Vive Cristo, esperanza nuestra

O Papa Francisco vai assinar na próxima segunda-feira, 25 de março, a exortação pós-sinodal do Sínodo sobre a juventude do ano passado. Duas novidades: desta vez, o documento virá no formato de uma “carta aos jovens” e, além disso, será assinado em Loreto, santuário mariano, fora do Vaticano portanto.

Quanto ao formato do documento, não vejo maiores dificuldades. Trata-se de exortação apostólica, ato formal do Magistério Eclesiástico da mesma natureza, por exemplo, da Familiaris Consortio. É veículo autorizado de transmissão do ensino católico acerca de um tema específico — neste caso, “a juventude”. A princípio, um documento eclesiástico não perde a sua força em razão do estilo com o qual é escrito.

Mas há, no entanto, uma dificuldade de que se pode cogitar, uma de ordem por assim dizer extrínseca e não intrínseca: é que, sob a ótica hermenêutica, o tom informal que presumivelmente se espera de uma “carta aos jovens” pode facilmente obscurecer a reta compreensão da Doutrina Católica — da ortodoxia que presumivelmente se espera de uma exortação apostólica. O problema da mudança de tom não é inédito e nem inesperado, tendo acompanhado o passo da Igreja, às vezes com menor força, às vezes com maior, ao longo das últimas décadas — e isso sem que se precisasse chegar a estes extremos de informalidade que agora se anunciam…

Não que existam formas linguísticas rígidas essencialmente associadas aos diversos tipos de documentos pontifícios. Mas é evidente que um emprego descurado da linguagem pode gerar, e efetivamente gera, um sem-número de incompreensões. É claro que o que é propriamente objeto de um pronunciamento magisterial é aquilo que é significado, e não a maneira escolhida para o significar; a rigor e no limite, devemos o assentimento de nossas inteligências ao conteúdo das fórmulas de Fé e não às fórmulas em si mesmas. Mas também não é sem-razão que a Igreja estabelece fórmulas, e talvez o desinteresse que hoje se tem para com elas explique a dificuldade de compreensão do Catolicismo que, hoje, é o maior mal que assola a Igreja.

Há um outro detalhe digno de nota. É que, desde o ano passado, estavam em vigor certas normas sobre o Sínodo dos Bispos que autorizavam a Assembléia Sinodal a publicar diretamente, por si própria, o documento conclusivo do Sínodo. Falei sobre o assunto aqui. À época, achei que o novo procedimento substituiria o costume de o Papa redigir exortações pós-sinodais, passando a residir no documento final do Sínodo o magistério petrino sobre o assunto.

Mas o Documento Final do Sínodo sobre a Juventude foi votado e aprovado, havendo sido publicado em outubro do ano passado. Inclusive a Sala Stampa publicou as votações detalhadas de cada um dos parágrafos de que é composto o texto. Ainda assim, no entanto, vem-nos agora a notícia de que o Papa Francisco preparou uma Exortação Apostólica pós-sinodal; e, junto com a notícia, vem-nos a dúvida sobre se esta nos sairá melhor ou pior do que aquele…

A despeito de tudo, porém, o local e a data da assinatura do documento são bastante significativos: um santuário mariano, no dia da Anunciação! Envolta assim no tempo e no espaço pelos cuidados da Virgem Santíssima, podemos esperar que esta Carta aos Jovens tenha bom êxito e efetivamente consiga, pela poderosa intercessão da Mãe de Deus, atingir os corações e as mentes da juventude atual. É por isso que rezamos agora. Ó Maria Imaculada, velai pela Igreja do Vosso Filho, recebei este documento à Vossa honra consagrado, e tirei dele maior bem do que seriam capazes os esforços humanos que o produziram. Amen.

Calendário Quaresmal 2019

Mais um Carnaval tem seu fim, mais uma Quaresma nos é concedida pela Divina Providência — graças a Deus. Mais uma vez a Misericórdia do Altíssimo nos concede um tempo favorável para a conversão. Mais uma vez, embora o mundo não a mereça, a oportunidade de fazer as pazes com Deus. Mais uma vez Cristo estende ao mundo as mãos ensanguentadas, oferecendo amor e amizade. Será pedir demais as nossas lágrimas…?

Pois as choremos com coragem e valentia! Aproximemo-nos do Senhor enquanto Ele está perto; busquemo-Lo, enquanto Ele Se deixa alcançar. A Quaresma é este tempo de exercícios espirituais no qual a Igreja Militante se prepara para melhor servir a Cristo. Não é simplesmente um tempo de fugir do pecado — todo o tempo, insista-se, todo o ano, todos os dias, independente do tempo litúrgico, é tempo de se fugir do pecado! A Quaresma é mais que isso. Além de resistir ao mal, é tempo de praticar o bem. Além de não cometer novos pecados, é tempo de fazer penitência pelos pecados de outrora.

E, para isso, pode ajudar ter uma rotina de exercícios — um calendário que indique o que pode ser feito em cada um dos dias desta Santa Quaresma. Atenção, que se trata de simples sugestão: pequenos propósitos para ajudar a viver frutuosamente este tempo de graças. Não se trata de regra da Igreja — a regra eclesiástica é a da Paenitemini, “todos os fiéis estão obrigados pela lei divina a fazer penitência” (Chapter III, I. 1), reproduzida no Código de Direito Canônico: “Todos os fiéis, cada qual a seu modo, por lei divina têm obrigação de fazer penitência” (CIC, Cân. 1250).

Em suma, que temos que fazer penitência é certo. Tal decorre tanto da lei eclesiástica quanto da lei divina. Como havemos de fazê-la, excetuados o jejum e a abstinência dos dias prescritos para a Igreja Universal, aí já é coisa que cada fiel deve discernir por si. Dentro da diversidade dos deveres de estado particulares, cada católico deve eleger o modo específico de concretizar o dever comum da penitência, principalmente no tempo quaresmal.

É neste sentido que é apresentado o calendário abaixo. Nas palavras do Regnum Christi Recife, responsável por sua elaboração:

O Calendário traz sugestões diárias de propósitos para nos ajudar a viver uma Quaresma mais comprometida e agradável a Deus. Aliado a ele, recomendamos também as meditações do projeto “One Step Closer”, que serão divulgadas na página nacional do Regnum Christi @regnumchristibrasil. Que sejamos dóceis à graça divina e Nosso Senhor use destas ferramentas para converter e formar nosso coração.

Movimento Regnum Christi no Recife

Acesse-se aqui o calendário, ou clicando sobre a imagem abaixo. A todos, uma santa e profícua Quaresma! Que, ao longo destes dias de roxo, o trigo seja triturado para fazer-se pão branco imolado a Deus na Páscoa da Ressureição.

Calendário Quaresmal 2019

Adeus à carne

O Carnaval é a antessala da Quaresma. Isso, nós o aprendemos quase que por instinto, quase que por osmose, quase como um truísmo apanhado displicentemente no campo das verdades apodíticas. Nem discutimos. Está na nossa cultura, está no ciclo festivo a que somos expostos ano a ano, está nas máscaras dos palhaços e nas marchinhas de Carnaval. Ao Carnaval segue-se a Quaresma, à Terça-Feira Gorda segue-se a Quarta-Feira de Cinzas — e, aqui, talvez sejamos tentados a complementar: como ao pecado se segue a penitência.

A Missa de Cinzas é para quem cometeu pecados no Carnaval: também já ouvi isso algures. Por essa lógica, você pecaria no Carnaval para se purificar durante a Quaresma. E assim ficaria parecendo que as Cinzas — e, por extensão, toda a Quaresma — seriam uma benevolência da Igreja para com as ovelhas desviadas durante os festejos carnavalescos, um aceno misericordioso às viúvas de Momo.

Tudo isso, no entanto, é balela. É preciso ter coragem de afirmar com veemência, com firmeza, mesmo contra o senso comum que talvez impere entre os que desconhecem o Catolicismo: não, o Carnaval não está para a Quaresma assim como o pecado está para a penitência, não, a Igreja não instituiu as Cinzas para arrebanhar os foliões arrependidos. Não, a Quaresma não existe em função do Carnaval, é exatamente o contrário: é o Carnaval que existe em função da Quaresma. A Quaresma é que é o essencial; o Carnaval é acessório.

E a natureza do acessório deve ser proporcionada à do principal. Ora, a Quaresma é santa e santificante. O Carnaval, portanto, deve ser santo e santificante também. Já esbocei este raciocínio outras vezes aqui, em outros carnavais, mas vale a pena repeti-lo: o tempo do Carnaval é um tempo essencialmente bom, proporcionado à natureza humana, espiritualmente profícuo. Se sobreviesse à humanidade um período de trevas puritanas, e se os homens se esquecessem do que é o Carnaval, e se ao Tempo Comum após o Ciclo Natalino se seguisse a penitência quaresmal sem solução de continuidade, então a Igreja teria que inventar (de novo) o Carnaval, então Momo teria que ser trazido de volta à vida para servir a Cristo.

Porque é preciso dizer adeus à carne! É preciso reconhecer a beleza da música para amargar o silêncio, é preciso deleitar-se com as cores para enlutar-se com o roxo, é preciso apreciar a comida para oferecer a Deus o jejum. É óbvio. O Carnaval é a antessala da Quaresma não porque o pecado precede a penitência, mas porque a preparação da vítima precede o sacrifício. A fartura de hoje ressalta o jejum de amanhã. Nós comemos e bebemos para valorizar a nossa abstinência iminente. Neste tríduo profano, nós reafirmamos a bondade daquilo que, pelos próximos quarenta dias!, vamos oferecer em sacrifício ao Todo-Poderoso.

Se não fosse possível viver santamente o Carnaval então não seria possível viver de forma meritória a Quaresma, cuja penitência consiste em oferecer a Deus o que há de bom no mundo e não o que temos de ruim em nós. Os protestantes não entendem a penitência porque só valorizam o pecado e o arrependimento. Nós, católicos, sabemos que, para além do arrependimento, existe um longo e doloroso caminho de mortificação que deve ser palmilhado Calvário acima se quisermos um dia chegar à glória de Deus. Não se trata de pecar e depois se arrepender, trata-se de se mortificar dia a dia para cada vez mais se assemelhar a Cristo. Isso não é uma coisa que se faça de uma vez para sempre, é um processo que, enquanto estivermos respirando, precisaremos sempre enfrentar.

É exatamente por isso, aliás, que devem ser rejeitadas as mensagens (alegadamente) de Quaresma que dizem para fazermos “jejum de fofoca” (ou coisa parecida) no lugar de jejum de comida. Isso não tem sentido absolutamente nenhum. A fofoca é pecado e deve ser evitada sempre, o ano inteiro, todos os dias, e não apenas na Quaresma. Não se faz “jejum de pecado”, o pecado você evita e arranca da sua vida, contra o pecado você trava guerra sangrenta e incansável vinte e quatro horas por dia! O jejum, a penitência, são sacrifícios oferecidos a Deus, e você somente se abstém do que é bom e lícito, você apenas oferece a Deus aquilo que tem valor. A carne é boa e a fofoca é ruim: é por isso que nós comemos carne no Carnaval e jejuamos na Quaresma, ao passo que não nos é lícito fofocar nem na Quaresma, nem no Carnaval e nem em momento nenhum.

E é pela exata mesma razão que o Carnaval deve ser celebrado. Se a alegria carnavalesca fosse uma coisa má em si mesma, a penitência quaresmal ficaria esvaziada de sentido. Reduzir-se-ia a evitar o pecado, que é a tônica básica da vida cristã no ano inteiro (inclusive, evidentemente, no Carnaval). E, assim, os novos iconoclastas, ávidos por despedaçar bonecos gigantes de Olinda, poriam fim a todo um tempo do Ano Litúrgico.

O Carnaval não é o pecado pelo qual vamos fazer penitência na Quarta-Feira de Cinzas: não nos é lícito pecar nem no Carnaval nem em tempo algum. A licenciosidade dos costumes é algo reprovável e degradante, é coisa contra a qual temos que lutar no Carnaval como no resto do ano inteiro. Não nos é lícito entregar à licença no Carnaval para nos penitenciar na Quaresma — como, repetimos, não nos é permitido ser licenciosos em tempo algum! Mas, no Carnaval, por baixo da licenciosidade, da bebedeira, da maledicência, é preciso enxergar o núcleo que é bom, é preciso encontrar o sentido original da festa, é preciso identificar os prazeres lícitos que estamos aproveitando agora porque, já em breve, deles nos vamos abster. Carne, vale! É preciso saber dizê-lo; na boa compreensão desta despedida está o segredo de uma boa Quaresma.