palavras, trata-se de pegar uma criança plenamente formada (com sete, oito ou nove meses de gestação), puxar-lhe pelos pés para fora do útero (mantendo apenas a cabeça ainda no interior do corpo da mãe), enfiar uma tesoura na sua nuca até o interior da caixa craniana (matando-a portanto) para, pelo buraco assim formado, introduzir um aspirador, sugar-lhe o cérebro e depois retirar o corpo com a cabeça murcha. Macabro assim.

O Pontifício Conselho para a Família assim se manifestou em 2003 a respeito do tema:

A expressão partial-birth abortion, aborto com nascimento parcial, designa uma técnica de aborto utilizada nos últimos meses de gravidez, durante a qual é praticado um parto intravaginal parcial do feto vivo, seguido de uma aspiração do conteúdo cerebral antes de completar o parto.

[…]

Segundo os seus promotores, trata-se de um gesto rápido, podendo ser praticado sem hospitalização, com anestesia local. A intervenção é precedida de uma preparação de três dias, com dilatação mecânica do cólon uterino. A operação desenvolve-se em cinco fases: num primeiro tempo, quem opera, guiado por ultra-sons, depois da eventual inversão, se necessário for, da posição do feto no útero, prende os seus pés com uma pinça. Em seguida, com uma tracção tira o feto para fora do útero e provoca o parto, extraindo todo o corpo da criança, excepto a cabeça. Quem pratica o aborto executa então um corte na base do crânio do nascituro, através do qual faz passar a ponta de umas tesouras para furar a caixa craniana. Depois, introduz no orifício assim predisposto a extremidade de um tubo fino evacuativo, através do qual é aspirado o cérebro e o conteúdo da caixa craniana do menino. A este ponto, para concluir o aborto, só falta extrair a cabeça reduzida de volume.

É evidente que isso se trata de uma coisa profundamente demoníaca, asquerosa, diante da qual nenhum homem de bem pode nem mesmo ficar indiferente — muito menos defendê-la! Tal monstruosidade é ainda praticada nos Estados Unidos; ainda que não o fosse mais, contudo, Hillary Clinton votou a favor dela quando era senadora e, no mês passado, defendeu esta sua posição ao vivo durante um debate presidencial. Uma pessoa dessas deve, sim, ser combatida de todas as formas possíveis, inclusive por meio do voto presidencial, independente de quem esteja contra ela concorrendo (a menos, é lógico, que o outro candidato defendesse alguma outra imoralidade equiparável — o que absolutamente não era o caso). A magnitude deste volutabro é tão grande que obscurece quaisquer outras questões sobre assuntos normais como política econômica, defesa interna ou restrições imigratórias.

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Hillary Clinton foi derrotada nos Estados Unidos, e isso é uma coisa a agradecer a Deus. Foi derrotado o aborto, o assassinato de crianças no ventre das mães, o promíscuo financiamento federal à Planned Parenthood; estando em jogo coisas assim importantes e explícitas não cabe nem discutir o eventual simbolismo machista, homofóbico, xenófobo ou whatever que o voto em Donald Trump alegadamente represente. Não tem nem cabimento entrar nesse mérito. Obviamente Trump não é o cavaleiro de armadura reluzente que a Cristandade espera; isso no entanto perde completamente a relevância quando se está diante de alguém que defende late-term abortions.

Penso que muitos dos eleitores americanos não queriam votar no magnata nova-iorquino; mas quero pensar que muitos quiseram votar contra a despudorada defesa do assassinato de crianças que a sra. Clinton trouxe para o centro de sua campanha presidencial. A voz das urnas, assim, não foi uma vitória do liberalismo sobre o globalismo ou do conservadorismo sobre o progressismo nem nada do tipo, mas da civilização sobre a barbárie e da defesa da vida sobre o assassinato dos inocentes. Neste ponto sim, sem dúvidas, os resultados hoje apresentados ao mundo são alvissareiros e dignos de comemoração.